Feurbach elaborou uma crítica à religião que consiste fundamentalmente na redução dos fenômenos religiosos a seus fundamentos antropológicos. Essa estrutura crítica serviu de base para que Marx percebesse no Estado moderno uma estrutura semelhante àquela da religião. Assim, pôde identificar a emancipação crítica como uma forma ainda alienada de emancipação. A emancipação humana surge como uma forma de emancipação mais profunda, onde o ser humano possa perceber-se enquanto ser genérico no dia-a-dia.
Palavras-chave: Marx, religião, Estado, alienação e emancipação.
Abstract:
Feurbach drew up a critique for religion that consists fundamentally in the reduction of religious phenomena to his anthropological ideas. This critical structure was the groundwork for Marx"s perceiving a similar structure to that on the religious one in the modern State. Therefore he could identify critical emancipation as a form still alienated from emancipation. Human emancipation emerges as a form of a deeper emancipation so that human beings may be aware of themselves as generic beings in daily life.
Key words: Marx -religion -state - alienation emancipation.
O mundo moderno vive uma contradição crucial: os fantásticos avanços científicos, as modernas formas de democracia e de conquista dos direitos políticos e humanos convivem, local e globalmente, com a pobreza, a indiferença e as desigualdades sociais e econômicas da humanidade. Como entender essa aparente contradição? Buscaremos argumentar a favor da tese de que, na própria forma de conceber os direitos humanos e políticos, ou seja, a democracia moderna, está inerente uma estrutura legitimadora desse sistema injusto. Ao tentarmos tornar consciente essa estrutura, buscamos as condições de desmistificá-la e superá-la.
Nossas reflexões terão como base uma obra de Marx, intitulada A Questão Judaica, escrita em 1843, na França, e publicada nos Anais Franco-Alemães 1, em 1844. Nessa obra, profundamente influenciada por Ludwig Feuerbach e a sua crítica à religião, Marx faz uma reflexão em torno da diferença entre emancipação política e emancipação humana. Acreditamos que essa reflexão, que quer ser uma indicação dos limites da emancipação política, possa ser de grande valia para o desafio colocado. Vamos, portanto, direto a Marx.
O contexto do escrito de Marx é a Alemanha, ainda sob o domínio de um Estado cristão, portanto, não democrático. Muitos judeus pedem a sua liberdade política nesse Estado, ou seja, a igualdade de direitos frente ao Estado.
Marx analisa a opinião de Bruno Bauer, filósofo da época, a respeito da situação dos judeus dentro daquele contexto político, chegando a conclusões bem diversas deste. Para chegar às suas conclusões, Marx vale-se de reflexões realizadas por Feuerbach na sua crítica à religião. Segundo Feuerbach2, a religião é apenas a revelação dos potenciais do ser humano de forma alienada. Ou seja, enquanto ser genérico, o homem possui características específicas que o diferenciam dos animais, mas, ao se deparar individualmente com as mesmas, elas parecem-lhe tão estranhas, que ele as atribui a um outro ser, no caso, Deus. Essa estrutura de alienação é percebida constantemente, aplicada à própria estrutura do Estado e também à própria filosofia do direito hegeliana enquanto descrição desse Estado, em Marx. Vejamos:
Bauer defende a posição de que só haverá emancipação política no momento em que houver emancipação pessoal da religião. Portanto, tanto cristãos quanto judeus teriam de, em primeiro lugar, libertar-se da religião, para tornar o Estado um Estado não religioso e, só então, requerer a emancipação política. Ou seja, para que haja emancipação política, o que significa todos terem os mesmos direitos perante o Estado, Bauer pensava ser necessária a emancipação individual de todos da religiosidade. Tanto que Bauer chega a acusar os judeus de egoístas por quererem a emancipação política, mantendo a sua condição de judeus dentro de um Estado cristão, o que significaria, segundo Bauer, manter um estado de privilégios. Ser judeu e cidadão seria impossível, pois sempre prevaleceria o judeu sobre o cidadão e a vida no Estado seria de aparências. O judeu precisaria emanciparse como judeu e o homem como religioso para poderem alcançar a emancipação política, pensava Bauer, já que um Estado que pressupõe a religião ainda não é um Estado democrático.
Página seguinte |
|
|