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São considerados fundamentais aqueles direitos inerentes à pessoa humana pelo simples fato de ser considerada como tal, trazendo consigo os atributos da tendência à universalidade, da imprescritibilidade, da irrenunciabilidade e da inalienabilidade. Não encontram sua legitimação em um texto normativo específico ou mesmo em uma ordem supralegal de matiz jusnaturalista, mas, sim, em uma lenta evolução histórica. O historicismo aqui referido, no entanto, não tem por fim afastar uma visão prospectiva das conquistas sociais. Visa, tão-somente, a estabelecer um elo de continuidade e sedimentação na evolução social, permitindo que direitos, liberdades e garantias conquistadas no passado sirvam de esteio àqueles do presente, e estes aos vindouros, concepção que permanece hígida ainda que a evolução de um instituto social possa apresentar dissonâncias entre os fins a serem alcançados em suas diferentes fases. A metodologia histórica, longe de mostrar a mera sucessão de fenômenos sociais, indica suas formas vitais, seu desenvolvimento e sua desaparição.
Costuma-se identificar três dimensões ou gerações de direitos fundamentais, as quais, não obstante sucessivas entre si, não excluem as anteriores, coexistindo harmonicamente. São os direitos individuais, os direitos sociais e os direitos de fraternidade, classificação que repete o ideário político da Revolução Francesa: liberté, egalité et fraternité. A primeira geração alcança os direitos individuais e políticos, que são verdadeiros direitos de defesa, impondo limites à ação estatal. Tais direitos foram consagrados no Bill of Rights of Virginia, de 12 de junho de 1776, fruto da Revolução Americana, na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789 e nas dez primeiras emendas à Constituição americana, que, após a ratificação por três quartos dos Estados da Federação, entraram em vigor em 1791. A segunda geração corresponde aos direitos sociais, econômicos e culturais, que exigem um facere do Estado, vale dizer, uma ação positiva com o fim de propiciar melhores condições de vida (lato sensu) à pessoa humana e diminuir as desigualdades sociais. Como marcos fundamentais dessa geração, podem ser mencionadas as Constituições do México de 1917 e a alemã de Weimar, esta de 1919. A terceira geração alcança os direitos difusos, que rompem a individualidade do ser humano para abarcar grande parcela do grupamento ou a própria espécie, do que é exemplo o meio ambiente - em síntese: são direitos despersonalizados, pertencentes a todos e, simultaneamente, a ninguém em especial.
Como derivação da própria necessidade de coexistência dos distintos valores por eles incorporados, tem sido voz corrente que os direitos fundamentais são princípios jurídicos, estando sujeitos ao tratamento lógico-jurídico dispensado a essa espécie normativa, daí decorrendo a possibilidade de ponderação, consoante as circunstâncias, para solver possíveis colisões entre dois ou mais princípios que incidam no caso.
No Brasil, a Constituição de 1934 previu um título específico para a ordem econômica, ali incluindo, pela primeira vez, os direitos sociais. Na Constituição de 1988, os direitos sociais foram previstos em capítulo próprio, havendo especial deferência aos direitos dos trabalhadores. Segundo o seu art. 6º, "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".
Além dos lineamentos intrínsecos que indicam a fundamentalidade de um direito, a sua inserção em uma Constituição rígida, com a conseqüente imposição de limites materiais à sua reforma ou supressão, é um indiscutível fator de indicação desse status. Atenta à importância e à essencialidade dos denominados "direitos e garantias individuais", a Constituição de 1988, em seu art. 60, § 4º, IV, os erigiu à condição de "cláusulas pétreas", insuscetíveis de qualquer modificação que venha a reduzir, de forma qualitativa ou quantitativa, o seu conteúdo.
