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Mesmo que se aceite a afirmação segundo a qual os efeitos das decisões tomadas pela elite política não correspondem às intenções originais dos seus membros - e não é preciso ser adepto do marxismo estruturalista para acatar essa evidência -, ainda assim a natureza da elite (seus perfis sociais, atributos profissionais, valores mentais) pode vir a ser um fator importante para a explicação dos fenômenos políticos.
Imagine-se, apenas a título de hipótese, uma elite política formada por indivíduos oriundos de um mesmo grupo social, socializados nas mesmas instituições escolares ou profissionais e que, portanto, partilham da mesma visão de mundo. Imagine-se ainda que os membros dessa elite controlem as principais posições no Estado e tenham de, a partir daí, tomar decisões com relação, por exemplo, à política industrial. Por fim, suponha-se que essas decisões acabem produzindo conseqüências objetivas que não correspondam aos propósitos iniciais dos "planejadores". Ora, mesmo nesses casos seria prudente imaginar que os efeitos produzidos poderiam ter sido outros caso a decisão fosse diferente em função de serem diferentes os decisores. O fato de o resultado final não corresponder às intenções iniciais dos agentes não elimina a relação causal entre ambos os fenômenos. Admitindo hipoteticamente essa correlação, evitamos cair tanto no "voluntarismo", que consiste em afirmar que as elites políticas modelam o mundo de acordo com suas intenções e concepções, como naquilo que Ralph Miliband chamou de "superdeterminismo estrutural" (MILIBAND, 1970, p. 238), defeito simétrico que consiste em descartar pura e simplesmente os agentes políticos e suas motivações como fatores explicativos potenciais das decisões políticas e dos seus efeitos reais3.
Não é prudente, quanto a esse assunto, elaborar uma teoria geral que postule a existência a priori de um vínculo explicativo entre os atributos da elite política e o seu comportamento efetivo. A relação entre "a natureza das elites" e "a natureza das decisões" deve ser vista antes de tudo como uma hipótese de trabalho a ser comprovada (ou não) por pesquisas empíricas. Desse ponto de vista, uma pesquisa sobre as eventuais relações entre, de um lado, os atributos econômicos, sociais e ideológicos dos decisores e, de outro, a conduta de seus membros frente a determinadas questões específicas deve orientar-se por duas perguntas centrais: quem governa? Com quais conseqüências?
A resposta à primeira questão permitiria identificar a origem social, a trajetória escolar, a carreira profissional, os valores sociais daqueles que ocupam as posições políticas estratégicas em uma dada comunidade. A resposta à segunda questão - com quais conseqüências? - ajudaria a dizer se existe (ou não) algum vínculo relevante entre aqueles atributos (todos ou uma parte deles) e os tipos de decisões elaboradas pelo grupo em questão. Qualquer interrogação sobre a natureza das decisões - sua orientação, por exemplo - está obrigada a ao menos levar em consideração a natureza das elites como um provável fator explicativo. Ou, por outra, invertendo o argumento e devolvendo a tarefa: a irrelevância das elites (estatais) para as decisões (estatais) é que deveria ser, desde logo, comprovada.
O estruturalismo marxista não foi a única teoria social que propôs desconsiderar os atributos das elites como uma variável legítima para entender-se as decisões públicas. O "institucionalismo de escolha racional" adotou a mesma postura, apesar de seus simpatizantes partirem de pressupostos teóricos inteiramente diferentes.
