Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Se atentarmos para a vitória apertada do voto pelo NÃO no último referendum — em 30 de outubro de 1995 — sobre a soberania do Quebec (50,6% vs. 49,4%), e observarmos as várias pesquisas de opinião que foram publicadas nos jornais mais ou menos de dois em dois dias, é interessante notar que o angulo a partir do qual a demanda quebequense alcança maior consenso na província é o que enfatiza a inadequação do tratamento que ela tem recebido de Ottawa ou do resto-do–Canadá, especialmente após o patriamento da Constituição, conforme mencionei acima. A liderança da campanha pelo NÃO foi a primeira a indicar que seu voto em favor da federação não significava uma aprovação do status quo constitucional. Na realidade, além das pessoas que votaram NÃO motivadas pelo medo do que poderia acontecer com a situação econômica delas em um Quebec independente, outros votaram NÃO na esperança de que um novo acordo constitucional fosse negociado com o Quebec no futuro próximo. Na mesma direção , minhas entrevistas e conversas informais com os atores sugerem que um sentimento similar também era encontrado entre aqueles que votaram pelo SIM. Isto é, muitos disseram que votaram SIM para fortalecer a demanda por reconhecimento do Quebec, mas que não estariam dispostos a apoiar uma eventual separação do Canadá. Neste sentido, embora haja segmentos soberanistas que vejam a inserção do Quebec no Canadá como um fator de limitação para o desenvolvimento socio-econômico da província, e estejam engajados numa disputa pelo poder, para a maior parte da população a insatisfação com o resto-do-Canadá seria produto de uma percepção de desconsideração, tematizada como uma agressão inaceitável.
Entendo a desconsideração, ou os atos de desconsideração, como o reverso do reconhecimento, assim como definido por Taylor (1994), e prefiro falar em desconsideração ao invés de falta de reconhecimento para enfatizar o insulto moral que se faz presente quando a identidade do interlocutor é indisfarçavelmente, e por vezes incisivamente, não reconhecida (veja a nota 8 acima). Isto é, o reconhecimento de uma identidade autêntica não é apenas uma questão de cordialidade em relação ao interlocutor, mas uma obrigação moral cuja não observância pode ser vista como uma agressão, ainda que não intencional, por parte daquele que nega a demanda de reconhecimento.
Taylor (1994) e Berger (1983) argumentam que, com a transformação da noção de honra em dignidade, na passagem do regime antigo para a sociedade moderna, a visão hierárquica do mundo é substituída por uma perspectiva igualitária e universalista, que tem como foco o indivíduo e dá suporte ao processo de implementação dos direitos de cidadania (civis, políticos e sociais). Nas comunidades/sociedades políticas democráticas, estes direitos viriam a ser, em tese, uniformemente compartilhados por todos os cidadãos.
Contudo, para Taylor, um desdobramento deste processo teria sido o surgimento de demandas por reconhecimento de identidades autênticas, cujo foco não estaria mais na afirmação daquelas características universalmente compartilhadas pelo atores, mas na valorização da singularidade representada na identidade de cada ator ou grupo social que demanda reconhecimento. Tal demanda traduziria bem a importância da percepção do que procurei caracterizar como substância moral das pessoas dignas na discussão acima sobre o Brasil, e traz uma série de dificuldades quando articulada como um direito de cidadania na medida em que se trata de um direito que, por definição, não seria universalizável. Além disso, o reconhecimento do valor ou mérito da identidade em pauta não pode ser instituído por decreto, pois supõe uma avaliação genuína daquele que reconhece e, portanto, não pode ser definido como um direito legal, ainda que seja razoável pensá-lo como uma obrigação moral.