Com isto, além das naturais limitações que se espraiam sobre o legislador infraconstitucional, cujo espaço de conformação é necessariamente limitado pela Constituição - concebida como o vértice da pirâmide normativa estatal, isto para utilizarmos a sugestiva imagem de Kelsen - também o poder de reforma terá a sua atividade confinada aos limites ali traçados. Assim, lhe é vedado conferir colorido constitucional a uma prescrição normativa que esteja em desacordo com as normas que o Constituinte ergueu à condição de núcleo imutável da Carta Política, o que é essencial à preservação das decisões político-fundamentais ali exaradas.
Os limites materiais do poder reformador derivam justamente desse núcleo imutável da Carta Política. Nessa perspectiva, os limites tanto podem ser explícitos, recebendo o designativo de "cláusulas pétreas", como implícitos ou imanentes. No que concerne aos últimos, que também buscam preservar as características essenciais da Constituição, apesar da ausência de uniformidade quanto ao seu exato alcance, a doutrina majoritária os acolhe.
Frise-se, no entanto, que a existência do poder reformador, cujos atos devem estar em harmonia com os limites materiais, formais, temporais e circunstanciais previstos na Constituição, é um imperativo de ordem lógica. Ainda que o texto constitucional passe ao largo de uma visão dirigente e programática, limitando-se a traçar as linhas estruturais do Estado, não raras vezes será necessário adequá-lo aos influxos sociais que passaram a nortear a sociedade após a sua edição. Apesar de a produção normativa ser primordialmente voltada para o futuro, sendo prospectiva por excelência, é indiscutível que, em dado momento, se esgotarão aquelas situações adredemente disciplinadas, tornando imperativa a regulamentação de outras mais, o mesmo ocorrendo em relação às mutações verificadas em tais situações.
Especificamente em relação aos direitos sociais, dentre os quais está o direito à educação, é indiscutível a existência de limites ao poder reformador. Os direitos sociais, apesar de não mencionados em sua literalidade pelo art. 60, § 4º, da Constituição de 1988, que somente se refere aos "direitos e garantias individuais", são meras especificações desses últimos. Os direitos ali referidos, em verdade, tanto aglutinam às liberdades individuais, que podem ser opostas ao próprio Estado, como o direito a prestações, que situa o indivíduo no pólo ativo de uma relação obrigacional instituída ex vi legis. Além disso, não se pode restringir a proteção constitucional ao rol de direitos previsto no art. 5º, preceito situado no Capítulo intitulado "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos" e que não exclui outros previstos no texto constitucional (v.g.: direitos políticos, limitações ao poder de tributar etc.). Essa conclusão, aliás, deflui da própria letra do parágrafo segundo do art. 5º: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Ainda que o reconhecimento dos direitos individuais e dos direitos sociais seja um elemento característico das diferentes mutações verificadas na evolução do Estado de Direito, transitando de uma perspectiva abstencionista (direitos de defesa) até alcançar o comprometimento com a implementação de determinado feixe de prestações, é indiscutível o seu papel comum na busca do bem-estar social, objetivo que ocupa o epicentro de qualquer estrutura estatal. Como observou Antônio Augusto Cançado Trindade, "as propostas 'categorias' de direitos (individuais e sociais ou coletivos), complementares e não concorrentes, com variações em sua formulação, podem ser propriamente examinadas à luz da unidade fundamental da concepção dos direitos humanos. Logo tornou-se patente que tal unidade conceitual - e indivisibilidade - dos direitos humanos, todos inerentes à pessoa humana, na qual encontram seu ponto último de convergência, transcendia as formulações distintas dos direitos reconhecidos em diferentes instrumentos, assim como nos respectivos e múltiplos mecanismos ou procedimentos de implementação".
A interpenetração entre os direitos individuais e os direitos sociais também pode ser visualizada na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução 41/128, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986, cujo art. 6, 2 dispõe que "todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes; atenção igual e consideração urgente devem ser dadas à implementação, promoção e proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais". Frise-se, ainda, que os direitos sociais, consagrados no próprio preâmbulo da Constituição Brasileira, possuem, em inúmeras ocasiões, características indissociáveis do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo ínsitos e inseparáveis do sistema de direitos consagrado no texto constitucional.
