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O fundamento da Lei de Responsabilidade Fiscal está nos artigos 163 a 169 da
Constituição Federal, mas especificamente no artigo 165, §9º., os quais
expressam a intenção do legislador de promover uma administração financeira
eficiente, atendendo ao critério de maior controle da sociedade sobre o Estado.
Castro (2000, p.17) esclarece que o poder executivo federal, ao propor o
projeto que deu origem á Lei Complementar 101/2000, apoiou-se no argumento de
que a medida fazia parte do conjunto de estratégias componentes do Programa de
Estabilidade Fiscal - PEF5 . Porém, o autor citado põe em dúvida
essa intenção, identificando, implicitamente o objetivo de ampliar a
arrecadação de recursos e racionalizar seu emprego, para cumprir compromissos
nacionais relativos á dívida externa e atender ás exigências oriundas do FMI,
do Banco Mundial e dos Estados Unidos da América (organismos financeiros
internacionais credores de nosso país).
No estudo referido, Castro (2001, p. 17) teve o cuidado de comparar algumas
regulamentações da lei citada com o Código
de Boas Práticas para Transparência Fiscal - Declaração de Princípios (disponível
no site oficial do FMI na Internet), chegando á inequívoca conclusão de que
vários conceitos e regras ali estabelecidos são coerentes com as condições
impostas pelo FMI, para assegurar o que o Comitê Interino denomina boa governança.
Além disso, não se pode esquecer que o Poder Executivo Federal precisava
cumprir o disposto no artigo 30 da Emenda Constitucional 19 de 04.06.1998, que
estabeleceu o prazo de 06 meses, contados da sua promulgação, para apresentar
ao Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar a que se refere o artigo
163 da Constituição Federal. Como se vê, o assunto carecia de regulamentação há
mais de 10 (dez) anos.
Por sua vez, Haury (2001, p. A16) discorda da argumentação de Castro (op. cit),
dizendo que alegações dessa ordem são esdrúxulas, pois que, independentemente
do que pense ou pretenda qualquer entidade internacional, a aprovação da lei,
pela esmagadora maioria de três quintos do Congresso, representa a clara
manifestação de repúdio da sociedade brasileira á administração irresponsável
dos recursos públicos, arrecadados sob a forma de impostos e contribuições. O
autor analisa esse resultado como manifestação de um grito de basta ao
desperdício, á falta de informações sobre o destino de contribuições dos
cidadãos brasileiros, á ausência de compromissos com resultados e á impunidade
pelo descaso no trato com a coisa pública...
Entre os estudiosos do assunto, encontramos ainda autores que criticam a LRF,
alicerçados no pressuposto de que a mesma representa agressão ao princípio do
pacto federativo, interferindo na autonomia de Estados e municípios.
Em contrapartida, Haury (2001, p. A16) rebate que esses críticos tomam para si
a prerrogativa de falar em nome do único órgão competente para decidir sobre a
inconstitucionalidade dos dispositivos legais, que é o Supremo Tribunal
Federal. O autor acrescenta que, no caso específico da LRF, o STF manifestou-se
claramente favorável á perfeita adequação dos pontos questionados á nossa Carta
Magna.
A par dessas controvérsias, verificamos que os termos da Lei Complementar nº
101/2000 orientam-se para o objetivo básico de regular a responsabilidade na
gestão fiscal. Sob esse ponto de vista, significa um enorme passo para o
processo de modernização do país, orientando o comportamento do administrador
no sentido do zelo com as finanças públicas. Em havendo efetividade, representa
importante instrumento de inovação filosófica e prática da administração
pública brasileira, na medida em que propicie transformações na cultura
administrativa e práticas de gestão de governos, em cooperação com a sociedade
civil.
Nessa linha de pensamento, Figueiredo (2001, p. 17) explicita que o principal
elemento distintivo da LRF é o estabelecimento de novo padrão fiscal no país,
procurando configurar o que, para muitos, significa um choque de moralidade na
gestão pública, pois enseja a responsabilização pelos gastos e demais
providências de natureza administrativa.
Além disso, trata-se de proposta que favorece e depende do engajamento da
sociedade, sob pena de sucumbirmos aos obstáculos que se antepõem á
transformação substantiva na gestão pública. O autor mencionado alerta para o
fato de que, caso a sociedade não se mobilize para fazer valer a força
transformadora da LRF, perderemos oportunidade ímpar de implementar padrão de
conduta pública pautado pela eficiência, responsabilidade e transparência.
