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O ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

 Impende-nos observar, ainda, que não coincide exatamente com a tese que ora defendemos a jurisprudência firmada pelo Colendo Supremo Tribunal Fedeal no RE El. No. 90.296/1-PA, sendo Relator o Eminente Ministro CUNHA PEIXOTO, Recte, o Movimento Democrático Brasileiro- MDB e Recdos, Aliança Renovadora Nacional- ARENA e ALOYSIO DA COSTA CHAVES (Vox Legis, 125, Maio 1.979, seção III, pp. 28- 35), haja vista que se limitou a considerar constitucional, no particular, o Decreto-lei no.1.542/77, para fixar em três meses  o prazo de desincompatibilização de Governador de Estado para concorrer ao Senado Federal, no pleito de   15.11.1.978. (decisão- não conheceram, unanimemente. Votou o Presidente – Tribunal Pleno, 10.11.1.978)

O Movimento Democrático Brasileiro- MDB, seção do Pará, impugnou o registro da candidatura, pela Aliança Renovadora Nacional- ARENA, do ex-Governador ALOYSIO DA COSTA CHAVES, para o Senado Federal, por eleição direta, sob o fundamento de que o referido candidato não se desincompatibilizara dentro do prazo de seis meses anteriores ao pleito de 15.11.1.978, nos termos do art. 151, parágrafo único, alínea "b", da Emenda Constitucional nº 1/69. A impugnação foi acolhida pelo Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Pará, que entendeu ser inconstitucional, nessa parte, o Decreto-lei nº 1.542/77. Interposto recurso para o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral, foi o mesmo provido, em acórdão que teve a seguinte ementa:

‘É de três meses o prazo de desincompatibilização de Governador de Estado, para concorrer ao Senado Federal, quer em eleição direta, quer pelo sufrágio do Colégio Eleitoral, contado o prazo regressivamente, da data do respectivo pleito (LC nº 5/70, art.2º, §2º, na redação dada pelo art. 1º do Decreto-lei nº 1.542, de 14.04.1.977)".

O Movimento Democrático Brasileiro, não se conformando com essa decisão, interpôs recurso extraordinário, com fundamento no art. 119, inciso III, alíneas "a" e "d", combinado com o art. 139 da Constituição Federal. O Ilmo. Sr. Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Em. Ministro RODRIGUES DE ALCKMIN, deferiu o apelo excepcional e o Dr. Procurador-Geral da República pronunciou-se pelo não conhecimento do recurso.

Em seu voto, o em. Min. CUNHA PEIXOTO entende que a Lei Complementar Nº  5, de 29 de abril de 1.970, optou pelo prazo de seis meses, mas o Decreto-lei nº 1.542, de 14 de abril de 1.977, preferiu fixar em três meses esse prazo e se esse Decreto-lei foi editado pelo Presidente da República, no exercício da função legiferante, durante o recesso do Congresso Nacional, na conformidade do § 1º do art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1.968, o nome atribuído ao diploma legal passou a não ter nenhum valor jurídico e assim o Decreto-lei n9 1.542/77 derrogou, na parte sob exame, a Lei Complementar no. 5/70, prevalecendo, para a desincompatibilização, o prazo de três meses:

"Não tem qualquer importância o fato de estar o de no. 1.542/77 denominado de Decreto-lei e não de Lei Complementar. É sabido que o "nomen juris", em Direito, não tem nenhuma importância. Ora, a diferença, no Brasil, entre lei constitucional, complementar e ordinária, encontra-se apenas no "quorum" necessário, no Poder Legislativo, para sua aprovação. Nos termos da Emenda Constitucional no. 1/69, a aprovação de reforma constitucional dependeria do voto de dois terços do Congresso; de maioria absoluta para a lei complementar e simples para a terceira hipótese. A Emenda Constitucional no. 7 modificou o "quorum" da primeira também para a metade mais um dos membros do Congresso Nacional. Se, entretanto, a atribuição da promulgação de leis concentra-se na mão de uma única pessoa, a diferença nos termos da Constituição Brasileira não tem razão de ser e, conseqüentemente, desaparece".

Não concordamos, "data venia", com o raciocínio supra. Diga-se, na oportunidade, que foi a Emenda Constitucional nº 8 que modificou o "quorum" da reforma constitucional para maioria absoluta, que em nosso entender corresponde a mais de metade da totalidade dos membros da casa, ou "ao número de votos imediatamente superior à metade da totalidade de votos que devem ser computados", segundo MÁRIO GUIMARÃES, ilustrado ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal.

Mas não concordamos porque, para nós, LEI é o ato normativo aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, regular em face do padrão de regularidade jurídica, a Constituição Federal, enquanto que a norma, qualquer que seja seu "nomen juris", editada pelo Presidente da República com fundamento no §1º do art. 2º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1.968, não poderá jamais ser confundida, quer com uma lei ordinária, quer com uma lei complementar, quer com uma Emenda Constitucional, mesmo porque essas normas estão excluídas de qualquer apreciação judicial (art. 11 do Ato Institucional nº 5/68). O Decreto-lei nº 1.542/77 não era, portanto, uma Lei Complementar, mas um Decreto-lei de categoria especial, completamente diverso do Decreto-lei previsto no próprio texto da Constituição de 1.967. Essa a razão pela qual entendemos que o Decreto-lei nº 1.542/77 devia prevalecer sobre a Constituição Federal e o prazo de três meses por ele fixado deveria ser acatado pelo Judiciário, mas não pelas razões apontadas e sim porque ao Judiciário não era dado apreciar a regularidade de suas normas.