Assim, quer se analise a questão sob uma perspectiva explícita, entendendo estarem os direitos sociais incluídos sob a epígrafe dos "direitos e garantias individuais", quer seja valorada a matéria sob o prisma dos limites imanentes do poder reformador, os direitos sociais erigem-se como efetivos limites de ordem material. Nesse particular, entendemos que todos os direitos sociais consagrados no texto constitucional, ainda que não integrantes do denominado mínimo existencial, são alçados à condição de limites ao poder reformador. Consubstanciando decisões fundamentais do Constituinte, não se nos afigura legítimo prestigiar o designativo de direitos formalmente fundamentais, o que, em um País de insignificante tradição democrática, abriria um perigoso espaço de valoração para aqueles que ainda não se desprenderam das amarras do passado. Essa conclusão, aliás, resulta clara de uma interpretação teleológico-sistemática do texto constitucional, que busca estender e tornar efetivos os direitos ali consagrados, não restringi-los e reduzir a sua capacidade de penetração na realidade fenomênica.
Em decorrência da referida tendência à universalidade dos direitos fundamentais, têm sido intensificadas, a partir da Segunda Guerra Mundial, as iniciativas para se conferir um colorido normativo ao seu reconhecimento. A consagração do direito à educação, como não poderia deixar de ser, tem sido constantemente lembrada nos inúmeros tratados, cartas de princípios e acordos internacionais que buscam estabelecer a pauta de direitos consagradores da dignidade da pessoa humana. Para melhor ilustrar a exposição, realizaremos uma breve referência a alguns desses documentos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, dispõe, em seu art. XXVI, que: "1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos." Não obstante o flagrante desalinho entre a plasticidade de suas linhas e a ausência de qualquer obrigatoriedade jurídica aos Estados subscritores, pois a Declaração Universal não chega a ser um tratado, mostra-se inegável o papel por ela desempenhado na sedimentação do imperativo respeito aos valores que aglutina e, porque não, perpetua. Como veremos, somente em 1966, com a edição dos Pactos Internacionais, os princípios e as aspirações ali veiculados receberiam o colorido da vinculatividade em relação aos Estados que os ratificassem.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela Resolução XXX, da IX Conferência Internacional Americana, realizada em abril de 1948, na Cidade de Bogotá, dispôs, em seu art. XII, que: "Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios de liberdade, moralidade e solidariedade humana. Tem, outrossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade. O direito à educação compreende o de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acordo com os dons naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam proporcionar a coletividade e o Estado. Toda pessoa tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instrução primária". Também a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, aprovada na mesma ocasião, assentou, em seu art. 4º, que "todo trabalhador tem direito a receber educação profissionalizante e técnica para aperfeiçoar suas aptidões e conhecimentos, obter maiores remunerações de seu trabalho e contribuir de modo eficiente para o desenvolvimento da produção. Para tanto, o Estado organizará o ensino dos adultos e a aprendizagem dos jovens, de tal modo que permita assegurar o aprendizado efetivo de um ofício ou trabalho determinado, ao mesmo tempo em que provê a sua formação cultural, moral e cívica".
A Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959, dispôs, em seu princípio 7º, que "a criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se membro útil da sociedade."
