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"Art.11. A livre comunicação dos pensamentos do homem e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, pois, falar, escrever e exprimir-se livremente, sujeito a responder pelo abuso desta liberdade nos casos determinados pela lei."
No Direito Norte-americano, não obstante o silêncio de sua sintética Constituição, os Fundamental Rights foram objeto de previsão nas sucessivas emendas ao texto constitucional. Especificamente em relação ao objeto deste parecer, releva transcrever o teor da 1ª Emenda á Constituição, in verbis:
"O Congresso não editará nenhuma lei que atinja a instituição ou interdite o livre exercício de uma religião nem que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa ou o direito que tem o povo de se reunir pacificamente e de dirigir petições ao governo para solucionar suas queixas".
No Brasil, a liberdade de expressão foi contemplada em todas as Cartas Constitucionais. No entanto, em duas delas, outorgadas durante regimes de exceção, a expressão foi assegurada, mas a tão propalada liberdade foi simplesmente aniquilada. Para a comprovação dessa assertiva, cumpre transcrever os respectivos preceitos da Constituição de 1937 e da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, in verbis:
Art. 122 da Constituição de 1937 - "A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito á liberdade, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes: (...)
15. todo o cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei.
A lei pode prescrever:
a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando á autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação;
b) medidas para impedir as manifestações contrárias á moralidade pública e aos bons costumes, assim como as especialmente destinadas á proteção da infância e da juventude;
c) providências destinadas á proteção do interesse público, bem-estar do povo e segurança do Estado."
Art.153 da Emenda Constitucional nº 1/69 - "A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes á vida, á liberdade, á segurança e á propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 8º. é livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. é assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias á moral e aos bons costumes."
Antes de adentrar o tratamento dispensado á liberdade de expressão pela Constituição de 1988, releva notar, desde já, que o art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82 (antiga Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro), posteriormente revogado pela Lei Complementar Estadual nº 106/03, foi editado sob a égide de um regime de exceção, de triste memória para os brasileiros. A matéria, no entanto, será pormenorizadamente analisada no desenvolvimento deste estudo.
Mantendo a tradição constitucional pátria, mas desta feita com os olhos voltados á natureza democrática do Estado brasileiro, estabelece o art. 5º, IV, da Constituição de 1988, de forma clara e objetiva, no título pertinente aos direitos e garantias fundamentais, que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Em seqüência, o Constituinte originário estatuiu a regra salutar de que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou á imagem" (art. 5º, V), verdadeira norma de contenção, pois liberdade não guarda sinonímia com abuso ou arbítrio.
Como conseqüência lógica do que até aqui foi dito, é inevitável a constatação de que é garantido a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País a liberdade de expressão, devendo responder pelos danos causados a outros direitos constitucionalmente garantidos, como a honra (art. 5º, X, da CR/88: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito á indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação").
A liberdade de expressão é considerada um direito fundamental de primeira geração, estando incluída no rol dos direitos e garantias individuais clássicos (liberdades públicas), que remontam á Magna Carta Inglesa2 . Discorrendo sobre as diferentes gerações de direitos fundamentais, ensina Manoel Gonçalves Ferreira Filho3 que "a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade".
Chega-se, assim, á elucidação da primeira proposição: a liberdade de expressão é um direito fundamental.
Analisando a necessidade de especial proteção aos direitos fundamentais, observa Canotilho4 que "a fundamentalidade formal, geralmente associada á constitucionalização, assinala quatro dimensões relevantes: (1) as normas consagradoras de direitos fundamentais, enquanto normas fundamentais, são normas colocadas no grau superior da ordem jurídica; (2) como normas constitucionais encontram-se submetidas aos procedimentos agravados de revisão; (3) como normas incorporadoras de direitos fundamentais passam, muitas vezes, a constituir limites materiais da própria revisão (cfr. CRP, art. 288.º/d e e); (4) como normas dotadas de vinculatividade imediata dos poderes públicos constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões, acções e controlo, dos órgãos legislativos, administrativos e jurisdicionais".