O em. Min. Relator foi acompanhado, entretanto, em seu entendimento, de que o Decreto-lei nº 1.542/77 se limitou a revogar, em parte, a Lei Complementar nº 5/70, pelos em.Ministros DÉCIO MIRANDA, SOARES MUÑOZ e XAVIER DE ALBUQUERQUE, sendo que o primeiro, em seu voto, procurou provar que a Emenda Constitucional nº 8 revogou o parágrafo único do art. 151 da Constituição Federal antes de editar, com liberdade, a lei complementar sobre inelegibilidade, prevista no "caput" do art. 15, que ficara de pé:

"No exercício dessa atribuição de legislar sobre todas as matérias, o Poder Executivo editou um Decreto-lei que, na verdade, é uma Lei Complementar. Legislando sobre matéria de lei complementar, ou legislando sobre matéria de lei ordinária, o Poder Executivo, no recesso, não emite pessoalmente leis complementares e leis ordinárias; emite decretos-leis com força de lei complementar ou de lei ordinária.

Expedindo o Decreto-lei no. 1.542, de 14.04.1.977, com força de lei complementar, o que fez simultaneamente com a legislação de ordem constitucional consubstanciada nas Emendas nos. 7 e 8 - parece-me evidente que este decreto-lei indica o pensamento do legislador constituinte do recesso, quanto ao conteúdo da Emenda Constitucional no. 8, contemporaneamente promulgada.

Esta legislação constitucional, editada no recesso, não haveria de conter regras contrárias àquelas fixadas no Decreto-lei, manifestação explícita desse poder legislativo genérico. Isso me leva à conclusão de que, forçosamente, o Poder Executivo investido, então, dos poderes de legislar sobre todas as matérias, revogou o parágrafo único do art. 151 do anterior texto constitucional, e simultaneamente editou, com liberdade, a lei complementar sobre inelegibilidade, prevista no "caput" do art. 151, que ficara de pé.

Demonstração material desta assertiva encontra-se no texto da Emenda Constitucional no. 8, que ressalvou com linha pontilhada a subsistência dos incisos I, II e III, mas não contém linha pontilhada a indicar a permanência do parágrafo único".

Não nos passou desapercebida, contudo, a preocupação dos Ilustrados Julgadores da Colenda Corte, de desconhecer a existência da norma jurídica revolucionária supra-constitucional, cuja aplicação tornaria desnecessárias todas as tentativas exegéticas destinadas a compatibilizar o espírito da Constituição, os princípios constitucionais de um Estado de Direito e a manutenção da independência do Poder Judiciário, duramente atingida pelos atos de exceção, com as normas jurídicas institucionalizadoras da Revolução vitoriosa, porque  afinal o Ato Institucional nº 5/68, hierarquicamente, se sobrepunha à Constituição que denominamos permanente. Essa norma, à qual já nos referimos anteriormente, é a do art. 11 do Ato Institucional nº 5/68:

"art. 11- Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos".

A REVOGAÇÃO DA LEGISLAÇÃO REVOLUCIONÁRIA

A subversão de nosso Direito Público, a que nos referimos, com a vigência concomitante de duas ordens constitucionais, a permanente, consubstanciada na Constituição Federal, cuja vigência ficava temporariamente suspensa naquilo em que conflitasse com os Atos Institucionais, e a temporária, representada pela própria legislação revolucionária, que se destinava, justamente, a ser transitória e que seria revogada pelo próprio Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, quando fosse considerada desnecessária (art. 182 parágrafo único da Constituição de 1.967, redação da Emenda Constitucional nº 1/69), levou afinal ao maior de todos os absurdos jurídicos, exatamente o da revogação dos Atos Institucionais e Complementares, naquilo em que contrariassem a Constituição Federal, pelo art. 3º da Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1.978.

Somente o completo desconhecimento da distinção entre Poder Constituinte Originário e Poder Reformador poderia ter levado à edição dessa Emenda Constitucional, que aliás fere o disposto na própria Constituição Federal, cujo art. 182, parágrafo único, nas Disposições Transitórias, apontava a maneira jurídica pela qual deveria ser revogada a legislação revolucionária e devolvido o País ao Estado de Direito e à completa normalidade democrática.

A partir de 19 de janeiro de 1.979, data do início de vigência da Emenda Constitucional nº 11/78, conseqüentemente, inverteu-se a situação anterior, de modo que a Legislação Revolucionária é que passou a vigorar somente naquilo em que não conflitasse com a Constituição Federal vigente, isto é, com a Constituição de 24 de janeiro de l.967, já profundamente alterada pelas Emendas Constitucionais posteriores, especialmente pelas Emendas Constitucionais nºs 1, 7 e 8.

Esse o quadro de nosso Direito Público que se pretende agora reestruturar, mas ao que se observa, teremos outra tentativa fadada ao malogro, quer pela desobediência a um processo jurídico regular, quer pela ausência de sinceridade de propósitos de alguns dos reformadores ou daqueles que não se contentam com uma reforma e desejam a todo custo "uma nova Constituição",embora elaborada por uma "Constituinte" destituída de legitimidade, sem que saibam explicar o motivo pelo qual uma simples reforma constitucional não seria satisfatória.