A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação celebrou, em 14 de dezembro de 1960, a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino. A Convenção, dentre outras hipóteses, considerou o termo discriminação como abrangente de qualquer iniciativa que terminasse por: a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino; b) limitar a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo; e c) impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições incompatíveis com a dignidade do homem. Segundo o art. IV da Convenção, além de eliminar as formas de discriminação, os Estados Partes devem formular, desenvolver e aplicar uma política nacional que vise a promover a igualdade de oportunidade em matéria de ensino e, principalmente: "a) tornar obrigatório e gratuito o ensino primário; generalizar e tornar acessível a todos o ensino secundário sob suas diversas formas; tornar igualmente acessível a todos o ensino superior em função das capacidades individuais; assegurar a execução por todos da obrigação escolar prescrita em lei; b) assegurar em todos os estabelecimentos públicos do mesmo grau um ensino do mesmo nível e condições equivalentes no que diz respeito à qualidade do ensino dado; c) encorajar e intensificar, por métodos apropriados, a educação de pessoas que não receberam instrução primária ou que não a terminaram e permitir que continuem seus estudos em função de suas aptidões; d) assegurar sem discriminação a preparação ao magistério."
O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução nº 2.200-A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966, em seu art. 13, dispôs que: "1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 2. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: a) a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; c) a educação de nível superior deverá igualmente tornar-se acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; d) dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária; e) será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente (...)."
O Protocolo Adicional ao Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), também denominado de Protocolo de San Salvador, adotado no XVIII Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizado na Cidade de San Salvador, El Salvador, em 17 de novembro de 1988, dispôs, em seu art. 13, 3 que: "Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que, a fim de conseguir o pleno exercício do direito à educação: a) O ensino de primeiro grau deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente; b) O ensino de segundo grau, em suas diferentes formas, inclusive o ensino técnico e profissional de segundo grau, deve ser generalizado e tornar-se acessível a todos, pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito; c) O ensino superior deve tornar-se igualmente acessível a todos, de acordo com a capacidade de cada um, pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito; d) Deve-se promover ou intensificar, na medida do possível, o ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau; e) Deverão ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para os deficientes, a fim de proporcionar instrução especial e formação a pessoas com impedimentos físicos ou deficiência mental."
A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução XLIV da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989, em seu art. 28, dispõe que: "1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente: a) tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos; b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade; c) tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e por todos os meios adequados; d) tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças; e) adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar (...)".
Ainda no âmbito da Organização das Nações Unidas e de suas organizações especializadas, devem ser lembradas a Declaração Mundial de Educação para Todos, adotada na Conferência de Jomtien, na Tailândia, e a Declaração de Salamanca, adotada em 1994 pela UNESCO e que propõem, ressalvadas circunstâncias excepcionalíssimas, a matrícula de todas as crianças em escolas regulares.
A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, proclamada em 7 de dezembro de 2000 pelos órgãos comunitários (Parlamento, Conselho e Comissão), com o fim de conferir "maior visibilidade" aos "valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano", dispõe, em seu art. 14, que "todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua", acrescendo que "esse direito inclui a possibilidade de freqüentar gratuitamente o ensino obrigatório".
O grande número de declarações, tratados, pactos e convenções internacionais, em sua maioria multilaterais e celebrados com a intervenção de organizações internacionais, bem demonstra o esforço na sedimentação de determinados direitos inerentes ao homem, dentre os quais a educação básica. Ainda que o sistema apresente debilidades, pois referidos atos, em rigor técnico - além de admitirem reservas - só vinculariam os Estados subscritores, é inegável sua aspiração à universalidade, permitindo o paulatino reconhecimento da fundamentalidade de determinados direitos.
Na senda dos tratados internacionais, foi contínuo o processo de adequação dos ordenamentos nacionais aos novos influxos trazidos pelo processo de universalização dos direitos fundamentais. À guisa de ilustração, vale mencionar o exemplo espanhol, cuja Constituição, em seu art. 27, dispõe que: "1. Todos tienen el derecho a la educación. Se reconoce la libertad de enseñanza. 2. La educación tendrá por objeto el pleno desarrollo de la personalidad humana en el respeto a los derechos y libertades fundamentales. 3. Los poderes públicos garantizán el derecho que asiste a los padres para que sus hijos reciban la formación religiosa y moral que esté de acuerdo con sus propias convicciones. 4. La enseñanza básica es obligatoria y gratuita. 4. Los poderes públicos garantizán el derecho de todos a la educación, mediante uma programación general de la enseñanza, con participatión efectiva de todos los sectores afectados y la creación de centros docentes. (...)."
