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"A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa do indiciado. é preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito."8
Júlio Fabrini Mirabete9 e Fernando da Costa Tourinho Filho10 esclarecem que do princípio do contraditório decorrem duas importantes regras: a da igualdade processual e a da liberdade processual. Pela primeira, as partes acusadora e acusada estão num mesmo plano e, por conseguinte, têm os mesmos direitos; pela segunda, o acusado tem a faculdade, entre outras, de nomear o advogado que bem entender, de apresentar provas lícitas que julgar as mais convenientes e de formular ou não reperguntas ás testemunhas.
Scarance Fernandes alerta-nos sobre a diferença existente entre o contraditório e a igualdade processual. Vejamos:
"O contraditório põe uma parte em confronto com a outra, exigindo que tenha ela ciência dos atos da parte contrária, com possibilidade de contrariá-los. O princípio da igualdade, por outro lado, coloca as duas partes em posição de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Não se confunde com o contraditório, nem o abrange. Apenas se relacionam, pois ao se garantir a ambos os contendores o contraditório também se assegura tratamento igualitário."11
Neste diapasão, o princípio do contraditório também encontra guarida na obrigatoriedade do caráter imparcial do órgão jurisdicional. De fato, "o juiz, por força de seu dever de imparcialidade, coloca-se entre as partes, mas eqüidistantes delas: ouvindo uma, não pode deixar de ouvir a outra; somente assim se dará a ambas a possibilidade de expor suas razões, de apresentar suas provas, de influir sobre o convencimento do juiz."12
Do exposto, tem-se que a necessidade de informação e a possibilidade de reação são elementos essenciais do contraditório, que deverá ser exercido de forma plena - durante todo o desenrolar da causa - e efetiva - proporcionando condições reais de contrariedade dos atos praticados pela parte ex adverso.
Nesse sentido, afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco que o contraditório não admite exceções e que, em virtude de sua natureza constitucional, deve ser substancialmente observado e não apenas formalmente, devendo as normas que o desrespeitem serem consideradas inconstitucionais.13
No processo civil, o princípio do contraditório também deve ser respeitado. Entretanto, e aqui se faz diferente, enquanto que no processo penal a contrariedade deve ser plena e efetiva, na seara civil basta que ao réu seja ofertada a oportunidade de reação proporcionada pela citação, garantindo ao réu o direito de, se quiser, participar do processo e responder aos atos da parte ex adverso. Isso porque, enquanto que no processo civil tramitam, em regra, litígios sobre direitos disponíveis e o juiz pode satisfazer-se com a verdade formal, no âmbito penal, os direitos em jogo são indisponíveis e predomina o incessante desejo de o órgão jurisdicional descobrir a verdade real. No primeiro, o réu tem o ônus de se defender, no segundo, tem o dever. Tendo em vista esta diferença, alguns doutrinadores preferem referir-se ao princípio do contraditório no processo civil como princípio da bilateralidade da audiência.14
Acerca da aplicabilidade ou não do princípio do contraditório na fase pré-processual há diferentes posicionamentos na doutrina.
Scarance15 e Tourinho Filho16 entendem que a Constituição Federal, em seu artigo 5°, inciso LV, ao mencionar a necessidade do contraditório nos processos judiciais e administrativos, não abrangeu o Inquérito Policial, uma vez que este não pode ser considerado um processo administrativo e nem mesmo um procedimento, pois "falta-lhe característica essencial do procedimento, ou seja, a formação de atos que devam obedecer a uma seqüência predeterminada pela lei, em que, após a prática de um ato, passa-se a do seguinte até o último da série, numa ordem a ser necessariamente observada".17 Ademais, ensina Tourinho Filho que o sobredito dispositivo constitucional faz menção a litigantes e na fase da investigação pré-processual não há litigante.18 Ressalta o insigne doutrinador que a expressão processo administrativo contida na Lei Maior não se refere ao Inquérito Policial, mas ao processo instaurado pela Administração Pública para apuração de ilícitos administrativos, pois, nestes casos, há possibilidade de aplicação de uma sanção.19 Prossegue argumentando que "em face da possibilidade de inflição de "pena", é natural deva haver o contraditório e a ampla defesa, porquanto não seria justo a punição de alguém sem o direito de defesa", e que, em se tratando de Inquérito Policial, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado.20 Saliente-se que, de fato, a Autoridade Policial não acusa, apenas investiga.
Rogério Lauria Tucci, em contrapartida, sustenta que, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa, há a necessidade de uma contraditoriedade efetiva e real em todas as fases da persecução, inclusive na fase pré-processual.21 Justifica-se o autor com o instituto denominado contraditório posticipato ou diferido, onde não há "violação á garantia da bilateralidade da audiência, que, firme, se vê apenas diferida para momento ulterior á pronunciação de ato decisório liminar, prosseguindo-se regularmente no procedimento instaurado".22 Assim sendo, as medidas cautelares restritivas de ordem patrimonial ou pessoal (exame de corpo de delito, perícia, exame do local do crime, prisão provisória, fiança) seriam submetidas ao crivo do contraditório posteriormente, no processo, permitindo-se ao agora acusado contestar as providências cautelares tomadas pela Autoridade Policial, bem como a prova pericial realizada no Inquérito Policial. Fala-se, portanto, em contraditório diferido ou postergado, pois, como esclarece Greco Filho, a "Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato".23
Tourinho Filho reconhece que o indiciado pode ser privado de sua liberdade em casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva, mas, afirma o autor, para essas situações deve o investigado valer-se do emprego do remédio heróico do habeas corpus, prosseguindo em sua tese da inadmissibilidade do contraditório na fase investigatória.
O Estado tem o dever de proporcionar a todo acusado condições para o pleno exercício de seu direito de defesa, possibilitando-o trazer ao processo os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade. Esta defesa há de ser completa, abrangendo não apenas a defesa pessoal (autodefesa)24 e a defesa técnica (efetuada por profissional detentor do ius postulandi), mas também a facilitação do acesso á justiça, por exemplo, mediante a prestação, pelo Estado, de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.