Para o institucionalismo de escolha racional, o contexto institucional é a variável independente que explica a conduta de atores políticos tidos como racionais. Segundo G. Tsebelis, esse tipo de abordagem focaliza as coerções impostas aos atores racionais pelas instituições de uma sociedade e postula que a ação individual é uma adaptação ótima a um ambiente institucional determinado. Defende-se, portanto, que as "regras do jogo" condicionam o comportamento dos atores e, em conseqüência, os outputs do sistema político (TSEBELIS, 1998, p. 51). Se a conduta dos atores é interpretada estritamente como uma reação racional aos constrangimentos impostos pelas regras institucionais, então para essa teoria decididamente não é prioritário, e nem mesmo importante, perguntar-se a respeito da história pregressa, da origem de classe ou dos valores culturais dos atores políticos. Na verdade, na presença de um determinado ambiente institucional, os indivíduos são intercambiáveis, isto é, seja qual for o seu background social (alto, baixo) e ideológico (radical, liberal), eles agiriam da mesma maneira exatamente porque são todos atores que racionalmente buscam sempre maximizar seus objetivos (idem, p. 54-55).
Essa variante do institucionalismo trouxe uma importante contribuição à Ciência Política. Frente à hegemonia das interpretações "societalistas", os pesquisadores filiados a essa corrente teórica mostraram que as "instituições contam", isto é, que seu desenho, suas normas e suas regras são importantes para compreender adequadamente a ação dos atores políticos.
Há, entretanto, dois limites analíticos quando se reduz o comportamento político a uma reação racional frente a regras institucionais determinadas. A identificação desses limites, aliás, permite defender a tese complementar (e não oposta) de que, tanto quanto as instituições, "as elites contam".
O primeiro grande problema do institucionalismo de escolha racional (assumido explicitamente pelos seus defensores, diga-se de passagem) reside no fato de essa teoria não ter absolutamente nada a dizer sobre o processo de constituição dos gostos e preferências dos atores políticos (cf. BECKER, 1990, p. 5; TSEBELIS, 1998, p. 54, n. 36). Mais do que isso, a especificidade dos gostos e das preferências dos atores não entra na explicação dos comportamentos políticos. Não interessa, nessa concepção, o fato de que indivíduos são algumas vezes portadores de preferências políticas radicalmente diferentes, mas sim que tais preferências serão perseguidas racionalmente por meio de estratégias semelhantes em função de um mesmo contexto institucional.
Esse tipo de estratégia analítica, ainda que contribua para entender a semelhança de comportamentos entre atores com orientações políticas muito discrepantes (por exemplo: a conduta parlamentar de um líder trabalhista social-democrata e de um dirigente industrial adepto do fascismo), nada diz sobre o conteúdo substantivo dessas estratégias. Sendo assim, a teoria da escolha racional pode explicar o desenvolvimento da ação, mas quase nada diz sobre o motivo que conduz os atores a agir em uma ou em outra direção. Trata-se, portanto, de uma racionalidade institucionalmente situada, mas socialmente desencarnada. A nosso ver, não é plausível supor que os agentes, ao ingressarem na política, dispam-se de todos os valores e preferências que lhes foram inculcados ao longo dos processos de socialização primária, secundária e política. Por essa razão, a análise do processo de recrutamento das elites (os canais que conduziram os indivíduos a posições de mando, por exemplo) e do seu background social é, a nosso ver, indispensável.
Um segundo problema do institucionalismo de escolha racional consiste em tratar as instituições políticas como "variável independente" desconectada do contexto social. Quanto a este ponto, é preciso recordar uma platitude: as instituições não são entidades abstratas que surgem do nada. Ao contrário, são fatos históricos concebidos e construídos não por atores racionais socialmente desencarnados, mas por agentes sociais historicamente situados, portadores de valores específicos, com interesses socialmente determinados e com uma lista de idéias pré-concebidas acerca do que devem ser as instituições políticas. Desnecessário lembrar também que os constrangimentos institucionais de hoje são a expressão e a cristalização de escolhas feitas no passado. Essas escolhas só poderiam ser explicadas em função dos contextos, do legado cultural, institucional, político e da natureza dos agentes envolvidos no processo (cf. THELEN & STEINMO, 1994, p. 2-3; IMMERGUT, 1998, p. 19-22).