A Lei Geral de Educação de 1970 já havia estabelecido a obrigatoriedade e a gratuidade da educação básica. Posteriormente, a Lei Orgânica Espanhola nº 8, de 3 de julho de 1985 (com alterações posteriores, v.g.: Lei Orgânica nº 1, de 3 de outubro de 1990, que dispôs sobre a Ordenação Geral do Sistema Educativo), passou a regular o direito à educação. De acordo com o preâmbulo da Lei Orgânica nº 8, "la extension de la educacion basica, hasta alcanzar a todos y cada uno de los ciudadanos, constituye, sin duda, un hito historico en el progreso de las sociedades modernas. En efecto, el desarollo de la educación, fundamento del progreso de la ciencia y de la tecnica, es condicion de bienestar social y prosperidad material, y suporte de las libertades individuales en las sociedades democraticas. No es de extrañar, por ello, que el derecho básico, y que los estados hayan asumido su provision com un servicio público prioritario." Segundo o inciso 1 de seu art. 1º, "todos los españoles tienen derecho a una educación basica que les permita el desarrollo de su propia personalidad y la realización de una actividad util a la sociedad,. Esta educación será obligatoria y gratuita en el nivel de educación general básica y, en su caso, en la formación profesional de primer grado, asi como en los demas níveles que la ley establezca". Em seguida, no inciso 2, acrescenta: "todos, asimismo, tienen derecho a acceder a niveles superiores de educación, en función de sus aptitudes y vocación, sin que en ningun caso el exercicio de este derecho esté sujeto a discriminaciones debidas a la capacidad econômica, nivel social o lugar de residencia del alumno". O art. 6º, após enumerar um extenso rol de direitos dos educandos, reconhece, inclusive, o "derecho a protección social en los casos de infortunio familiar o accidente".
Na França, a alínea 13 do Preâmbulo da Constituição de 1946 já dispunha que "a nação garante o igual acesso das crianças e dos adultos à instrução, à formação profissional e à cultura. A organização do ensino público gratuito e laico em todos os graus é um dever do Estado". Dentre os inúmeros diplomas que trataram do ensino, merecem ser lembrados: a) a "Lei Guizot", de 28 de junho de 1833, que organizou o ensino primário e disciplinou a criação de estabelecimentos de ensino; b) a "Lei Falloux", de 15 de março de 1850, que consagrou a liberdade de ensino secundário; e c) as "Leis Ferry", que conferiram o formato hoje adotado no ensino público francês, assegurando a gratuidade (Lei de 15 de junho de 1881), a obrigação de matrícula escolar e a laicidade no ensino (Lei de 28 de março de 1882) e a atividade de coordenação a cargo do Poder Público (Lei de 30 de outubro de 1896). Atualmente, o Decreto 86-217, de 18 de setembro de 1986, reconhece a igualdade de acesso à instrução como um dos princípios fundamentais do serviço público; a Lei de 26 de janeiro de 1984 regula o ensino superior, que não é gratuito; a "Lei Haby", de 11 de julho de 1975, disciplina a educação em geral; e a Lei de orientação à educação, de 10 de julho de 1989, dispõe, em seu art. 1º, que "a educação é a primeira prioridade nacional". Diversamente do que se verifica em relação ao ensino superior, desde 1881 é assegurada a gratuidade do ensino primário e, desde 1927 (com produção de efeitos a partir de 1936), a do secundário.
