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Por outro lado, ainda que surgido sob o manto de uma concepção social marxista
(o "proletariado" parece ser um de seus principais propulsores), o conjunro
desse movimento acabou por recolher seus fundamentos de outros movimentos críticos
setorias, tais como: a epistemologia crítica de Popper e Bachelard, a filosofia
fenomenológica de Husserl, a sociología crítica de Weber, a psicanálise
freudiana, a filosofia marxista e a teoria crítica da sociedade dos pensadores
da escola de Frankfurt.
Essa miscelânia de concepções filosóficas díspares impediu que esse movimento
adotasse uma postura filosófica e epistemológica uniforme e coerente. Depois, a
pretensa interdisciplinaridade proposta por esse movimento vem sendo posta em
causa pelos novos avanços provenientes da psicologia evolucionista, da
neurociência cognitiva, da genética comportamental e da ciência cognitiva.
Dito de outro modo, uma nova realidade inter e multidisciplinar - a qual, dito
seja de passo, permanecem, em sua miopia, inadvertidamente alheios uma boa
parte dos cientistas sociais e, em especial, em sua quase totalidade, os
operadores do direito - não somente vem pondo em cheque uma grande porção dos
logros teóricos tradicionais das ciências sociais normativas - nestas incluída,
claro está, a ciência jurídica -, como , e muito particularmente, vem
possibilitando uma revisão das bases ontológicas e metodológicas do fenômeno
jurídico a partir de uma concepção mais empírica e robusta acerca da natureza
humana.
Trata-se, em síntese, de uma perspectiva interdisciplinar cuja idéia básica
consiste em propor que várias disciplinas contidas nas ciências sociais e do
comportamento tornem-se mutuamente coerentes e compatíveis com o que é
conhecido nas ciências naturais, ou seja, uma explicação verticalmente
integrada dos fenômenos. Nas palavras de Jerome Barkow , essas explicações
("verticalmente integradas") que, em ciências humanas, são simultaneamente
cruciais e raras, querem significar que o que é exigido é sempre um leque de explicações
que se complementem nos diversos níveis de análise e que sejam todas mutuamente
compatíveis.
Coloca-se como exigência que qualquer explicação sociológica ou filosófica da
ética seja compatível com as teorias psicológicas da ética, e que estas sejam
compatíveis tanto com a ciência cognitiva, a neurociência cognitiva , a
psicologia evolucionista como com a biologia da evolução (sobretudo na doutrina
jurídica, onde cada autor , quase que completamente alheio aos estudos que se
efetuam em outros campos distintos do direito, aborda um tema comum a partir de
um ponto de vista disciplinar e teórico específico, ademais de exclusivamente
jurídico).
Por certo que essa postura interdisciplinar não exige que digam todos as mesmas
coisas, mas que digam coisas compatíveis entre si e com outras áreas de
conhecimento, ou que, pelo menos, tornem explícitas as incompatibilidades.
Depois, da mesma forma como em filosofia não se trata de estabelecer uma
orientação analítica e uma orientação hermenêutica opostas entre si senão de um
"ir e vir" de uma a outra mutuamente enriquecedora, o mesmo sucede na
epistemologia, na qual o conhecimento hermenêutico não "se opõe ao" senão que
"se compõe do" conhecimento metodológico-científico - quer dizer, é parte dele
- segundo uma relação complexa (de continuidade-descontinuidade) entre ciências
humanas e ciências naturais. Assim que, sem lugar a dúvidas, somente através de
um diálogo com as chamadas ciências "duras" como a filosofia, e também as
ciências humanas, lograrão elaborar uma reflexão mais fecunda sobre a verdade,
a natureza humana, o direito e a ética.
Por fim, esse diálogo (perspectiva ou postura) interdisciplinar pressupõe
simultaneamente uma reforma das estruturas do pensamento -para usar a expressão
de Edgar Morin : o verdadeiramente importante não é justapor os aportes das
diversas ciências, senão o de enlaçá-los, de saber mover-se entre saberes
compartimentados e uma vontade de integrá-los, de contextualizá-los ou
globalizá-los. Somente outra estrutura de pensamento (porque -como alguma vez
se disse - o principal órgão da visão é o pensamento, isto é, de que vemos o
mundo com nossas idéias) pode permitir-nos conceber as ciências como conjunção,
como implicação mútua, o que se costuma ver como disjuntiva: o ser humano
considerado simultaneamente como um ser biológico, cultural, psicológico e
social.