Com relação a este ponto em especial, e sem qualquer pretensão de formalização nem originalidade, poderíamos ensaiar uma distinção. Há, de um lado, períodos históricos cruciais, marcados por transições políticas, revoluções sociais, guerras de independência, guerras de conquista etc.; de outro, períodos históricos rotineiros, isto é, momentos em que as escolhas feitas pelas lideranças políticas, assim como o processo decisório, parecem seguir procedimentos e regras estáveis, garantindo, no mais das vezes, um alto grau de previsibilidade aos comportamentos sociais. Parece correto supor, por outro lado, que a natureza da elite política é tanto mais importante quanto mais crucial for o período histórico analisado: em momentos de mudança social há mais decisões a tomar, mais opções a fazer, mais alternativas a legitimar. Já em períodos normais, marcados pela estabilidade (momentos de reprodução social), o impacto dos atributos das elites políticas tenderia por sua vez a ser fortemente mediado pelas regras institucionais e pelas rotinas decisórias pré-estabelecidas, o que não equivale a dizer que esses atributos não tenham aí importância alguma.
Segundo Pierre Bourdieu, a teoria sociológica deve promover uma ruptura com a visão essencialista encontrada em pesquisas influenciadas pela problemática elitista e pelos adeptos do método prosopográfico4. Esses estudos, ainda segundo o sociólogo francês, começam em geral definindo uma dada população para, em seguida, estudar os atributos (em sua língua: o capital econômico, social, político, cultural etc.) dos agentes que a compõem. Ao fazerem isso, os analistas estariam sujeitos a dois enganos.
Primeiro, a teoria das elites tenderia a naturalizar as propriedades sociais distintivas dos grupos dominantes, como se fossem recursos inerentes à superioridade inata de seus membros. Esse primeiro pecado é, em geral, acompanhado por um outro, que consiste na incapacidade de esses pesquisadores adotarem uma perspectiva relacional dos grupos estudados. Se percebessem que "o real é relacional" (BOURDIEU, 1989a, p. 28), os investigadores em questão teriam também se dado conta de que os atributos investigados como propriedades individuais são, na realidade, a expressão das propriedades derivadas das posições objetivas ocupadas pelos agentes no espaço social.
Conforme essa perspectiva relacional, por exemplo, o quantum de capital escolar vinculado a uma dada posição no campo cultural está diretamente vinculado ao quantum do mesmo capital vinculado a uma outra posição no mesmo campo. Para Bourdieu, o poder não é uma relação entre "indivíduos", mas uma relação entre diferentes posições que distribuem desigualmente os capitais específicos de um campo, o que, por sua vez, confere aos ocupantes dessas posições potencialidades distintas para produzir ganhos nas lutas que caracterizam o mesmo campo. Só faz sentido estudar os atributos dos agentes se o estudo servir ao objetivo último da Sociologia, a saber, captar a "sócio-lógica" objetiva que rege o funcionamento de um campo. Fora desse registro, o estudo das elites de pouco serviria.
As críticas de Bourdieu são na realidade um modo mais sofisticado de apresentar aquilo que autores como Anthony Giddens e Robert Putnam chamaram de so what question (GIDDENS, 1974, p. xii-xiii; PUTNAM, 1976, p. x). Afinal de contas, diante daqueles estudos sociográficos, depois de um longo e exaustivo trabalho de pesquisa em que são reveladas algumas características "essenciais" dos membros da elite política, cabe perguntar: e daí? Isto é: o que tais características explicam? Sem isso, o estudo das elites políticas seria apenas uma descrição adequada do "perfil social" dos seus membros, o que pouco ou nada diz de fato sobre a estrutura e o funcionamento da sociedade em questão.