Em Portugal, a Constituição de 1822 dispunha sobre a necessidade de existirem escolas suficientemente dotadas, "em todos os locais onde convier", sendo previstos nos demais textos constitucionais a gratuidade da instrução primária: art. 145, § 30, da Carta Constitucional de 1826; art. 28, I, da Constituição de 1838; art. 3o da Constituição de 1911, que dispunha, além da gratuidade, sobre a obrigatoriedade do ensino primário, sistema que foi repetido nas Constituições de 1933 (43, § 1o) e na atual (art. 74, 2, a, após as revisões de 1982, 1989 e 1997). A Constituição de 1976 ainda dedica todo um capítulo aos "direitos e deveres culturais", integrado pelos arts. 73 usque 79.
À fundamentalidade recebida do texto constitucional e de inúmeras convenções internacionais se associa o fato de o direito à educação estar diretamente relacionado aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, em especial com o da dignidade da pessoa humana. Nos parece claro que a efetividade do direito à educação é um dos instrumentos necessários à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; à garantia do desenvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais; e à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ainda que concebido como um direito social, ocupando a segunda geração acima enunciada, a efetividade do direito à educação é imprescindível à própria salvaguarda do direito à livre determinação. Com efeito, como se poderia falar na liberdade de um ser acéfalo e incapaz de direcionar seus próprios movimentos em uma sociedade de massas, cujas relações intersubjetivas, a cada dia mais complexas, exigem um constante e ininterrupto aperfeiçoamento? A educação, assim, não obstante considerada um direito social, é imprescindível à salvaguarda de um direito que, sob um prisma lógico-evolutivo, o antecede na formação do Estado de Direito: a liberdade. Direitos de primeira e de segunda gerações, como se constata, convivem de forma harmônica e indissociável.
O direito à educação, ainda que de forma tímida em alguns casos, foi previsto nos textos constitucionais pretéritos.
A Constituição do Império, em seu art. 179, dispunha que "a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: (...) 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos". Aqui já é possível divisar a estreita vinculação entre a instrução primária e a concreção de outros direitos de natureza constitucional, como os direitos políticos e a liberdade.
A primeira Constituição republicana fez referência ao direito à educação em seus arts. 35 e 72, § 6º. Em linhas gerais, dispôs sobre a obrigação do Congresso em "animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências", em "criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados" e em "prover a instrução secundária no Distrito Federal". Além disso, em sua Declaração de Direitos, dispôs que "será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos".
A Constituição de 1934, moderna e de vida efêmera, dedicou todo um capítulo à educação e à cultura, tendo reservado os arts. 148 usque 158 à matéria. Ali era estabelecida uma divisão de competências entre os entes federativos, assegurada a isenção de tributos aos estabelecimentos particulares de ensino que oferecessem gratuidade em seus serviços e fossem oficialmente considerados idôneos, garantida a liberdade de cátedra, previsto um percentual mínimo dos impostos a ser aplicado no sistema educativo e criada a obrigação de se manter fundos de educação, inclusive com o oferecimento gratuito, aos alunos necessitados, de "material escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica".
A Carta outorgada de 1937, consagrando um capítulo dedicado à educação e à cultura, reservou à matéria os arts. 128 usque 134. Foram mantidos alguns preceitos da Carta anterior e acrescidos outros. Garantiu-se à infância e à juventude o acesso ao ensino em todos os seus graus, priorizou-se o ensino pré-vocacional e profissional e, manteve-se a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário - mas foi prevista uma "contribuição módica e mensal" para aqueles que não alegassem escassez de recursos.
A Constituição de 1946, em linhas gerais, retomou e aperfeiçoou o sistema adotado em 1934, tendo surgido sob a sua égide a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Dentre outras disposições, consagrou a educação como direito de todos, assegurou a obrigatoriedade do ensino primário e acresceu que "o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos comprovarem falta ou insuficiência de recursos".
A Constituição de 1967 disciplinou a matéria em capítulo intitulado "Da Família, da Educação e da Cultura", que abrangia os arts. 167 usque 172, não tendo introduzido modificações substanciais.
