As colecções, indissociáveis das classificações e das sistemáticas, são conhecimento, isto é, não apenas o produzem, como se confundem com ele. Na verdade, a nossa vida é toda ela uma progressiva aquisição e transmissão de saberes, decorrente de mecanismos associáveis ao de juntar objectos aos quais atribuímos caracteres de semelhança - desde o serviço de chá até ao vocabulário e peças de roupa que envergamos, tudo é colecção. O coleccionador faz três gestos básicos: apanha, conserva e mostra. Quando nos deslumbramos num museu perante as suas ricas colecções, recebemos o que alguém conservou para nos mostrar. Esta permuta representa o nosso modo de vida social, de conhecimento colectivo, transmitido de geração em geração.
Tomemos como exemplo Fernando Frade, zoólogo, naturalista-explorador que desenvolveu a sua maior actividade durante o período do Estado Novo. Toda a sua vida decorreu entre classificações, sistemática e colecções, e ela própria pode agora reduzir-se a uma colecção de títulos publicados, de cargos directivos desempenhados, de cadeiras de Zoologia leccionadas, de províncias ultramarinas exploradas, etc.. Objectivemos: 180 publicações, director do Jardim Zoológico de Lisboa e do Centro de Zoologia da Junta de Investigações do Ultramar, chefe das missões científicas a Timor, Moçambique, Angola, Guiné Portuguesa, São Tomé e Príncipe, Índia Portuguesa e Cabo Verde.
Da colecção de colónias seleccionemos a Guiné, para mostrarmos a natureza das colecções reunidas e um dos traços estruturais de qualquer uma: a quantidade, tendendo ao Todo, á completude de dada área do conhecimento. Eis os objectivos da Missão, deduzidos do que o cientista enumera como resultados (Frade, 1973).
GUINÉ
1 - Prospecções gerais (1944 a 1946) de que resultaram os estudos faunísticos:
Esboço ecológico da fauna - A fauna e a Convenção internacional de Protecção á Natureza - Pescarias, em águas doces e marítimas - Vocabulário Zoológico, português, crioulo e vernáculo - Publicações especializadas sobre Plâncton, Crustáceos, Aracnídeos, Insectos, Vertebrados.
2 - Investigações para melhoramentos da pesca indígena nas águas interiores (1954) .
3 - Estudos para o restabelecimento do equilíbrio bioecológico dos povoamentos de Cibes (1956).
4 - Cooperação com a brigada de estudos hidráulicos da Guiné, para instalação de tanques piscícolas na fazenda Experimental de Fá (1960-1962).
5 - Prospecções apícolas, introdução de modelos de colmeias apropriadas ás condições locais, para melhoria da exploração das abelhas indígenas, instalação de apiários e realização de um curso de iniciação apícola (1965) .
Número total de publicações - 60.
Número total de publicações, relativas á missão na Guiné, diz Fernando Frade que foram 60. é uma colecção de artigos de especialistas vários, sobretudo os que faziam parte da equipa, e nela há a salientar a sua mulher, Amélia Bacelar, especialista em aracnídeos. Os artigos foram publicados em diversas revistas, nacionais e estrangeiras, mas com prioridade na colecção criada de propósito para o efeito, no interior dos Anais da Junta de Investigações Coloniais, colecção que já existia. Cada colónia deu lugar a uma colecção, com título idêntico. Para a Guiné, temos assim os Trabalhos da Missão Zoológica na Guiné .
Outras colecções de palavras reunidas por Fernando Frade, patentes no interior dos Trabalhos , são os vocabulários zoológicos, em crioulo e em português; as listas e catálogos de espécies da fauna e flora; e a própria estrutura dessas listas e catálogos, em que se patenteia a ordem sistemática por que aparecem os grupos, do mais extenso ao menos extenso, sejam exemplo as Aves, termo amplíssimo, dentro dele os Psittacidae, nome da família a que pertencem periquitos e papagaios, e dentro desta Psitthacus erithacus , nome da espécie, menos extenso.
Saindo para fora das missões nas colónias, consideremos ainda as colecções de palavras que constituem os verbetes para enciclopédias, em especial a Verbo Juvenil, e nomes portugueses de aves europeias com que contribuiu para uma obra estrangeira, o "Glossarium Europae Avium".
Alguns catálogos resultam do estudo de colecções algo estranhas para nós, como acontece com as de animais e plantas que povoam as águas de abastecimento público. O levantamento das espécies que chegavam ou não ás pias de lavar a loiça deram a Fernando Frade a oportunidade de descrever uma nova espécie para a ciência, Asellus ( Proasellus ) lusitanicus Frade, 1938 (Crustacea, Isopoda). Já que voltámos ao mundo das classificações e da sistemática, mencionemos outra colecção, a que permite incluir os taxa nesta ou naquela família, género ou espécie: a dos caracteres diagnosticantes, os traços da fisionomia ou anatomia das plantas e animais que levam os taxonomistas a considerar os morcegos semelhantes aos esquilos e diferentes das águias.
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