A exemplo do que ocorre no Direito português, no Direito Constitucional pátrio os direitos fundamentais também ocupam o ápice da pirâmide normativa, sendo insuscetíveis de serem suprimidos pelo legislador infraconstitucional ou, mesmo, pelo Poder Constituinte derivado, pois erigidos á categoria de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV, da CR/88 - "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV. Os direitos e garantias individuais"). Apesar disto, em situações específicas, podem sofrer limitações.
Basta um breve passar de olhos por sobre o rol dos direitos e garantias fundamentais contemplados na Constituição da República para se concluir que a sua coexistência torna imprescindível a fixação de determinados limites ao seu exercício, isto sob pena de comprometimento, ou mesmo supressão, de um direito em prol de outro. Não fosse assim, como seria possível, verbi gratia, conciliar a liberdade de expressão com o direito á inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, todas com esteio constitucional?
Como derivação direta do próprio Estado de Direito, todos têm o dever de respeitar os direitos alheios, sendo esta a máxima fundamental do princípio da relatividade ou da convivência das liberdades públicas, segundo o qual os direitos fundamentais são limitados pela proteção dispensada aos demais direitos igualmente consagrados pela Constituição.
Por consagrar o princípio da relatividade dos direitos fundamentais, é oportuna a transcrição do art. 29 da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas, in verbis:
"Toda pessoa tem deveres com a comunidade, já que somente nela pode desenvolver livre e plenamente sua personalidade. No exercício de seus direitos e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estarão sujeitas ás limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. Estes direitos e liberdades não podem, em nenhum caso, ser exercidos em oposição com os propósitos e princípios das Nações Unidas. Nada na presente Declaração poderá ser interpretado no sentido de conferir direito algum ao Estado, a um grupo ou uma pessoa para empreender e desenvolver atividades ou realizar atos tendentes á supressão de qualquer dos direitos e liberdades proclamados nessa Declaração" (grifo nosso).
Em razão de sua própria natureza jurídica, um direito fundamental somente poderá ser restringido para resguardar outro direito constitucionalmente assegurado. A correção do comportamento do legislador, em sua atividade de conformação das normas constitucionais, será devidamente valorada a partir da identificação do direito a ser restringido e do direito a ser resguardado, operação esta que será direcionada pelo princípio da proporcionalidade, muito em voga entre os publicistas pátrios e que permitirá aferir se a natureza do direito a ser protegido justifica a intensidade da limitação imposta a outro direito. Em obra intitulada Improbidade Administrativa5 , assim nos pronunciamos sobre referido princípio:
Partindo-se da concepção atualmente difundida entre os publicistas germânicos, pode-se dizer que determinado ato normativo estará em harmonia com o princípio da proporcionalidade em sendo observados seus três elementos constitutivos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito6 .
Consoante o primeiro elemento, a norma deve ser apta a alcançar a consecução do interesse público, o que denota ser imprescindível a presença de uma relação de adequação entre o meio utilizado e o fim visado, importando em nítida vedação ao arbítrio. Aqui, é analisada unicamente a adequação da norma, não sendo o momento oportuno para a valoração da eficácia do meio escolhido ou o grau de restrição aos direitos do cidadão, o que será objeto de aferição específica através do subprincípio da necessidade.
Observe-se, ainda, que a relação meios/fins (Zweck-Mittel) apresentará nuances distintas nas esferas legislativa e administrativa, pois á primeira é conferida maior discricionariedade que á segunda, o que é justificável por adotar medidas em relação a situações de risco potencial e abstrato, enquanto o administrador, em regra, atua frente a situações atuais e concretas.
A norma será necessária quando não exceder os limites indispensáveis á consecução do objetivo almejado, devendo-se preferir ao meio menos lesivo aos direitos fundamentais. Em havendo possibilidade de escolha de outro meio, com idêntica eficácia, passível de impor menores limitações ao direito do cidadão, a norma não será necessária e, conseqüentemente, será desproporcional. À necessidade ou exigibilidade da norma, de acordo com Canotilho7 , devem ser acrescentados "outros elementos conducentes a uma maior operacionalidade prática: a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais poupado possível quanto á limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se limitará á pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados."