Falso: Uma dilatada linha intelectual que arrancando dos sofistas e passando por Hobbes e Nietzsche desemboca em certa pós-modernidade pretendidamente radical sustenta que as sociedades humanas vivem permanentemente em situações extremas, e que não há possibilidade de deliberação racional de modo algum, aqui incluído o direito. O intento de emparelhar democracia, direito e relativismo levou a reduzir á mera liturgia elementos hoje considerados como "fulcrais" de todo o Estado de Direito: a vigência de direitos indisponíveis e constitutivos do indivíduo mesmo como âmbito de vontade soberana, de direitos que habilitam publicamente a existência dos cidadãos e que tratam de evitar que o abuso de autoridade por parte dos atores sociais rompa os vínculos da igualdade cidadã. De fato, o relativismo cultural, histórico e jurídico parecem não resistir á idéia de que existe uma natureza humana cujo núcleo invariável constitui o fundamento de toda a unidade ético-cultural.
Nesse sentido:
1. deve-se rejeitar o relativismo cultural e jurídico, que afirma que a direito
é uma invenção puramente cultural, uma verdade serviçal (dependente do acordo
ou o desacordo humanos e de que não passa de uma expressão do poder dominante),
que varia arbitrariamente de uma cultura para outra de acordo com as variações
de poder, porque enquanto se possa reconhecer a importância do poder e os
costumes no desenvolvimento jurídico, parece razoável crer (e insistir) que há
algo de indisponível e universal no direito que, de uma forma ou outra, limita
a variabilidade das práticas jurídicas;
2. deve-se rejeitar o relativismo historicista, que afirma que o direito é
puramente uma invenção histórica que varia radicalmente de uma época histórica
para outra, porque enquanto se possa reconhecer a importância das tradições
jurídicas, parece razoável crer (e insistir) que a natureza humana constitui
uma base imutável através da história humana;
3. deve-se rejeitar o relativismo cético e solipsista, que afirma que não há
padrões objetivos de julgamento jurídico, além dos impulsos e da subjetividade
de indivíduos únicos, porque enquanto se possa reconhecer a importância da
diversidade individual, parece razoável crer (e insistir) na possibilidade de
se estabelecer critérios objetivos e de controle de racionalidade em todo
processo de interpretação e aplicação do direito;
4. deve-se rejeitar o fundamentalismo ideológico de determinadas teorias
críticas do direito, que afirma que o direito é mero instrumento de dominação
da classe dominante, porque enquanto se possa reconhecer que alguns interesses
dominantes podem reforçar algumas tendências do direito, parece razoável crer
(e insistir) que o direito está fundado, ademais de na legalidade conforme o
ordenamento e na eficácia social, em uma pretensão de correção material (de
justiça) que existe independentemente de qualquer poder derivado dos interesses
de uma classe dominante.
Em resumo, parece razoável admitir que já não cabe objetar (séria e
licitamente) contra estes critérios, com desmedido e míope entusiasmo, os
argumentos e os discursos jurídicos que agora primam pelo mais insano e
inconsistente relativismo e pluralismo jurídico. Tais discursos desprezam a
evidência de que, por estar a nossa mente modelada através da seleção natural e
com uma estrutura domínio-específica homogênea para todos os seres humanos, a
diversidade interpretativa, jurídica e cultural não pode ser indefinida, senão limitadamente diversa no tempo e no
espaço.
Por fim, o "episódio" pós-moderno, tão apreciado pelos movimentos críticos e
que provoca secreção de adrenalina em determinados juristas acadêmicos e
proclives á retórica, tende ao extremo e se caracteriza por ser a antítese
polar extrema da Ilustração: a verdade é sempre relativa e pessoal. Cada
indivíduo cria seu próprio mundo interior mediante a aceitação ou o rechaço de
signos linguísticos que cambiam sem cessar. Não existe um ponto privilegiado,
nem um norte ou critério, que guiem o comportamento humano. E uma vez que o
direito não é mais que outra maneira de ver o mundo, não existe nenhum modelo a
partir do qual se possa construir coerentemente seu sentido, e a partir do qual
seja possível extrair o significado profundo dos valores jurídicos da solução
pacífica de conflitos e da cooperação social. Só existe a oportunidade
ilimitada dos indivíduos para inventar interpretações, hipóteses e comentários
de uma realidade que ele mesmo (e somente ele) constrói - a idéia de que tudo é
"construído" pertence a essa família.