O fato do valor ou mérito aqui tematizado estar dissociado de avaliações de desempenho, nas quais os atores competem em igualdade de condições, torna ainda mais difícil a fundamentação da demanda por reconhecimento à luz da ideologia moderna do individualismo, que nega a legitimação de qualidades intrínsecas ao grupo ou indivíduo no plano da cidadania. O valor ou mérito singular enquanto índice de distinção, nos moldes da honra, está restrito na sociedade moderna a atores cujas realizações constituem e são vistas como contribuições ou feitos excepcionais que, em princípio, estariam ao alcance de todos; como as medalhas olímpicas ou os prêmios acadêmicos, por exemplo.
A dificuldade de se atribuir valor ou mérito quando este está dissociado da análise de desempenho é correlata à invisibilização dos insultos à honra, assinalada por Berger (1983) em sociedades como a americana, na medida em que estes insultos não encontrariam respaldo imediato numa perda ou custo material, objetivo, fazendo com que não sejam percebidos como uma agressão real. Neste sentido, talvez pudéssemos dizer que a radicalização da idéia de igualdade, entendida como uniformidade, teria não apenas deslegitimado a hierarquia à la ancien régime, mas teria também descaracterizado o aspecto moral da dignidade, o qual havia sido herdado da noção de honra no primeiro momento de sua transformação em dignidade, marcado pelo processo de universalização de direitos.
Em qualquer hipótese, quando a demanda por reconhecimento não é satisfeita, como no caso do Quebec, sua ausência é vivida como uma negação da identidade do grupo minoritário e, portanto, como um ato de desconsideração. Além de contestar a visão dominante sobre democracia e cidadania no ocidente, segundo a qual apenas aquelas leis e direitos que afetam igualmente a totalidade dos cidadãos seriam legitimáveis na esfera pública e mereceriam obediência no espaço público, a demanda do Quebec é particularmente interessante por surgir numa sociedade que se orgulha de seu caráter pluralista e respeitador dos direitos individuais, sem deixar de ser solidária, como atestam as políticas sociais que têm garantido sucessivamente ao Canadá o título das Nações Unidas de país com melhor qualidade de vida no mundo. Como veremos, as dificuldades para um melhor equacionamento da identidade quebequense no Canadá são acentuadas pela distância entre as perspectivas do Quebec e do resto-do-Canadá não apenas no que concerne à unidade canadense, mas também em relação ao processo de formação do país, sobre o qual anglófonos e francófonos guardam memórias substancialmente diversas, as quais revelam concepções diferentes sobre o lugar das identidades coletivas na esfera pública.
Após 151 anos de colonização francesa o Quebec é tomado pelos ingleses em 1759, dando início às tensões entre francófonos e anglófonos no que viria a ser o Canadá.
Entretanto, o Ato do Quebec em 1774 daria tranquilidade aos colonos franceses, ao autorizar a manutenção da igreja católica, da tradição jurídica francesa (o código civil) e do francês como língua oficial. Neste contexto, quando a colonização inglesa é intensificada no final do século XVIII o território é dividido em duas províncias (1791), Alto-Canadá (Ontário) e Baixo-Canadá (Quebec), ocupadas respectivamente por anglófonos e francófonos, que podiam assim cultivar com autonomia suas tradições culturais. Esta situação de tranquilidade relativa entre as províncias seria fortemente abalada em 1840 quando, depois de reprimir a Revolta dos Patriotas em 1838-39, a Coroa Britânica institui o Regime do Ato da União, quebrando a autonomia das províncias e desenvolvendo uma política de assimilação da população de origem francesa. Tal política teria sido recomendada pela Relatório do Lord Durham, e perduraria até 1867 quando é criado o Domínio do Canadá, com o Ato da América do Norte Britânica, restabelecendo os direitos culturais e linguísticos do Quebec, e promovendo a legitimação da união entre as províncias de Ontário e Quebec, às quais se juntariam a Nova Scotia e o Novo Brunswick.
