O Processo Penal em nosso país encontra-se resguardado e norteado não apenas por princípios infraconstitucionais, mas também por preceitos fundamentais com embasamento constitucional, retratando postulados essenciais da política processual penal adotada pelo ordenamento jurídico pátrio.
A contemplação de certas instituições jurídicas processuais penais na Constituição Federal é justificada face a necessidade de que tais princípios restem imunes ás leis infraconstitucionais e, assim, sejam insuscetíveis de "eventuais artimanhas legislativas e a possibilidade de se macular ou por em risco a segurança do processo penal contra direitos e garantias pessoais".1 Pretende-se, destarte, preservar conquistas relativas ao pleno exercício da defesa da pessoa alvo da persecução penal, sem a preocupação de, por questões políticas do País, ter-se alterada, com certa facilidade, a segurança processual, possibilitando o surgimento de desvios, excessos ou qualquer tipo de abuso que venha a prejudicar o devido processo legal.
Observe-se que a persecução penal rege-se por padrões normativos que traduzem limitações ao poder do Estado, protegendo o cidadão do arbítrio judicial e da coerção estatal, salvaguardando sua liberdade individual que só poderá ser restringida se o órgão acusador conseguir comprovar, mediante elementos de certeza produzidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, a culpabilidade do réu.2
Insta observar que, não obstante as disciplinas processuais embasarem-se, sobretudo, em princípios constitucionais, alguns destes têm aplicação diversa no campo do processo civil e do processo penal, ora apresentando feições ambivalentes (regra da disponibilidade e da verdade formal, no processo civil - regra da indisponibilidade e da verdade real, no processo penal), ora com aplicação idêntica em ambos os ramos do direito processual (princípios da imparcialidade do juiz, do contraditório, da livre convicção).3
O processo é o instrumento pelo qual a prestação jurisdicional é exercida pelo Estado-Juiz seguindo os imperativos da ordem jurídica que, como veremos, envolve a garantia do contraditório e a plenitude do direito de defesa, sendo estes corolários do princípio do devido processo legal.
Historicamente, a garantia do devido processo legal foi esboçada como law of the land, prevista no artigo 39 da Magna Carta, outorgada em 1.215, por João Sem-Terra. Com o passar do tempo, o instituto passou a ser chamado de due process of law e sedimentou-se como garantia na Constituição dos Estados Unidos da América (Emendas V e XIV). Posteriormente, as constituições européias - italiana, portuguesa, espanhola, alemã, belga - integraram o devido processo legal no rol de suas garantias.4
Salienta o ilustre doutrinador Scarance Fernandes que, num primeiro momento, tinha-se uma visão individualista do devido processo legal, concebido como uma forma de resguardar direitos públicos subjetivos das partes. Contudo, tal pensamento sucumbiu á ótica publicista que considera as regras do cogitado princípio garantias, e não direitos, das partes e do próprio processo como justo instrumento de prestação jurisdicional.5
Com efeito, é por meio do processo que a parte pode, legal e legitimamente, obter o deferimento de sua pretensão, de seu direito garantido. A atividade jurisdicional do Juiz, no intuito de ofertar ao caso a solução mais justa, é exercida tendo como palco o processo, onde, equilibradamente, as partes têm garantia ativa - na medida em que, utilizando-o, a parte pode reparar ilegalidades - e passiva - porque impede a justiça pelas próprias mãos e possibilita a plenitude de defesa contra a pretensão punitiva do Estado, desautorizado que está de impor restrições á liberdade do indivíduo sem o devido processo legal.6
A Constituição Federal consagrou expressamente o princípio do due process of law, dispondo em seu artigo 5°, inciso LIV, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Assegura-se, portanto, a toda pessoa a garantia de não ser privada de sua liberdade ou da propriedade de seus bens sem a tramitação de um processo segundo a forma estabelecida em lei.
O princípio do contraditório é uma garantia fundamental da justiça, consubstanciada no brocardo romano audiatur et altera pars. A Lei Maior de 1988 consagrou em seu artigo 5°, inciso LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".
No processo penal, diferente do que ocorre no âmbito civil, a efetiva contrariedade á acusação é imperativa para o atingimento dos escopos jurisdicionais, objetivo só possível com a absoluta paridade de armas conferida ás partes. O réu, pelo princípio do contraditório, tem o direito de conhecer a acusação a ele imputada e de contrariá-la, evitando que venha a ser condenado sem ser ouvido. Trata-se da exteriorização da ampla defesa, impondo uma condução dialética do processo, pois "a todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor".7
Percebe-se, portanto, que o princípio do contraditório é uma garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado, proporcionando a este o exercício pleno de seu direito de defesa. Merecem destaque as palavras de J. Canuto Mendes de Almeida que, sobre o tema, ensina:
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