Entretanto, como o próprio Bourdieu (1989b, p. 374) reconheceu, romper com a concepção essencialista é um tanto difícil, pois as propriedades das posições sociais sempre se manifestam como atributos individuais. Nesse sentido, não há como evitar a constatação de que para reconstruir o sistema objetivo de posições no mundo social (ou em um campo específico) é preciso sempre recorrer, inicialmente, ao inventário dos predicados pessoais de uma dada "população", conferindo a esses atributos um tratamento estatístico comum. Como as informações sobre o mundo social estão associadas a indivíduos é a eles que devemos dirigir-nos para indagá-los acerca das propriedades sociais que os constituem (BOURDIEU, 1989a, p. 29). Existem, a propósito, sugestões técnicas abundantes nas pesquisas conduzidas por Bourdieu para recolher e processar esse tipo de informação (técnicas prosopográficas, quadro sinóptico das características pertinentes dos agentes e das instituições e organizações a que eles pertencem, questionários, sondagens, entrevistas em profundidade, etnografia de casos específicos, observação participante etc.).
Feitas as contas, algumas proposições de Bourdieu sobre os grupos socialmente dominantes sugerem todavia o retorno, sob nova roupagem terminológica, da abordagem "posicional", à la Wright Mills (1981), com base em um conceito não menos tradicional de poder ("capital"), i. e., 'poder como a posse de uma quantidade determinada de recursos'. Quanto a esse ponto, vale a pena fazer alguns comentários sobre o estudo feito por um dos seus mais renomados seguidores.
Em Les élites de la République, o historiador social Christophe Charle apresenta os procedimentos técnicos para delimitar o grupo de elites que pretende estudar durante os anos iniciais da III República francesa. Charle, seguindo as orientações da Sociologia Relacional, recusa uma definição formalista e substancialista do grupo, que consistiria em atribuir arbitrariamente a alguns indivíduos uma dada posição de elite. Assim, para a delimitação do coletivo a ser analisado, o estudioso deve lançar mão de fontes que evidenciem o julgamento social da época, tais como dicionários, anuários, publicações do tipo Qui êtes-vouz?, Tout Paris etc. Em seguida, seria preciso identificar, dentro dessa enorme população revelada pelas fontes históricas, um "núcleo duro", que, para o caso de Charle, é composto apenas por empresários, altos funcionários e professores universitários. Define-se assim a "elite pela posse de um certo poder [...]". O resultado líquido aqui é um universo de 1 093 indivíduos que ocupam "os escalões superiores de cada grande categoria" social. Por fim, o autor apresenta o conjunto de variáveis a serem coletadas a fim de refazer a trajetória e captar a posição social dos indivíduos nos campos analisados: variáveis demográficas, sociais, culturais, ideológicas, políticas, consagratórias e financeiras (CHARLE, 1987, p. 12-22). A partir dessas informações, Charle afirma que os grupos dominantes na França, entre 1871 e 1940, teriam deixado de ser uma "classe dirigente" (os "notáveis" que controlavam todos os recursos sociais mais importantes), para fragmentarem-se em uma "classe dominante", caracterizada pela dispersão desse controle entre grupos dominantes especializados (idem, cap. 1).
Assim, apesar de dizer que não pretende iniciar o trabalho de pesquisa por definições formalistas e/ou substancialistas, ao fim e ao cabo Charle adota os mesmos procedimentos usualmente utilizados pelos estudiosos das elites políticas e sociais. O autor afirma inicialmente que submeterá a definição do grupo à percepção dos contemporâneos. Adota-se, portanto, o que a literatura chama de "método reputacional", cuja maior fragilidade consiste em basear-se demasiadamente em percepções subjetivas cujos critérios, exatidão ou pertinência nunca se podem precisar ao certo. No entanto, logo em seguida, Charle muda de estratégia e lança mão daquilo que a literatura chama de "método posicional", bem mais adequado ao caso, diga-se de passagem, já que as elites a serem estudadas (administrativa, universitária e econômica) são formadas por indivíduos que controlam as posições institucionais superiores em uma dada comunidade ou instituição. Essa definição é condizente com a Sociologia de Bourdieu, que utiliza como sinônimos os termos "poder" e "capital", como anotamos acima. O capital é um atributo de posição e, em conseqüência, o poder também deve sê-lo. Assim, se definimos "elite" como um grupo que detém poder, estamos, ao mesmo tempo, dizendo que a elite é um grupo que ocupa uma posição dominante (i. e., uma posição que fornece aos seus membros um quantum maior de capital). Ter (mais) poder significa ter (mais) recursos que a posição objetiva (dominante) coloca à disposição dos agentes (dominantes) - valendo o inverso para os dominados. O passo seguinte é fazer uma "Sociologia das posições institucionais" (WRIGHT MILLS, 1985, p. 63), vinculando os seus achados à teoria dos campos.
