Em 1868, a Revolução de Cádiz, conhecida por La Gloriosa, destronou a rainha Isabel II mas não acabou com a Monarquia espanhola. Só que, para assegurar a continuidade do regime, era indispensável encontrar um novo monarca.
Alguns dos chefes da Revolução pensaram em D. Fernando de SaxeCoburgo, viúvo da Rainha D. Maria II e pai do Rei D. Luís de Portugal. O príncipe começou por recusar a oferta. Mas o governo de Madrid insistiu. E D. Fernando acabou por aceitar. Mas apresentou tais condições que a sua aceitação correspondeu de facto a uma recusa - e foi Amadeu de Sabóia quem acabou por subir ao trono de Espanha.
Mas nem todas as condições apresentadas pelo Rei viúvo de Portugal (que entretanto se casou com uma cantora de ópera de nacionalidade americana…) foram consideradas inaceitáveis pelo general Prim, os seus ministros e os seus deputados. E entre essas condições estava a de que o protocolo da Corte de Madrid deveria ser aligeirado, adoptando-se regras semelhantes ás que vigoravam na Corte de Lisboa.
Aos olhos de D. Fernando, não fazia sentido que um monarca «liberal», símbolo de uma nova monarquia, como ele era apresentado, se submetesse - em matéria de cerimonial e protocolo - ás regras que vigoravam na monarquia velha, que La Gloriosa deitara por terra.
A verdade é que até este protocolo «democrático» da Corte portuguesa pareceu excessivo aos homens que, em Outubro de 1910, proclamaram a República em Lisboa. E, com o advento do novo regime, logo houve quem pretendesse reduzir ao mínimo o Protocolo de Estado.
No Parlamento, os deputados que elaboraram a primeira Constituição da República preocuparam-se, por exemplo, em proibir honras e condecorações - o que não sendo uma questão que tenha directa e imediatamente a ver com o protocolo, ilustra, em todo o caso, a preocupação de introduzir os novos valores «republicanos» na organização político-social.
A I República portuguesa durou de 1910 a 1926. Foi um tempo de grande agitação e desordem. O protocolo mínimo que presidiu ás suas cerimónias ilustrou a fragilidade e a instabilidade do regime.
Com o advento do Estado Novo, a II República portuguesa, em 1933 - após sete anos de ditadura militar - o Protocolo de Estado regressou em força. A ordem, a autoridade, a hierarquia eram valores particularmente prezados pelo novo regime - que, sem surpresa, estabeleceu um Protocolo com regras minuciosamente definidas e rigorosamente observadas.
Tal como parece ter sucedido na Espanha de Franco, o Protocolo de Estado no Portugal de Salazar foi inspirarse, em grande parte, nas regras e nas práticas da Monarquia. Um exemplo, mas só um exemplo, pode ser o estatuto conferido á mulher do presidente da República, a chamada primeira dama - que, a bem dizer, não existia na I República mas que, na segunda, desempenhou um papel de crescente importância.
Esse Protocolo rigoroso, minucioso, muitas vezes excessivo e antiquado, foi uma das imagens de marca do Estado Novo português, a que Salazar presidiu durante 35 anos sem nunca ter aceite ser presidente da República. Não custa a compreender que o Protocolo tenha sido uma das primeiras vítimas da Revolução de 25 de Abril de 1974. E, enquanto a «revolução» durou, o Protocolo de Estado - qualquer protocolo, aliás - sofreu tratos de polé. Era reaccionário, era porventura fascista e em qualquer caso não fazia sentido nessa terra sem amos que os revolucionários se propunham edificar no meu país.
Quando a utopia cedeu o passo á realidade, o fervor á moderação, o delírio á racionalidade, o excesso á justa medida; quando em Portugal o regime estabilizou e a vida se normalizou - o Protocolo regressou. Como não podia deixar de ser. O Protocolo reproduz e ao mesmo tempo promove o funcionamento de uma sociedade politica, económica e socialmente organizada.
Hoje, o Protocolo de Estado é aceite sem reservas - e de tal modo que até foi possível o Parlamento tomar a iniciativa de elaborar e aprovar uma lei das precedências do Protocolo de Estado português, apenas com a oposição do partido comunista e da extrema esquerda parlamentar. Isso só sucedeu porém no ano de 2006 - 32 anos passados sobre a chamada Revolução dos Cravos!
Essa lei veio estabelecer, com clareza, a «hierarquia e o relacionamento protocolar das altas entidades públicas». é evidente que as precedências estabelecidas não foram, todas elas, pacificamente aceites. E é verdade que continua a haver dúvidas e discussões, por exemplo, quanto ao lugar a ocupar pelos titulares ou representantes dos chamados poderes fácticos, como, por exemplo, os presidentes dos principais clubes de futebol. Ou os representantes das confissões religiosas, com particular destaque para a Igreja Católica. Mas, no rigor dos princípios, essas são questões que não cumpre resolver numa lei do Protocolo de Estado.
Em Portugal, o cerimonial de Estado é da responsabilidade do Serviço de Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros - habitualmente chamado Protocolo de Estado. Esse Serviço tem um chefe, o chefe do Protocolo de Estado, que, á imagem do que sucede em França mas não em Espanha, é o único responsável pelas recepções e solenidades em que tomem parte o Presidente da República, o Primeiro Ministro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros ou qualquer outro membro do Governo.
Página seguinte |
|
|