Vicente Grego Filho afirma que a ampla defesa é constituída a partir dos seguintes fundamentos: "a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora, é essencial á Administração da Justiça (art. 133 [CF/88]); e e) poder recorrer da decisão desfavorável".25
Com bastante razão e proficiência, afirma o ilustre doutrinador que a ampla defesa é o cerne ao redor do qual se desenvolve o Processo Penal. Não se trata de mero direito, mas de uma dupla garantia: do acusado e do justo processo. é uma condição legitimante da própria jurisdição.
Scarance Fernandes assevera que, embora estejam inegavelmente relacionados, não há relação de primazia ou derivação entre os princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo ambos decorrentes da garantia constitucionalmente assegurada do devido processo legal.26
Convém salientar que o princípio constitucional da ampla defesa, expressamente previsto no artigo 5°, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura aos "litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes", não se confunde com a plenitude de defesa, instituto consagrado no artigo 5°, inciso XXXVIII, letra "a", da Carta Magna de 1988. Esta, na verdade, encontra-se dentro do princípio maior da ampla defesa, consubstanciando-se na garantia da apreciação de todas as teses e argumentos despendidos aos jurados e também ao magistrado.
O princípio da ampla defesa tem reflexos importantes dentro do direito processual penal, norteando a aplicação das regras infraconstitucionais visando ao fiel respeito e salvaguarda dos preceitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal. Neste diapasão, alguns dispositivos do nosso Código de Processo Penal de 1941 carecem ser analisados e relidos sob a nova ótica da Lei Maior, a fim de que as garantias da Constituição cidadã sejam plenamente exercitadas.
Assim, têm entendido a doutrina e a jurisprudência que, para a garantia da ampla defesa, o profissional constituído pelo réu deve ser sempre intimado para a realização de todos os atos processuais, contrariando a regra do artigo 501 do CPP.27 De igual forma, devem ser intimados acusador, réu e defensor para efeitos de trânsito em julgado da sentença condenatória, pouco importando, no caso do acusado, se este se encontra preso ou não. Isso revela uma clara e necessária releitura do artigo 392 do mesmo diploma legal.28 Ainda em face do princípio da ampla defesa, o sigilo previsto no artigo 20 do CPP não pode ser oposto ao advogado do suspeito e a regra do artigo 21, que permitia a incomunicabilidade do indiciado, encontra-se revogada.
Questão afeta á defesa e que é bastante controvertida na jurisprudência é a possibilidade ou não de nulidade decorrente da falta de requisição de acusados presos para os atos de instrução. Predomina o posicionamento de que é possível a argüição de nulidade relativa do processo se ficar provado o prejuízo para a defesa, uma vez que o exercício da autodefesa não teria sido efetivo.29
Outra controvérsia envolvendo a influência do princípio da ampla defesa no Código de Processo Penal diz respeito a possibilidade ou não de se seguir o processo sem as alegações finais, razões ou contra-razões de apelação quando o defensor, muito embora regularmente intimado, deixa de oferecê-las no prazo legal. Sobre a ausência de alegações finais, concluiu o STJ tratar-se de peça essencial da defesa e, portanto, não apresentada pelo advogado constituído, deve o Juiz, antes de prolatar a sentença, nomear defensor para fazê-lo (RHC 1682-SP). No tocante ás contra-razões, o STF decidiu que a não apresentação das mesmas em recurso do Ministério Público, havendo risco de ser agravada a situação do réu, constitui violação ao princípio do contraditório e da ampla defesa (HC 71.234-RS).30
Importante inovação na garantia do direito de defesa foi trazida ao ordenamento jurídico pátrio pela Lei n° 9.271 de 17/04/1996, que alterou o Código de Processo Penal, dando nova redação aos artigos 366 e 368. Em síntese, a alteração do referido dispositivo representou o fim da visão tradicional de que o acusado poderia ser condenado á revelia, prestigiando a atuação efetiva e concreta do contraditório e da ampla defesa. Sob este prisma, dispõe o caput do artigo 366 que "se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.". Outrossim, determina o artigo 368 que "estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de prescrição até o seu cumprimento".
Julio Fabbrini Mirabete ensina que são três os sistemas processuais utilizados na evolução histórica do direito, distinguindo-os segundo as formas com que se apresentam e os princípios que os informam. São eles o sistema inquisitivo, o acusatório e o misto.31
O sistema inquisitivo teve suas raízes na organização política do império romano, onde se admitia ao juiz iniciar o processo ex officio. Foi revigorado na Idade Média e, a partir do século XV, por influência do Direito Penal da Igreja, alastrou-se pelo continente europeu e só entrou em declínio com a Revolução Francesa. Verifica-se, na verdade, que o sistema inquisitivo não é um legítimo processo de apuração da verdade, mas, nas palavras de Mirabete, "uma forma auto-defensiva de administração da justiça". Isso porque nele inexistem regras de igualdade e liberdade processuais, desenrolando-se, em regra, secretamente, por impulso oficial e em busca da rainha das provas, a confissão, permitindo-se, para tanto, o uso da tortura.
No processo inquisitivo, as funções de acusar, defender e julgar encontram-se concentradas em um único órgão, o juiz. Neste contexto, nenhuma garantia é oferecida ao réu, transformando-o em mero objeto do processo. Falta ao referido sistema elementos essenciais do denominado due process of law, como, por exemplo, a publicidade dos atos processuais, a imparcialidade do juiz e as garantias do contraditório e da ampla defesa.
O sistema acusatório, em contrapartida, implica o estabelecimento de uma relação processual triangular (actum trium personarum), onde o órgão jurisdicional encontra-se como imparcial aplicador da lei e as partes acusadora e acusada estão em pé de igualdade, asseguradas as garantias do contraditório e da ampla defesa. Este sistema teve origem na Inglaterra e na França, após a revolução, e é hoje o adotado na maioria dos países americanos e em muitos da Europa.
