O dinheiro é, acertadamente, considerado como elemento vital do organismo político, uma vez que o mantém vivo e em atividade, habilitando-o a cumprir suas funções essenciais... Se houver deficiência, nesse particular, ocorrerá um dos seguintes malefícios: ou o povo ficará sujeito a contínuos saques, em substituição a um modo mais convincente de atender ás necessidades públicas, ou o governo mergulhará em fatal atrofia, não tardando muito a perecer ( Motta, 2000, p. 21).
Se refletirmos sobre a trajetória da administração pública em nosso país,
verificaremos que, há séculos, convivemos com uma história de desmandos, os
quais indicam, entre outras distorções das atribuições do Estado, numa
sociedade democrática e inclusiva, clara tendência á apropriação privada do
patrimônio público. Atualizando essa reflexão para os nossos dias, não é
difícil constatar que, salvo raras e honrosas exceções, as antigas práticas do
coronelismo, do nepotismo e da centralização da tomada de decisão para atender
a interesses de poucos, em prejuízo da maioria, ainda são características
marcantes em diferentes instâncias da gestão pública.
Ultimamente, com a democratização da sociedade, desvios de toda ordem,
verdadeiros indicadores de irresponsabilidade nas gestões financeiras de
municípios, Estados, Distrito Federal e da própria União, passaram a fazer
parte do noticiário. Nesse contexto, a população assiste, perplexa e indignada,
a denúncias sobre indústria da seca,
corrupção, desvio de bens e/ou de verbas públicas, fraudes em processos de
licitação, superfaturamento de obras e/ou serviços, uso eleitoreiro de obras, que,
ao longo dos anos, permanecem inacabadas, publicidade oficial para promoção
pessoal, clientelismo na contratação de servidores sem concurso; em síntese,
uma série de práticas delituosas que objetivam o enriquecimento de alguns, á
custa do erário...
Subjacente a esses problemas, está a malversação dos recursos públicos, num
cenário de falta de ética, desonestidade e o que é pior, via de regra, eivado
de impunidade... Apenas em período recente, deparamo-nos com uma lufada de ar
fresco, pois, devido ao volume alarmante do descalabro e á indignação dos
setores mais dinâmicos da população, começam a adotar-se medidas (ainda
tímidas, mas nem por isso desprezíveis) de punição de infratores.
Por conta dessa problemática, nosso país tem o vergonhoso destaque de situar-se
mundialmente entre os que detêm piores indicadores de qualidade de vida, com
taxas elevadas de analfabetismo real ou funcional, desumanos índices de
mortalidade infantil, especialmente em algumas regiões, assustadores índices de
violência, particularmente (mas não exclusivamente) nas metrópoles e grandes
centros urbanos, falta de saneamento básico e de cuidados primários e
assistência global á saúde e exploração predatória do meio-ambiente ...
Em síntese, a despeito de vivermos em um
país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza (como disse
o poeta popular), carecemos de políticas públicas conseqüentes e responsáveis
que possam atender ás necessidades mais elementares da população. No outro
extremo desse círculo vicioso, que parece interminável, nos deparamos com um
setor público extremamente endividado, apesar da elevada carga tributária a
sobrecarregar os segmentos da população que cumprem honestamente seus deveres
para com o fisco. Nesse contexto, situa-se igualmente, a crise fiscal, o
déficit público, o desempenho ineficiente de grande parte das empresas
estatais...
Como afirmamos, essa problemática tem suas raízes calcadas em desvios
históricos, presentes na cultura gerencial implementada pelas elites e, nessa
perspectiva, na falta de mecanismos reguladores e de controle da gestão de
arrecadação, aplicação e controle do uso dos recursos disponíveis.
À luz dessas considerações, no presente trabalho, temos o objetivo de analisar
a Lei Complementar 101/2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade
Fiscal1 (LRF), que trata das finanças públicas2 e
regulamenta o artigo 165, §9º da Constituição Federal.3
Ao tomar esse instrumento legal como objeto de reflexão, partimos do
pressuposto de que, embora a legislação seja insuficiente para resolver
históricos desvios de natureza cultural e política, ela constitui passo
importante e necessário, que, associado a outras medidas, pode representar
mudança significativa nas práticas públicas, em suas diferentes instâncias. Em
outras palavras, fundamentamos a reflexão no princípio de que é indispensável
dispor de elementos objetivos de garantia de preservação do equilíbrio e
controle administrativo, bem como de transparência na alocação de recursos
orçamentários, paralelamente ao planejamento de curto, médio e longo prazo. A
premissa é a seguinte: quando a administração pública é orientada por um
projeto político sério e conseqüente, os governantes assumem a tarefa de
coordenar as iniciativas dirigidas para compatibilizar a aplicação das receitas
com as necessidades e demandas prioritárias da sociedade, estabelecendo metas
derivadas do interesse público.
De início, cumpre assinalar que o projeto que deu origem á Lei Complementar
101/2000, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal4 (LRF) foi
elaborado pelo poder executivo e encontra respaldo no artigo 165, §9º da
Constituição Federal.
No texto legal, está explícito o propósito de corrigir rumos da administração
pública, seja no âmbito dos Estados-membros, dos municípios, como da própria
União, limitando os gastos ás receitas, mediante adoção das técnicas de
planejamento governamental, organização, controle interno e externo e
transparência das ações de governo em relação á população. Ainda nos termos
desse documento, ficam os administradores públicos expressamente responsáveis
por ações implementadas no exercício de suas funções e sujeitos a penalidades,
definidas em legislação própria, reforçada pela Lei Complementar nº 101.
Como esclareceu Pelicioli (2000, p. 109), a LRF dá suporte á criação de um
sistema de planejamento, execução orçamentária e disciplina fiscal, até então
inexistente no cenário brasileiro. Tem o objetivo de controlar o déficit
público, para estabilizar a dívida em nível compatível com o status de economia
emergente. Seu aspecto inovador, segundo análise de Cruz (2001, p. 8), reside
no fato de responsabilizar o administrador público pela gestão financeira,
criando mecanismos de acompanhamento sistemático (mensal, trimestral, anual e
plurianual) do desempenho.
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