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Ao Protocolo de Estado compete também «definir as regras que devem presidir ao cerimonial, etiqueta e pragmática de acordo com a prática internacional e as tradições do Estado Português». Digase que esta competência, reconhecida desde 1966, pelo menos, nunca foi exercida. Ou melhor: foi sendo exercida de forma casuística, ao sabor dos tempos e das conveniências. Mas nunca foi objecto de um diploma legal. Digase também que este vazio legal não incomodou muitos chefes de Protocolo, que tiveram assim a oportunidade de melhor demonstrar os seus talentos e exercer os seus poderes. Há que reconhecer que, no geral, o fizeram com grande competência.
A normalização da vida política portuguesa, ocorrida nos princípios da década de 80, permitiu que se verificasse também a normalização da vida económica. Empresas e empresários reorganizaram-se e prepararam-se para enfrentar os desafios de uma economia de mercado, crescentemente globalizada. Sem surpresa, o protocolo empresarial entrou em cena.
Mais tarde do que os políticos, os empresários descobriram a importância do protocolo - como afirmação de prestígio e de poder, mas também como instrumento privilegiado de comunicação. E é de justiça reconhecer que, ao menos em Portugal, o aparecimento do protocolo empresarial é sobretudo obra dos que se empenharam em desenvolver, nas empresas, as questões da imagem, da comunicação e das relações públicas.
É com efeito nos anos 80, com o boom da comunicação empresarial e a criação de várias agências especializadas neste domínio que o protocolo empresarial se começa a afirmar. Fêlo, ao princípio, de forma tímida - até porque o protocolo era, para os empresários mas também para as suas agências e serviços de comunicação, algo que associavam inevitavelmente ás pomposas e muitas vezes enfadonhas cerimónias dos políticos, «raça» com quem não gostavam de ser confundidos.
Mas a importância do protocolo empresarial foi sendo crescentemente reconhecida. Por um lado, foi-se entendendo a sua necessidade para o correcto funcionamento das empresas propriamente ditas. Por outro lado, foi-se compreendendo o seu indispensável contributo para a melhoria da comunicação da empresa com os seus clientes, com os seus fornecedores e com o público em geral.
Este terá sido o elemento decisivo: a necessidade de aperfeiçoar a comunicação, afirmando uma imagem e transmitindo uma mensagem que contribuíssem para alcançar os resultados pretendidos pela gestão. As questões a tratar, no âmbito do protocolo empresarial, já não eram só as relativas á vida interna da empresa (os tratamentos, as precedências, os comportamentos, etc.) mas também - e talvez sobretudo - as respeitantes ao seu relacionamento com o exterior, o seu posicionamento, a sua imagem e a sua comunicação.
Ora, é sabido como as empresas e as suas agências de comunicação começaram a apostar fortemente na organização de eventos, tão mediatizados quanto possível, que lhes permitissem aproximarse ainda mais dos seus públicos e alargar ainda mais os seus mercados. Só que essa aposta veio de algum modo obrigar a repensar o protocolo empresarial - e sobretudo a redefinir o profissional de Protocolo.
A questão que aqui se coloca é a da natureza desses grandes eventos. Eles são, decerto, acções de comunicação e de imagem, de marketing e de publicidade.
Mas são também acções em que as empresas, sobretudo os grandes grupos empresariais, tratam de encenar, exibir e celebrar a sua autoridade e o seu prestígio. E, a essa luz, podem considerarse verdadeiras cerimónias, idênticas ou, pelo menos, equivalentes - nos seus objectivos, desde logo - ás cerimónias solenes que o Estado periodicamente organiza. Um grande grupo empresarial reunido em assembleia-geral assemelha-se a um Parlamento reunido em sessão solene.
Se isto é assim - e, mais do que defender uma tese, eu estou a enunciar uma hipótese -, então faz todo o sentido que os grandes eventos, a sua concepção, a sua organização, sejam da responsabilidade dos profissionais do Protocolo.
É essa apropriação da gestão de eventos pelo profissional de protocolo que obriga a redefinir o seu estatuto - mas também a sua formação.