Não se deve perder de vista que a aferição da necessidade ou exigibilidade da norma deve ser precedida pela verificação da existência de autorização para que o legislador possa adotar uma medida restritiva em relação a determinado direito. Ausente a autorização, ter-se-á a inconstitucionalidade material da norma, não por infringência ao princípio da proporcionalidade, mas, sim, por inobservância da regra de competência ou por violação ao núcleo intangível do texto constitucional.
Na oportuna lição de Scholler8 , "a adequação representa a relação com a realidade empírica e deveria ser aferida em primeiro lugar, ainda que o critério da necessidade tenha a melhor relevância jurídica. Meios que são adequados podem, mas não precisam ser necessários. Em contrapartida, meios necessários serão sempre adequados".
Por último, deve ser verificada a proporcionalidade em sentido estrito, nítido mandamento de ponderação ou valoração, segundo o qual o conteúdo da norma deve ser o que melhor preserve os interesses envolvidos no caso específico em análise, demonstrando a correção da escolha do meio, vale dizer, sua "justa medida"; logo, a constrição imposta pela norma deve ser inferior ao benefício que se pretenda obter com a sua edição, sob pena de infração ao princípio da proporcionalidade e conseqüente inconstitucionalidade. Segundo Grabitz9 , sintetizando o entendimento do Tribunal Constitucional Alemão, "quanto mais a intervenção afeta formas de expressão elementar da liberdade de ação do homem, tanto mais cuidadosamente devem ser ponderados os fundamentos justificativos de uma ação cometida contra as exigências fundamentais da liberdade do cidadão".
Não basta que a norma seja adequada e necessária á satisfação de determinado direito, sendo imprescindível a comprovação, a partir de um exercício de ponderação, de que este oferece maiores vantagens do que a carga coativa imposta a um outro direito, o que exige que ambos sejam identificados, delimitados e sopesados, permitindo a verificação de possível desproporcionalidade da medida adotada.
A ponderação, no entanto, não deve ser desenvolvida em uma atmosfera de intenso subjetivismo, pois o contrário certamente conduziria ao arbítrio. Segundo Robert Alexy10 , deve ser ela direcionada por critérios racionais que culminarão em estabelecer uma relação de precedência condicionada, identificando o princípio que possui maior peso em determinada situação a partir da análise das condições específicas que envolvem essa ponderação. Com isto, se chegará á estruturação da lei de colisão, segundo a qual as condições que conduzem á prevalência de um princípio sobre o outro constituem o pressuposto fático de uma regra que explica a conseqüência jurídica do princípio precedente11 .
Utilizando-se do princípio da proporcionalidade, é possível identificar a legitimidade de diversas normas que restringem a liberdade de expressão:
a) O art. 36 da Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) estatui que é vedado ao magistrado "manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério". A restrição busca garantir a imparcialidade do magistrado, evitando que exteriorize seu entendimento sobre determinada questão, o que poderia redundar em antecipação de seu julgamento ou fazer que futuras causas, com o mesmo objeto, fossem a ele direcionadas, isto sem falar na necessidade de manutenção da unidade do Poder Judiciário, que sofreria sérias máculas em sendo admitidas críticas recíprocas entre seus órgãos.
b) Configura crime de responsabilidade do Presidente da República, a teor do art. 5º, 4, da Lei nº 1.079/50, "revelar negócios políticos ou militares, que devam ser mantidos secretos a bem da defesa da segurança externa ou dos interesses da Nação". O motivo da restrição é patente: resguardar os interesses do País, o que justifica que a liberdade de expressão do Presidente, de valor nitidamente inferior á segurança da população, seja restringida.
c) Consoante o art. 11, III, da Lei nº 8.429/92, consubstancia ato de improbidade a conduta do agente público que venha a "revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deve permanecer em segredo". Aqui, a liberdade de expressão do agente cede lugar ao interesse público ínsito em toda a atividade administrativa, que poderia ser comprometida com a divulgação de dados sigilosos. No mesmo sentido, tem-se o art. 11, VII, que considera ato de improbidade a conduta consistente em "revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço".