Na verdade, subjacente a lei está o desejo de impedir que todo gestor de
recursos públicos gaste mais do que se
arrecade e de que tome consciência da responsabilidade fiscal. Zilbovicius (2001, p. A10) lembra
que esses dois pressupostos não podem ser considerados antagônicos, ou como
dilema para o gestor honesto, bem intencionado e competente6 .
Segundo Khair (2001, p. A16), a LRF pode contribuir significativamente para
impedir heranças fiscais desastrosas, que imobilizam governos recém-empossados, quando têm que assumir
dívidas e compromissos financeiros de antecessores. Por isso, reforça-se a
proibição de aumentos salariais em final de governo e a contratação de
obrigações que não possam ser pagas com recursos pertinentes áquele mandato.
Sob esse ponto de vista, ao estabelecer normas de procedimento para o uso de
recursos públicos, limitar despesas, definir regras para o cumprimento dos
orçamentos, obrigar transparência das contas e prever sanções para os desvios
de conduta, inclusive de ordem criminal, pode-se dizer que a LRF reforça a
filosofia administrativa que exige o fim do descontrole de gastos, que tantos
males causou - e ainda causa - ao sofrido contribuinte brasileiro.
Essa linha reflexiva obtém respaldo na análise de Nascimento (2001, p. 11),
quando elucida que a LRF tem por escopo sedimentar o regime de gestão fiscal
responsável, mediante a implementação de mecanismos legais que deverão nortear
os rumos da administração pública. Na perspectiva desse autor, constitui, pois,
um código de conduta gerencial a ser observado, na condução da coisa pública.
Um problema a resolver diz respeito á dificuldade com que se deparam os
governantes públicos, quando se trata de entender e pôr em prática a LRF. Entre
outros determinantes do problema, costuma-se mencionar a complexidade da lei e
a falta de prática política de controle financeiro. Decorre daí a relevância de
estudos sobre o assunto, bem como da formação de pessoal técnico, nas
diferentes áreas, para compor os quadros de assessorias. Essa necessidade é
premente, especialmente se levarmos em conta que esse documento legal entrou em
vigor na data de sua publicação, conforme disposto no artigo 74.
Outro ponto a assinalar é que a complexidade técnica, que suscita dúvidas
numerosas e intrincadas, a pretendida remodelagem de institutos e a criação de
figuras de cujo funcionamento não se tem experiência, o requisito de nova
postura gerencial, decorrente de seu denso sistema de comandos e controles são
desafios consideráveis.
Por isso, alguns autores defendem a tese de que talvez fosse apropriado
estabelecer limites temporais á sua eficácia, para proporcionar aos gestores e
suas equipes tempo bastante para adaptações e ajustes nas estruturas
organizacionais e respectivos procedimentos operacionais. Em contrapartida, é
pertinente ressaltar que a LRF não exige mais do que lisura e correção
administrativa; isto é, não demanda qualquer iniciativa diferente do que
deveria ocorrer em qualquer gestão comprometida com o bom uso dos recursos da
população...
Por fim, encontramos na doutrina mais de uma dezena de referências a
inconstitucionalidades e discrepâncias, além de críticas indicando que não será através de edição de uma lei tão conturbada
que se fará operar um milagre nas finanças do país.
Numa tentativa de síntese do exposto nesta seção, observamos que, embora não
tenha conquistado unanimidade entre os estudiosos e gestores da coisa pública,
a Lei de Responsabilidade Fiscal visa estabelecer princípios norteadores de um
regime de gestão fiscal responsável, operacionalizado através de normas e
regras, a serem observadas em todas as esferas da administração, assim
entendidas a União, Estados, Distrito Federal e Municípios,. Nesse âmbito,
estão compreendidas as respectivas administrações (direta, autárquicas,
fundacionais e empresas públicas).
No seu escopo, identificamos procedimentos, critérios e limites a serem
observados para as principais variáreis fiscais, criando mecanismos para o
alcance das metas, prevenção e correção de eventuais desvios. O diploma legal
em exame estabelece ainda sanções institucionais e pessoais, visando dar
conseqüência ás suas hipóteses normativas. Sua aplicação poderá resultar em
drástica e veloz redução do déficit público, além de maior equilíbrio do
montante da dívida brasileira em relação ao PIB, com conseqüências importantes
na disponibilidade de recursos para atender a prioridades sociais.
