Já disseram que "o direito ama a dúvida, e a faz musa na controvérsia". O tema a que hora se propõe estudar é um dos que mais atormentam o doutrinador e o cientista do Direito, posto que ainda não se delineou, e nunca o farão, uma solução pacífica e geral para as colisões de segundo grau, os chamados conflitos de critérios, definidores das antinomias reais.
Com o recente início de vigência da Lei n.º 10.406 de 10 de janeiro de 2002, a partir de 10 de janeiro de 2003, o tema deve receber, nesta década, especial atenção da comunidade jurídica brasileira, pois o Código Civil é, sem dúvida, a norma de maior abrangência material na disposição dos direitos e deveres do cidadão. Aí reside a relevância do tema. As diversas modificações produzidas pelo texto da Lei criaram uma série de situações em que o doutrinador deverá aplicar a hermenêutica e, por certo, muitas colisões serão enfrentadas pelo Judiciário nos próximos anos.
Por se tratar de instituto que é parte da Teoria Geral do Direito, outro aspecto merece foco neste momento da história brasileira. O ensino do Direito no Brasil encara atuais e graves problemas de identidade e finalidade, motivados pela mecanização e indignificação da docência superior, somadas á banalização da ciência em favor da indústria reduzicionista dos concursos públicos.
O polêmico Provão do MEC tem buscado na formulação de suas questões se orientar nas disciplinas introdutórias do Direito, como Teria Geral e Filosofia Jurídica. Vale frisar, as instituições de ensino com melhores conceitos são aquelas onde se vêem priorizados os conhecimentos relativos ás referidas disciplinas.
Ao tratar das antinomias jurídicas, tema dos mais controversos na seara jurídica, a pretensão é a de esclarecer ou somar estudos no sentido de acalorar as discussões que cercam a apreciação dos metacritérios de solução dos choques normativos. Em segundo plano, mas com idêntica relevância, visa-se contribuir com voz que tonifique o coro dos cientistas no grito contra a banalização do Direito.
A palavra antinomia utilizada no sentido ora estudado aparece já na antigüidade, por exemplo, Plutarco e Quintiliano. Mas a aparição de maior destaque se dá em Gloclenius (1613), que primeiro distinguiu antinomia nos sentidos lato e estrito. Em 1660, A. Eckolt distingue antinomia real e aparente. No século XVII J.H. Zedler (1.732) a define como contrariedade de leis que ocorrem quando duas leis se opõem ou mesmo se contradizem.1
Os dicionários da língua portuguesa definem antinomia como antítese, oposição, contradição, contraste.
Marcus Cláudio Acquaviva2 , já com base na Teoria Geral do Direito, aponta a origem do grego Anti = oposição + nomos = norma, conceituando antinomia como "Conflito entre duas normas jurídicas, cuja solução não se acha prevista na ordem jurídica."
Tercio Sampaio Ferraz Jr., para definir o termo, faz antes uma distinção entre antinomias lógico-matemáticas com antinomias semânticas, e antinomias pragmáticas3 .
Definindo antinomia no campo da lógica, onde segundo Ferraz, o termo é mais rigorosamente definido, seria a criação (origem) de uma autocontradição por processos aceitos de raciocínio. Seria deduzir logicamente uma violação á própria lógica, surgindo então uma contradição.
Antinomia semântica também é uma contradição que resulta de uma dedução correta, baseada em premissas aparentemente coerentes da linguagem.
Um exemplo: Existe o dito popular de que todo pescador é mentiroso. Lopez Kadour, homem que vive da pesca, ao contar como foi o produto daquela viagem garante ao final: "__ Eu estou mentindo." Estaria ele afirmando uma verdade? Se estiver falando a verdade, ele diz uma mentira. Se estiver mentindo, ele diz a verdade.
As antinomias lógico-matemática e semântica ferem, segundo Russel e outros pensadores4 , princípios que corroboram a construção ideal da lógica e da semântica. Ambas são atacadas por conterem vícios de hierarquia lógica ou originadas de incoerências ocultas na estrutura de níveis do pensamento e da linguagem. Vale dizer, as proposições não são essencialmente antinômicas, pois suas afirmações só encontram certa coerência dentro dos próprios planos.
Quanto á antinomia pragmática (dentre as quais se situa a antinomia jurídica), são situações em que, conforme o mesmo autor, embora se caracterizem também pela falta de sentido lógico e/ou semântico, formam-se proposições ou afirmações realmente existentes no sistema jurídico, materializadas na escrita. Um comportamento exigido não pode ser tido como um non sense, haja vista ser de fato afirmado materialmente e deva ser observado pelo seu receptor.
Sempre que estivermos diante de um conflito entre duas normas, ou entre dois princípios, ou ainda, entre uma norma e um princípio, e não existirem critérios postos no ordenamento que resolvam esses conflitos, estaremos diante de uma antinomia jurídica. Antinomia ocorre com a existência de duas normas, tipificando a mesma conduta, com soluções antagônicas, onde repousem três requisitos: incompatibilidade, indecidibilidade e necessidade de decisão.
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