Enviado por Rosalvo Schütz
As reflexões que seguem são resultado, por um lado, de nossa práxis de educação popular junto aos Movimentos Sociais Populares (MSP) do Brasil, especialmente do estado do Rio Grande do Sul, no trabalho que realizamos, como integrante da equipe de assessores do CAMP (Centro de Assessoria Multiprofissional) , de Porto Alegre. Por outro lado, buscamos enriquecer estas reflexões com instrumentais teóricos, no sentido de evidenciar e desenvolver potencialidades inerentes aos MSP, enquanto espaços privilegiados de transformação social.
Faremos isto buscando demonstrar o caráter político e pedagógico dos MSP para os indivíduos e para a sociedade. A partir de elementos das micro-relações até as estruturais, apontaremos para a essencialidade dos mesmos numa estratégia de transformação social em vista de uma sociedade plural e autogerida pelo poder popular.
Ao demonstrarmos os limites de uma visão de movimento social como expressão de anomalias a serem resolvidas e incorporadas pelos sistemas, pretendemos afirmar o caráter propositivo e transformador dos mesmos. Nossa posição/convicção, portanto, é a de que estes movimentos são portadores de valores, propostas e metodologias capazes de dar novos sentidos para a vida das pessoas que os integram e, assim, com grandes potenciais de influir na sociedade. Os MSP explicitam de forma concreta as contradições fundamentais da sociedade burguesa liberal (inclusive as que não podem ser resolvidas por esta, sem que ela seja superada). Ao mesmo tempo, são capazes de dar um outro sentido e expressão a dimensão política, ou seja, superar a redução da dimensão política ao formato estatal, tal como configurado pelo liberalismo político, no sistema representativo/parlamentar moderno.
A seguir faremos algumas considerações teóricas que servirão como fundamentação da nossa reflexão. Estas considerações buscam traduzir intuições desenvolvidas na ação e que, no nosso entender, já estão pressupostas nos movimentos com os quais atuamos, em alguns mais efetivos e conscientes que em outros. A própria reflexão em torno de alguns pontos, devemos, em grande parte, a formulações que vem sendo realizadas no interior destes.
1.1. A especificidade dos Movimentos Sociais Populares
Falar em Movimentos Sociais implica em falar em atores sociais, resultado de uma articulação coletiva, que se põe em movimentos em determinadas conjunturas para conquistar coletivamente objetivos comuns. Nem todos os atores, no entanto, são movimentos. Existem os partidos políticos, pastorais, ONGs, etc, que são atores sociais mas não são movimentos. Mas todos os movimentos são atores sociais. Os atores sociais, principalmente os Movimentos, na maioria das vezes, não são sujeitos que podem ser facilmente delimitados e definidos, como se pudéssemos vê-los e identificá-los de forma global e como um grande sujeito, com uma unidade de fins, que muitas vezes lhes é atribuída pelos ideólogos, que os analisam como se fossem um objeto definido e quase que metafísico. Em cada momento histórico assumem papeis diferenciados, inclusive, por vezes, diferentes daqueles inicialmente propostos. Ou se constituem para um determinado fim e quando este fim é alcançado se dissolvem. Portanto, para nós, os Movimentos Sociais, enquanto atores, são "sistemas de ações, redes complexas de relações entre níveis e significados diversos de ação social. A identidade coletiva não é um dado ou uma essência, mas um produto de trocas, negociações, decisões, conflitos entre os atores." Ator é aquele que age, que põe em movimento e está em movimento, que protagoniza, e sem isto não existe.
Alem disto, nem todos os Movimentos Sociais são populares. Há, pois, Movimentos Sociais que se constituem para manter o status quo existente, como há os que se organizam para lutar por mudanças, com as quais objetivam melhorar suas condições de vida. Desta forma, podemos dizer que um Movimento Social é, geralmente, a expressão visível de um conflito e não simples resposta a uma crise, embora muitas vezes uma crise possa ser o motivo da detonação e da explicitação do movimento, ou seja, do conflito. Isto é importante, no sentido de que aumenta as possibilidades de aprendizado e interpretação dos movimentos e não nos permite percebê-los como sujeitos constituídos e acabados, mas como relações em movimento, inclusive conflituoso, constante. Neste movimento há os que pretendem transformar a atual realidade e outros mantê-la.
MSP para nós, são aqueles movimentos que expressam um conflito com a organização social existente, que antagonizam com a forma como o poder e/ou a distribuição de bens está organizado e buscam propor uma nova ordenação das coisas. Portanto, também estes, como todos os Movimentos Sociais, são expressão de conflitos, mas conflitos que se contrapõe a ordem social existente e buscam identificar e transformar, alguns mais outros menos, conscientemente as causas destes conflitos. Portanto, em nossa concepção de MSP não compreendemos aqueles atores que simplesmente expressam uma inconformidade com o existente e que não identificam causas e atores conflitivos. Este tipo de atores são geralmente destinados a ações violentas cegas, ou a constituição de seitas religiosas, que não alteram os rumos das estruturas sociais existentes. Embora, uma leitura acurada dos seus desejos mais íntimos possa revelar antagonismos fundamentais, eles não podem ser considerados MSP por não contribuírem para a transformação das estruturas e princípios da atual organização social.
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