Todas as restrições á liberdade de expressão, mencionadas no item anterior, têm um alicerce comum: são pontuais e condizentes com os fins almejados pelo legislador e os valores que se buscou preservar. Em nenhum momento, o agente público foi proibido de falar, mas, tão-somente, teve uma pequena parcela de sua liberdade restringida em prol de valores em muito superiores a ela, havendo uma nítida adequação entre meios e fins.
Na senda das restrições, cumpre transcrever o art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82, in verbis:
"Art. 159. Além das proibições decorrentes do exercício de cargo público, aos membros do Ministério Público é vedado especialmente: (...)
IV. manifestar-se por qualquer meio de comunicação a respeito de assuntos pertinentes ao seu ofício ou á Instituição, bem como sobre a atuação funcional de qualquer dos membros, salvo quando autorizado pelo Procurador-Geral;"
À luz do preceito acima, editado á sombra de um regime ditatorial e que vedou aos membros do Ministério Público a possibilidade de conceder entrevistas aos meios de comunicação a respeito de assuntos concernentes ao seu ofício, questiona-se: qual é o direito que se buscou preservar com essa restrição á liberdade de expressão? Certamente não é a imparcialidade dos membros do Ministério Público, pois, sempre que atuam na condição de dominus litis, sua visão dos fatos sub judice encontra-se estampada na petição inicial. Do mesmo modo, não é a intimidade de quem quer que seja, pois a vedação não é direcionada ao sigilo de um fato e, sim, á pessoa do Promotor de Justiça, vale dizer, o fato podia ser revelado por qualquer um, menos pelo membro do Ministério Público.
Uma norma confeccionada sob a égide de um regime de exceção, em geral, não anda de braços dados com a lógica do razoável. Para não fugir á regra, o art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82 padecia desse vício, o que é constatado a partir da leitura do art. 158, XIII, do mesmo diploma legal, in verbis:
"Art. 158. Os membros do Ministério Público devem ter irrepreensível procedimento na vida pública e particular, pugnando pelo prestígio da Justiça, velando pela dignidade de suas funções e respeitando a dos magistrados e a dos advogados.
Parágrafo único. é dever dos membros do Ministério Público. (...)
XIII. observar sigilo funcional quanto á matéria dos procedimentos que tramitam em segredo de justiça;" (grifo nosso).
Considerando que o art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82 vedava unicamente manifestações em meios de comunicação e o art. 158, XIII, somente impunha o sigilo funcional quanto á matéria dos procedimentos que tramitavam em segredo de justiça, chega-se á conclusão de que o Promotor de Justiça podia falar livremente pelas ruas, praças e avenidas sobre todas as matérias dos procedimentos em que atue, desde que não tramitassem em segredo de justiça, mas vedado lhe era falar á imprensa. Assim, não bastasse o fato de a restrição á liberdade de expressão dos membros do Ministério Público não encontrar justificativa na necessidade de preservação de outro direito12 , tinha-se outra incoerência, que não negava suas raízes ditatoriais, época em que a publicidade dos atos estatais era mera utopia. Em suma, a proibição era manifestamente irrazoável.
Evidentemente, conforme deflui do exposto nos parágrafos anteriores, não se sustenta que o art. 159, IV, da Lei Complementar nº 28/82 era integralmente inconstitucional. Os membros do Ministério Público, considerados em sua individualidade, não têm legitimidade para representar a Instituição em seu aspecto coletivo, o que justificava a exigência de autorização do Procurador-Geral de Justiça para que concedessem entrevistas que pudessem vir a ser valoradas como a postura oficial do Ministério Público em relação a determinado assunto. Do mesmo modo, afigurava-se nitidamente salutar a exigência de prévia autorização para que pudessem emitir manifestações a respeito da atuação funcional de outros membros, o que evitaria críticas recíprocas e preservaria o princípio da unidade, fim igualmente objetivado pela vedação anterior. Esta parte da norma, alias, era em muito semelhante ao disposto no art. 36 da Lei Complementar nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura), apresentando uma clara relação de proporcionalidade entre meios e fins.