Como mencionei acima, o acordo celebrado em 1867 teria sido "quebrado", do ponto de vista do Quebec, com a patriamento unilateral (sem o consentimento do Quebec) da Constituição Canadense em 1982, e com a Carta de Direitos e Liberdades que foi anexada a ela. Ao mesmo tempo, com o advento da Revolução Tranquila no início dos anos 60, o Quebec experimentou um processo de profunda transformação, onde a modernização da província se deu de maneira articulada com mudanças significativas no movimento nacionalista, que colocou de lado sua posição tradicionalmente mais defensiva e assumiu uma perspectiva de Afirmação Nacional, sob o slogan de Maîtres chez nous (Mestres de nós mesmos). Agora, a percepção de minorização estimula suas lideranças políticas a desafiar sistematicamente o status quo institucional da província na Federação Canadense, e a identidade de franco-canadense dá lugar à de quebequense.
O início da Revolução Tranquila, com a eleição de Jean Lesage como Primeiro Ministro do Quebec em 1960, marca o final da era Duplessis, que representou dezenove anos de um governo muito conservador. Duplessis assumiu o governo pela primeira vez em 1936 e, com exceção de um curto período de governo liberal entre 1939 e 1944, se manteve no poder até sua morte em 1959.18 Se é razoável dizer que no Quebec língua, religião e identidade étnica são idéias ou instituições que estiveram sempre interligadas, sendo fortes símbolos do nacionalismo quebequense, durante o governo Duplessis estes símbolos não só representavam uma ênfase na cultura e na tradição como valores a serem cultivados, mas também caracterizaram uma orientação política com alto grau de conservadorismo (altamente retrógrada). De certa maneira, esta orientação ampliou a distância do Quebec em relação às províncias anglófonas. Pois, até então, o Quebec era uma província basicamente rural (com exceção de Montreal), que não investia em educação — atividade não valorizada por Duplessis — e que estava totalmente voltada para si mesma.19
Neste sentido, a Revolução Tranquila não só fez com que o nacionalismo quebequense se tornasse mais afirmativo e mais aberto ou inclusivo, dado que com a mudança da identidade franco-canadense para quebequense houve uma mudança de foco da dimensão étnica para a dimensão territorial do nacionalismo, mas também houve uma impressionante reviravolta de perspectivas em direção a uma orientação política mais progressista. A reviravolta ocorreu com a implementação de políticas sociais importantes nas áreas de educação, desenvolvimento urbano, e de equalização étnica do mercado de trabalho. Estas transformações, acompanhadas pelo fortalecimento do nacionalismo quebequense e de suas demandas à Federação, chamou a atenção de muitos analistas canadenses, segundo os quais quanto mais próximo o Quebec ficava do resto-do-Canadá no que concerne às condições de vida de sua população, assim como em relação à identidade com visões de mundo modernas e com os valores da democracia, maior era a distância entre quebequenses e outros canadenses acerca de suas percepções sobre os problemas constitucionais do país e as respectivas visões a respeito da Federação, ou sobre o significado da relação entre cidadania e identidades coletivas na esfera pública (e.g., Taylor 1993:155-186; Dion 1991:291-311).20` Talvez seja razoável dizer que a demanda por reconhecimento do Quebec não só constitui um pleito essencialmente moderno, que poderia encontrar suporte em argumentos liberais como Taylor sugere (1994), mas que os valores políticos modernos que motivam os quebequenses e fortalecem suas reivindicações são os mesmos que estimulam os anglófonos no resto-do-Canadá a rejeitar a demanda dos primeiros. Os dois lados valorizam o ideal de igualdade e o respeito aos direitos individuais, para não falar de suas preocupações com a questão da identidade, que cresceu muito no resto-do- Canadá com o agravamento da crise constitucional (ou da unidade canadense).21
Naturalmente, além de terem diferentes interpretações sobre a implementação de alguns destes valores compartilhados, o Quebec e o resto-do-Canadá mantém diferenças significativas no campo dos valores em outros contextos. De fato, a Carta Canadense de Direitos e Liberdades que provocou grande insatisfação no Quebec — como uma ameaça à língua e à cultura francesas —se tornou, no resto-do-Canadá, não só um símbolo de liberdade e de igualdade, mas um aspecto importante na identidade da cidadania canadense. Contudo, a despeito de diferenças de perspectiva e de posição política no que concerne aos contornos da esfera pública, as quais tendem a inviabilizar a construção de consensos e que são de difícil equacionamento numa argumentação, há sinais claros da existência de mal-entendidos de parte a parte. O que, tenho receio, não dá muita esperança para a efetivação de um acordo político a curto prazo.