DOIS TERÇOS OU MAIORIA ABSOLUTA

A Constituição Federal de 18 de setembro de 1.946 tratava da reforma constitucional no art. 217, "verbis":

"art. 217- A Constituição poderá ser emendada:

.............................................................................

§1º- Considerar-se-á proposta a emenda, se for apresentada pela quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados no decurso de dois anos, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros;

§2º-Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em duas discussões pela maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em duas sessões legislativas ordinárias e consecutivas;

§3º- Se a emenda obtiver numa das Câmaras, em duas discussões, o voto de dois terços dos seus membros, será logo submetida à outra; e, sendo nesta aprovada pelo mesmo trâmite e por igual maioria, dar-se-á por aceita;

§4º- A Emenda será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Publicada com a assinatura dos membros das duas Mesas, será anexada, com o respectivo número de ordem, ao texto da Constituição;

§5º- Não se reformará a Constituição na vigência do estado de sítio;

§6º- Não serão admitidos como objeto de deliberação projetos tendentes a abolir a Federação ou a República".

 Deflui da norma transcrita a criação, pelo Constituinte Originário (Assembléia Constituinte, reunida após a deposição de GETÚLIO VARGAS e o fim do Estado Novo), de um Poder Constituinte Instituído, ou Poder Reformador, como quer que o denominemos, mas que é, evidentemente, subordinado, secundário e condicionado, devendo respeitar as limitações jurídicas traçadas pelo Constituinte originário.

Sob a vigência do art. 217 da Constituição de 1.946, portanto, o Congresso Nacional poderia, no exercício da função constituinte derivada, reformar nosso Estatuto Supremo, mas não poderia, por exemplo, fazê-lo durante a vigência do estado de sítio (§5ºdo art. 217), nem para abolir Federação ou República (§6º do art. 217) nem, muito menos, segundo a unanimidade da Doutrina, para reformar o próprio art. 217, o que por si só é tão evidente, que tomamos a liberdade de nem discutir, neste trabalho.

No exercício dessa função reformadora, o Congresso Nacional editou seis Emendas Constitucionais, antes do Movimento Revolucionário de 1.964, que representando "o interesse e a vontade da Nação", conforme declarado no Preâmbulo do Ato Institucional de 9 de abril de 1.964, se investiu no exercício do Poder Constituinte e manteve em vigor a Constituição de 1.946, com as modificações constantes desse Ato Institucional, entre outras as de seu art. 3º:

"art.3º- O Presidente da República poderá remeter ao Congresso Nacional projetos de emenda da Constituição.

Parágrafo único- Os projetos de emenda constitucional, enviados pelo Presidente da República, serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de trinta dias a contar do seu recebimento, em duas sessões, com o intervalo máximo de dez dias, e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso".

Desde então, o Congresso Nacional passou a ter sua função constituinte derivada juridicamente limitada pelas normas do referido Ato Institucional, conforme já se observa na Emenda Constitucional nº 7, de 22 de maio de 1.964, promulgada "nos termos do art. 3º. do Ato Institucional e art. 217, §4º, da Constituição Federal", aliás sintomaticamente suspendendo a "vigência do §34  do art. 141 da Constituição Federal, na parte em que exige a prévia autorização orçamentária para a cobrança de tributo em cada exercício".

Mas a Revolução não estava concluída e tendo em vista que " agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada   teimam, entretanto, em se valer do fato de haver ela reduzido a curto tempo o seu período de indispensável restrição a certas garantias constitucionais e já ameaçam e desafiam a própria ordem revolucionária" e considerando que o Poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs" (Preâmbulo do Ato Institucional nº 2/65), decidiu editar em 27 de outubro de 1.965 esse Ato, que também alterou o processo de reforma constitucional, conforme disposto em seu art. 2º:

"art. 2º- A Constituição poderá ser emendada por iniciativa:

I-                  dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II-               do Presidente da República;

III-            das Assembléias Legislativas dos Estados.

§1º- Considerar-se-á proposta a emenda se for aprersentada pela Quarta parte, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, por mensagem do Presidente da República ou por mais da metade das Assembléias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros.

§2º- Dar-se-á por aceita a emenda que for aprovada em dois turnos, na mesma sessão legislativa, por maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

§3º- Aprovada numa, a emenda será logo enviada à outra Câmara, para sua deliberação".

Também neste caso, é evidente que o processo de reforma constitucional, isto é, os limites para a ação do Congresso Nacional, no exercício de sua função constituinte derivada, ou Poder de Reforma Constitucional, na expressão de NELSON DE SOUSA SAMPAIO, foi alterado pelo Poder Constituinte Originário, insuscetível de limitação jurídica e até mesmo de apreciação judicial, nos termos do art. 19 desse Ato Institucional.

O art. 21 desse Ato Institucional estabelecia, ainda, como norma transitória (até 15 de março de 1.967, vide art. 33), que  "os projetos de emenda constitucional enviados pelo Presidente da República serão apreciados em reunião do Congresso Nacional, dentro de trinta dias e serão considerados aprovados quando obtiverem, em ambas as votações, a maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso" enquanto que as disposições do art. 2º, já transcrito, deveriam ser definitivamente incorporadas à Constituição Federal, nos termos do art. 29 do Ato Institucional nº 2/65, "verbis":

"art. 29- Incorpora-se definitivamente à Constituição Federal o disposto nos arts. 2º a 12 do presente Ato".