A LRF apóia-se sobre quatro pilares, dos quais depende o alcance de seus
objetivos. São eles: o planejamento, a
transparência, o controle e a responsabilidade.
A rigor, esses pontos são recorrentes na doutrina sobre requisitos da boa
administração pública. Na atualidade, parecem tomar revigorado impulso, dado o
alto grau de endividamento dos entes da federação e também devido á
democratização e desejo de maior participação e controle da sociedade,
extenuada por suportar elevada carga tributária, sem a correspondente
contrapartida em termos de prestação de serviços, como saúde, segurança,
educação, saneamento, transporte público, e similares.
O planejamento dará suporte
técnico á gestão fiscal, através de mecanismos operacionais, como o Plano
Plurianual - PPA (embora vetado o artigo 3º da Lei, o PPA é exigência
constitucional), a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei Orçamentária -
LOA. Por meio desses instrumentos, haverá condições objetivas de programar a
execução orçamentária e atuar no sentido do alcance de objetivos e metas
prioritárias.
Por seu turno, a transparência colocará á disposição da sociedade diversos mecanismos de cunho democrático,
entre os quais merecem relevo: a participação em audiências públicas e a ampla
divulgação das informações gerenciais, através do Relatório Resumido da
Execução Orçamentária, do Relatório de Gestão Fiscal, bem como dos Anexos de
Metas e Riscos Fiscais.
Os sistemas de controle deverão
ser capazes de tornar efetivo e factível o
comando legal, fiscalizando a direção da atividade administrativa para que
ocorra em conformidade com as novas normas, como ressalta Fernandes
(In: Castro, 2000, p. 22). A fiscalização, que há de ser rigorosa e contínua,
exigirá atenção redobrada de seus executores, principalmente dos tribunais de
contas.
O último alicerce, referente á responsabilidade,
é importantíssimo, pois ele impõe ao gestor público o cumprimento da lei, sob
pena de responder por seus atos e sofrer as sanções inseridas na própria Lei
Complementar 101/2000 e em outros diplomas legais, como disposto no artigo 73
da LRF.
Como aludimos, o planejamento é o primeiro sustentáculo, a ferramenta básica
para que o Estado alcance o seu fim último, que deve ser o bem-comum. Do ponto
de vista administrativo e gerencial, tem o propósito de identificar os
objetivos e metas prioritárias e definir modos operacionais que garantam, no
tempo adequado, a estrutura e os recursos necessários para a execução de ações
(programas, planos, projetos e atividades) consideradas relevantes e de
interesse público.
Pelo menos no plano teórico, há décadas, preconiza-se que o planejamento
constitua atividade de rotina, para cumprimento das funções governamentais. Em
outras palavras, desde o tempo do tecnicismo e da ideologia da modernização
conservadora, que predominou na orientação governamental brasileira dos anos
sessenta em diante, defende-se a prática do planejamento como medida de
racionalização administrativa. O que temos de inovador na atualidade, segundo
visão progressista, é a definição do planejamento como instrumental técnico e
político, para garantir qualidade nos resultados das ações empreendidas; mas
também para que se definam prioridades socialmente relevantes, segundo interesse da maioria. Esse enfoque
é absolutamente distinto do que preconizava a autoritária ideologia do
tecnicismo, em sua vertente conservadora, hoje, por vezes, maquiada pelas teses
do discurso neoliberal.
Note-se que a LRF cria novas dimensões para a Lei de Diretrizes Orçamentárias e
para o próprio Orçamento, que serão discutidos e elaborados com participação da
sociedade. Descentralizado, o planejamento pode ser enriquecido com dados
significativos, para a formulação de metas e de prioridades, além de limites e
condições para a renúncia de receita e para a geração de despesa, inclusive com
pessoal e de seguridade, assunção de dívidas, realização de operações de crédito,
incluindo aquelas relativas á antecipação de receita orçamentária e concessão
de garantias.
