Se pode dizer que existe bastante consenso sobre a necessidade de reformar a justiça penal dos países latino-americanos. Sem embargo, esse consenso não existe quando se trata de definir com claridade o que significa reformar a justiça penal e, existe muito consenso aínda, quando se trata de definir as estratégias para encarar este câmbio.
Parece, então, que se impõe uma ordem lógica: estabelece-mos primeiro um acordo
a respeito do que significa reformar a justiça penal e logo convenhamos quanto
as estratégias mais apropriadas.
Sem embargo, o problema nã responde necessariamente a esta lógica tão linear.
Muitas vezes, e creio que este é um caso, objeto e método se confundem em uma
relação dialética mais profunda, na qual ambos se modificam continuamente.
Por que queremos reforma a justiça penal ? Por muitas razões, sem dúvida, mais
seguro que entre elas se acham as seguintes.
1. porque existe uma crescente sensação de insegurança, de desamparo dos
cidados frente á violência social;
2. porque existe uma impunidade estrutural, em especial impunidade dos mais
poderosos, que fere os sentimentos de diginidade de nossas populações;
3. porque existe um reclamo, mais claro e mais profundo do que nunca, para que
se respeitem os direitos humanos;
4. porque a sociedade tem cambiado e cambeia a passos agigantados e a justiça
tem ficado atada á estrutura da sociedade colonial;
5. porque a criminalidade, em especial a criminalidade organizada
(narco-tráfico, delinquência financeira, corrupção estatal, etc.), tem se
modernizado e tornado muito mais eficaz e complexa;
6. porque nossos países se acham, com distintas modalidades, imersos em
processos de planificação e construção ou reconstrução da democracia, e a
eficácia da justiça se acha ligada a esses processos;
7. porque é necessário responder ao impacto informático e as novas técnicas de
administração ligadas ao uso de computadores;
8. porque aos meios de comunicação social se tem dado maior força e dinamismo
ás opiniões sociais sobre o funcionamento das instituições;
Estas são algumas das razões, urgentes razões, que fundamentam a necessidade de
reformar a justiça penal. E cada País terá suas próprias. Sem embargo, do
pequeno catálogo de razões recém exposto podemos extrair uma conclusão de
grande transcendência, tanto para definir as estratégias, como para estabelecer
um acordo básico a respeito do "que significa reformar a justiça
penal": a reforma da administração da justiça penal é uma reforma de
grande transcendência institucional, ligada diretamente com o processo de
profundização democrática e com a modernização do Estado.Não se trata, pois, de
uma simples reforma dos procedimentos, se não de uma total e complexa
re-localização da administração de justiça penal, no marco das novas
instituições democráticas.
O que está em jogo é grave. Não se trata de modificar este o aquele outro
procedimento. Muito menos se trata de ampliar ou reduzir prazos, suprimir ou
agregar requisitos ou incorporar computadores para dar "prestígio
eletrõnico" aos velhos procedimentos inquisitivos.
O que se acha em jogo é o lugar institucional da administração de justiça nas
novas democracias e, como praticamente se julgar a uma democracia pelo papel
que nela cumprem os juízes, bem podemos dizer que o que está em jogo é a
definição mesma da democracia e o Estado de Direito. Queremos uma democracia
real e um Estado de Direito efetivo, nos quais os cidados tenham mecanismos
concretos de proteção, que se respeitem os Direitos Humanos e que exista a
tolerância política, ou queremos simples jogos formais onde o cidado é
convocado para as eleições mais logo o povo é dissolvido até a próxima eleição;
enfim, uma democracia restringida para uso de uns poucos ?
E se o que está em jogo é nada menos que esse aspecto nuclear do Estado de
Direito, não podemos afrontar a modernização da justiça como se tratará de um
simples câmbio de procedimentos.
Sem embargo, outras vezes existem acordos nesta perspectiva que agora planteio,
mas logo, nas políticas concretas de transformação volta a florecer uma
consideração superficial e reduzidíssima do problema. Muitos projetos de
reforma judicial não compreendem esta perspectiva e, inclusive, muitos
programas de cooperação internacional não tem uma cabal compreensão do
funcionamento que tem - e o que deveria ter - a justiça penal no contexto das
sempre nascentes e débeis democracias latino-americanas.
Por isso, existem diversos caminhos para afrontar o problema da reforma da
justiça penal que, a meu juízo, são equivocados.
Eles são:
1) a depreciação das garantias processuais;
2) a "modernização administrativa";
3) a capacitação como única variável de câmbio;
4) o "pseudo gradualismos" ou evolucionismo.
Analizaremos as características e vantagens de cada um destes caminhos, a meu
juízo, errõneos.
A primeira atitude ou a mais corrente frente ás demandas de segurança da
população soa ser o aumento do sistema penal. Nem bem aumenta a sensação de
insegurança da população, se difundem notícias sensacionalistas sobre crimes
brutais, ou, efetivamente, se produz um aumento dos níveis de violência social,
se pensa em aumentar as penas e, sobre tudo, se busca despreciar as garantias
constitucionais. Para que vamos realizar um juízo, se já se sabe quem são os
delinquentes? Como é possível que os juízes ponham em liberdade os
"malfeitores" capturados pela polícia?
A linha central desta atitude de degradação das garantias constitucionais é a
utilização da prisão preventiva como pena antecipada: ela, em bom romance,
significa atirar ao lixo o princípio da inocência e o necessário juízo prévio.
Assistimos nos últimos anos a um reverdecer destas concepções autoritárias,
fundadas nas campanhas de "lei e ordem", transmitidas pela televisão
e outros meio massivos de comunicação.
Campanhas deste tipo tem existido sempre, o grave, ou quiçá o mais grave, é que
este tipo de campanha, realizadas no marco das nascentes democracias,
demonstram alguns fatos interessantes:
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