Impende-nos ressaltar, na oportunidade, que as normas institucionalizadoras da Revolução deixaram ao Presidente da República uma dilatada margem de arbítrio, enfraquecendo o Legislativo e o Judiciário Federais, bem como anulando, na prática, a autonomia dos Estados-membros da Federação. Conviveram duas ordens jurídicas, a da Constituição permanente e a da legislação revolucionária e a verdade é que o próprio Presidente da República, em diversas oportunidades, conforme já observamos a respeito das "normas de abril", chegou a "reformar" a Constituição Federal através de decretos-leis, exatamente porque, sob a vigência do Ato Institucional nº 2, cujo art. 30 permitia ao Presidente da República "baixar atos complementares do presente, bem como decretos-leis sobre matéria de segurança nacional", tendo ficado excluídos de apreciação judicial os atos baixados com fundamento nesse Ato Institucional (art. 19), ficou evidente que a inexistência do controle jurisdicional em relação a esses atos deixava o Presidente da República numa posição incontrastada de árbitro supremo da conveniência e oportunidade de toda e qualquer alteração constitucional considerada necessária à continuidade da obra revolucionária.

Editado mais um Ato Institucional (nº 3, de 5 de fevereiro de 1.966) e inúmeros Atos Complementares, finalmente o Governo Revolucionário, através do Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1.966, convocou o Congresso Nacional para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de l.966 a 24 de janeiro de 1.967, para discutir, votar e promulgar o projeto de  Constituição apresentado pelo Presidente da República. (art. 1º e § 1º)

Em vigor a Constituição de 24 de janeiro de 1.967, seus arts. 50 a 52 assim dispunham sobre a elaboração das emendas constitucionais:

"art. 50- A Constituição poderá ser emendada por proposta:

I-                  de membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II-               do Presidente da República;

III-            de Assembléias Legislativas dos Estados.

§1º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República.

§2º- A Constituição não poderá ser emendada na vigência de estado de sítio.

§3º- A proposta, quando apresentada à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal, deverá ter a assinatura da quarta parte de seus membros.

§4º- Será apresentada ao Senado Federal a proposta aceita por mais de metade das Assembléias Legislativas dos Estados, manifestando-se cada uma delas pela maioria dos seus membros.

"art. 51- Em qualquer dos casos do art. 50, itens I, II e III, a proposta será discutida e votada em reunião do Congresso Nacional, dentro de sessenta dias a contar do seu recebimento ou apresentação, em duas sessões e considerada aprovada quando obtiver em ambas as votações a maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso.

"art. 52- A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem".

A Emenda Constitucional nº  1/69, à qual já nos referimos, para observar que se tratava não de uma Emenda, mas de uma nova Constituição, outorgada pelo Poder Constituinte Originário, cujo titular é o povo e de que se investira a Revolução, alterou também o processo de reforma constitucional, objeto de seus arts. 47 a 49:

"art. 47- A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I-                  de membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II-               do Presidente da República;

§1º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a Federação ou a República;

§2º- A Constituição não poderá ser emendada na vigência de estado de sítio;

§3º- No caso do item I, a proposta deverá ter a assinatura de um terço dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal.

art. 48- Em qualquer dos casos do artigo anterior, itens I e II, a proposta será discutida e votada em reunião do Congresso Nacional, em duas sessões, dentro de sessenta dias, e havida por aprovada quando obtiver, em ambas as votações, dois terços dos votos dos membros de suas Casas.

art. 49- A Emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem".

A Emenda Constitucional nº  8, de 14 de abril de 1.977, também outorgada ("pacote de abril", decretado o recesso do Congresso Nacional pelo Ato Complementar nº 102, de 1º de abril de 1.977), mais uma vez alterou o processo de reforma, dando a seguinte redação aos arts. 47 e 48 da Constituição Federal:

"art.47- ................................................................

I-                  de membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; ou

      .......................................................................

  §3º- No caso do item I, a proposta deverá ter a assinatura de um terço dos membros da Câmara dos Deputados e um terço dos membros do Senado Federal.

art. 48- Em qualquer dos casos do artigo anterior, a proposta será discutida e votada em reunião do Congresso Nacional, em duas sessões, dentro de noventa dias a contar de seu recebimento, e havida por aprovada quando obtiver, em ambas as sessões, maioria absoluta dos votos do total de membros do Congresso Nacional".

INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 22/82

A Constituição de 1.946 estabelecia, dentre outros limites jurídicos destinados a disciplinar a atuação do Congresso Nacional como órgão incumbido de exercer a função constituinte derivada (Poder Reformador), que as Emendas Constitucionais seriam aprovadas pelo voto de dois terços dos membros de cada Casa (art. 217, § 3º).

Com a Revolução de 1.964, o Ato Institucional nº 1, permitindo que o Presidente da República remetesse ao Congresso Nacional projetos de emenda à Constituição, dispôs que estas seriam aprovadas por maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso (art.3º).

 O Ato Institucional nº 2/65 também alterou o processo de elaboração das emendas constitucionais, mas manteve a maioria absoluta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 2º, § 2º).

A Constituição de 1.967, em seu art. 51, exigiu a maioria absoluta dos votos dos membros das duas Casas do Congresso para a aprovação das propostas de Emenda Constitucional.

A Emenda Constitucional nº 1/69 (na realidade, não uma Emenda, mas um Ato Revolucionário), em seu art. 48, passou a exigir a maioria qualificada de dois terços dos votos dos membros de suas Casas.