Com essa orientação filosófica e prática, o planejamento adquire nova e fecunda
fisionomia; a LRF preconiza que todos os entes da federação passem a elaborar
planos de desenvolvimento mais efetivos, forçando-os a atingir resultados e
metas fiscais.
No Capítulo II da LRF, que dispõe sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias,
merece ênfase o equilíbrio a ser atingido entre a receita e a despesa, a par do
controle de custos e avaliação dos resultados dos programas financiados com
recursos orçamentários. Decorre daí a necessidade de estudo sistemático sobre a
real efetividade dos gastos, com enfoque na avaliação, resultante de comparação
entre objetivos pretendidos e efetivamente alcançados. Outra conseqüência é a
maior especificidade da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a par da criação de um
Anexo de Metas Fiscais, a ser estabelecido em conjunto com o projeto de LDO
(art. 4º, §2º). Junto a esse, deverá ser apresentado um Anexo de Riscos
Fiscais, que nada mais é do que uma descrição dos passivos que, porventura,
venham a apresentar distorções resultantes em assimetria dos elementos
propostos na LDO.
De maneira coerente com o disposto no art. 37 da Constituição da República, que
dá suporte ao princípio da publicidade, a seção I do capítulo IX da LRF trata
da transparência. Nesse caso, publicidade é definida como a divulgação oficial
do ato, para conhecimento público e início de seus efeitos externos,
constituindo, sem dúvida, requisito de eficácia e controle da moralidade dos
atos administrativos, especialmente, no tocante ao aspecto financeiro.
Segundo o art. 48 da LRF, a transparência é assegurada através da divulgação
ampla, inclusive pela Internet, de planos, orçamentos e leis de diretrizes
orçamentárias; relatórios de prestações de contas e respectivos pareceres
prévios; relatórios resumidos da execução orçamentária e gestão fiscal, bem
como das versões simplificadas de tais documentos.
Com idêntico propósito, deve o poder público incentivar a participação popular
e a realização de audiências públicas, durante o processo de elaboração e
discussão dos planos, Lei de Diretrizes Orçamentárias e orçamentos anuais. Da
mesma forma, as contas prestadas pelo chefe do executivo devem ficar
disponíveis, durante todo o exercício, no respectivo Legislativo e no órgão
técnico responsável pela sua elaboração, para consulta e apreciação pelos
cidadãos e instituições da sociedade (art. 49).
Essa constitui inovação de caráter democrático, pois que a consulta popular
deixa de ser mera recomendação, para tornar-se determinação legal: o que era
indicado como salutar passa a ser incorporado pelo direito, tornando-se
obrigação legal do governante.
Porém, sabemos que regulamentação e garantias legais não são suficientes para
atingir a transparência; além delas, deve haver governantes com perfil de
estadista, imbuídos de princípios éticos e filosofia participativa, para
disponibilizar os dados e, com criatividade, suprir oportunamente os interesses
da população pelas informações.
Com propósitos elucidativos, cumpre assinalar que, na visão do FMI, tal como
exposta no Código de Boas Práticas para a
Transparência Fiscal, essa medida representaria importante
contribuição á causa da boa governança, pois promoveria um debate público
melhor qualificado a respeito da concepção e os resultados da política fiscal.
Dessa forma, tornar-se-ia possível ampliar o controle sobre os governos, no
tocante á execução das políticas e aumentar a credibilidade popular acerca das
opções governamentais. De acordo com a mesma fonte, num ambiente de
globalização, a transparência fiscal reveste-se de considerável importância
para alcançar a estabilidade macroeconômica.
Retomando afirmativa anterior, os sistemas de controle deverão ser capazes de tornar efetivo e factível o comando legal,
fiscalizando a direção da atividade administrativa para que ocorra em
conformidade com as novas normas (In: Castro, 2000, p. 22). A
fiscalização contínua e rigorosa é tarefa indispensável, para que se obtenha
melhor gestão pública; exigirá atenção redobrada de seus executores, sem
esquecer das atribuições relevantes dos Tribunais de Contas7 .
Na LRF, conforme art. 56 e seguintes, seção referente á Prestação de Contas, o
controle será exercido pela própria administração pública, Poder Legislativo,
Tribunais de Contas, Conselho de Gestão Fiscal, Banco Central, Ministério
Público, Poder Judiciário e - o mais importante - pela sociedade em geral8 .