Deste modo, os conflitos em torno da língua são aqueles onde os problemas de (in)compreensão são mais óbvios, aqueles cuja repercussão é mais ampla, e aqueles que têm o maior impacto na vida cotidiana das pessoas. Não obstante, como o relatório de Laurendeau acerca das atividades da Comissão Real Sobre Bilingualismo e Biculturalismo dá amplo suporte (Laurendeau 1990), os conflitos a propósito da língua tematizam apenas parte do problema. Isto é, mesmo admitindo que o problema da língua é o mais sensível e que ele não pode ser inteiramente dissociado de todos os outros aspectos envolvidos na demanda do Quebec por reconhecimento. Através destes conflitos sobre a língua as pessoas não estão, na realidade, apenas argumentando com visões diversas sobre a história canadense e concepções divergentes sobre a importância da língua e da cultura, mas elas estão expressando também perspectivas distintas sobre o significado social destas diferenças.
Um aspecto até certo ponto surpreendente sobre o debate constitucional no Canadá é o grau de divergência entre anglófonos e francófonos sobre o significado do acordo/composição celebrado em 1867. Isto é, a composição que viabilizou a criação formal do país. Como se trata de referência central para interpretar aspectos importantes da Constituição patriada em 1982 e simboliza a fundação do país — desempenhando papel especial na visão das pessoas sobre o Canadá, e na maneira através da qual elas se situam ai —, não é surpresa que uma divergência significativa aqui seja tão problemática.
Enquanto a leitura dominante sobre o acordo/composição de 1867, no Quebec, enfatiza a idéia de um país formado por duas nações e dois povos fundadores, com direitos e status iguais na esfera pública, no resto-do-Canadá a visão predominante é aquela que enfatiza a igualdade das províncias e de seus cidadãos, independentemente da origem étnica (nacional) dos mesmos.22 Do ponto de vista de muitos quebequenses, a rejeição no resto-do-Canadá de uma política de biculturalismo significou "o fim de um sonho canadense" (Laforest 1995). Entretanto, à primeira vista, ao mesmo tempo que cada leitura dá sustentação às respectivas posições no debate constitucional hoje em dia, a visão predominante no resto-do-Canadá parece ser mais aberta e mais sensível às demandas formais ou às necessidades previsíveis de todo e qualquer cidadão canadense.
Isto é, na medida em que ela permite maior liberdade de escolha, sem deixar de se comprometer em garantir proteção aos direitos básicos de todos os cidadãos.
Na realidade, esta visão não se distingue dos princípios afirmados na Carta de Direitos e Liberdades incorporada à Constituição em 1982, e representa a visão dominante sobre democracia e cidadania cultivada não apenas no Canadá, mas nas sociedades modernas ocidentais de uma maneira geral. Contudo, poder-se-ia articular boas razões no sentido de que tal supremacia argumentativa seria apenas aparente. De fato, se é possível demonstrar que a maior abertura, no plano formal, da visão prevalecente no resto-do-Canadá representa uma restrição substantiva no plano sociológico e estimula atos de desconsideração na vida cotidiana, poder-se-ia argumentar que, mesmo que a perspectiva quebequense tenha problemas similares, esta não poderia ser legitimamente (ou moralmente) descartada de imediato.
Apesar de ser predominante em apenas uma das quatro províncias que constituíram o Domínio do Canadá 1867, e de representar só 33% da população neste momento, os franco-canadenses tomaram o novo acordo ou composição como um compromisso institucional para com a proteção dos direitos linguísticos-culturais iguais de anglófonos e francófonos, enquanto membros das respectivas comunidades no país.