Da mesma forma, a Emenda Constitucional nº 8/77, também outorgada e insuscetível de apreciação judicial, alterou o processo de reforma, passando a exigir maioria absoluta dos votos do total de membros do Congresso Nacional.

A Emenda Constitucional nº 22/82, contudo, foi elaborada pelo Congresso Nacional, o que a nosso ver a torna insubsistente, continuando a vigorar o texto constitucional conforme constante da Emenda Constitucional nº 8/77 (na realidade, não uma Emenda Constitucional, mas um Ato Revolucionário), porque o Congresso Nacional, Poder Reformador, no exercício de sua função constituinte derivada, não poderia, a nosso ver, reformar o próprio processo de reforma fixado na Constituição pelo Constituinte Originário, ou o Congresso Nacional passaria a se confundir com o próprio Poder Constituinte Originário, insuscetível de limitação jurídica.

Isso tudo nos parece por demais evidente. Afinal, se distinguimos o Poder Constituinte Originário (criador) e o Poder Constituinte Derivado (reformador) e dizemos que o Poder Constituinte Derivado sofre limitações jurídicas, como poderia este Poder modificar essas limitações jurídicas? Desnaturadas, não mais poderiam ser consideradas limitações.

Como poderia validamente o Congresso Nacional, que deve obedecer a todo um processo de elaboração, constitucionalmente fixado, para a aprovação das Emendas Constitucionais, modificar essas mesmas regras constitucionais? Seriam, então, simples normas regimentais.

Se isso fosse constitucionalmente regular, deveríamos então reconhecer a inexistência de qualquer distinção entre o Poder Constituinte Originário e o Poder Constituinte Derivado. Se o processo de elaboração das emendas constitucionais pode ser livremente modificado, isso poderá ser utilizado, conforme a conveniência política do momento (e o tem sido), para facilitar ou para dificultar a reforma constitucional. O Partido Político da situação, sempre que se sentir ameaçado de perder sua hegemonia, será levado a dificultar esse processo, exatamente para evitar que a Oposição possa aprovar emendas constitucionais.

Essa não nos parece ser a melhor opção, nem jurídica nem politicamente, pelo que nela se contém de desprestígio para o Congresso Nacional, cada vez mais distanciado de sua verdadeira missão constitucional.

A Emenda Constitucional nº 22/82 é, pelo exposto, flagrantemente inconstitucional, cabendo ao Judiciário, por via de ação ou por via de exceção,  declarar sua inconstitucionalidade, para revigorar o texto anterior, que permite a reforma por maioria absoluta do total de membros do Congresso Nacional.

O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

 Conforme pode ser deduzido de todo o exposto, de nada valerão uma Constituição perfeita e leis altamente democráticas, se não pudermos exigir do Estado a prestação jurisdicional, o reconhecimento, a garantia e a efetivação de nossos direitos.

Sob o enfoque constitucional, de nada adiantará afirmarmos que nossa Constituição é rígida e somente poderá ser reformada pelo Congresso Nacional, de acor do com o processo estabelecido, se não tivermos um Poder Judiciário capaz de controlar a regularidade das leis e dos atos normativos do Poder Público, em face do Estatuto Supremo, a Constituição, exatamente sua missão mais importante e, especialmente, capaz de controlar a regularidade das próprias Emendas Constitucionais face à Constituição Federal.

Se o Judiciário não efetuar esse controle, qualquer provimento hierarquicamente inferior poderá prevalecer sobre a Constituição dita suprema, resultando na prática em uma total flexibilidade da mesma, no sentido de que pode ser reformada sem qualquer dificuldade, pelo mesmo processo da legiferação ordinária.

O Congresso Nacional (ou qualquer outro órgão, dependendo do momento histórico) atuará, conseqüentemente, como uma Constituinte contínua, porque não será constrangido a obedecer a qualquer limite jurídico, a quando de sua atuação como órgão legiferante, exatamente pela inefetividade das limitações constitucionalmente impostas.

A atribuição, ao Poder Judiciário, da competência para negar aplicação às leis que contrariem a Constituição, considerada como suprema e tomada como padrão da regularidade jurídica, é criação do constitucionalismo norte-americano, com raízes na história constitucional britânica, tendo surgido duas modalidades de controle: por meio de exceção, alegada a inconstitucionalidade no decorrer de qualquer processo, ou por via de ação, tomada a inconstitucionalidade como fundamento do "jus petendi", de modo a tornar possível o ataque a uma lei inconstitucional, antes mesmo que esta entre em vigor, evitando assim que a lei nula e írrita chegue a lesar direitos dos jurisdicionados.

Mais recentemente, surgiu nos Estados Unidos um terceiro método de controle jurisdicional da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público: o da ação declaratória.

No Brasil, com todas as naturais deficiências, temos apenas o primeiro processo, porque o controle por via de ação encontra uma barreira quase intransponível no Procurador-Geral da República, cabendo assim às partes alegar, perante qualquer juiz ou Tribunal, a inconstitucionalidade da lei que, se fosse regular, deveria ser aplicada para dirimir o caso concreto, nos moldes de nosso sistema de jurisdição difusa, embasado no princípio de que, sendo a lei inconstitucional um abantesma jurídico, nenhum órgão judicante poderá aplicá-la, sob pena de conferir efeitos jurídicos a um ato nulo e não apenas anulável.