No V Congresso Internacional de Congresso, realizado em Madrid, em 2004, chegou-se á conclusão de que o profissional de protocolo tem de ser um verdadeiro gestor de eventos. E Carlos Fuente veio depois sublinhar que, em Espanha, estes gestores de eventos "ya son muy conscientes de que para resolver la mayor parte de sus actos se les exige más conocimientos que los tradicionalmente aplicados a protocolo, es decir, que no es suficiente con conocer las técnicas hasta ahora habituales, las normativas vigentes y las tradiciones al uso. En sus empresas o instituciones se les pide mayor eficacia e impacto, llegar de formas más directa a los posibles públicos, buscar escenografías diferentes, nuevas arquitecturas efímeras, mayor rendimiento a las inversiones tecnológicas, mayores conocimientos de comunicación, dominio absoluto de idiomas, capacidad de negociación, liderazgo y trabajo en equipo, buena oratoria, aprovechamiento del tiempo, control de los recursos, equilibrio entre la inversión y los resultados, elaboración de correctos presupuestos y adecuado seguimiento del gasto y relación con el proveedor, técnicas de producción y elaboración de estrategias, por citar algunos ejemplos concretos".
Por outro lado, «la irrupción de empresas de la comunicación en el ámbito organizacional, así como la presencia cada vez más importante de potentes empresas de organización - muchas de ellas carentes de los más mínimos conocimientos protocolarios, pero con poderosísimos medios capaces de resolver al cliente cualquier circunstancia está acelerando la redefinición del profesional de Protocolo".
Em Portugal, os progressos do Protocolo Empresarial têm sido mais lentos do que noutras paragens. O facto explicase em grande parte pela história recente do país - como perceberão aqueles que ainda estiverem lembrados do que eu disse atrás.
Quando, em Fevereiro de 1997, publiquei a primeira das sete edições de Imagem e Sucesso, o primeiro livro que escrevi, não pude incluir, na bibliografia, nenhum autor português que tivesse escrito sobre protocolo empresarial - pela simples e boa razão de que, até essa altura, ninguém o tinha feito.
Não digo isto para me vangloriar, mas para ilustrar uma situação de carência e défice que, apesar de alguns progressos verificados na última década, continua ainda distante do que seria necessário. O ensino e a formação profissional no domínio do Protocolo Empresarial demoraram mais tempo a ser implementados - e ainda não alcançaram o reconhecimento, e o desenvolvimento, que se impunham.
Por outro lado, a procura de especialistas em protocolo por parte das empresas ainda não atingiu a dimensão desejável - como se os empresários portugueses ainda não tivessem compreendido o contributo decisivo que o Protocolo pode dar para eles atingirem os seus objectivos, nomeadamente em termos de produtividade.
Isso não impediu evidentemente, não tem impedido, que as principais empresas portuguesas aderissem á organização de grandes eventos, cientes de que estes lhes podem assegurar o prestígio e a rentabilidade que procuram. E também não obstou a que essas empresas começassem a preocuparse em contar a tempo inteiro com um gestor de eventos nos seus quadros profissionais.
Conhecedor da estratégia definida superiormente pela administração da empresa ou do grupo, esse gestor é o responsável pela programação, concepção e organização dos eventos. Cabelhe programar e calendarizar os vários eventos, elaborando um plano coerente. Cabelhe depois conceber cada evento, contratar os serviços necessários á sua produção, angariar os apoios e patrocínios que se revelem necessários, tratar da sua promoção nos media, assegurar, enfim, a sua integral realização.
Assim, o gestor de eventos é um grande mestre de cerimónias, um verdadeiro chefe de Protocolo, com competências e atribuições acrescidas, em áreas onde um chefe de Protocolo não é habitualmente chamado a intervir como são as da promoção e cobertura mediática do evento ou até o seu financiamento.
Se estivéssemos no cinema, este gestor de eventos seria, ao mesmo tempo, o programador da sala e o produtor e realizador de cada um dos filmes que nela são exibidos. Esta imagem talvez ajude a perceber melhor a vastidão das competências e atribuições do gestor de eventos.
Mas, como é evidente, ao gestor de eventos não é humana nem tecnicamente possível assumir, sozinho, todas essas responsabilidades - pelo que precisa de recorrer a fornecimentos e serviços de terceiros. E como, regra geral, o gestor de eventos não é (ou ainda não é) um profissional do Protocolo, torna-se absolutamente indispensável recorrer aos serviços de peritos em questões de protocolo e cerimonial.
São esses serviços que a minha empresa tem prestado a alguns dos principais gestores de eventos em Portugal. Com muitos deles estabeleceuse aliás uma colaboração duradoura, com vantagens evidentes para quem contrata e para quem presta a consultadoria. é por exemplo o que sucede com a Edimpresa, o maior grupo de comunicação social português.
