A crise contemporânea, marcada pelo esgotamento histórico do sistema do capital, faz com que o único terreno historicamente possível para a acumulação de forças para a superação da propriedade privada seja o da "emancipação humana". É esta a tese que o artigo tenda fundamentar a partir da conhecida contraposição por Marx, em A questão judaica, entre a emancipação política e a emancipação humana.
Palavras chaves: Marxismo, Emancipação política, Emancipação humana.
O X ENPESS propôs para reflexão o tema da relação entre a emancipação política, a emancipação humana e a crise contemporânea. Não tenho dúvidas que esta é uma das formas mais ricas com que podemos nos dirigir ao grave problema do destino da humanidade. Relembra a célebre contraposição de Marx entre emancipação política e emancipação humana e propõe sua atualidade ao fazer explícita referência à crise do mundo neste início do século XXI. Este artigo é a sistematização de algumas notas redigidas antes, e sistematizadas, após o evento.
Abstract:
In contemporary crisis, marked by the historical exhaustion of the capital system, the only feaseble historical ground for accumulation of forces aiming at the supression of private property is "human emancipation". It is this thesis that the article argues from the known opposition by Marx, in The Jewish Question, between the political and the human emancipation.
Key words: Marxism, Political Emancipation, Human Emancipation.
Quando Marx, entre os anos de 1843 e 1844, redigiu e publicou nos Anais Franco-Alemães A questão judáica estava, não apenas refutando as teses de Bruno Bauer acerca do direito do povo judeu à liberdade religiosa mas, acima de tudo, afirmando este direito e, ao mesmo tempo, assinalando o seu limite histórico. A nosso ver, esta é a tensão que subsiste entre a emancipação política e a emancipação humana em Marx. Por um lado, é um "grande progresso". Mas é o limite histórico intransponível da liberdade "dentro do contexto do mundo atual"(Marx, 1969:28). Para além do "mundo atual", trata-se da "emancipação humana".
"a dissolução da velha sociedade em que repousa a essência do Estado alienado do povo (dem Volk Entfremdete Staastswesen) e a dissolução do poder senhorial. A revolução política é a revolução da sociedade burguesa (bürguelichen Gesellschaft[1]Marx, 1969:47)
A emancipação política não se restringe apenas à superação do feudalismo, mas é também a superação de algumas características fundamentais a todos os modos de produção pré-capitalistas e Marx, em 1843, denomina esse conjunto de caracterísitcas de "feudalidade" (Marx, 1956: 367). A "feudalidade" impunha, pelo nascimento, limites praticamente insuperáveis ao desenvolvimento dos indivíduos. Nascido nobre, nobre seria até a morte; servo, este seria o seu destino até a cova. O destino do indivíduo estava preso à sua comunidade pela simples razão que o seu ser social não poderia existir fora da mesma. Servo poderia ser apenas no interior de um feudo; senhor feudal, apenas como portador de um título de nobreza vinculado à propriedade de um feudo. Essa determinação do lugar do indivíduo na comunidade se dava por meio do Estado, que fixava os "elementos" da vida cotidiana como "a propriedade, a família, o tipo e o modo de trabalho". Ao mesmo tempo em que conferia ao indivídiduo um lugar na comunidade, essa determinaçã estatal o separava do restante da sociedade e do Estado de um modo absoluto já que não poderia ser alterado pela vida cotidiana. Era um dado inevitável da vida, quase como ter dois pés e uma só cabeça.
A "feudalidade" foi superada entre 1776 e 1830 pelo conjunto das transformações históricas balizado pela Revolução Industrial e pela Revolução Francesa. A articulação entre indivíduo e comunidade, vida cotidiana e Estado, indivíduo e Estado, pela qual o ser do indivíduo apenas pode existir como parte para sempre determinada pela comunidade na qual nasceu, será destruída e substituída por uma nova relação, tipicamente capitalista. Nesta, a propriedade individual, sob a forma burguesa, terá a mesma validade em toda e qualquer a comunidade (o país, o Estado nacional, que é a comunidade tipicamente burguesa). A casa Rothschild em 1506 abandonou Portugal pela Holanda; depois mudou-se para a Inglaterra quando esta se consolidou como primeira potência mundial e, no século XX, transferiu-se para Nova Iorque, a sede financeira do novo império. A crise da nação à qual pertence o indivíduo pode até mesmo se constituir em excelente oportunidade para o seu enriquecimento privado – pois agora, diferente da "feudalidade", o ser do indivíduo reside na sua propriedade privada e esta, sob sua forma burguesa, se tornou independente da comunidade. Nos termos marxianos de 1843, se "emancipou politicamente".
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