Por essa mesma razão, também os Tribunais de Contas têm competência para apreciar a constitucionalidade das leis (Súmula do Supremo Tribunal Federal, nº 347-"O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público"), embora, evidentemente, caiba sempre recurso (quanto aos Tribunais de Contas, empregado o termo em sentido amplo, haja vista que não pertencem ao Judiciário) ao Poder Judiciário,  nos termos do art. 153, §4o., da vigente Constituição Federal, que consagra o princípio do judiciarismo e a deliberação definitiva sobre a matéria incumba ao Supremo Tribunal Federal, a cuja decisão pela inconstitucionalidade (por maioria absoluta, Constituição Federal, art. 116) seguir-se-á a suspensão da lei ou do decreto, pelo Senado Federal, através de Resolução (art. 42, VII, da Constituição Federal).

A respeito da chamada ação direta de declaração de inconstitucionalidade (matéria de intervenção federal), interpretando a Lei no. 2.271, de 22 de julho de 1.954, o Professor ALFREDO BUZAID, em sua brilhante monografia "Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro", afirma:

"O Procurador-Geral da República age motu proprio (art.1o.- "toda vez que tiver conhecimento da existência de ato..."), ou mediante provocação (art. 1o., parágrafo único: "Havendo representação de parte interessada, a qual deverá ser em duas vias, o ato argüido de inconstitucional será submetido pelo Procurador-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal, dentro de noventa dias, a partir do seu recebimento"). Um exame superficial pode levar a crer que o Procurador, havendo representação da parte interessada, deva sempre e necessariamente arguir a inconstitucionalidade. (grifamos) Mas essa interpretação não se compadece com  a natureza de sua função. O Procurador-Geral da República só deve arguir a inconstitucionalidade, quando disso estiver convencido. Sua missão não é a de mero veículo de representações. Recebendo a manifestação do interessado, o Procurador-Geral da República a estudará, apreciando se tem ou não procedência. Convencendo-se de que o ato argüido é inconstitucional, proporá a ação; em caso contrário, determinará o arquivamento".

Hoje, vinte e cinco anos depois, parece-nos, "data venia", que essa não era a melhor solução, porque os jurisdicionados ficaram sem um instrumento jurídico que lhes permitisse uma defesa célere e menos custosa contra os atos inconstitucionais, porque o Procurador-Geral da República se transformou em árbitro supremo da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público, somente suscitando a apreciação do Supremo quando "convencido" da inconstitucionalidade.

Assim, temos visto, em inúmeras oportunidades, o aumento desmedido do número de processos judiciais, em todo o Brasil, a respeito de determinadas matérias, como por exemplo os inúmeros mandados de segurança impetrados contra o Banco Central do Brasil, em que se alega, entre outras coisas, a inconstitucionalidade do Decreto-lei no 1.783/80, quando poderia ser muito mais simples e efetivo para a defesa dos direitos lesados (sem falar na economia pana a administração, obrigada a pagar advogados, com diárias e viagens inúmeras, nem na excessiva sobrecarga da Justiça Federal Comum, obrigada a decidir milhares de processos idênticos) a argüição da inconstitucionalidade diretamente perante o Supremo Tribunal Federal.

Em nosso entendimento, portanto, se o Procurador-Geral da República não concorda com a retirada daquele ato da ordem jurídica, deve contestar, em seu Parecer, os argumentos pela inconstitucionalidade e tentar demonstrar a higidez desse provimento, mas deve arguir a inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, que terá assim devolvida sua missão axial de guardião supremo da Constituição.

Em abono de nossa tese, desejamos citar a opinião de nosso saudoso catedrático, Dr. ORLANDO CHICRE MIGUEL BITAR, que em suas aulas, há vinte anos, criticava a exegese de BUZAID, embora reconhecendo os méritos de sua brilhante monografia:

"Então, a Lei 2.271 veio apenas regulamentar ordinariamente a faculdade que estava no parágrafo único do art. 8o. da Constituição:

"art. 1o.- Cabe ao Procurador-Geral da República, toda vez que tiver conhecimento da existência de ato que infrinja algum dos preceitos assegurados no art. 7o., inciso VII da Constituição Federal, submeter o mesmo ao exame do Supremo Tribunal Federal".

O Procurador-Geral da República é o Chefe do Ministério Público da União. Como diz o Professor BUZAID, ele age aqui como um substituto processual. O substituto processual, como é o tutor, como é o pai, como é a mãe quando esta tem o pátrio poder, como é o curador, é uma pessoa que age em nome próprio, porém representando interesse alheio. O menor de dezesseis anos não pode entrar em juízo. Então, o seu representante legal é que virá, porém representando o seu interesse, como o curador representa o interesse do curatelado, como o tutor representa o do pupilo. Então, ele será um substituto processual. O Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público da União, representa a sociedade, representa a ordem jurídica perante os Tribunais e ele é que vem zelar para que não prevaleça um ato inconstitucional de um Estado.

Diz o Professor BUZAID que o Procurador-Geral poderá deixar de submeter o caso ao exame do Supremo, se ele preliminarmente se convencer da constitucionalidade. Nós achamos que a linguagem do art. 1o. e parágrafo único é muito peremptória. Quem decide sobre a inconstitucionalidade é o Supremo. Seria transferir para o Procurador-Geral, sem possibilidade de um recurso para a instância superior, que não existe, a última palavra sobre a inconstitucionalidade, sobre a regularidade do ato. A Constituição diz que o Supremo decreta. A Lei 2.271 diz: Toda vez que o Procurador-Geral tiver conhecimento (nós já vamos ver como ele pode ter esse conhecimento), submeterá o caso ao Supremo, deve submeter ao Supremo, e o parágrafo único diz: será submetido pelo Procurador-Geral  ao Supremo Tribunal. Não achamos que esteja certo o Professor BUZAID, porque, por mais estranha que seja a alegação de inconstitucionalidade, quem vai dizer se o ato é constitucional ou inconstitucional, regular ou irregular, é o Supremo Tribunal.