O Tribunal de Contas deverá emitir parecer prévio sobre as contas apresentadas
pelo chefe do poder executivo, no prazo de 60 dias a contar do recebimento, a
não ser que as constituições estaduais ou leis orgânicas estabeleçam prazo
distinto.
O artigo 58 traz á luz procedimentos a serem desenvolvidos pelo ente público,
quando da prestação de contas e destaca as providências relativas á
fiscalização das receitas e formas de combate á sonegação. Ressalta ainda que,
na prestação de contas, deverão ficar explícitas as medidas tomadas para
recuperar créditos contestados judicial ou administrativamente e as iniciativas
adotadas para incrementar as receitas tributárias.
Demonstrando o ânimo de consolidar meios de controle já reconhecidos pelo texto
constitucional, a lei apresenta, em seu art. 59, requisitos relacionados á
fiscalização da gestão fiscal. Mediante o compartilhamento de competência,
determina que caberá ao poder legislativo, em conjunto com o Tribunal de
Contas, realizar o controle externo, ao passo que o controle interno será desenvolvido pelos
respectivos poderes.
O art. 70 da CF já apresentava essa exigência; a inovação refere-se aos
aspectos que deverão ser levados em conta no momento da fiscalização; um deles
é o cumprimento do limite de gastos pelos legislativos municipais.
O controle e o acompanhamento da gestão fiscal serão implementados com a adoção
de um Conselho de Gestão Fiscal, constituído por representantes de todos os
poderes e esferas governamentais, pelo Ministério Público e por entidades
representativas da sociedade. Esse órgão desenvolverá ações de cunho prático,
que culminarão na efetiva operacionalidade da Lei nº 101/2000. Por exemplo, o
Conselho instituirá prêmios aos titulares de poderes ou órgãos que alcançarem
resultados eficientes em programas de desenvolvimento social, se observados os
princípios de gestão fiscal determinados pela Lei Complementar em estudo.
Por outro lado, o artigo 59 da citada Lei destaca a competência do controle
interno, já exigido no artigo 74 da CF, para fiscalizar o cumprimento de suas
normas, dando ênfase, dentre outros, ao alcance das metas estabelecidas no
Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, na Lei Orçamentárias e ás
providências tomadas para recondução dos montantes das dívidas consolidada e
mobiliária aos respectivos limites.
Na presente discussão, a questão da responsabilidade é importantíssima, pois
ela impõe respeito á regulamentação e prevê sanções inseridas na própria Lei
Complementar 101/2000 e em outros diplomas legais, consoante dispõe o artigo 73
da LRF9 . Sob esse ângulo de análise, a LRF nada mais é do que um
código de condutas, que deve ser obedecido pelos gestores públicos.
Porém, muitos a criticam, atribuindo-lhe o condão de funcionar como espécie de
punição aos ordenadores de despesa, ou impingindo-lhe potencial deletério ao
exercício da discricionariedade inerente ao cargo público de direção. Como
demonstrado em momento anterior deste trabalho, outros estudiosos assumem
posicionamento contrário, vislumbrando os aspectos positivos, particularmente
no que concerne ás normas essenciais para a boa prática gerencial e responsável
de recursos públicos.
Ao discutir a questão da responsabilidade, Motta (2000, 51) esclarece que:
A responsabilidade passa, com a LRF, a ser
personificada e personalizada, - sem prejuízo do princípio da impessoalidade da
gestão, - otimizando não só o cumprimento da vontade do povo, consagrado no
orçamento pelos seus legítimos representantes, quanto pela tutela legal, que se
de um lado imputa sanções, - na Lei de Responsabilidade Fiscal ao ente federado
ou empresa estatal dependente que não cumprir aos ditames da responsabilidade
fiscal-, mas dá espaço para a ação do controle definir o agente que por meio da
pessoa jurídica violou a norma e alcançá-lo.
Como referimos, a LRF prevê sanções, tanto de natureza institucional, quanto
individual. Entre as sanções institucionais,
destacamos: proibição de recebimento de transferências voluntárias por parte
dos Estados e municípios que deixarem de prever e arrecadar seus impostos,
consoante disposto no parágrafo único do art. 11. O parágrafo único do art. 22
também explicita uma série de sanções institucionais, se a despesa total com
pessoal exceder a 95% do limite, como é o caso das vedações de criação de
cargo, emprego ou função e de alteração de estrutura de carreira que implique
aumento de despesa.