Por restringir um direito fundamental sem qualquer justificativa, explícita ou implícita, o art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82 estava em frontal dissonância da Constituição da República de 1988, não tendo sido integralmente recepcionado. Por tal razão, desde o dia 5 de outubro de 1988 inexiste vedação a que os membros do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro se manifestem por qualquer meio de comunicação a respeito de assuntos pertinentes ao seu ofício. Essa orientação, aliás, há muita está assentada no seio da Instituição, onde todos são dispensados, pelo Procurador-Geral de Justiça, de solicitar qualquer tipo de autorização para a concessão de entrevistas á imprensa em geral.
Além de ter o direito á liberdade de expressão, o membro do Ministério Público, como agente público que é, tem o dever de ser transparente, o que inclui a obrigação moral de expor aos meios de comunicação todos os atos praticados no exercício de suas funções, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo. Por óbvias razões, não raras vezes, a simples conduta de informar o conteúdo de uma peça processual já será suficiente para desagradar ao réu em um processo criminal ou a um agente público intitulado de ímprobo. Aqui, no entanto, o direito individual cede lugar á liberdade de expressão e á liberdade de imprensa, máxime quando os fatos versam sobre a malversação do dinheiro público e inexiste qualquer vedação, legal ou judicial, a tal conduta.
Em adendo á primeira conclusão parcial exposta ao término do capítulo anterior, podem ser acrescidas outras duas:
a) o art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82, que restringia, de forma desarrazoada, a liberdade de expressão dos membros do Ministério Público, não foi integralmente recepcionado pela Constituição de 1988;
b) os membros do Ministério Público têm plena autonomia para conceder entrevistas a qualquer meio de comunicação, sobre atos próprios de seu ofício, independentemente de autorização do Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, o que é decorrência de seu direito á liberdade de expressão.
Ainda sob a ótica dos direitos fundamentais, dispõe o art. 5º, LX, da Constituição que "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem". O preceito constitucional não deixa margem a dúvidas: a regra é a publicidade dos atos processuais. Ao legislador, no entanto, foi outorgada a liberdade de ponderar, de um lado, a necessidade de publicidade dos atos estatais e, do outro, a intimidade e o interesse social, sendo-lhe permitido restringir aquela em benefício destes. A restrição, no entanto, deve observar padrões de proporcionalidade, os quais serão passíveis de sindicação pelo Poder Judiciário.
Por estar em plena harmonia com o texto constitucional, deve ser transcrito o art. 155 do Código de Processo Civil, in verbis:
"Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I- em que o exigir o interesse público;
II- que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.
Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito ás partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite".
Considerando que o art. 155 do Código de Processo Civil é aplicável aos processos instaurados a partir de ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público (art. 19 da Lei nº 7.347/85: "Aplica-se á ação civil pública, prevista nesta Lei, o Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, naquilo em que não contrarie suas disposições"), é possível dizer que eventual segredo de justiça somente poderia ser imposto pelo juízo a partir da constatação de que o interesse público exigia tal providência. Tal, no entanto, dificilmente ocorrerá naqueles em que o Erário tenha sido lesado, pois certamente melhor resguarda o interesse público a possibilidade de a população acompanhar o processo e o julgamento daqueles que são acusados de malversação do dinheiro público.
Partindo-se da premissa de que determinado processo não está tramitando em segredo de justiça, não se vislumbra qualquer irregularidade na conduta daquele que venha a divulgar o seu conteúdo a terceiros. Note-se, no entanto, que divulgar não guarda identidade com comentar ou opinar. Àquele que simplesmente reproduz, de forma literal ou não, o que dos autos consta, jamais poderá ser imputada a prática de um ato ilícito; já aquele que emitir opinião pessoal a respeito de determinado processo poderá ser responsabilizado pelos excessos que venha a praticar a partir do exercício de sua liberdade de expressão.