Então, o Procurador-Geral tem noventa dias para submeter o caso ao Supremo. Dentro dos noventa dias, ele dará quarenta e cinco dias para a autoridade considerada infratora defender-se, alegar o que tiver a seu direito. Dentro desses noventa dias, então, correm os quarenta e cinco e com a justificação ou não, da autoridade infratora, o Procurador-Geral, fundamentadamente, submeterá o caso ao Supremo Tribunal Federal. Então, o Supremo Tribunal decidirá se há ou não há inconstitucionalidade por parte do ato estadual, adotando-se, diz o art. 4o, o rito do mandado de segurança, podendo haver embargos para o Tribunal Pleno, se a decisão não for unânime..." (a respeito do controle jurisdicional de constitucionalidade, nada melhor do que a obra de ORLANDO BITAR, "A Lei e a Constituição")

Diga-se ainda, a respeito, que o próprio Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal permite que o Procurador-Gera1 da República encaminhe, com parecer contrário, a argüição de inconstitucionalidade:

"art. 174, §1o.- Provocado por autoridade ou por terceiro para exercer a iniciativa prevista neste artigo, o Procurador-Geral, entendendo improcedente a fundamentação da súplica, poderá encaminhá-la com parecer contrário", mas caso este não o faça, nossa Colenda Corte tem jurisprudência firmada no sentido de que descabe reclamação da parte interessada (vide Reclamação no. 95/8-SP-Vox LEGIS 125, maio 1.979, seção III, pp. 3-7).

Nessa Reclamação, patrocinada pelo Professor JOSÉ FREDERICO MARQUES, que aliás em seu "Manual de Direito Processual Civil" defende a tese de que o Ministério Público, como dominus litis, somente representará quando entender que houve infringência da Constituição, o Supremo Tribunal Federal decidiu por  unanimidade que não caberia, na hipótese, a figura da avocação prevista no art, 119, I, "o", da Constituição Federal, não aceitando, assim, a argumentação do ilustre jurista, da qual excertamos o seguinte parágrafo:

"Se é verdade que o Dr. Procurador-Geral da República não está obrigado a representar (ou a enviar a argüição de inconstitucionalidade, com parecer em contrário, como prevê o Regimento), quando não se convencer da súplica que lhe foi endereçada, menos certo não é que lhe não cabe decidir (e, sobretudo, em caráter definitivo) a respeito da inconstitucionalidade de lei. Ora, trancando ab initio, por ato exclusivamente seu, o processo constitucional, malgrado de fácil demonstração a infringência da Lei Maior, o Dr. Procurador-Geral da República considerou constitucional o preceito legal impugnado, como de fato o considerou, segundo facilmente se verifica dos dizeres de seu pronunciamento a respeito da argüição de inconstitucionalidade que lhe foi apresentada.

Contra esse pronunciamento, de conteúdo decisório, é que se formula a presente reclamação, a fim de que o Supremo Tribunal possa exercer atribuição que é exclusivamente sua: a de julgar argüição genérica de inconstitucionalidade".

CONCLUSÕES

O Brasil precisa, agora, de um novo texto constitucional que resulte democraticamente do consenso popular e permita a fixação dos parâmetros jurídicos para a reconstrução nacional, evitando-se, tanto quanto possível, a repetição de velhas fórmulas democráticas inexequíveis, para que a Constituição escrita possa se assemelhar, o mais possível, com a Constituição real, isto é, com aquela que realmente vigora, porque os juízes e tribunais têm poder para efetivar.

Afinal, após todas as agitações e transformações jurídicas impostas pelas Revoluções, há que retomar pacificamente o trabalho de reconstrução nacional, para que o Brasil possa um dia deixar de ser o "País do Futuro".

Cessados os entrechoques de paixões políticas, vinganças e apetites de  mando, acima de tudo e de todos devem sobrepairar a RAZÃO, o DIREITO, a VERDADE e a JUSTIÇA, desprezados a força e a desordem.

Cremos , com RUI, 

"na liberdade onipotente; creio que neste regime, o único poder soberano é o Direito, interpretado pelos Tribunais; creio que a própria soberania popular tem limites insuperáveis nos princípios eternos, a que obedecem as Constituições livres; creio que a República decai, por ter abdicado na cegueira da força; creio que a Federação expiará, se continuar a desconhecer a Justiça; creio na Tribuna sem fúrias e na Imprensa sem restrições; creio na peersuasão e na tolerância, no progresso e na tradição, na competência e na disciplina. Antigo lidador da palavra, creio na consciência, na verdade e no Direito, desprezo a força e maldigo a desordem".

O Presidente da República, após manifestar-se favorável à reforma da Constituição, tem silenciado sobre o assunto, talvez por perceber que muitas das exigências da Oposição, de natureza institucional, ainda não poderiam ser satisfeitas, porque enfraqueceriam a margem de reserva do Poder necessária para que os militares cessem sua intervenção direta na vida política do País.

