Falso: Todo conceito de direito está constituído por três elementos: a legalidade conforme o ordenamento, eficácia social e correção material ou justiça. A falta de qualquer um destes elementos descaracteriza um fenômeno como jurídico. Assim que o desempenho da tarefa de interpretação e aplicação da norma jurídica aplicável aos conflitos de interesses implica na necessidade de interpretar e decidir de tal modo que os textos normativos, tomados como uma unidade aberta aos valores comunitários, acabe por determinar a realização do justo concreto. Em um Estado Democrático de Direito, alicerçado em uma Constituição comprometida com a dignidade do homem, a atividade interpretativa deve manter-se dentro de determinados limites objetivos, fora dos quais não parece razoável falar de interpretação, senão de "ativismo judicial".
Significa dizer com isso, se bem entendido, que se afigura inoportuna a livre
criação do direito, a rebelião do juiz contra a lei ou o que os juristas
alemães denominaram de interpretação ilimitada da norma. Não é verdade que as
normas jurídicas admitam uma interpretação ilimitada, como tão pouco que esteja
aberta ao que certos juristas italianos chamaram há vinte anos (com mais êxito
no Brasil que em seu próprio país, por certo) de uso alternativo do direito,
que pretendeu, em última análise, justificar qualquer interpretação desde
criterios ideológicos.
Decerto que se a lei (essa ferramenta cultural e institucional "cega",
virtualmente neutra e com potencial capacidade vinculante para predizer e
regular o comportamento humano) não é mais o único instrumento útil para a
regulação social, não menos certo é que segue sendo um meio ou instrumento
insubstituível e indispensável para assegurar, em sociedades pluralistas e
complexas, corroídas pelo empirismo e subjetivismo relativista, um dos valores
fundamentais do direito: a segurança
jurídica.
Daí que não pode depender o sentido e alcance da norma (constitucional ou
infra-constitucional) do talante pessoal de seus intérpretes, em especial de
magistrados pretendidamente redentores ou iluminados, autoinvestidos como
representantes de qualquer ideologia, doutrina ou tradição histórica. A
objetividade do direito, sem a qual não cumpriria nenhum de seus fins, descansa
necessariamente sobre a objetividade e a racionalidade na interpretação e
aplicação da norma jurídica.
E torná-la possível vem a ser, justamente, um dos primeiros objetivos da tarefa
concreta do jurista de realizar historicamente a verdadeira intenção do direito
(isto é, a de, negativamente, impedir o homem do esquecimento de sí próprio e,
positivamente, a de afirmá-lo no seu ser e, assim, no seu incondicional valor)
e que é projetada em um determinado contexto econômico, político e social
segundo as necessidades humanas de cada época, isto é, de plasmar e realizar
historicamente as expectativas normativas e culturais de uma comunidade de
indivíduos (ante a qual a qualidade de seu discurso será medida por sua
humanidade, pela precisão de sua adesão á natureza humana) que, como
estratégias sócio-adaptativas, sirvam para iluminar, fundamentar e constituir
determinado agrupamento social em uma comunidade verdadeiramente ética.
Essa, aliás, a razão pela qual o princípio da segurança jurídica, que assegura
a previsibilidade das normas como ordenadoras das condutas humanas, leva também
á manutenção da preeminência da lei na atual sociedade de massa (no sentido
dado por Ortega y Gasset).
Contudo, da circunstância de que os cidadãos têm o direito de saber que uma
conduta lhes compromete na medida em que o direito vá a qualificá-la como tal,
não parece legítimo que se possa deduzir que o juiz deva ser um orgão "cego" e
"acéfalo" no processo de interpretação e aplicação da Constituição e das leis
ou que se deva autoinvestir da suposta virtude que faz dos juízes "les bouches qui prononcent les paroles de la loi,
des êtres imanimés qui n´em peuvent modérer ni la force ni la rigueur" (Montesquieu).
