Os autores e suas idéias: um estudo sobre a elite intelectual e o discurso político do Estado Novo



  1. Introdução
  2. Os intelectuais de Estado
  3. As idéias políticas
  4. Conclusão
  5. Referências bibliográficas
  6. Notas

1. Introdução

Nota: Agradecemos a João Feres Jr., Vilma Aguiar, Carlos L. Strapazzon e Hiro Kumasaka as leituras atentas da versão inicial do manuscrito. Procuramos incorporar, na medida do possível, as críticas e sugestões dos pareceristas anônimos de Estudos Históricos.

Na correspondência reservada que o secretário particular de Getúlio Vargas, Luís Vergara, enviou ao chefe, nalgum dia de 1938, pode-se ler a clarividente avaliação: já havia chegado a hora de se "fazer a justificação ideológica do Estado Novo", pois o regime não poderia "apoiar-se exclusivamente na fidelidade das baionetas e numa permanente vigilância policial". A tarefa exigia, portanto, "a adoção de diretrizes de alcance doutrinário e prático" a fim de edificar a "nova ordem institucional implantada no Brasil" depois do 10 de novembro.1 Entre as medidas práticas – "capazes de tutelar todas as manifestações da vida nacional" – constava uma "máquina de propaganda" (um "delicado e precioso aparelho") que deveria ser operada por "poucos intelectuais, encerrados num gabinete, sob uma direção bem controlada, (...) organizando o necessário material de publicidade" do regime. Porém, "nada de digressões doutrinárias, de tiradas filosóficas sobre teorias do Estado e outros temas indigestos". Os "princípios" do Estado Novo deveriam ser sistematizados, "de forma instrutiva e acessível", para "o uso do povo" e para "uso da catequese oral".2

Esse "delicado e precioso aparelho" viria a ser, um ano mais tarde, o poderoso DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda.3 O DIP coordenaria as três frentes básicas em que se desdobrava a ação do Estado no campo ideológico: propaganda oficial do governo/promoção pessoal do presidente; censura; e divulgação cultural. Essas três funções, difusão/repressão/educação, cumpriam, de acordo com a complexa organização do departamento em um sem-número de divisões, a tarefa imaginada: comunicar as diretrizes doutrinárias do regime.

Contudo, o panorama ideológico e cultural do Estado Novo (1937-1945) não pode ser bem compreendido sem uma análise mais detida dos diferentes aparelhos de produção/divulgação das idéias do regime, bem como dos seus produtores – os intelectuais – e dos diversos veículos especializados em difundir sua doutrina a um público heterogêneo.

A complexidade desse assunto implica, portanto, uma abordagem que enfatize os diversos ângulos do problema. Há, do nosso ponto de vista, cinco dimensões complementares para lidar com as relações entre "política" e "cultura" no autoritarismo. O seu entendimento completo exige: 1) a compreensão da heterogeneidade das diferentes agências do Estado comprometidas com a tarefa de criar uma mentalidade pró-regime (o que implica entender a natureza e a função de cada aparelho específico no interior do sistema institucional);4 2) a constatação da existência de diversos "tipos" de intelectuais (bacharéis, beletristas, sociólogos, economistas etc.) e a hierarquia específica que há no interior desse universo (seja em torno da importância/influência de cada indivíduo – "grandes intelectuais", intelectuais médios, autores novatos/desconhecidos –, seja em torno das muitas clivagens teóricas e políticas que dividem essa intelligentsia);5 3) a análise do "discurso ideológico" propriamente dito (suas fontes intelectuais, suas noções operatórias, suas racionalizações etc.);6 4) a identificação das instâncias especializadas de veiculação desse discurso (rádio, teatro, cinema, jornal, revista etc.) e a sua tradução nas diversas linguagens (música, peças teatrais, filmes, livros etc.), e, por fim, 5) a definição do tipo de público ao qual o discurso ideológico será endereçado (as "massas populares", os trabalhadores sindicalizados, as camadas médias letradas, as elites intelectuais etc.). Só assim se poderia alcançar uma visão menos compartimentada do circuito produção-difusãorecepção da ideologia oficial.

O objetivo deste artigo é examinar um dos veículos de divulgação da ideologia oficial do Estado Novo, o periódico Cultura Política: Revista Mensal de Estudos Brasileiros, publicação oficial do DIP. Nosso interesse aqui é duplo. Queremos descobrir quem são os intelectuais que contribuem na revista (o perfil dessa "elite") e qual a relação entre esses autores e suas idéias. O foco da análise é, também, o discurso sobre a organização política do Estado Novo.


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