Segundo Tourinho Filho, as principais características do sistema acusatório são:
"a) o contraditório, como garantia político-jurídica do cidadão; b) as partes acusadora e acusada, em decorrência do contraditório, encontram-se no mesmo pé de igualdade; c) o processo é público, fiscalizável pelo olho do povo; excepcionalmente permite-se uma publicidade restrita ou especial; d) as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a pessoas distintas e, logicamente, não é dado ao juiz iniciar o processo (ne procedat judex ex officio); e) o processo pode ser oral ou escrito; f) existe, em decorrência do contraditório, igualdade de direitos e obrigações entre as partes, pois non debet licere actori, quod reo non permittitur; g) a iniciativa do processo cabe á parte acusadora, que poderá ser o ofendido ou seu representante legal, qualquer cidadão do povo ou um órgão do Estado".33
Por fim, o sistema misto, também chamado de sistema acusatório formal, combina elementos acusatórios e inquisitivos, em maior ou menor medida, dependendo do ordenamento jurídico em que é aplicado. Em regra, constitui-se de uma instrução inquisitiva, onde estão compreendidas a investigação preliminar e a instrução preparatória, e de um juízo contraditório a posteriori, quando do julgamento. é ainda o sistema utilizado em alguns países da Europa e até da América Latina, como é o caso da Venezuela.
A Lei Maior de 1988 assegurou, entre nós, a utilização do sistema acusatório no processo penal, uma vez que estabelece os princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV), determina que a ação penal pública deve ser privativamente promovida pelo Ministério Público (art. 129, I), garante o princípio do juiz natural ou constitucional (arts. 5°, LIII, e 92 a 126) e também assegura a publicidade dos atos processuais, facultando á lei sua restrição apenas quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5°, LX), dentre outras normas e princípios que visam á imparcialidade do órgão jurisdicional e á igualdade e á liberdade das partes acusadora e acusada na seara da apuração da verdade real.
O princípio do juiz natural ou juiz constitucional, também chamado de princípio do juiz competente, no direito espanhol, e princípio do juiz legal, no direito alemão, originou-se, historicamente, no ordenamento anglo-saxão, desdobrando-se, a posteriori, nos constitucionalismos norte-americano e francês. Entre nós, o referido princípio inseriu-se deste o início das Constituições.
Trata-se de princípio que garante ao cidadão o direito de não ser subtraído de seu Juiz Constitucional ou Natural, aquele pré-constituído por lei para exercer validamente a função jurisdicional.
Assegura expressamente a Constituição Federal que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (artigo 5°, inciso LIII) e que "não haverá juízo ou tribunal de exceção" (artigo 5°, inciso XXXVII). Outrossim, determina a Lei Maior que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito" (artigo 5°, XXXV).
Dentro deste contexto, buscam os dispositivos constitucionais impedir que pessoas estranhas ao organismo judiciário exerçam funções que lhe são específicas (salvo, é claro, quando houver autorização da própria Constituição Federal nesse sentido, p.ex., Senado - artigo 52, incisos I e II) e proscrever os tribunais de exceção, aqueles criados post factum. Assim, nenhum órgão, por mais importante que seja, se não tiver o poder de julgar assentado na Constituição Federal não poderá exercer a jurisdição. Tem-se, salienta a doutrina, a mais alta expressão dos princípios fundamentais da administração da justiça.
Fernandes Scarance afirma que a dúplice garantia assegurada pelo cogitado princípio - proibição de tribunais extraordinários e de subtração da causa ao tribunal competente, desdobra-se em três regras de proteção: "a) só podem exercer jurisdição os órgãos instituídos pela Constituição Federal; b) ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato; c) entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências que exclui qualquer alternativa deferida á discricionariedade de quem quer que seja".34
Acentua Vicente Greco Filho que "não se admite a escolha de magistrado para determinado caso, nem a exclusão ou afastamento do magistrado competente; quando ocorre determinado fato, as regras de competência já apontam o juízo adequado, utilizando-se, até, o sistema aleatório de sorteio para que não haja interferência na escolha".35
É bem verdade que há casos especialíssimos de deslocação da competência, como no caso previsto no artigo 424 do CPP (desaforamento no procedimento do tribunal do júri), entretanto, entende-se que, por estarem determinados pelo interesse público e da própria justiça, não ferem o princípio do juiz natural, pois o intuito é a busca do julgamento justo.
Grinover, Scarance e Gomes Filho, além de outros doutrinadores, defendem que com a garantia do juiz natural assegura-se a imparcialidade do órgão jurisdicional, não como atributo do juiz, mas como pressuposto de existência da própria atividade jurisdicional. Por isso, afirmam que sem o juiz natural não há jurisdição, pois a relação jurídica não pode nascer.36
Os mesmos estudiosos asseveram que além de o julgamento da causa ser de incumbência do juiz natural, é mister que perante este também seja instaurado e desenvolvido o processo, não sendo possível o aproveitamento dos atos instrutórios realizados por juiz constitucionalmente incompetente.37 Neste diapasão, os artigos 108, §1°, e 567 do CPP devem ser relidos a fim de se adequarem á garantia do juiz natural, restringindo-se sua aplicação apenas aos casos de incompetência infraconstitucional. Em se tratando de juiz constitucionalmente incompetente, não pode haver aproveitamento dos atos, não-decisórios e decisórios, uma vez que o artigo 5°, inciso LIII, da Lei Maior refere-se á garantia de que "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (grifei).
De igual forma, também carece de releitura o artigo 564, I, do CPP, que dispõe ser caso de nulidade os atos praticados por juiz incompetente. Como já mencionado, a garantia do juiz natural é um pressuposto de existência da atividade jurisdicional. Sob este prisma, os atos praticados por juiz constitucionalmente incompetente são inexistentes e não nulos. Em decorrência disso, o processo e a sentença, eventualmente prolatada, são juridicamente inexistentes.
Questão interessante é saber se o réu, submetido a julgamento por juiz constitucionalmente incompetente, estaria sujeito a nova persecução penal sobre os mesmos fatos, uma vez considerando-se que a sentença prolatada seria inexistente e, como tal, não estaria tecnicamente suscetível á formação da coisa julgada.