As sanções denominadas pessoais estão previstas na Lei 10.028/0010 ,
o que, como seria de esperar, trouxe grande intranqüilidade para muitos agentes
políticos. Esse documento legal veio á tona por força do artigo 73 da LRF, que
determina sejam suas infrações punidas segundo o Decreto-Lei 2.848/40 (Código
Penal), a Lei 1.079/50 (Lei de Crimes de Responsabilidade), os Decretos-Lei
201/67 (responsabilidade dos prefeitos e vereadores), a Lei 8.429/92 (Lei de
Improbidade Administrativa) e demais normas de legislação pertinente, além de
trazer algumas modificações na legislação acima mencionada, principalmente
quanto ao cumprimento dos limites e dos prazos para adequação ás prescrições da
Lei Complementar nº 101/2000. Algumas das penas mencionadas no projeto de lei
incluem: perda do mandato, multa, proibição de exercer cargo público, bloqueio
de bens e até mesmo pena restritiva de liberdade11 .
Como assinalou Castro (2000, p. 32), o que, para a Lei de Responsabilidade
Fiscal, é descumprimento de dever, para o Código Penal, é crime. Castro (2000,
p. 34) acrescenta que todos crimes previstos na Lei de Responsabilidade fiscal
ou no Código Penal (art. 359, A, B, C, D, E, F, G, H) são punidos a título de
dolo. Como não há previsão de culpa, os infratores poderão ter suas penas
privativas de liberdade convertidas em penas alternativas ou substitutivas
(restritivas de direito), considerando que a maior pena cominada em tese é de
quatro anos (art. 44 do Código Penal). No caso do crime previsto no artigo
359E, cuja pena é de três meses a um ano, poderá haver a suspensão condicional
da punição, na forma do artigo 77 do Código Penal.
Ao refletir sobre o assunto, parece pertinente a seguinte pergunta: como
responsabilizar o gestor pela inobservância dos dispositivos da lei de
Responsabilidade Fiscal, principalmente quando não alcançadas as metas fiscais,
considerando que, em nosso país, os períodos de estabilidade econômica que
permitiriam planejamento fiscal e orçamentário nunca perduraram por longos
períodos? Outro aspecto contraditório refere-se a que, constatada a dificuldade
financeira do ente federado, o mesmo fica impedido de remediar a situação e até
mesmo de recorrer a empréstimo, o que é prática salutar para prevenção de
deficits. Porém, o procedimento é de uso habitual, no âmbito do ente primaz da
Federação - a União, que tem buscado, com freqüência, empréstimos de organismos
internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, a fim de obter verbas para solver
suas obrigações...
E, se o administrador anular atos ou contratos administrativos que tenham
ferido as normas da LRF, não desconstituiria o direito ao pagamento pelos
serviços executados ou bens fornecidos pelo contratado, recebidos e aceitos
pela administração? Nesse caso, não se estaria correndo o risco de transgredir
um dos princípios inspiradores da Teoria Geral das Obrigações, que, no direito
comum, tanto quanto no público, veda o enriquecimento sem causa, inclusive da
administração? Esta é também a solução acolhida pelo art. 59, parágrafo único
da lei nº 8666/93, que dispõe sobre licitações e contratos administrativos.
Seja qual for a motivação subjacente ao projeto que deu origem á LRF, tem o
povo brasileiro instrumento legal que pode favorecer transformações salutares
nas formas de planejamento, execução e gestão de recursos, obrigatoriamente
voltada para o interesse público e passível de controle sistemático.
Diante de tanto descaso e até mesmo desonestidade no emprego das receitas e na
ausência de políticas sociais conseqüentes, sempre justificadas pela falta de
recursos públicos, a despeito da pesada carga tributária, não resta dúvida da
relevância de uma legislação para regulamentar e disciplinar o assunto. Por
outro lado, é mais do que tempo de atribuir responsabilidades inclusive penais,
áqueles governantes que não cumprem com suas obrigações. Afinal, o mandato não
confere aos gestores públicos o privilégio da impunidade ou a prerrogativa de
isenção de controle e prestação de contas á sociedade.
