A liberdade de expressão dos membros do Ministério Público

Enviado por Emerson Garcia


  1. Introdução
  2. Natureza jurídica do direito á liberdade de expressão
  3. A liberdade de expressão pode ser restringida pela lei?
  4. As informações contidas em um processo judicial podem ser expostas ao público?
  5. Um veículo de comunicação tem o direito de divulgar as informações contidas em um processo judicial?
  6. Síntese conclusiva

I. Introdução

Não obstante as múltiplas dissonâncias existentes entre os povos, quer sejam de ordem cultural, social ou política, é freqüente a visualização de zonas de tangenciamento em relação aos efeitos decorrentes de determinadas rupturas da realidade fenomênica. Como verdadeira máxima de experiência universal, de ontem, de hoje e de sempre, é possível afirmar que períodos de exagerada restrição são normalmente sucedidos por outros de exagerada abertura, sendo a recíproca verdadeira. À fraqueza de Adão ao não resistir á sedução da serpente sucedeu-se a perda do paraíso e o imediato padecimento pelos prazeres da carne. À desenfreada perseguição ao Cristianismo testemunhou-se a sua aceitação pelos romanos e a ulterior transformação, em terra santa, dos caminhos nos quais Jesus fora impiedosamente aviltado e morto. À queda do nacional socialismo de Hitler constatou-se o surgimento, no seio do Tribunal Constitucional Alemão, de uma sólida dogmática constitucional defensora das liberdades civis. Os exemplos, enfim, são múltiplos.

A República Federativa do Brasil, como não poderia deixar de ser, viu-se recentemente envolta em fenômeno semelhante. Tão logo se constatou o inevitável declínio do regime de exceção que, por algumas décadas, calou, matou e "fez sumir" tantos quantos se insurgissem contra os dogmas então vigentes, buscou-se a reconstrução do Estado brasileiro - que, até então, só podia ser considerado "de Direito" em razão do atributo da coerção -, dando ensejo ao surgimento daquela que se convencionou chamar de "Constituição Cidadã". A Constituição de 1988, de natureza eminentemente programática, sedimentou a concepção, há muito cristalizada em outras plagas, de que o homem é o ponto central de qualquer organização política, sendo a estruturação desta correlata á necessidade de satisfação dos anseios daquele. Nesta linha, e como conseqüência inevitável das abusivas restrições de outrora, consagrou-se um extenso rol de direitos e garantias, individuais e coletivos, com a natureza de cláusulas pétreas, logo, insuscetíveis de reforma ou supressão.

Dentre os direitos individuais assegurados, tem-se a denominada liberdade de expressão, que recebeu ampla e expressa proteção da Carta de 1988. Neste particular, merece referência o fato de que os quase três lustros que fluíram desde a promulgação do atual texto constitucional ainda não foram suficientes para sedimentar, de forma definitiva, a importância e a extensão de tal liberdade. Em razão da grande mutação que liberdades como esta implementaram no organismo social, cujo saldo, não obstante a presença de erros e acertos, certamente é positivo, muitos "saudosistas" clamam pelo volver ao regime de outrora, no qual a liberdade de expressão em muito se assemelhava a um mito do folclore brasileiro (v.g.: o saci pererê): todos o conhecem, todos são capazes de descrevê-lo, mas ninguém nunca o vê.

A existência de projetos de lei especificamente destinados á restrição da liberdade de expressão dos membros do Ministério Público nos levou a direcionar para essa vertente o plano deste estudo. O objetivo final, por evidente, é demonstrar a legitimidade, ou não, de tal restrição, sendo utilizado, como elemento de reflexão, dispositivo dessa natureza contemplado pela antiga Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Ao nosso ver, o correto equacionamento da questão pressupõe o deslinde de algumas proposições, nitidamente encadeadas entre si e indispensáveis á identificação da recepção de tal comando normativo ou á valoração da constitucionalidade de outros que venham a ser editados. Assim, questiona-se:

a) Qual é a natureza jurídica do direito á liberdade de expressão?
b) O direito á liberdade de expressão pode ser restringido pela lei?
c) As informações contidas em um processo judicial podem ser expostas ao público?
d) um veículo de comunicação tem o direito de divulgar as informações contidas em um processo judicial?

II. Natureza jurídica do direito á liberdade de expressão

Historicamente, a liberdade nem sempre foi um atributo inerente ao ser humano. Somente com o evolver dos tempos, de forma lenta e progressiva, o flagrante descompasso existente entre o papel desempenhado pelo detentor do poder e os anseios da coletividade a si subjugada sofreu mutações. Estas tiveram como marcos significativos a Magna Carta Inglesa de 1215, o Petition of Rights de 1628 e o Bill of Rights de 1689, atingindo o ápice com a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, não se olvidando a Constituição Norte-americana de 1787 e suas ulteriores emendas. Tais diplomas consagraram a existência dos denominados direitos fundamentais, estabelecendo princípios de limitação e de divisão dos poderes, o que culminou em erigir o princípio da legalidade á categoria de garantia dos direitos do homem, protegendo-o contra o absolutismo dos governantes e apresentando-se como verdadeiro alicerce da solidariedade e da interdependência sociais.

A positivação jurídica dos direitos fundamentais fez que os direitos do homem deixassem de ser esperanças ou meros impulsos não correspondidos na realidade fenomênica. Os direitos fundamentais, em verdade, são elementos condicionantes da própria legitimidade da ordem jurídica, pois seria inconcebível se falar em Estado de Direito sem que ao homem fossem assegurados direitos, liberdades e garantias oponíveis ao próprio ente estatal.

Direito, como se sabe, denota a possibilidade de se exigir de outrem determinado comportamento, cuja natureza pode ser positiva (ação) ou mesmo negativa (abstenção). A fundamentalidade1 , por sua vez, aponta para o especial relevo que deve merecer a proteção de tais direitos, cuja dignidade é correlata á própria essência do homem, concebido como ser racional e detentor do poder que originou o Estado de Direito.

Sensível a essa realidade, a Déclaration des Droits de lHomme et du Citoyen, de 26 de agosto de 1789, consagrou um rol de "direitos do homem e do cidadão", verdadeiros direitos fundamentais que contribuiriam "para a manutenção da Constituição e felicidade de todos", como ressalta a sua introdução. Dentre os direitos assegurados por essa Declaração, ainda em vigor por força do preâmbulo da Constituição francesa de 27 de outubro de 1946 e do art. 4º da Lei Constitucional de 3 de junho de 1958, merece realce o art. 11, in verbis:


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