Modelo e método de representação política durante o Estado Novo



  1. Instituições políticas
  2. O marco legal
  3. A elite política
  4. O processo decisório
  5. Conclusão
  6. Anexo biográfico

Though this be madness, yet there is method in"t.

Lord Polonius

Hamlet, cena II.

O historiador Thomas Skidmore, no seu estudo clássico sobre a política brasileira no século XX, Politics in Brazil, 1930-1964, insistiu em diferenciar o Estado Novo (1937-1945) dos seus congêneres europeus. Ele lembrou que, ao contrário do fascismo, Getúlio Vargas não organizou nenhum movimento político para legitimar o regime, não fabricou uma ideologia específica, ainda que às vezes o trabalhismo tivesse desempenhado algum papel, e muito menos criou um Partido para o governo. Aliás, todos os partidos políticos foram abolidos em dezembro de 1937. Isso deu origem, segundo Skidmore, a uma estrutura de poder peculiar: uma política sem políticos e um modelo de dominação baseado apenas na capacidade de manipulação e conciliação das facções políticas rivais nos estados. Nas suas próprias palavras: "O sistema "não-político" [sic] do Estado Novo oferecia o veículo perfeito para os seus [de Getúlio Vargas] grandes talentos de conciliação e manipulação, que por sua vez dependiam de contato altamente pessoal, com adversários e aliados"[1].

Até que ponto o maquiavelismo do chefe político poderia garantir a dominação social? Como, tendo controlado os políticos de todas as tendências, fazer política?

Uma solução administrativa para essa questão foi a reinvenção do sistema de Interventorias Federais nos estados. Por meio desse sistema "Vargas pode, nos estados principais, minar os clãs políticos tradicionais e criar, em lugar deles, uma rede de alianças locais de orientação nacional"[2].

Ainda assim restava o problema: o que fazer com os "carcomidos"?

Este artigo trata da instituição que regulou a representação política das elites durante o regime do Estado Novo no Brasil: o Conselho Administrativo. Meu tema aqui é exclusivamente o Conselho Administrativo do Estado de São Paulo[3]órgão auxiliar de governo ao lado da Interventoria Federal no estado.

Criados pelo decreto-lei no. 1.202, de 8 de abril de 1939, os Conselhos Administrativos dos estados, um em cada unidade federativa, eram constituídos por um número variável de quatro a dez integrantes, todos indicados pelo Presidente da República. Dedicavam-se a examinar, aprovar ou rejeitar todos atos dos prefeitos municipais e do Interventor Federal, inclusive o orçamento estadual, fiscalizando sua execução. Na prática, eles deveriam substituir com mais eficiência e neutralidade, conforme se imaginava, as Assembléias Legislativas e as Câmaras Municipais. Desempenhariam também a função informal de "tribunal de contas".

Meu trabalho consiste na apresentação da composição do Conselho Administrativo do estado de São Paulo ao longo dos nove anos em que ele existiu e da dinâmica burocrática resultante do seu funcionamento entre 1939 e 1947. Na primeira seção do artigo discuto, em termos bastante gerais, a organização política nacional no pós-1930 e a ideologia antiliberal e antiparlamentar que a animou. Na segunda seção, exponho o marco legal que definiu a agenda e os poderes do Conselho Administrativo. Na terceira, refiro os integrantes do conselho paulista e na quarta seção relato a freqüência de suas reuniões e a quantidade de decisões que produziu. Na conclusão, enfatizo a impropriedade de assimilar os Conselhos Administrativos às Assembléias Legislativas.

I. Instituições políticas

Na proclamação que o Presidente Getúlio Vargas fez na noite de 10 de novembro de 1937 "ao povo brasileiro", dando conhecimento da revogação pura e simples da Carta de 1934 e da implantação de uma nova ordem política no País, a passagem mais significativa – e paradoxal – do seu discurso foi a seguinte: "A Constituição hoje promulgada criou uma nova estrutura legal, sem alterar o que se considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro das linhas tradicionais de federação orgânica"[4].

Para além do palavrório bacharelesco do discurso redigido a quatro mãos pelo Presidente e pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, o que a Constituição de 1937 fez foi justamente o oposto do anunciado: revogou a forma democrática de governo, aboliu o processo representativo e pôs fim ao federalismo que havia caracterizado a organização política nacional no período 1889-1930.


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