Situação diversa será vislumbrada se o membro do Ministério Público não adotar qualquer providência em relação a determinado fato e narrar aos meios de comunicação a prática de possíveis ilícitos praticados por certa pessoa. Neste caso, o membro do Ministério Público não se limitaria a reproduzir o conteúdo de uma investigação ou de um processo judicial de natureza eminentemente pública, terminando por avançar no terreno das impressões subjetivas a respeito da conduta de outrem, o que o tornaria responsável pelos excessos que viesse a praticar.
Chega-se, aqui, á quarta conclusão parcial: as informações contidas em um processo judicial, que não tramite sob segredo de justiça, podem ser expostas a terceiros, inclusive pelos membros do Ministério Público.
Mais uma vez invocando os denominados direitos fundamentais, cumpre dizer que a Constituição da República, em seu art. 5º, IX ("é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença"), veicula outra norma que garante a liberdade de expressão do pensamento. Neste preceito, coexistem, lado a lado, a liberdade de expressão e a liberdade de informação, as quais são essenciais á própria consecução do ideal democrático.
Além de assegurar o direito á liberdade de informação, de natureza eminentemente positiva, a Constituição também consagra um direito negativo, consistente no dever de o Estado, ressalvadas as exceções constitucionais, abster-se de restringi-la ("art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço á plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV...").
Os veículos de comunicação somente poderão ter a sua liberdade de informação restringida quando tal for necessário á preservação de outros valores constitucionais, restrição esta que não pode ultrapassar o estritamente necessário. Poderá a lei, verbi gratia, estabelecer meios de defesa das pessoas e das famílias quanto aos programas de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, I a IV, da Constituição, como o respeito aos valores éticos e sociais dos cidadãos (art. 220, § 3º, da Constituição).
Consagrada a liberdade de informação, não poderia ser oposto qualquer óbice á atividade dos meios de comunicação social que decidiram divulgar o conteúdo de um processo que versa sobre ilícitos imputados a determinada pessoa. Acresça-se a isto que aos membros do Ministério Público é assegurada a liberdade de expressão, o que tornaria igualmente lícita a conduta do Promotor de Justiça que viesse a conceder entrevistas a respeito de processo judicial que não tramite em segredo de justiça. Se é lícita a publicação e o Promotor de Justiça, agindo no exercício de um direito constitucionalmente assegurado, concorre para a prática de um ato lícito, onde estaria a ilicitude?
De atos lícitos não pode resultar ilicitude. Neste sentido, vale lembrar a aguçada percepção de Norberto Bobbio14 : "se abstraio da espécie animal obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas".
A quinta e a sexta conclusões parciais são as seguintes:
a) é lícita a divulgação, pelos meios de comunicação social, do conteúdo da ação ajuizada pelo Ministério Público em face de determinada pessoa, desde que não tramite em segredo de justiça;
b) sendo lícita a publicação, ao Promotor de Justiça que, no exercício de sua liberdade de expressão, concorre para a sua prática, não pode ser atribuída nenhuma ilicitude.
Como disséramos no limiar deste estudo, a valoração da legitimidade de qualquer restrição á liberdade de expressão dos membros do Ministério Público pressupõe a elucidação de algumas proposições básicas, que foram objeto de análise específica no decorrer da exposição, resultando nas conclusões parciais abaixo relacionadas:
a) A liberdade de expressão é um direito fundamental.
b) O art. 159, IV, da Lei Complementar Estadual nº 28/82, que restringia, de forma desarrazoada, a liberdade de expressão dos membros do Ministério Público, não foi integralmente recepcionado pela Constituição de 1988.
c) Os membros do Ministério Público têm plena autonomia para conceder entrevistas a qualquer meio de comunicação, sobre atos próprios de seu ofício, independentemente de autorização do Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, o que é decorrência de seu direito á liberdade de expressão.
d) As informações contidas em um processo judicial, que não tramite sob segredo de justiça, podem ser expostas a terceiros, inclusive pelos membros do Ministério Público.
e) É lícita a divulgação, através dos meios de comunicação social, do conteúdo da ações ajuizadas pelo Ministério Público.
f) Sendo lícita a publicação, ao membro do Ministério Público que, no exercício de sua liberdade de expressão, concorre para a sua prática, não pode ser atribuída nenhuma ilicitude.