Ora, se o fundamento da ética e do direito é a suposição de que as pessoas têm
preferências, desejos e necessidades - e que, por sua vez, gozam de plena
autoridade sobre o que são estes desejos, necessidades e preferências -, a
negação de um sentido fixo do direito e a consequente negação da possibilidade
de se aceder a métodos universalmente válidos de pensamento objetivo pode ser
um instrumento útil para, uma vez deformado, justificar qualquer atrocidade e,
como tal, servir para atender a finalidades potencialmente perniciosas (neste
particular, não se pode esquecer que as primeiras investidas do regime nazista
com relação ao ordenamento jurídico alemão foram precisamente de corte
"crítico" e "alternativista").
Falso: é certo que as sociedades atuais, plurais e complexas, já não mais parecem aceitar lhanamente novos códigos gerais e globalizadores como os que alimentaram em seus dias os grandes dogmas do positivismo jurídico. Hoje, não só se fala abertamente de descodificação, inclusive com relação ás matérias típicas dos códigos clássicos, como também as leis tendem a limitar-se, com frequência, a regulamentações fragmentárias e ocasionais e, por vezes, a formular disposições ou princípios muito gerais, confiando logo á interpretação e aplicação pelos operadores do direito a precisão casuística de seus enunciados.
O desgaste que vem sofrendo a generalidade e a abstração da lei em virtude do
que se convencionou denominar de "pulverização" do direito legislativo
produzida pela multiplicação de leis de caráter setorial e temporal, demonstra
claramente a pressão de interesses corporativos, dando lugar a um tratamento
normativo diferenciado e, em igual medida, provocando a explosão de legislações
cambiantes, com a consequente crise dos mencionados princípios de generalidade
e abstração. E a suposta consequência produzida por esse fenômeno é a de que a
lei é, cada vez mais, transação e compromisso, tanto mais quanto a negociação
se estende a forças numerosas e com interesses heterogêneos: cada um dos
agentes sociais, quando acredita haver alcançado força suficiente para orientar
em seu próprio interesse os termos do "acordo", busca a aprovação de novas leis
que sancionem a nova relação de forças; se produz, assim, a cada vez mais
marcada contratualização dos conteúdos da lei.
De fato, a atual experiência legislativa nos situa muito longe da racionalidade
do legislador e da imagem da lei como ordenação abstrata, geral e permanente,
como quadro estável cuja finalidade é distribuir direitos e deveres gerais e
sobre o qual a sociedade vive a continuação de seu próprio dinamismo. é
indiscutível, portanto, que a realidade dessas leis se ajusta mal ao esquema
ilustrado e revolucionário da lex
universales.
Sem embargo, e em que pese todas essas circunstâncias, não parece razoável
admitir como apropriadas as considerações articuladas por alguns setores do
movimento crítico do direito. Se é certo que a legislação atual tende a
ocasionalidade e a confusão, não menos certa é a constatação de que isso não
nos permite deduzir que as sociedades modernas pretendam remeter aos
magistrados os problemas últimos de seu livre - e por vezes defeituoso - ajuste
social. Por muito que se ressalte a crise da lei nas sociedades atuais, tal
crise não chega de modo algum a deslocar a lei do seu papel central e, até o momento,
insubstituível. Parecem ser o melhor mecanismo de organização social em grande
escala que nossa lamentável espécie descobriu até o presente e podem ser
adaptadas a características eternas da psicologia humana.
Daí que as normas jurídicas não são simplesmente um conjunto institucional de
regras escritas ou formalizadas destinadas a constituir uma razão (determinante
e/ou moral) para o atuar dos indivíduos, que expressam ideologías dominantes ou
que as pessoas se limitam a seguir. Em vez disso, as normas representam á
formalização de regras de condutas sociais, sobre as quais uma alta percentagem
de pessoas concorda, que refletem as inclinações comportamentais e oferecem
benefícios potenciais e eficientes áqueles que as seguem: quando as pessoas não
reconhecem ou não acreditam nesses benefícios potenciais, as normas são, com
frequência, não somente ignoradas ou desobedecidas (pois carecem de
legitimidade e de contornos culturalmente aceitáveis em termos de uma comum,
consensual e intuitiva concepção de justiça) senão que seu cumprimento fica
condicionado a um critério de autoridade que lhes impõem por meio da "força
brura" . E uma prática social que não pretendesse nada mais que o poder ou a
força não seria um sistema jurídico .