Grinover, Scarance e Gomes Filho entendem que "o rigor técnico da ciência processual há de ceder perante os princípios maiores do favor rei e do favor libertatis, fazendo prevalecer o dogma do ne bis in idem, impedindo nova persecução penal a respeito do fato em tela".38 Esclarecem os insignes estudiosos que, não obstante o princípio do ne bis in idem estar tecnicamente ligado ao fenômeno da coisa julgada e que juridicamente inexistente a sentença esta não poderia transitar em julgado, no terreno da persecução penal estão em jogos valores preciosos do indivíduo, como sua vida, sua liberdade, sua dignidade, e que, nesse particular, o ne bis in idem assume dimensão autônoma, impedindo nova persecução penal do réu pelos mesmos fatos já julgados. Observam os autores que a garantia do juiz natural é erigida em favor do réu e não em detrimento aos direitos deste.
Acerca dos chamados tribunais ou juízos de exceção, assim considerados aqueles criados após o fato a ser julgado, a proibição dos mesmos não abrange o impedimento da criação de justiça ou vara especializada, pois, nestes casos, não há criação de órgãos, mas simples atribuição de órgãos já inseridos na estrutura judiciária, fixada na Constituição Federal, para julgamento de matérias específicas, objetivando a melhoria na aplicação da norma substancial.
Cintra, Grinover e Dinamarco salientam a necessidade de se distinguir tribunais de exceção de justiças especiais, como a Militar, a Eleitoral e a Trabalhista, lembrando que estas são instituídas pela Lei Maior, com anterioridade á prática dos fatos a serem por elas apreciados e, portanto, não constituem ofensa ao princípio do juiz natural.39
Inclui-se na proibição dos tribunais de exceção os foros privilegiados, criados como favor pessoal, mas exclui-se as hipóteses de competência por prerrogativa de função, onde é levada em conta a função exercida pelo réu e não a sua pessoa, inexistindo, neste caso, favorecimento ou discriminação.
Determina a Constituição Federal que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" (artigo 5°, inciso LX). Estabelece ainda que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário são públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, ás próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes" (artigo 93, inciso IX) e que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível á segurança da sociedade e do Estado" (artigo 5°, inciso XXXIII).
Tem-se, portanto, a elevação a dogma constitucional do princípio da publicidade dos atos processuais, antes previsto apenas no caput do artigo 792 do Código de Processo Penal que já orientava que "as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados".
O princípio da publicidade revela-se numa preciosa garantia do indivíduo e da sociedade no tocante ao exercício da jurisdição, considerando-se que, nos dizeres de Cintra, Grinover e Dinamarco, in verbis:
"a presença do público nas audiências e a possibilidade do exame dos autos por qualquer pessoa do povo representam o mais seguro instrumento de fiscalização popular sobre a obra dos magistrados, promotores públicas e advogados. Em última análise, o povo é o juiz dos juízes. E a responsabilidade das decisões judiciais assume outra dimensão, quando tais decisões hão de ser tomadas em audiência pública, na presença do povo"40
A regra geral da publicidade está, pois, em correspondência com os interesses da sociedade e em consonância com o sistema acusatório, contrapondo-se ao processo do tipo inquisitivo onde os atos eram feitos a portas fechadas, secretamente, sem qualquer fiscalização do povo ou mesmo do próprio acusado. A publicidade permite, de fato, a transparência da atividade jurisdicional, evitando-se excessos ou arbitrariedades no decorrer do processo, que, em regra, poderá ser fiscalizado pelos cidadãos a qualquer tempo.
Diz-se em regra, pois o princípio da publicidade encontra exceções previstas na própria Lei Maior (p.ex. art. 5°, XXXVIII, "b") e também na legislação infraconstitucional (artigos 483 e 792, §1°, do CPP). Por essa razão, a doutrina classifica a publicidade em plena (popular, imediata ou geral) e restrita (especial, mediata, interna ou para as partes).41
A primeira refere-se a publicidade sem exceções, quando os atos podem ser assistidos por qualquer pessoa, abertos a todo o público. é a regra geral, devendo qualquer hipótese de restrição ser expressamente prevista em lei, de acordo com os limites constitucionalmente assegurados.
A publicidade restrita se apresenta quando um número reduzido de pessoas ou apenas as partes e seus defensores podem estar presentes aos atos do processo. Tal limitação á regra geral da publicidade popular encontra amparo quando o decoro, a defesa da intimidade e o interesse social aconselhem que não sejam divulgados determinados atos, também a fim de evitar escândalos, inconvenientes graves ou perigo de perturbação da ordem.
Não obstante a garantia oferecida pelo princípio da publicidade, deve-se evitar a publicidade desnecessária e sensacionalista. Esclarecem Cintra, Grinover e Dinamarco que a publicidade, como garantia política que é, tem por finalidade o controle da opinião pública nos serviços da justiça, não devendo ser confundida com o sensacionalismo que afronta a dignidade.42 E mais,
"toda precaução há de ser tomada contra a exasperação do princípio da publicidade. Os modernos canais de comunicação de massa podem representar um perigo tão grande como o próprio segredo. As audiências televisionadas têm provocado em vários países profundas manifestações de protesto. Não só os juízes são perturbados por uma curiosidade malsã, como as próprias partes e as testemunhas vêem-se submetidas a excessos de publicidade que infringem seu direito á intimidade, além de conduzirem á distorção do próprio funcionamento da Justiça, através de pressões impostas a todos os figurantes do drama judicial".43
Por fim, é mister considerar que a doutrina diverge em relação ao princípio da publicidade e sua aplicação nos atos pré-processuais referentes ao Inquérito Policial. Tourinho Filho ensina, pela natureza inquisitiva do Inquérito, que a publicidade não o atinge, até porque determina o artigo 20 do CPP que a autoridade assegurará no Inquérito o sigilo necessário. Ademais, acrescenta o autor, a Constituição Federal menciona a publicidade dos atos processuais, e os do Inquérito não o são.44 Por outro lado, Cintra, Grinover e Dinamarco esclarecem que, não obstante a regra de sigilo imposta ao Inquérito Policial por força do dispositivo retrocitado, o Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), ao estabelecer como direitos do advogado o de "examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de Inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos á autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos" (art. 7°, inciso XIV) e o de "ingressar livremente nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios da justiça, serviços notoriais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora do expediente e independentemente da presença de seus titulares (art. 7°, inciso VI, "b"), praticamente fez com que o sigilo dos Inquéritos desaparecesse.45
O princípio da obrigatoriedade, também chamado de princípio da indisponibilidade ou da legalidade, é o que predomina no processo penal. Segundo ele, a autoridade policial é obrigada a instaurar Inquérito Policial e o órgão do Ministério Público não pode deixar de promover a ação penal quando houver a prática de um crime apurado mediante ação penal pública, conforme dispõem os artigos 5°, 6° e 24, do CPP. Tal princípio contrapõe-se ao do da oportunidade ou disponibilidade, pelo qual o órgão estatal tem a faculdade de promover ou não a ação penal, de acordo com a máxima minima non curat praetor, devendo o Estado abster-se de coisas insignificantes e, assim, deixar de promover o jus puniendi quando verificar, sob o prisma do interesse público, que do exercício da ação penal poderá advir maiores inconvenientes que vantagens.