Mas, já em 1871 as províncias anglófonas começaram a impor limitações ao uso do francês como língua de ensino nas escolas públicas, e a Colômbia Britânica é incorporada à Federação sem reconhecer o francês como língua oficial.23 Comparando-se a situação dos francófonos fora do Quebec com a dos anglófonos dentro do Quebec a diferença é impressionante. Enquanto o investimento público em escolas francófonas no resto-do- Canadá é normalmente percebido como estando muito abaixo das expectativas das comunidades francófonas, e o ritmo de assimilação à língua e à cultura anglófonas tem sido muito rápido,24 Montreal tem um amplo e bem estruturado sistema público de ensino em inglês, além de oferecer um conjunto de hospitais e de outros serviços com atendimento bilíngue, o que permite aos anglófonos conduzir suas vidas exclusivamente em inglês. A falta de reciprocidade nesta área (importante) é tomada pelo Quebec como uma afronta aos francófonos no resto-do-Canadá. Isto é, ainda que não constitua um exemplo de discriminação direta e ilícita, tal situação traduz, aos olhos do Quebec, uma atitude inaceitável de desconsideração.
De fato, a situação linguística em Montreal é uma questão polêmica no Quebec, e foi um dos principais fatores motivando a promulgação da lei 101, em 1977, que regula a utilização do francês na província. Antes da promulgação da lei 101 a visão dominante era de que o inglês estava se tornando a língua dominante e que o francês corria sérios riscos de desaparecer, inicialmente em Montreal, e depois na província como um todo.
Nesta época o inglês não era apenas a principal língua no mundo dos negócios e do trabalho, mas era de longe a primeira opção dos imigrantes (uma comunidade que cresce rápido em Montreal) como língua de ensino, e até os francófonos pareciam estar sob "pressão" para optar pelas escolas de língua inglesa, dado que a língua de ensino poderia fazer uma grande diferença no mercado de trabalho. Neste sentido, durante minha pesquisa em Montreal (1995/1996) entrevistei alguns francófonos idosos, já aposentados, que não só se ressentiam do fato que o domínio precário do inglês teria limitado significativamente suas chances de promoção no emprego, mas que não podiam aceitar o fato de terem passado suas vidas obrigados a se comunicarem com (e seguir instruções de) seus chefes ou patrões numa língua "estrangeira" que eles não haviam escolhido, porque não havia oportunidade de empregos em francês. Ou seja, tiveram que enfrentar este constrangimento mesmo tendo passado suas vidas inteiras na província em que nasceram e sendo falantes nativos da língua falada pela maioria da população. Nos termos do debate linguístico, creio que poder-se-ia refrasear as reclamações destes francófonos aposentados assim: não se trata de querer proibir que as pessoas escolham a língua de ensino ou de trabalho, nós apenas gostaríamos de poder continuar optando por viver nossas vidas em francês! Isto é, mesmo que para isto seja necessário impor algumas restrições linguísticas à população do Quebec.
A lei 101 impõe três limitações principais ao uso do inglês (ou de outras línguas) no Quebec: (1) os filhos dos imigrantes, assim como as crianças canadenses cujos pais não estudaram em escolas de língua inglesa no Canadá,25 são obrigadas a se matricular em escolas de língua francesa; (2) a lei determina que o francês deve ser a língua de trabalho em empresas com mais de cinquenta empregados, as quais têm um prazo para se adaptar à situação; e, (3) proíbe os letreiros comerciais em outras línguas. A terceira limitação sempre foi a mais polêmica e, depois de ter sido derrubada pela Suprema Corte em junho de 1988, foi re-promulgada pelo Quebec sob a invocação da cláusula não obstante, que permite ao legislativo evitar as provisões da Carta de Direitos e Liberdades por um período de cinco anos. Ao mesmo tempo, o governo apresentou a lei 178 que mantém a proibição para letreiros comerciais externos, mas que permite letreiros bilingues internos. Em 1993 é criada a lei 86 que amplia e flexibiliza a legislação sobre os letreiros, que agora podem ser bilingues mesmo em área externa, desde que a segunda língua não ocupe mais da metade do espaço ocupado pelo francês no mesmo letreiro.
