A pesquisa sobre o bloco de cobre insere-se no projecto de investigação dos dois autores, Ciência extraordinária: espécies críticas e supercríticas, de que já foram apresentados resultados (Guedes & Peiriço). O seu objecto é o discurso das gralhas, escrita híbrida ou gaia ciência, que corresponde a um registo criador no discurso científico, expresso através de gralhas, incongruências, etc., e não é mais do que a linguagem das aves alquimista.
Se não existisse esse trabalho anterior, que exigiu o estabelecimento de um método analítico, a história do bloco de cobre seria para nós apenas um acervo de disparates, devidos á incompetência e ignorância dos pobres sábios do século XVIII e seguintes.
Eu, Maria Estela, escritora e crítica literária, com base nos resultados obtidos, concluí que o bloco poderá ser de cobre, mas é tudo menos virgem ou nativo, tratando-se de uma obra de arte: obteve-se cobre artificialmente a partir de reacção entre sulfato de cobre e ferro (Vandelli, 1782), e depois pode ter passado pelo forno. De seguida, procedeu-se á montagem artística, dentro de um pedestal de mármore, com inscrição latina gravada sobre o cobre. O facto de ter sido montado dentro do pedestal subtrai o objecto á possibilidade de ser pesado e medido, a menos que se profane a sua sacralidade de obra estética, oriunda e talvez nativa do Real Gabinete da Ajuda, propriedade do Príncipe do Brasil, então D. José, filho dos reis mencionados na inscrição, D. Maria I e D. Pedro III.
Eu, Nuno, entendo, como químico, que só me posso pronunciar sobre a identidade do material, desde que a ciência apresente o resultado da análise químico-estrutural que faz agora precisamente um ano acedeu a realizar. Por agora, o que sinto sobretudo é perplexidade. Ora vejamos. Na memória que apresentamos a seguir, diz Vandelli (anexo B) que o bloco de cobre foi obtido por processo de cementação no leito de um rio. Se assim for, estamos na presença da maior pepita de cobre alguma vez encontrada em qualquer parte do mundo. E maior não apenas por uns gramas, sim por umas centenas de quilos. Além disso, resultaria de um acaso extraordinário, e de um processo mais próprio do ouro. Neste caso, porém, as pepitas são muito pequenas. Tal pepita de cobre possui assim valor científico e museológico inestimável, podendo mesmo levar a reconsiderações sobre os processos de cementação conhecidos, como o próprio Vandelli salienta (anexo B). Neste contexto, o estudo científico do objecto seria de grande importância e até motivo de glória para o museu que detém a peça. Nada disto aconteceu desde Vandelli. O bloco é exposto qual Gioconda que no Louvre atrai milhares de visitantes, mas não tem sido objecto de nenhum estudo pela Ciência. Como cientista, pergunto a mim mesmo: é o medo ou a incapacidade que leva os geólogos a ignorarem a existência desta maravilha da Natureza? Incapacidade, não creio, pois as técnicas de espectroscopia, raios-X e microscopia hoje existentes permitem determinar com precisão a matriz de cristalização do cobre, as suas impurezas, e dessa forma concluir acerca da sua génese. Até o conhecimento que hoje se tem dos meteoritos permitiria testar a hipótese de Spix & Martius de o objecto não ser compativel com nenhuma formação telúrica conhecida, tratando-se portanto de um objecto extraterrestre.
Não sendo por incapacidade, pode ser medo, mas medo de quê? De que os documentos sobre o bloco de cobre não passem de uma gozação, á semelhança de paródias em outras áreas da ciência. Gozação que só pode compreender quem lê um texto científico de forma crítica e entrelaçada com outras fontes, mesmo que escritas duzentos anos antes, e isso as escolas de Ciência não ensinam.
A paródia do bloco de cobre é uma entre as muitas que ocorrem na ciência, na história e nos estudos literários. é a mais antiga que conhecemos, datando de 1782, não talvez por coincidência do ano da morte do Marquês de Pombal.
O nosso estudo primário incide nos textos científicos e o gaio método é posto em acção quando neles detectamos anomalias sobre dado objecto científico. Vamos por etapas.
Gaia ciência ou gaio saber - saber alegre - era a arte dos trovadores, também chamada linguagem das aves. Daí tirámos o nome do nosso método de trabalho. O gaio método é comparativo: reunimos o maior número possível de textos sobre o objecto anómalo, para verificarmos como se comportam os autores perante ele e para vermos se há erratas, comentários ou qualquer explicação.
A pesquisa não tem fim, pois uns textos levam a outros, e as gralhas são afinal um fio de Ariadne que os autores nos convidam a seguir. Daqui resulta por vezes um xadrez, em que todas as peças se encontram ligadas por qualquer motivo, seja familiar, político ou de irmandade em sociedades iniciáticas. A recolha de documentos permanece até que o objecto estudado se defina num quadro de inteligibilidade. Mas nem sempre é fácil o acesso a documentos. Os mais importantes para o bloco de cobre não são só os publicados e os trazidos do Arquivo Público da Bahia, mas sobretudo os do Arquivo da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Deles só temos, até agora, notícias, resumos ou citações, nos catálogos de manuscritos publicados nos Anais da Biblioteca Nacional, como se nota na bibliografia.
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