A prevalência do princípio da obrigatoriedade em nosso processo criminal tem razão de ser pelo caráter público das normas penais materiais e pela necessidade de se assegurar á coletividade uma convivência tranqüila e pacífica. Ora, sendo o crime uma lesão irreparável ao interesse coletivo, o Estado não tem apenas o direito, mas o dever de punir aqueles que violarem a ordem jurídica numa ameaça á harmonia e á paz social. Nesse contexto, os órgãos incumbidos da persecução penal não têm poderes discricionários para apreciarem a oportunidade ou conveniência da instauração de Inquérito Policial ou da propositura da ação penal, conforme o caso.
Cintra, Grinover e Dinamarco lecionam que o princípio da indisponibilidade está á base do processo penal e que, reforçando o que já foi dito, enquadrado um fato na tipificação legal, nenhuma parcela de discricionariedade pode ser atribuída aos órgãos responsáveis pela persecutio criminis. Outrossim, asseveram que se algumas infrações são consideradas tão insignificantes a ponto de a persecução penal tornar-se inconveniente, compete ao legislador descriminalizá-las.46
Há, contudo, algumas exceções ao princípio da obrigatoriedade. Estas podem ser observadas nos casos de ação penal privada e naqueles de ação penal pública condicionada á representação ou á requisição. Nestas situações, o ius accusationis dependerá da manifestação de vontade do ofendido/vítima ou de seu representante legal ou ainda da expressa disposição do Ministro da Justiça. Outras exceções podem ser verificadas nas infrações penais de menor potencial ofensivo, de ação condicionada á representação, quando a composição civil acarreta a extinção da punibilidade penal (Lei n° 9.099/95), ou ainda, nas hipóteses em que o Ministério Público, ao invés oferecer a denúncia, tem a faculdade de propor, de imediato, a aplicação da pena restritiva de direito ou multa. Outrossim, nos crimes de média gravidade quando o órgão acusador, de acordo com as circunstâncias do caso, pode propor a suspensão condicional do processo.
Imperioso notar que a mesma indisponibilidade existente na instauração do Inquérito Policial e na propositura da ação penal também deve nortear a tramitação dos mesmos, não sendo permitido á Autoridade Policial e nem ao Ministério Público desistir de suas investigações ou da ação, respectivamente (arts. 17 e 42 do CPP). Também prevê o artigo 576 do CPP a aplicação do princípio da indisponibilidade em matérias recursais, sendo certo que o órgão acusador não tem a faculdade de desistir do recurso interposto. Trata-se da regra da irretratabilidade que, igualmente, sofre exceções. é o caso dos crimes de ação privada, nos quais as normais infraconstitucionais (arts. 49, 51 e ss e 60, CPP) admitem os institutos da renúncia, do perdão e da perempção, e dos crimes de ação pública condicionada á representação, onde é possível a retratação antes de oferecida a denúncia (art. 25, CPP).
Em que pese não restarem dúvidas da predominância do princípio da obrigatoriedade em nosso sistema processual penal, há forte tendência em se atenuar sua rigidez admitindo-se certa flexibilidade no tocante á oportunidade e conveniência da persecução penal. Vejamos.
Figueiredo Dias adverte que o princípio da legalidade deve continuar a constituir o ponto de partida da modelagem do sistema, porém, continua o autor,
"bem se compreende que, relativamente a certos casos concretos, a promoção e a prossecução obrigatórias do processo penal causem á comunidade jurídica maior dano que vantagem - máxime, atento o pequeno significado da questão para o interesse público, ou conexionado este com dificuldades de prova, inflação do número de processos, pequena probabilidade de executar a condenação, etc. (vg., relativamente a fatos cometidos no estrangeiro ou por pessoa que não se encontre no país) - e que, em tais casos, se deixe ao MP uma certa margem de discricionariedade".47
Na elaboração do Código de Processo Penal Tipo para América Latina, constou no item IX de sua Exposição de Motivos que
"nenhum sistema penal processa todos os casos que se produzem em uma sociedade; ao contrário, as estatísticas universais e nacionais demonstram a escassa quantidade de casos que são solucionados pelos diversos sistemas. O direito de nossos países, em geral, se aferra ao chamado "princípio da legalidade", que pretende sejam perseguidas todas as ações puníveis, segundo uma regra geral de obrigação. Em que pese o princípio, na prática operam diversos critérios de seleção informais e politicamente caóticos, inclusive dentro dos órgãos de persecução penal e dos órgãos judiciais do Estado. Decorre então que é necessário introduzir critérios que permitam conduzir essa seleção de casos de forma razoável e em consonância com convenientes decisões políticas. Isso significa modificar, em parte, o sistema de exercício das ações do Código Penal, tolerando exceções á "legalidade", com critérios de oportunidade, legislativamente orientados".48
Sobre o tema, manifesta-se Scarance Fernandes afirmando que
"com o aumento populacional e conseqüente incremento da criminalidade, há que se admitir no plano legal certa discricionariedade de atuação do órgão acusatório, principalmente em infrações mais leves ou em determinadas situações concretas onde não há maior interesse em punir. A adoção integral do princípio da obrigatoriedade exigiria do Estado, mormente nas grandes cidades, um número infindável de juízes e promotores para que fossem julgadas todas as infrações. Na prática diária a autoridade policial tem, até com o assentimento público, oportunidade de não instaurar inquéritos policiais em várias ocasiões, em virtude da pequena gravidade dos fatos noticiados. Acaba, por isso, existindo grande discricionariedade da autoridade policial ante o inevitável fato de que o elevado número de crimes noticiados não permite que sejam todos objeto de investigação e processo."49
Alguns autores, como Euclides Custódio da Silveira50 e Frederico Marques51 , entendem que a redação do artigo 28 do CPP conferiu ao Ministério Público certa margem de discricionariedade para requerer o arquivamento do Inquérito Policial. Pautam-se os eminentes estudiosos na expressão "razões invocadas", contida no referido dispositivo legal, a qual, acreditam, poderia referir-se também a infrações leves, pouco interessantes ao órgão acusador, tendo em vista o insignificante dano causado á sociedade. Este posicionamento é completamente rechaçado por Fernando Tourinho Filho52 para o qual tais "razões invocadas" dizem respeito apenas á ausência de materialidade ou prova de autoria.