Como se vê, os pressupostos teóricos da Sociologia Relacional de Pierre Bourdieu não são incompatíveis com aquilo que normalmente se faz nos estudos das elites sociais e políticas. Há, aliás, certo exagero por parte da Sociologia Política francesa contemporânea na crítica aos aspectos "naturalizantes" e "essencialistas" dos estudos "elitistas". Temos dúvidas se o primeiro termo aplica-se até mesmo a autores clássicos, como Gaetano Mosca, em geral acusado do pecado oposto, isto é, de certo "sociologismo". No que diz respeito ao segundo termo da crítica, é verdade que não há nas pesquisas sobre grupos de elite grande preocupação em sofisticar teórica e metodologicamente a visão relacional das análises sobre o poder. No entanto, é inegável que esse tipo de perspectiva está presente, ainda que de maneira embrionária, em quase todos os inquéritos que têm como objeto de análise "as elites". Basta lembrar aqui o conceito de elite com o qual a maioria dos estudiosos opera, isto é, a elite como um grupo formado por indivíduos que, no seu campo de atividade, conseguem apropriar-se em maior quantidade dos bens ali valorizados. Ao mesmo tempo, reconhece-se que essa apropriação ocorre em detrimento da "não-elite", definida como os desprovidos desses bens ou como aqueles que os possuem em menor quantidade.
Por fim, vale observar que não há razão para reduzir os trabalhos sobre elites ao problema do poder, isto é, limitá-los ao problema do predomínio dos interesses de uma minoria politicamente ativa sobre os interesses dos dominados. Estudos longitudinais ("históricos") podem revelar informações importantes a respeito da evolução da própria estrutura social ao longo do tempo. Nesses casos, lembra Putnam (1976, p. 43), pode-se fazer uma espécie de "sismologia" na qual os dados diacrônicos sobre grupos de elite funcionariam como um aparelho que registraria mudanças mais profundas na estratificação social. Algumas importantes questões podem ser formuladas a partir de dados dessa natureza, como, por exemplo: (i) quais recursos (sociais, econômicos, políticos, simbólicos) eram importantes no passado para aceder posições de elite e quais são importantes no presente? (ii) Como - e em que ritmo - mudanças na estrutura socioeconômica são refletidas na estrutura de elite? (iii) Os caminhos percorridos, isto é, as "avenidas" de acesso a posições de elite mudaram? (iv) A estrutura do grupo mudou ao longo do tempo, ou seja, ela passou (ou não) por um processo de "democratização", de "popularização" etc.? Essas são questões decisivas na compreensão da evolução histórica e das transformações sociais de uma dada comunidade.
No dossiê que a Revista de Sociologia e Política publica neste número o leitor encontrará artigos que lidam com vários dos temas analisados nesta apresentação. Um breve resumo dos trabalhos publicados revela a existência de uma agenda de pesquisa diversificada, tanto do ponto de vista metodológico quanto temático, ainda que, neste último caso, perceba-se certo predomínio do problema do recrutamento da elite parlamentar e de sua profissionalização política.
O que condiciona a ação dos deputados brasileiros? O trabalho de Débora Messenberg estuda a elite legislativa no Brasil no período posterior à Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988 e chama a atenção para variáveis de outro tipo, em geral pouco mobilizadas quando se trata de entender as ações dos políticos, como suas "orientações culturais". Um achado relevante dessa mudança de enfoque é que identidades regionais diferenciadas, por exemplo, demarcam comportamentos e estilos diversos de fazer política.
