Segundo a mitologia grega, quando do nascimento do universo o que prevalecia
era o vazio da desorganização inicial, ou seja, as entidades, os seres, as
coisas e os sentimentos encontravam-se todos segregados. Nesse contexto, então,
foi que o Amor, o qual era representado por Eros1 (e por Cupido, na
mitologia romana), filho de Afrodite e Ares, apareceu como a força de natureza
espiritual que presidiu a coesão de todo o universo logo após o seu surgimento.
Com efeito, o Amor é expressão de conciliação, de mediação, frente á segregação
do universo, é o anseio do homem, como assevera Platão2 , por uma
totalidade do ser, representando o processo de aperfeiçoamento do próprio eu. De
outra maneira, desta feita segundo Sócrates, o amor é "um desejo de qualquer
coisa que não se tem e que se deseja ter"3 .
Contudo, Platão não reduz o Amor á procura de outra metade do nosso ser que nos
completa4 ; o Amor é a ânsia, conforme pensa o filósofo, de ajudar o
eu próprio autêntico a realizar-se. Essa realização se produz na medida que a
vontade humana tende para o Bem e para o Belo: submete-se o corpo ao espírito e
o ato de amar desvincula-se de um determinado indivíduo ou atividade (ou coisa),
ocupando-se com a pura contemplação da beleza.
Convém assinalar, por oportuno, que o pensar o Amor em Platão deve ser
interpretado a partir da premissa de que esse (Amor) subjuga-se á Razão. Sem
que seja feita tal observação, impossível se torna a melhor compreensão do
pensamento de Platão acerca do Amor.
Tomadas em consideração tais ponderações, acaba-se por constatar que a
sociedade contemporânea não convive em harmonia com a idéia do Amor5 . Talvez isso se deva á circunstância de o Amor ser, por excelência, um
mistério e, por conseqüência não se deixar compreender (racionalmente),
repudiando, desta forma, todo esboço que se faça de classificação ou definição.
Diante dessa dificuldade em se en-ten-der o Amor é que a literatura vê no uso
da metáfora o melhor recurso para se aproximar de sua inteligibilidade.
Por outro lado, esse vácuo conceitual em torno do que seja o Amor, pode
decorrer da dificuldade de expressão do mesmo na sociedade contemporânea
globalizada e capitalista da informação. O crescimento desregrado,
desequilibrado e sem planejamento dos grandes centros urbanos gerou o fenômeno
da "multidão solitária"6 : as pessoas convivem lado a lado, mas suas
relações são perfunctórias, dificilmente são prospectadas, sendo raro, nesse
cenário, o encontro verdadeiro. Nessa situação, nota-se, portanto, que o falar
muito e o vender a idéia do sexo, torna-se uma estratégia de acobertamento da
impessoalidade essencial das relações, o contato físico simula o encontro.
Entrementes, ainda contemplando o mundo contemporâneo, não só as relações entre
duas pessoas se acham empobrecidas. A banalização dos laços familiares - não
nos importa aqui analisar as causas nem apurar a validade da vicissitude -
arremessou abruptamente as pessoas num mundo onde elas contam apenas consigo
mesmas. Ainda que se considerem válidas as críticas do autoritarismo da
família, permanece inegável a ilação de que essa seja a reserva mínima de afeto
do ser humano. Dito de outra maneira, o abandonar á família não é garantia de
ter esse vazio de amor preenchido. Ademais, o trabalho na sociedade capitalista
pós-industrial, animado pela competição e pelo individualismo, impõe um ritmo
extenuante, mesmo para os que têm melhores oportunidades, e acaba por
encarcerar a maior parte das pessoas em um trabalho alienado, rotineiro,
repetitivo, de onde é impossível extrair algum prazer ou, em outras palavras,
atender a algum desejo.
Do ponto de vista da ciência política, o Amor é decorrência da Democracia.
Somente num Estado Democrático a idéia de Amor pode prosperar, vez que a
Democracia em torno da (res)
pública toma como espeque a idéia de igualdade (justiça) e a negação da
exploração. é com essas tintas, o Amor e a Democracia, que devemos pintar o
Estado Contemporâneo, onde a essência e a legitimidade do Sistema jurídico não se encontram mais na
figura do Estado e das normas produzidas por este7 , mas na
Democracia8 9 , a qual tem no Amor a expressão ideal do Direito11
12 .
Viemos desenvolvendo a nossa apresentação até aqui ressaltando que o Amor (Eros12 ) é predominantemente desejo. é o
desejo que nos impulsiona a agir, a procurar o prazer e a alegria, nos faz
questionar o princípio cartesiano13 de que o homem é um "ser
pensante", pois existe na medida em que pensa. Não seria ele sobretudo um "ser
desejante"? Não seria o desejo aquilo que mobiliza o homem, e a razão o
princípio organizador que hierarquiza os desejos e procura os meios para sua
realização? Nesse passo, não temos aqui o fito de inverter a perspectiva
clássica da superioridade da razão sobre a paixão, mas mostrar que esses dois
princípios estão indissoluvelmente ligados.
Nesse sentido, pensamos que o Amor, e o desejo que desse provém, se somam á
razão, complementando um ao outro, vez que o agir humano não é fórmula singela
constituída de departamentos estanques, mas ato fundamentalmente complexo. Se
pudéssemos traçar as linhas gerais do agir humano, ainda que convictos da
falibilidade de qualquer tentativa nesse sentido, diríamos que o agir humano é
ato que se origina no desejo, se orienta pela razão e se destina a alcançar o
objeto do desejo inicial. Dito em outras palavras, o ato humano tem como
caminho a soma do desejo+razão+desejo.
Ação humana: ato jurídico.
Ação humana = desejo+razão+desejo.
Resta ainda uma pergunta: qual o escopo do desejo? Diante desta indagação
assevera Hegel: "Amar é estender o seu corpo em direção a um outro corpo; mas é
também, mais fundamentalmente, exigir que esse corpo, que ele deseja, também se
estenda; é desejar o desejo do outro"14 . Vale dizer, a finalidade
do desejo, entendido este como proveniente do amor, é o respeito á
co-existência em sociedade.
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