Concluindo o presente tema, cite-se o posicionamento de Scarance Fernandes sobre o assunto:
"Na prática, em grandes centros é praticamente impossível que de todo crime seja iniciado processo, o que, se ocorresse, representaria o caos em um Justiça já atravancada; é comum, em casos de lesão de pequena intensidade ao bem jurídico, ser pedido arquivamento de inquérito com o beneplácito do Poder Judiciário, invocando-se muitas vezes razões até de política criminal ou fundamentando-se o requerimento justamente na pouca relevância do fato. Outro caminho consistiu em dar maior elasticidade ao conceito de justa causa para a ação penal, fundando-a na viabilidade da acusação; assim, se os indícios vindos da investigação não permitiam antever possibilidade de sucesso da ação penal, ela não era intentada. Mais ainda, formou-se corrente que admite o arquivamento do inquérito quando, pelas circunstâncias do caso, a sentença condenatória seria ineficaz porque inevitável a prescrição pela pena em concreto; fala-se então em falta de interesse de agir ante a inabilidade de se obter sentença eficaz."53
Tourinho Filho considera o princípio da presunção de inocência como o coroamento do due process of law.54 Segundo Castanheira Neves, "é um ato de fé no valor ético da pessoa, próprio de toda sociedade livre".55
Garante o artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", elevando o princípio da presunção de inocência a dogma constitucional, tal como proclamado no artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (Everyone charged with a penal offense has the right to be presumed innocent until proved guilty according to law in a public trial at which he has all the garantees necessary for his defense). Ressalte-se que o mencionado princípio já se encontrava inserido no ordenamento jurídico brasileiro em conseqüência da adesão do Brasil á Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), conforme Decreto n° 678/92, a qual dispõe em seu artigo 8°, 2, que "toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa".
Decorre do princípio da presunção de inocência, ou do estado de inocência, como preferem alguns, que: a liberdade do acusado só pode ser restringida antes da sentença definitiva a título de medida cautelar que seja efetivamente necessária e conveniente, nos termos da lei; cabe ao órgão acusador o ônus de comprovar a culpabilidade do acusado, não tendo este o dever de provar sua inocência; para prolatar a sentença condenatória, o juiz deve estar plenamente convencido de que o réu foi o autor do ilícito penal apurado, sendo que, havendo dúvidas quanto á sua responsabilidade, deverá o juiz absolver o réu. Neste último caso, tem-se o consagrado princípio do in dubio pro reo, ou seja, em caso de ausência de provas suficientes capazes de dirimir por completo qualquer dúvida a respeito da autoria do delito, deverá o juiz prolatar sentença absolutória a favor do acusado, na forma do artigo 386, VI, do CPP. Convém observar que os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, embora integrem o gênero favor rei, não se confundem.
Em síntese, enquanto não for definitivamente condenado, por meio de sentença penal condenatória transitada em julgado, presume-se o réu inocente e como tal deve ser tratado. Sob este prisma, Mirabete entende que, por força do princípio constitucional da presunção de inocência, ficaram evidentemente revogados os artigos 393, II, e 408, §1°, do Código de Processo Penal.56
édson Luís Baldan ensina que o direito de ser presumido inocente possui quatro funções básicas: "limitação á atividade legislativa, critério condicionador das interpretações das normas vigentes, critério de tratamento extra-processual em todos os seus aspectos (inocente); obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato delituoso incidir sempre sobre o acusador, pelo critério da não culpabilidade".57 Prossegue o ilustre autor lecionando que três exigências decorrem da previsão constitucional da presunção da inocência, quais sejam:
"a) o ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence com exclusividade á acusação, sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos (prova diabólica); b) necessidade de colheita de provas ou de repetição de provas já obtidas perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; c) absoluta independência funcional do magistrado na valoração livre das provas".58
O STF firmou entendimento sobre o tema, determinando que
"nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei n. 88 de 20.12.1937, art. 20, no. 5)" (HC n° 73.338/RJ - RTJ 161/264).
É importante notar que a presunção de inocência constitucionalmente assegurada é do tipo juris tantum e, por assim ser, poderá ser afastada pelas provas produzidas no decorrer do devido processo legal, sempre sob o manto do contraditório e da ampla defesa.