De fato, a importância da lei em uma sociedade onde a miséria e o desprezo pela
dignidade humana ainda convivem com o desperdício da riqueza produzida pelo
trabalho social, a par de conviver com a preeminência das normas
constitucionais, faz com que o papel do juiz, já não mais neutro, seja o de um
vivo vigilante intérprete dos tempos, que tanto melhor sabe cumprir a sua
função quanto melhor alcance sentir a exigência humana da história e traduzí-la
em fórmulas apropriadas de ordenada convivência. Contudo, isso não significa,
evidentemente, uma atividade "alternativa" á lei, senão uma qualificada tarefa
de assegurar a sua legítima e devida efetividade.
Falso: Aos destinatários das normas jurídicas não lhes interessa as opiniões pessoais dos que atuam como juízes, senão somente as suas respectivas capacidades para expressar as normas que a sociedade a si mesma se põe e pelas quais ilumina e fundamenta a solidariedade de sua ética convivência, depurando e afinando seu alcance e sentido e, na mesma medida, garantindo sua eficácia última. De fato, o grande problema da época contemporânea já não é tanto o da convicção ideológica, das preferências pessoais, do subjetivismo inconsistente ou das convicções íntimas do juiz, enquanto mediador.
é o de que o cidadão (ou se se preferir, do cidadão enquanto tal, como
indivíduo plenamente livre, dono ou senhor de si mesmo - segundo a célebre
fórmula do direito romano, recuperada pelo republicanismo moderno),
destinatário do provimento, do ato imperativo do Estado, que no processo
jurisdicional é manifestado pela decisão, possa participar de sua formação e de
eficazes (adequados e acessíveis) medidas de controle, com as mesmas garantias
e em simétrica igualdade de oportunidades, podendo compreender por que, como, de quê forma e com que limites o Estado atua para resguardar e
tutelar direitos, para negar pretensos direitos, para impor obrigações e
assegurar o cumprimento de deveres. Em síntese, é tornar efetiva a famosa "eterna vigilância cidadã" republicana,
que trata de evitar que o abuso de autoridade por parte dos magistrados rompa
os vínculos da igualdade cidadã e degrade a res
publica a imperium.
Assim que o principal problema, hoje, reside na necessidade de estabelecer
critérios metodológicos com o objetivo de chegar á pretendida noção de racionalidade,
de correção da decisão prática ou de compromisso ético relativamente á
aplicação das normas jurídicas. Em termos mais simples, o de como se pode obter
a racionalidade ou o controle de toda possível decisão jurídica, isto é, de
como limitar a atividade interpretativa sem dissimular ou jugular a iniludível
subjetividade que a caracteriza.
A adoção de um adequado processo de realização do direito, em seu aspecto
metodológico, obriga o jurista-intérprete a considerar a Constituição na sua
globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão entre os fatos, as
normas constitucionais e infraconstitucionais a concretizar, de tal forma que
se deva sempre considerar as normas não como instrumentos de dominação de uma
classe dominante, mas sim como preceitos integrados em um sistema unitário e
aberto de normas, princípios e valores, sob pena de destruição da tendencial
unidade axiológico-normativa do ordenamento jurídico.
Carecem de legitimidade as decisões que desconsiderem as normas jurídicas e
imponham argumentos de "justiça" tirados de convicções pessoais do operador do
direito, de comandos emergentes da mera interpretação pessoal ou ideológica.
Nunca é dispensável a interpretação dos textos legais no sistema da própria
ordem jurídica positiva em consonância com os princípios e garantias
constitucionais e, sobretudo, á luz dos valores comunitariamente aceitos e
compartidos.
Falso: O movimento gerado por algumas teorias críticas do direito serviu menos como paradigma teórico e mais como orientação para prática profissional de operadores do direito (juízes, advogados, membros do ministério público, etc.). De fato, os emperdenidos defensores desse tipo movimento não chegaram a elaborar um modelo de ciência do direito que pudesse se afastar dos paradigmas dogmáticos. Pelo contrário, conformaram-se com acusar o sistema jurídico e criticar a legalidade instituída, ainda que pretendessem dar plena eficácia aos direitos fundamentais albergados na Constituição. Tampouco chegaram a propor qualquer base filosófica ou modelo metodológico coerente que se afastasse dos modelos positivistas tradicionais e direcionassem, de forma racional e objetiva, as "novas" diretrizes interpretativas propostas.
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