45. Esperamos, ao final, que tantos quantos prezam a liberdade - valor indissociável de uma sã existência dos seres humanos15 - insurjam-se, de forma veemente, contra qualquer tentativa de restringi-la sem um correlato e inequívoco benefício social - entenda-se por benefício social aquele que alcança a coletividade em sua integridade, não os arautos da ilicitude que muito prezam o anonimato e dele em muito dependem. Se excessos forem detectados, múltiplos são os mecanismos existentes para a punição do infrator, os quais em nada se confundem com a desarrazoada e arbitrária restrição de um direito fundamental. Restringir a liberdade de expressão com a farisaica explicação de que se busca prevenir uma prática ilícita é o mesmo que conferir ares de normalidade a uma determinação que proíba a comunicação entre as pessoas para que possíveis ofensas não possam ser proferidas. Devemos lembrar, ainda, que hoje a restrição alcança os membros do Ministério Público, mas, amanhã, a quem alcançará?16
Notas de rodapé convertidas
1 Cf. Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1985.
2 Cf. STF, Pleno, MS nº 22.164-SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ de 17.11.95, p. 39.206.
3 Direitos Humanos Fundamentais, 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 57.
4 Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p.355.
5 1ª ed., Rio: Lumen Juris, 2002, pp. 55/56. A 2ª parte da obra, relativa aos aspectos processuais, é de autoria de Rogério Pacheco Alves.
6 Como frisou Robert Alexy (in Teoria de los derechos fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, p. 111), as três máximas fundamentais que informam o princípio da proporcionalidade, adequação, necessidade (postulado do meio mais benigno) e proporcionalidade em sentido estrito (postulado de ponderação propriamente dito) são logicamente inferidas da própria natureza do princípio, dele se deduzindo.
7 Op. Cit. pp. 264/265.
8 O Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional e Administrativo da Alemanha, trad. de Ingo Wolfgang Sarlet, Revista Interesse Público nº 2/99, 1999.
9 Der Grundsatz, p. 581, apud, Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 330.
10 Teoría de los derechos fundamentales ..., p. 92.
11 Cf. Robert Alexy, op. cit., p. 94.
12 "A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" (art. 18, 2, da Constituição portuguesa).
13 Segundo Karl Larenz (in Metodologia do Estudo e da Pesquisa, p. 586), "o Tribunal Constitucional Federal (Alemão) dá claramente uma prevalência valorativa, mesmo frente a outros direitos fundamentais, aos direitos de liberdade de opinião e de liberdade de informação, por causa do seu significado, pura e simplesmente constitutivo, para a convivência democrática".
14 Teoria do Ordenamento Jurídico, Brasília: UNB, 1989, p. 159.
15 Na profunda percepção de Miguel de Cerbantes, imortalizada nas palavras de Don Quijote, "la liberdad (...), es uno de los más preciosos dones que a los hombres dieron los cielos; com ella no pueden igualarse los tesoros que encierra la tierra ni el mar encubre; por la liberdad así como por la honra, se puede y debe aventurar la vida, y por el contrario, el cautiverio es el peor mal que puede venir a los hombres" (Don Quijote de la Mancha, 1ª ed., São Paulo: Editora Scipione, 2001, p. 112).
16 "Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada." (Eduardo Alves da Costa, trecho do poema "No caminho com Malakóvski" apud Eros Roberto Grau, Lei Municipal Inconstitucional, Recusa do Prefeito Municipal á sua Execução, RDP nº 88/89).
Autor:
Emerson Garcia
emersongarcia814[arroba]hotmail.com
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