Face ao preceito da presunção de inocência, as exigências pertinentes á prisão cautelar ficaram mais rigorosas, justificando-se tal medida apenas quando estritamente necessária e respaldada pela lei. Do contrato, ensina-nos Tourinho Filho, o réu estaria sofrendo antecipadamente uma pena, sendo considerado culpado antes da sentença penal condenatória, numa clara ofensa á festejada garantia da presunção de inocência. "Não havendo perigo de fuga do indiciado ou imputado e, por outro lado, se ele não estiver criando obstáculo á averiguação da verdade buscada pelo Juiz, a prisão provisória torna-se medida inconstitucional".59
Na esteira desses pensamentos, não podem as redações dos artigos 393, I, e 594 do CPP, do artigo 35 da Lei n° 6.368/76 e do artigo 2°, §2°, da Lei n° 8.072/90 subsistirem tal qual se encontram. Verdadeiramente, se o réu não pode ser considerado culpado enquanto a sentença penal condenatória não transitar em julgado, não parece ser correta a obrigação de recolher-se á prisão para poder recorrer á jurisdição superior. Tourinho Filho assevera que pode-se inferir do texto constitucional, "com clareza de doer nos olhos, que o réu tem o direito público subjetivo de natureza constitucional de apelar em liberdade".60
Ante o exposto, toda e qualquer prisão anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória deve revestir-se de natureza cautelar, sob pena de se estar ferindo o princípio da presunção de inocência. Sobre o tema, mais uma vez Tourinho Filho disserta e orienta que
"Quando ocorre uma prisão em flagrante, e não estando presente qualquer das circunstâncias que autorizam a decretação da prisão preventiva, o indiciado tem o direito de ficar em liberdade, nos termos do parágrafo único do art. 310 do CPP; se o cidadão cometeu um crime inafiançável, mas não foi preso em flagrante, sua prisão preventiva somente poderá ser decretada se for necessária, e a lei diz quando ela se torna necessária: se o agente está perturbando a ordem pública ou a ordem econômica, se está criando obstáculo á instrução criminal, ou se está pretendendo subtrair-se da eventual aplicação da lei penal. Ausentes tais circunstâncias, não poderá ser preso preventivamente. […] Pela mesma razão, se for condenado por sentença não transitada em julgado, sua prisão provisória, ou o seu antecipado cumprimento de pena, só se justifica se ele estiver dando sinais de que pretende subtrair-se á aplicação da lei penal. Senão, não."61
Finalizando o tema, cumpre alertar que apenas fato de o réu ter maus antecedentes ou ter praticado crime hediondo não é suficiente para justificar a prisão antes da sentença condenatória definitiva. Nesse sentido, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo julgou que "se durante a instrução criminal o réu manteve a liberdade, porque a custódia era desnecessária, impossível a prisão durante o recurso baseada simplesmente em maus antecedentes reconhecidos na sentença" (RT 658/297). E ainda, "segundo revelam os autos, o paciente, embora não tenha bons antecedentes, permaneceu em liberdade durante toda a instrução. Não foi preso em flagrante e não se entendeu necessária sua prisão preventiva. E, em liberdade, não deu causa de qualquer embaraço quanto ao processamento da ação penal. De justiça, portanto, deferir-se a ele, pelo menos, o direito de continuar em liberdade até o julgamento definitivo da ação penal" (HC 198.476/7). No que concerne ao fato de ter praticado crime hediondo, pronunciou-se o STJ afirmando que "a manutenção da prisão em flagrante só se justifica quando presentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, nos moldes do art. 310, parágrafo único, do CPP. O fundamento único da configuração de crime hediondo ou afim, sem qualquer outra demonstração de real necessidade, nem tampouco da presença dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, não justifica a prisão em flagrante" (REsp n° 243.893/SP).
Nada impede, contudo, que o Juiz, na sentença condenatória recorrível, decrete a prisão do réu. Entretanto, ao fazê-lo, deverá fundamentar seu ato constritivo na necessidade da medida cautelar, á luz do artigo 312 do CPP.
A atual concepção publicista do processo não mais admite o órgão jurisdicional agindo como se fosse mero expectador da demanda judicial. Reconhecida sua autonomia, enquadrada como ramo do direito público e considerando a finalidade sócio-política da função jurisdicional, cumpre ao Juiz, em especial no processo criminal, exercer o ius puniendi estatal somente contra aquele que efetivamente praticou a infração penal, nos limites de sua culpa.
Para tanto, o Processo Penal não deve encontrar limites na forma ou na iniciativa das partes, ao contrário, impõe-se-lhe a busca e o descobrimento da verdade real, material, ou seja, cumpre ao Juiz averiguar além dos limites artificiais da verdade formal, com o intuito claro e determinado de valer fazer a função punitiva em face daquele que realmente tenha cometido um ilícito penal.
Bastante em voga no Processo Civil, é denominada verdade formal aquela criada por atos ou omissões das partes, presunções, ficções, transações e outros institutos jurídicos pertinentes. No âmbito civil, o órgão jurisdicional pode satisfazer-se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo. Destarte, confiando no interesse das partes para descobrir a verdade, o juiz pode restringe-se ás provas trazidas por estas aos autos, procedimento até certo ponto aceitável visto a disponibilidade, em regra, dos direitos em questão.
Ocorre que, no Processo Penal, os direitos são indisponíveis, numa clara prevalência do interesse público sobre a autonomia privada, o que, per si, configura razão suficiente para o predomínio do sistema da livre investigação das provas. Assim sendo, é dever do juiz dar seguimento ao processo quando da inércia da parte, determinar ex officio provas que entender necessárias á instrução da causa e conhecer de circunstâncias sem a provocação das partes, tudo isso visando sempre ao completo esclarecimento da verdade real.
Cintra, Grinover e Dinamarco lecionam, entretanto, que
"o processo civil, hoje, não é mais eminentemente dispositivo, como era outrora; e o processo penal, por sua vez, transformando-se de inquisitivo em acusatório, não deixou completamente á margem uma parcela de dispositividade das provas. Impera, portanto, tanto no campo processual penal como no campo processual civil, o princípio da livre investigação das provas, embora com doses maiores de dispositividade no processo civil".52
De fato, já há algum tempo que, mesmo na seara civil, os poderes do órgão jurisdicional estão sendo paulatinamente aumentados, fazendo com que o juiz passe de expectador inerte á ativa posição de perquiridor da verdade. A diferença então para o Processo Penal é que, naquele, na maioria dos casos, o juiz, embora possa assumir algumas iniciativas das partes (arts. 130 e 342, CPC), tem a faculdade de satisfazer-se com a verdade formal apresentada nos autos. Neste, entretanto, o juiz penal só aceitará a verdade formal excepcionalmente, se não dispuser de meios capazes para assegurar a verdade material.
Afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco que,
"enquanto no processo civil o princípio do dispositivo foi aos poucos se mitigando, a ponto de permitir-se ao juiz uma ampla gama de atividades instrutórias de ofício (v. ainda CPC, art. 440), o processo penal caminhou em sentido oposto, não apenas substituindo o sistema puramente inquisitivo pelo acusatório (no qual se faz uma separação nítida entre acusação e jurisdição: CPP, art. 28), mas ainda fazendo concessões ao princípio dispositivo (cf. Art. 386, inc. VI), sem falar na Lei dos Juizados Especiais Criminais (lei n. 9.099/95)."53
Inegável a afirmação de que o princípio da verdade real não vige de forma absoluta em nosso Processo Penal. Exemplos de mitigação do citado princípio podem ser facilmente identificados em algumas situações, tais como: após uma absolvição transitada em julgado, não é possível rescindi-la mesmo quando surjam provas concludentes contra o réu; possibilidade de transação nas ações privadas com o perdão do ofendido; a perempção provocada pela omissão ou desídia do querelante; e outras causas de extinção da punibilidade que, de uma forma ou de outra, podem impedir a descoberta da verdade real.
Há, portanto, tanto no Processo Civil quanto no Processo Penal uma conciliação dos princípios do dispositivo com o da livre investigação judicial. O juiz, em ambos, pode transigir com a verdade real, sendo certo que, na seara criminal, tal transigência é, e deve ser, bem menor.
Por fim, Tourinho Filho alerta que
"mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de "verdade processual" ou "verdade forense", até porque, por mais que o Juiz procure fazer uma reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material de que ele se vale poderá conduzi-lo a uma "falsa verdade real"; por isso mesmo Ada P. Grinover já anotava que "verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis, no processo ou fora dele" (A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, RF, 347/6)."64
Notas de rodapé convertidas em notas de fim
1 PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. As garantias do devido processo legal. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio
(coordenador). Tratado temático de processo
penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 247.
2 BALDAN, édson Luís. Direitos fundamentais
na constituição federal. Estado democrático de direito e os fins do processo
penal>. In: MARQUES
DA SILVA, Marco Antônio (coordenador). Op.
Cit. p. 128.
3 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 19ª ed., 2003, p. 51.
4 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Processo penal
constitucional. São Paulo: RT, 3ª ed., 2002. pp. 42-3.
5 Idem. p. 43.
6 GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional
das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 60.
7 BALDAN, édson Luís. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio
(coordenador). Op. Cit. p. 132.
8 ALMEIDA, J. Canuto Mendes. Princípios
fundamentais do processo penal. São Paulo: RT, 1973. pp. 86-7.
9 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. São Paulo: Atlas, 10ª ed., 2000. p. 43.
10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
penal. Vol 1. São Paulo: Saraiva, 25ª ed., 2003. p. 46.
11 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 63.
12 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. Cit. p. 55.
13 Idem. p. 57.
14 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. pp.
59-61.
15 Idem. p. 64-6.
16 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. Cit.
pp. 47-8.
17 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 64.
18 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op.
Cit. p. 47.
19 Ibidem.
20 Ibidem.
21 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e
garantias individuais no processo penal brasileiro. p.11. Apud: FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 64.
22 Ibidem.
23 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. pp. 110-1.
24 Os institutos da autodefesa e
da defesa técnica serão estudados
com mais profundidade no relatório pertinente ao Tema 3, quando será abordado o
assunto da defesa como garantia constitucional.
25 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit. Apud: PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco
Antônio (coordenador). Tratado temático de
processo penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 247.
26 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 267.
27 Nesse sentido: STF RT 553/435-436; TJSP RT 663/296; STF RTJ 100/552; TRAS
JTAERGS 84/68; TACRimSP RJDTACrim 12/100.
28 Nesse sentido: RT 528/379 e 539/326; JTACrim 37/24, 38/85, 39/207 e 255,
41/94 e 246, 42/35, 45/57, 39, 171, 234 e 323, 44/434, 43/65, 47/150, 167 e
363, 46/26, 28 e 127, 45/257, 48/32 e 43 e outros.
29 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. pp.
284-5.
30 Idem. p. 286.
31 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit.. pp. 40-1.
32 Idem. p. 40.
33 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo
Penal. São Paulo: Javoli, 1980, v.1, pp. 63-4. Apud: MIRABETE, Julio
Fabbrini. Op. Cit.. p.40.
34 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit.
35 GRECO FILHO, Vicente. Op. Cit.
36 GRINOVER, Ada Pellegrini, SCARANCE FERNANDES, Antônio, GOMES FILHO, Antônio
Magalhães. As nulidades no processo penal. São Paulo: RT, 7ª ed., 2001.
37 Idem.
38 Idem.
39 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. Cit.
40 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. Cit. p. 69.
41 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 68; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op.
Cit. pp. 42-3; MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit.. pp. 45-6; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo,
GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit. pp. 69-70.
42 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. Cit. p. 70.
43 Ibidem.
44 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. Cit.
p. 43.
45 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. Cit. pp. 70-1.
46 Idem. p. 61.
47 DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito
processual penal. Vol 1, pp. 130-1. Apud:
FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 192.
48 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 192.
49 Idem. p. 191.
50 SILVEIRA, Euclides Custódio. Apud:
FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 194.
51 MARQUES, Frederico. Apud:
FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 195.
52 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. Cit.
pp. 328-9.
53 FERNANDES SCARANCE, Antônio. Op. Cit. p. 196.
54 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op.
Cit. p. 61.
55 NEVES, A. Castanheira. Sumários de
processo penal. Coimbra: 1967, p. 26. Apud: TOURINHO FILHO, Fernando
da Costa. Op. Cit. p. 61.
56 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit..
p. 42.
57 BALDAN, édson Luís. Op. Cit. In: MARQUES DA SILVA, Marco Antônio
(coordenador). Op. Cit. pp. 133-4.
58 Idem. p. 134.
59 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. Cit.
p. 63.
60 Idem. p. 64.
61 Idem. pp. 67-8.
62 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Op. Cit. p. 66.
63 Idem p. 65
64 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Op. Cit.
p. 39.
Autor:
Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia
fluviocogarcia[arroba]ig.com.br
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