Endereçamento curricular da ética nos PCN: O que é? Como se fez? O que fazer com ele?

Enviado por Wilson Correia


  1. Introdução
  2. Por que o endereçamento é um problema?
  3. Primeira: De cunho onto-sociológica
  4. Segunda: De matiz antropo-epistêmico
  5. Terceira: De caráter ético-político
  6. Quarta: De natureza pedagógico-curricular
  7. Quinta: De caráter didático-escolar
  8. Conclusão

INTRODUÇÃO

Vou ler um texto incompleto e inconcluso que escrevi pensando neste momento. Meu objetivo aqui é o de apresentar algumas idéias que me vieram do estudo sobre o endereçamento curricular. O caminho que escolho pressupõe a análise documental, ainda que me valha da liberdade expositiva que esta modalidade de comunicação oferece.

Em 1999, encontrava-me lecionando Filosofia Política para estudantes universitários. Certo dia, recebi a caixa contendo os dez volumes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, os PCN, documentos do Ministério da Educação que oficializaram o currículo de parte da Educação Básica brasileira.

Diante do currículo, indaguei: quem o envia? Por trabalhar com filosofia, conferi o que ele trazia sobre o assunto. Notei previsto nele o ensino do tema transversal ética. Daí vem o título da tese que hoje defendo: O Ensino de Filosofia e o Problema do Endereçamento da ética nos PCN: Controle ou Democracia?

POR QUE O ENDEREÇAMENTO É UM PROBLEMA?

Todos já endereçamos uma carta. Ao fazermos isso, notamos que ela requer a existência de:

-um emissor, que é o autor da mensagem;

-um meio, o escrito, os Correios tradicionais ou o correio eletrônico;

-uma mensagem, o conteúdo ou teor do escrito;

-um receptor, aquele a quem se destina a mensagem.

Invariavelmente, então, a carta implica o "para" alguém. O pressuposto é o de que, para o emissor, tem de ficar claro quem é o receptor. Mais: Que meio é apropriado para alcançá-lo? Que informações abordar para que a comunicação cumpra as finalidades propostas? Ora, sem uma determinação segura desses elementos o endereçamento usual não se concretiza.

Por envolver esse tipo de questão, alguém entendeu que o conceito de endereçamento poderia ser interessante ao estudo de produtos culturais, como foi o caso do campo do cinema, no qual o problema proposto consistiu na indagação: "Quem esse filme pensa que você é?"

Posteriormente, o estudo dos modos de endereçamento estendeu-se ao enfoque dos problemas educacionais, o que o levou a também ser empregado na investigação curricular. Nesse campo, as questões orientadoras de pesquisas puderam ser elaboradas da seguinte maneira: Quem esse currículo pensa que o estudante é? Que modelo societário se faz subjacente aos seus pressupostos onto-sociológicos, antropo-epistêmicos, ético-políticos, pedagógico-curriculares e didático-escolares?

Nesta tese, por exemplo, o conceito de endereçamento é utilizado na investigação documental dos PCN, particularmente no que se refere ao ensino da ética. O problema fundamental proposto é o seguinte: quem esse currículo "pensa" que é?

Por decorrência dessa pergunta, outras indagações se fazem presentes: Quem ele "pensa" que seus destinatários são? Eles devem ser formados para adotarem qual estilo existencial? Para viverem e atuarem em qual modelo societário? Essa é uma inovação curricular? Como estudante e professor podem lidar com ele? Aliás, o que fazer com esse currículo?

O estudo das intenções dos emissores desse currículo evidenciou que ele se subordina a fatores econômicos, culturais e políticos que não podem ser ignorados. Diante disso, a conclusão a que chego é a de que o problema do endereçamento curricular vincula-se ás formas de exercício do poder. Como os modos de exercício do poder decorrem do humano, consciente e livre, ao contrário da carta, que tem "endereço certo", o currículo, ao ser endereçado, tanto pode acertar quanto errar o seu alvo.

Assim, se esse currículo pensa-se a si mesmo como inovação curricular, por assumir temáticas transversais, a parte disciplinar que o enrijece desfaz essa pretensão. Por outro lado, parece evidente que esse currículo pensa que os seus alvos são o trabalhador e o consumidor liberais, em uma concepção que os aglutina no conceito de cidadão a ser formado para as sociedades de mercado.

Em face dele, então, se assumida uma postura crítica e criticizadora, o que professor e estudante podem pensar em fazer é tomá-lo como um construto (um conceito consensualizado) voltado ao controle, á docilização e ao disciplinamento de nossos estudantes, visando a atender aos interesses da sociedade capitalista, como parece acontecer desde que a história registra o processo de massificação da instituição escolar, a qual tem separado a criança do grupo familiar adulto para, sob o comando estatal, forjar sujeitos produtivos á sociedade administrada.

Se assim é e se o que decide o significado de um currículo é o índice de empoderamento das ações que se desenvolvem com base nele e nele referenciadas, podendo ser no sentido de legitimá-lo ou negá-lo, então é o caso de estudante e professor pensarem em uma postura crítica diante dele.


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