Nesse sentido, a justiça ou a moral encontram-se necessariamente vinculadas com
o direito (Alexy): os valores da solução pacífica de conflitos e a cooperação
social não podem ser realizados sem o direito, e ambos devem ser realizados,
porque os direitos estariam em perigo se os conflitos sociais se resolvessem
pela pura força, e porque a justiça e o bem estar geral não são possíveis sem
cooperação social.
Com efeito, dispomos de normas de conduta bem afinadas porque nos permitem
predizer, controlar e modelar o comportamento social respeito á reação dos
membros de uma determinada comunidade. Estes artefatos, se plasmam grande parte
de nossas intuições e emoções morais, não são construções arbitrárias, senão
que servem ao importante propósito de, por meio de juízos de valor acerca do
justo e do injusto (acerca de questões morais relativas á correção na
distribuição e compensação), tornar a ação coletiva possível - e parece
razoável admitir que os seres humanos encontram satisfação no fato de que as
normas sejam compartidas pelos membros da comunidade .
Por outro lado, qualquer outra alternativa á lei não seria admitida, de modo
algum, pelas sociedades atuais, porque com ela se volatizaria, justamente, a
democracia e nos encontraríamos reinstalando, em realidade, um verdadeiro governo
despótico de uma minoria que não tardaria em buscar e encontrar uma
fundamentação política correlativa que pretendesse outorgar-lhe legitimidade.
Se vê claramente que, frente a qualquer outra alternativa, a democracia
necessita inexcusavelmente da lei e que não pode abdicar da responsabilidade
central que lhe cabe, precisamente (reafirmando assim seu fundamento histórico
moderno) enquanto que a lei ainda é o instrumento necessário (embora não
suficiente) da liberdade, tanto por sua origem na vontade geral como por sua
efetividade como pauta igual e comum para todos os cidadãos, á que todos podem
invocar e na qual todos devem poder encontrar a justiça (material) que a
sociedade se lhes deve.
A verdadeira alternativa ao recurso utilizado pelo legislador para afrontar e
contornar os problemas sociais, de justiça e de segurança jurídica, portanto,
não parece ser a de reinventar o "juiz sacerdote" (preso a alguma ideologia,
dogma ou doutrina sem consistência teórica e/ou incapaz de ter alguma eficácia
fora dos limites físicos de um papel), senão a de habilitar os julgadores a
assumir, de forma virtuosa, inflexível e qualificada a responsabilidade que
lhes cabe e cuja tarefa seja a de afirmar indistintamente os direitos e deveres
de toda a pessoa humana, projetando na e através da legalidade vigente os
princípios e valores fundamentais do direito; isto é, de habilitar-lhes ao
inegociável compromisso de colocar-se á frente dos fatos e dos vínculos sociais
relacionais para, com a iniludível prudência e talento de desenhador que
caracteriza o ato de julgar, impulsionarem os câmbios necessários para que se
promova um panorama institucional, normativo e sócio-cultural o mais amigável
possível para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Daí porque o papel do operador do direito (particularmente dos juízes) deverá
seguir estando vinculado á Constituição e á lei - que nunca podem ser livres de
contexto, senão que devem ter em conta seu "lugar na vida" e sempre "em
situação" -, em nome das quais fala e das quais - e não de nenhuma outra fonte
"mágica", "alternativa" ou de qualquer subjetivismo camuflado de teoria -
extrai unicamente a justiça e a legitimidade de suas decisões.
é certo que ante uma legislação fragmentada, casuística e cambiante, com enunciados
que caem com frequência em desuso por desajustes sistemáticos e/ou sociais, o
papel do magistrado se realça. Mas este realce do papel do juiz não poderá
jamais pretender levar-lhe a uma independência com respeito á Constituição ou á
lei; lhe levará, certamente, a um uso mais apurado, sofisticado e refinado dos
valores, princípios e regras jurídicas, sempre e em tudo condizente com a
finalidade de atender ao imperativo ético segundo o qual o direito deve ser
manipulado de tal maneira que suas conseqüências sejam sempre compatíveis com a
maior possibilidade de evitar ou diminuir a miséria e o sofrimento humano, isto
é, com a obrigação de produzir, reproduzir e desenvolver a vida humana concreta
de cada sujeito ético em comunidade, de forma livre, igualitária e fraterna -
quero dizer, justa.
Autor:
Atahualpa Fernandez
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