Qual o caminho para chegar-se à câmara alta no Uruguai? O artigo de Eduardo Bottinelli discute os diversos tipos de trajetória política das elites parlamentares uruguaias após a ditadura militar. Estudando 38 senadores na legislatura 2005-2010, procura mostrar padrões comuns de carreira, mobilidade interpartidária e divergências existentes entre políticos filiados a partidos tradicionais e a agremiações de esquerda.
Políticos profissionais são invariavelmente ambiciosos e tendem a buscar posições cada vez mais prestigiosas, influentes ou poderosas? Renata Florentino propõe-se a mapear os perfis biográficos daqueles que tendem a abandonar a carreira política ou a candidatar-se a postos parlamentares de menor prestígio em relação àqueles exercidos anteriormente. Pesquisando as disputas legislativas entre 1990 e 2006, elenca algumas variáveis explicativas a fim de explicar esse processo de exclusão ou auto-exclusão da vida política.
Quais são as condições para a profissionalização política? Elas são sempre as mesmas ou variam conforme as configurações regionais? Os deputados federais de dois estados muito diferentes entre si - o Maranhão e o Rio Grande do Sul - são o tema do artigo de Igor Grill. Analisando a trajetória, a base social e as concepções desse grupo heterogêneo durante um intervalo de tempo bem considerável, de 1946 a 2006, são comparadas uma lista de questões comuns tais como: a heterogeneidade social, as condições que permitem ou presidem a ascensão política, as estratégias de conversão de bases sociais em apoios eleitorais e a própria legitimidade dos papéis políticos nessas unidades da federação.
O artigo de Adriano Codato propõe-se a refletir sobre um problema clássico nessa área de estudos: quando e como os políticos tornam-se mais profissionais, ou, por outra, o que explicaria a permuta de um tipo social (o notável) para outro (o especialista) e a conversão da natureza dos recursos políticos legítimos em uma determinada sociedade? A partir do exame das propriedades políticas e das características socioocupacionais dos representantes da bancada de São Paulo na Assembléia Nacional Constituinte de 1946, o artigo procura avaliar a capacidade explicativa de três tipos de variáveis para entender esse processo: a "social", isto é, as grandes transformações na estrutura socioeconômica; a "institucional", ou as condições de competição política e participação no governo, e a "contextual".
Um dos problemas mais recorrentes nos estudos de elite no Brasil são as fontes de pesquisa. Embora tenha havido já um avanço considerável nesse ponto, as abordagens prosopográficas fariam mal em fiar-se apenas nas informações disponíveis nos portais eletrônicos das assembléias legislativas brasileiras sobre os deputados estaduais e distritais da legislatura de 2003-2007. Sérgio Braga e Maria Alejandra Nicolas constroem em seu texto um indicador bastante útil para avaliar e mensurar o grau de disponibilidade das informações sobre tais atores na web.
Mudando o foco dos parlamentares para outro grupo de elite, só recentemente descoberto pela Ciência Política brasileira, o estudo de André Marenco dos Santos e Luciano Da Ros analisa os padrões de recrutamento dos ministros dos órgãos de cúpula do poder Judiciário brasileiro entre 1829 e 2006. Com base em quatro tipos de informação a respeito dos membros do Supremo Tribunal de Justiça (1829-1890) e do Supremo Tribunal Federal (1891-2006) - posição social, origem geográfica, instituição escolar e natureza da carreira -, demonstra a mudança ao longo do tempo dos "caminhos que levam à Corte" no Brasil. A pesquisa salienta a progressiva autonomia da corte suprema no período posterior à promulgação da Constituição de 1946, ao detectar um lento incremento de indivíduos provenientes do universo exclusivamente jurídico, entre outros achados.