A Edimpresa promove todos os anos três grandes eventos que acompanhamos desde 2005: a Conferência Portugal em Exame, organizada pela Revista Exame, uma das publicações do grupo; a entrega do Prémio Mulher Activa, organizada pela Revista Activa, outra das publicações do grupo e a entrega dos prémios ás 500 Maiores e Melhores Empresas, também da Revista Exame, durante um jantar de gala.
Este serviço de consultadoria protocolar, de que a minha empresa foi pioneira em Portugal, consiste em fornecer uma espécie de «rede» para eventos em que os riscos de «cair do trampolim» são grandes e têm de ser prevenidos.
Essa consultadoria começa no momento em que o evento se desenha e apenas termina quando o último convidado deixa a sala. Acompanhamos o texto do convite, controlamos a actualização das mailing lists, ajudamos na elaboração do programa e de todo o material gráfico, fazemos o desenho dos palcos, estabelecemos os planos de mesa e de sala, analisamos ou elaboramos o guião do evento, definimos a distribuição de assistentes, colaboramos na acreditação dos participantes e na recepção de autoridades, tomamos parte activa na indicação do lugar aos convidados, na escolha das ementas, na definição do momento da entrega de lembranças, etc.
O exemplo da Edimpresa tem sido seguido por outras empresas e grupos empresariais em Portugal - e é de crer que, no próximo futuro, se verifique um aumento da procura dos serviços de consultadoria no domínio do protocolo e, nomeadamente, do protocolo empresarial. Se for esse o caso, é evidente a necessidade de rever a formação desses profissionais, de modo a que possam dar resposta pronta e eficiente ás novas necessidades. E isso poderá passar pela introdução de maior rigor e exigência no ensino e na formação profissional.
Há por outro lado que criar e dinamizar instâncias de reflexão, debate e intercâmbio de experiências, onde profissionais já habilitados e experimentados possam aprofundar os seus conhecimentos e aperfeiçoar as suas práticas. é esse aliás o fundamental propósito da Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo, a que me honro de presidir. Com ela, não queremos formar profissionais; ambicionamos, isso sim, contribuir para melhorar a qualidade dos profissionais já existentes. E desejamos suscitar o estudo e a investigação das matérias relacionadas com o protocolo e o cerimonial. Há, neste domínio, um vasto campo de possibilidades e necessidades. Os leitores de Norbert Elias, por exemplo (um exemplo exemplar), sabem do que estou a falar.
O Protocolo é uma disciplina que merece estudo; é também uma profissão que merece respeito; e é ainda um negócio que merece sucesso. Mas, para isso, torna-se indispensável melhor ensino e maior formação profissional, mais investigação, mais reflexão, mais debate.
Os profissionais de Protocolo preocupam-se em pensar e fazer como deve ser as cerimónias dos outros. é essa a sua obrigação. Mas convinha que de vez em quando pensassem nas suas próprias cerimónias. Tal como a caridade, a autoridade e o prestígio bem entendidos começam na nossa própria casa…
E é essa autoridade e esse prestígio que verificamos, aqui e agora, nesta Universidade onde o Protocolo e a Comunicação são há muitos anos objecto de investigação, debate e reflexão, contribuindo para que o Protocolo seja reconhecido como ciência social e não seja encarado como um mero código de sociedade.
Tal como o Professor Fernando Ramos - a quem agradeço o convite muito honroso para aqui estar hoje estou convencida de que o Protocolo e a Comunicação são as ferramentas da excelência em todos os sectores da sociedade. E por isso vamos reunir em Lisboa, no próximo dia 19 de Novembro, diversos especialistas para reflectir sobre Protocolo e Comunicação no âmbito das II Jornadas Internacionais da APEP, para as quais estão todos desde já convidados.
Pontevedra, 23 de Maio de 2007
Conferência de abertura do curso complementar «Protocolo y protocolos para la comunicación de empresas e instituciones: las herramientas de la excelencia», organizado pela Universidade de Vigo, no Campus de Pontevedra, nos dias 23 e 24 de Maio de 2007.
Autor:
Isabel Amaral
apep_protocolo[arroba]yahoo.com
www.isabelamaral.com
Presidente da APEP- Associação Portuguesa de Estudos de Protocolo
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