Os líderes políticos, igualmente, ainda não chegaram a um acordo a respeito do método a ser utilizado para a reestruturação de nosso Direito Público. Para a Oposição, seria indispensável a convocação de uma Assembléia Constituinte, problema superável, de acordo com a pregação do ilustre Professor AFONSO ARINOS DE MELLO FRANCO.

 A reforma, pura e simples, nos termos dos arts. 47 a 49 da Constituição Federal, com a redação que (inconstitucionalmente) lhes foi dada pela Emenda Constitucional nº 22/82 (quorum qualificado de dois terços para a aprovação das emendas constitucionais), não poderá ser efetivada pelo atual Congresso, porque nenhum Partido, nem mesmo o PDS com sua recente coligação com o PTB, conseguiria as maiorias necessárias, mesmo que houvesse relativo consenso a respeito das alterações desejadas, visando ao fortalecimento dos Poderes Constituídos, ao estabelecimento do primado do Poder Civil e à conseqüente revogação de todas as normas constitucionais vigentes que atentem contra nossa tradição constitucional, como, apenas para exemplificar, a virtual supressão das imunidades parlamentares, a exclusão de apreciação judicial em relação a diversos atos previstos na legislação revolucionária, a edição de decretos-leis sobre matéria tributária e a quase anulação do princípio da anualidade dos tributos.

 Também deveria, a nosso ver, ser estudada a possibilidade de reformar a Constituição Federal para que fosse terminantemente vedada toda e qualquer modificação nas normas eleitorais às vésperas dos pleitos, a exemplo do que ocorreu em 1.982, gerando os tristemente notórios "casuismos", que somente serviram para prejudicar o processo eleitoral, a credibilidade dos Partidos e a do próprio Governo. A matéria é constitucional, embora não inserida no texto de nossa Lei Magna, enquanto que outras, constantes da Constituição, estão a merecer imediato expurgo, por não encerrarem matéria constitucional e por terem resultado, freqüentemente, do interesse do Executivo Federal em cercear a atuação do Congresso Nacional.

Igualmente constitucional e da maior importância, embora não tenha merecido mais do que um artigo em nosso texto constitucional (e assim mesmo, deturpado pelas reformas), é a matéria pertinente ao controle da constitucionalidade das leis e atos do Poder Público e à técnica de sua decretação. Nossa vigente Constituição se limita a afirmar (art. 116) que "somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial (art. 144, V) poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público", repetindo quase o célebre art. 200 da Constituição de 18 de setembro de 1.946 e que suscitou controvérsia pertinente à competência do juiz singular em relação ao controle da regularidade das leis e atos do Poder Público em face da Constituição.

Entendemos que o assunto merece um tratamento detalhado em nosso texto constitucional, de modo a que fique claramente estabelecida:

a) a competência de qualquer juiz ou tribunal e a de qualquer órgão judicante (Tribunal de Contas) para negar aplicação a leis inconstitucionais, porque não se pode exigir que seja aplicada uma lei inexistente, nula e repugnante ao nosso padrão de regularidade jurídica, a Constituição. Ao contrário, o juiz ou Tribunal deverá ter reconhecido, não apenas o direito de declarar a inconstitucionalidade e deixar de aplicar a norma ao caso concreto, mas também o dever de fazê-lo, para resguardar a própria higidez de nosso ordenamento jurídico-constitucional;

b) a obrigatoriedade do encaminhamento das argüições de inconstitucionalidade, pelo Procurador-Geral da República, ao Supremo Tribunal Federal, sempre que suscitadas por qualquer interessado, cabendo ao Procurador elaborar parecer conclusivo a respeito da matéria, mas deixando ao Supremo Tribunal Federal a competência para decidir definitivamente a respeito.

c) a conseqüência da decretação ou declaração de inconstitucionalidade, com o detalhamento dos possíveis efeitos, de modo que a matéria seja fixada com toda a clareza e concilie a necessidade de segurança jurídica com a da pronta e eficaz assecuração dos direitos dos jurisdicionados.

Restaria ao Judiciário declarar a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 22/82 e ao Legislativo aprovar, por maioria absoluta, todas as reformas de que o Brasil necessita para sair da crise em que se debate, sendo contudo indispensável, a nosso ver, que o texto constitucional daí resultante considere que o Estado existe para o Homem e não o Homem para o Estado e que a Constituição seja respeitada, a todo transe, cabendo talvez, como medida extrema, consignar, em seu art. 1º, à semelhança da lei do Brasil-Colônia que proibia insurreições e deposição de autoridades, uma norma que expressamente determinasse que a Constituição é obrigatória para governantes e para governados, para o Executivo, para o Legislativo e para o Judiciário, para o Governo e para a Oposição, para patrões e para empregados, para os ricos e para os pobres !!!

BIBLIOGRAFIA

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BITAR, Orlando Chicre Miguel- A Lei e a Constituição- Alguns Aspectos do Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, dissertação para o Concurso da Cadeira de Direito Constitucional da Faculdade de Direito do Pará, Belém, 1.951, in Obras Completas de Orlando Bitar, Conselho Federal de Cultura e Departamento de Assuntos Culturais, Departamento de Imprensa Nacional, 1.978.

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BUZAID, Alfredo- Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, Saraiva, SP, 1.958.

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SIEYÈS, Emmanuel- Qu’est-ce que le Tiers État?, precedido do Ensaio sobre os Privilégios, trad. do Autor.

 

Fernando Lima

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Partes: 1, 2, 3


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