Sob essa perspectiva de análise, não há como negar que carecíamos de
instrumentos definidores de princípios, regras e sanções, norteadores das
responsabilidades do poder executivo, no estabelecimento da política fiscal e
correspondente gestão do orçamento da União, dos Estados e dos Municípios.
Por isso, a despeito da persistência de pontos polêmicos, os quais certamente
serão equacionados, a Lei Complementar 101/2000 veio preencher lacuna quanto a
medidas punitivas contra o mau administrador público, que doravante poderá
deparar-se com sérios problemas e ser chamado á responsabilidade por seus atos.
A partir da vigência da LRF, o desequilíbrio orçamentário, o nepotismo, o
clientelismo, que resultam em gasto excessivo com pessoal, as operações
irresponsáveis de crédito, o descuido com o patrimônio público, tudo passa a
ser fiscalizado e passível de sanção.
Acreditamos que, através da efetiva aplicação dos quatro pilares em que se
apóia a LRF, a saber: o planejamento, a transparência, o controle e a
responsabilidade, disporemos dos sustentáculos para a administração responsável
e fundamentada em princípios éticos.
Em suma, a lei é rigorosa; impõe-se, agora, que os responsáveis por sua
efetividade, com destaque aos Tribunais de Contas, Ministério Público e
Judiciário sejam implacáveis no controle, fiscalização, apuração, acusação e
julgamento, respectivamente, dos dados que lhe chegarem ás mãos. Assim
procedendo, a LRF pode vir a ser um instrumento para construir um novo modelo
de gestão pública nacional; em caso contrário, pode vir a ser mais um episódio
de inapetência para a mudança e modernização administrativa e transformação
social.
Além disso, temos consciência de que a lei, embora condição necessária, não é,
por si, suficiente para garantir mudança de mentalidade e, em conseqüência, os
propósitos de uma administração responsável.
Na condição de operadores jurídicos e cidadãos, cabe-nos exercer nosso direito
e dever cívico de atuar no sentido de que tal diploma legal encontre
efetividade, participando sempre, buscando informações, difundindo-as á
população e denunciando distorções... Assim procedendo, estaremos contribuindo
significativamente para garantir seriedade e responsabilidade no planejamento e
acompanhamento da aplicação dos recursos, além de transparência e eficiência na
gestão dos recursos, tendo em vista o interesse público, particularmente dos
segmentos particularmente marginalizados de nossa sociedade.
Para concluir, buscamos respaldo nas sábias palavras de Machado &
Figueiredo (2001, p. A-3), quando, discutindo conflitos oriundos da aplicação
da lei em exame, ressaltam:
O Executivo e o Legislativo têm o dever
constitucional de discutir seriamente o Orçamento e as incongruências da Lei de
Responsabilidade Fiscal. (...) No Estado de Direito, nada pode ser mais odioso
do que a denegação da justiça. Não há indenização que repare a injustiça de um
direito sonegado, suprimido. (...) Não há responsabilidade fiscal que
justifique a intolerância e a irrazoabilidade e o temor reverencial ao
positivismo cego dos valores da cidadania.
Notas de rodapé convertidas em notas de fim
1 Responsabilidade fiscal diz respeito ao cumprimento de normas ou obrigações
cometidas aos agentes públicos, com vistas á manutenção regular das atividades
por eles exercitadas no campo da gestão patrimonial. Envolve a ação tributária,
conjugada com os esforços no campo financeiro, em busca do equilíbrio
orçamentário decorrente da programação de governo.
2 De acordo com Pereira Junior (in: Cruz, 2001, p. 173), não se extraia do
rótulo "responsabilidade fiscal" a idéia de que se estaria a criar nova espécie
de responsabilidade, na clássica acepção jurídica de obrigação secundária,
derivada da inexecução de obrigação principal. A LRF veio estabelecer não uma
nova espécie de responsabilidade, mas estatuir condições, termos e requisitos
para o regular exercício da gestão financeira e patrimonial do Poder Público,
cujo eventual descumprimento atrairá, em processo administrativo regular,
juízos de reprovação a ilícito administrativo, com possíveis repercussões nos
campos da responsabilização civil do Estado e da responsabilização penal
pessoal do gestor. A violação dos procedimentos previstos na LRF ensejará,
portanto, apuração nas três conhecidas esferas de responsabilidade, a
iniciar-se pela administrativa, qualificando-se o objeto pelo fato de
constituir ilícito contra a gestão pública.