A Emenda Constitucional nº 1/69 manteve as características do sistema anterior e acrescentou a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios no caso de não aplicação anual, no ensino primário, de 20% da receita tributária municipal. Esse percentual, aliás, terminou por ser alterado pela Emenda Constitucional nº 24/83, que o fixou em 13% para a União e 25% para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
A Constituição de 1988 dedicou toda uma seção ao direito à educação, sendo integrada pelos arts. 205 usque 214. Cada um dos entes federativos deve comprometer, anualmente, um percentual mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino: a União dezoito por cento e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento. O sistema atual atribuiu aos Municípios a atuação prioritária no ensino fundamental e infantil e aos Estados e ao Distrito Federal, também de forma prioritária, a manutenção do ensino fundamental e médio. Com isto, é possível afirmar que inexiste qualquer óbice a que tais entes federativos atuem em outros níveis de educação, o que, por óbvio, pressupõe o atendimento satisfatório nos níveis em que sua atuação seja prioritária.
Sendo a federação a forma de Estado adotada no Brasil, era necessário que, além das atribuições de ordem material, também a competência legislativa fosse disciplinada pela Constituição da República. Consoante o art. 22, XXIV, à União compete legislar, de forma privativa, sobre diretrizes e bases da educação nacional. De forma concorrente com os Estados e o Distrito Federal também lhe cabe, a teor do art. 24, IX, legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto. Neste caso, o parágrafo primeiro do referido preceito restringe sua competência à edição de normas gerais, que serão de observância obrigatória pelos demais entes federativos. Os Estados e o Distrito Federal também poderão exercer a competência legislativa plena, situação que perdurará até a superveniência da lei nacional, ocasião em que a eficácia da lei estadual será suspensa: é esse o conteúdo dos parágrafos do art. 24 da Constituição da República. Em que pese à obviedade, não é demais lembrar que inexiste hierarquia entre as normas emanadas dos diferentes entes federativos, mas, sim, uma divisão de competências.
Ainda sob a ótica da produção normativa, podem os Estados dispor sobre a matéria em suas respectivas Constituições. Devem, no entanto, observar os princípios constantes da Constituição da República (v.g.: aqueles previstos nos arts. 1º e 34). Daí se dizer que as Cartas Estaduais devem apresentar uma relação de simetria para com ela.
As obrigações do Estado em busca da concretização do direito à educação estão concentradas no art. 208 da Carta de 1988, in verbis:
"Art. 208 - O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola" (destaque nosso).
Como se constata, o Constituinte dispensou um tratamento nitidamente diferenciado ao ensino obrigatório, realçando que, além de dever do Estado, o que poderia soar como mera enunciação de uma norma programática, configura, independentemente de qualquer requisito etário, direito subjetivo da pessoa humana. Com isto, torna-se exigível a sua ampla e irrestrita efetividade. Essa norma indica, de modo insofismável, que, dentre as opções políticas estruturantes contempladas na Carta de 1988, o direito à educação fundamental foi considerado uma parcela indissociável de uma existência digna de tantos quantos vivam em território brasileiro, integrando o que se convencionou chamar de mínimo existencial.
As opções políticas do Constituinte, no entanto, não têm o condão de engessar o contínuo evolver de uma sociedade democrática e nitidamente pluralista. Respeitadas as decisões fundamentais consagradas na Constituição da República, nada impede a constante renovação da vontade popular, com a conseqüente expansão das concepções ideológicas outrora prevalecentes.
Nessa linha, foi editada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Trata-se de diploma avançado e que substituiu os antigos dogmas da doutrina da situação irregular pelo princípio da proteção integral da infância e da adolescência. Afastando quaisquer dúvidas sobre o alcance do Estatuto, dispõe o seu art. 3º que "a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade". Como se vê, o objetivo foi ampliar, em relação às crianças e aos adolescentes, o rol de direitos previsto no texto constitucional. Especificamente em relação ao direito à educação, o art. 54 do Estatuto repetiu, com pequenas alterações redacionais, os termos do art. 208 da Constituição da República.
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