O gracejo sobre a imprevisibilidade das decisões dos operadores do Direito deve ter lá sua razão de ser. Afinal, com base em quê julgam os juízes? O artigo de Renato Perissinotto e seus colaboradores propõe uma estratégia de pesquisa da elite judiciária que integre assuntos em geral tratados separadamente: os valores dos agentes, as instituições e/ou os processos de socialização e o conteúdo das decisões dos magistrados. Investigando o Tribunal de Justiça do Paraná, constata a utilidade em reunir em um mesmo inquérito várias dimensões para entender e explicar o comportamento desses agentes.
Wilson Oliveira enfrenta (e desmistifica) um daqueles assuntos sobre os quais poucos perguntam-se, porque acreditam que ou já sabem a resposta ou que ela está ao alcance da mão, bastando consultar os registros. É o caso dos dirigentes das organizações ambientalistas e dos movimentos ecológicos: imagina-se que eles ocupem as posições de cúpula com base no capital escolar acumulado e na legitimidade conferida pela perícia técnica que esses assuntos exigem. Analisando esse pessoal desde os primórdios do ecologismo no Brasil (1970) até muito recentemente (2004), Oliveira argumenta que as posições de elite tendem a ser ocupadas por um tipo social que conjuga exercício de funções técnicas no ambientalismo com a inserção simultânea em múltiplas redes de organizações políticas e movimentos sociais e a ocupação de postos em diferentes esferas.
Os dois artigos que encerram o Dossiê são estudos históricos. Luciano Abreu destaca uma elite incomum: a oligarquia política estadual remanescente no regime do Estado Novo. Esmiuçando a política sulriograndense após 1937, demonstra que o governo hipercentralizador de Getúlio Vargas teve de estabelecer algum compromisso com as elites estaduais, com base na cooptação e na conciliação.
O estudo de Ernesto Seidl destaca as variadas combinações de recursos e estratégias acionados pela elite do Exército brasileiro entre o Império e a I República, em especial o uso de relações baseadas na reciprocidade pessoal e as tomadas de posição política, para a ascensão na carreira. A apresentação e a discussão de duas trajetórias permitem entender não só os mecanismos híbridos de recrutamento e seleção regulados por lógicas contraditórias, mas as transformações do espaço político e os processos de inovação institucional em curso no Brasil do período.
O dossiê é uma amostra reduzida da vitalidade crescente dessa área de estudos, da capacidade de renovação dos seus temas, métodos e abordagens e do vasto campo a explorar ainda quando se trata das "elites". Por falar nelas, esses artigos são também uma prova daquela capacidade da Sociologia ser sempre inconveniente: mostrar as condições sociais de produção do mundo social e da posição - privilegiada - de alguns agentes sociais nele.
Renato M. Perissinotto e Adriano Codato
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1 Cf., por exemplo, a ampla gama de inquéritos editados em Czudnowski (1982) e Clarke e Czudnowski (1987). 2 Dois estudos praticamente isolados foram MacDonough (1981) e Carvalho (1996). 3 Para a operacionalização dessa idéia, ver, por exemplo, Bunce (1981) e Hunt (2007). 4 Conforme a definição já clássica de Lawrence Stone, "a prosopografia é a investigação das características comuns do passado de um grupo de atores na história por meio do estudo coletivo de suas vidas. O método empregado consiste em definir um universo a ser estudado e então a ele formular um conjunto de questões padronizadas - sobre nascimento e morte, casamento e família, origens sociais e posições econômicas herdadas, local de residência, educação e fonte de riqueza pessoal, religião, experiência profissional e assim por diante" (STONE, 1971, p. 46).
Autores:
Renato M. Perissinotto
Adriano Codato
Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da mesma Universidade
Website: http://adrianocodato.blogspot.com/
Universidade Federal do Paraná Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira www.nusp.ufpr.br
Revista de Sociologia e Política, Editor http://www.scielo.br/rsocp
Revista de Sociologia e Política v.16 n.30 Curitiba jun. 2008
DOSSIÊ "ELITES POLÍTICAS"
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