3 As finanças públicas não são conceituadas pelo legislador, no âmbito da
citada Lei. Motta (2000, p. 31) define finanças públicas como: "o conjunto de atividades realizadas pela
Administração pública, direta e indireta, dos três poderes, de todas as
unidades federadas e da União, com o objetivo de definir as riquezas do Estado,
arrecadar receitas estabelecendo a aplicação e realização das despesas, bem
como gerir o patrimônio público.
Esse conceito não se distancia muito, no aspecto da matéria versada, daquele
proposto por de Plácido e Silva, Pedro Nunes ou Ives Gandra Martins e Celso
Ribeiro Bastos. A diferença passa a existir em relação a: - inclusão de pessoas
jurídicas de direito privado vinculadas a esfera; e - abrangência dos demais
poderes, além do Executivo."
4 Pelicioli (2000, p. 109) ao fazer breve histórico do tema, diz que a lei de
Responsabilidade na Gestão Fiscal sofreu inspiração de experiência e formulação
estrangeiras como as da Nova Zelândia, da União Européia via Tratado de
Maastricht e dos EUA. Mas, como seria de esperar, foi adaptada ás nossas
peculiaridades, inclusive, para abarcar todas as esferas e níveis de governo.
Na América Latina, os pioneiros na aplicação da LRF são a Argentina e agora o
Brasil.
5 Este programa foi lançado em outubro de 1998. Seus objetivos privilegiam o
combate ao déficit e a redução da dívida pública.
6 Zilbovicus (2001) salienta que endividamento não é necessariamente sinônimo
de irresponsabilidade fiscal; o que se pretende é compromisso social na
aplicação responsável dos recursos públicos.
7 O controle (fiscalização) é uma tarefa árdua que necessita de apoio para que
funcione corretamente. Muitos países hoje possuem órgãos de controle, com a
missão de fiscalizar a boa gestão financeira. Em algumas nações, temos órgãos
colegiados (tribunais de contas), em outras de forma impessoal (controladorias).
No Brasil, os Tribunais de Contas possuem papel de fundamental importância para
o controle da Administração Pública; seu destaque adquire relevo proporcional
ao avanço das instituições democráticas. Quanto ao nosso Tribunal de Contas, há
quem diga (Rigolin (2000, p. 29) que o tribunal seria um quinto poder, sendo o
executivo, judiciário, legislativo e o Ministério Público os outros quatro.
Mas, o que importa saber é que, de acordo com Castro (2000, p.11) os Tribunais
de Contas são órgãos de controle externo, encarregados da fiscalização
contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Administração Pública,
desvinculados da estrutura de qualquer Poder e independentes da entidade
fiscalizada. Para o autor não se pode confundir, a função do Tribunal de
Contas, que é auxiliar do Poder Legislativo, com a natureza do órgão. Cumpre
registrar igualmente divergência doutrinária a respeito do art. 71 da
Constituição Federal, pois alguns estudiosos dizem que o tribunal de contas
teria, além da atribuição de fiscalizar, a função de informar e julgar certos
atos.
8 Segundo Fernandes (2001, 87), é necessário certo arrojo dos administradores
públicos e agentes de controle em geral, para impor a alteração das ações
programadas a partir de dados verificados pois, sem influenciar o processo
decisório, o controle perde a finalidade. Dessa forma, quando a sociedade ou os
órgãos de controle envidam esforços permanentes na verificação, análise e
recomendação, conseguem fazer uma norma ter efetividade.
9 Entende-se por responsável é a pessoa que deve suportar a conseqüência de sua
ação antijurídica, típica e punível.
10 Esta Lei é de autoria do Poder Executivo Federal. O projeto que lhe deu
origem (621/99 - Câmara dos Deputados) foi aprovado em ambas as Casas Legislativas
sem sofrer qualquer alteração.
11 Todos os novos tipos penais previstos na Lei 10.028/00 dizem respeito ao
âmbito de uma criminalidade muito especial, em que ganha protagonismo o agente
político que exerce função executiva: em nível federal, estadual ou municipal
no caso das alterações promovidos no CP; em nível municipal no concernente ao
Decreto-lei 201/67.
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Autor:
André Saddy
andresaddy[arroba]yahoo.com.br
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