A promulgação da lei 178 motivou a criação do Partido da Igualdade (PI) em 1989, que ficou conhecido na mídia quebequense como partido-de-uma-só-questão, concentrando todos os seus esforços na demanda para que o bilinguismo oficial seja restabelecido na província. Isto é, o retorno à liberdade de escolha da língua de ensino, a exigência de que o governo ofereça serviços nas duas línguas oficiais do país, e a garantia de que qualquer acordo constitucional no futuro não deveria ameaçar as liberdades fundamentais (Legault 1992:53). Embora estas demandas não recebam mais tanto apoio dentro da comunidade anglófona de Montreal hoje em dia, como recebia quando o partido foi inicialmente formado,26 elas dão uma boa imagem do sentimento predominante no resto-do-Canadá sobre a lei da língua no Quebec.
Do ponto de vista do Partido da Igualdade a lei da língua nega a Carta de Direitos e Liberdades e estaria em desacordo com sua definição de uma esfera pública democrática, na medida em que discriminaria "ilicitamente" os cidadãos ao não tratá-los de maneira uniforme. Além da suspeita com relação a objetivos ou direitos coletivos, é esta dificuldade para legitimar o tratamento não-uniforme dos cidadãos em certas situações, ou em certos aspectos, que Charles Taylor identifica como a essência do "liberalismo de direitos" cultivado no resto-do-Canadá (Taylor 1994:60), e que seria incompatível com as aspirações dos quebequenses. Contra esta perspectiva, Taylor propõe um modelo de liberalismo que permite uma definição da vida boa a ser perseguida em comum, e que encontraria suporte em princípios liberais. Este modelo caracterizaria uma sociedade como liberal "através da maneira pela qual esta trata as minorias, inclusive aquelas que não partilham a definição pública da vida boa e, acima de tudo, pelos direitos concedidos a todos os seus membros" (Idem:59). Mesmo que não seja necessário ou adequado distinguir entre estes dois tipos de liberalismo para legitimar a demanda do Quebec, como Taylor sugere,27 esta demanda não é de fácil compreensão da perspectiva de uma democracia liberal moderna.
De acordo com a perspectiva dominante entre os anglófonos no resto-do-Canadá, a necessidade de proteger a língua e a cultura francesas não deveria prevalecer sobre a Carta de Direitos e Liberdades ou sobre o princípio de tratamento igual/uniforme a todos os cidadãos. Deste ponto de vista, parece que mesmo a alegada necessidade de proteção à língua e à cultura francesas no Quebec não seria inteiramente clara. Diferentemente do Quebec, o resto-do-Canadá sempre foi culturalmente mais diverso, com uma experiência muito mais longa e intensa no que concerne à recepção de imigrantes de todas as partes do mundo, e a influência (ou a identidade) britânica nunca foi tão forte e englobadora como a cultura francesa o foi no Quebec. Uma das dificuldades experimentadas por anglófonos fora do Quebec para aceitar a idéia de que o país teria sido formado por dois povos e duas nações é que eles não vêem os britânicos, que colonizaram o país, como merecedores de reconhecimento especial na comparação com outros que também ajudaram a construir o país. Na mesma direção, eles fazem uma distinção bem definida entre língua e cultura, e consideram o inglês como uma língua instrumental, utilizada para comunicação pública. Isto é, como uma língua comum para ser utilizada na vida pública, enquanto no universo doméstico os canadenses poderiam utilizar a língua falada por seus grupos étnico/nacionais, assim como poderiam cultivar as respectivas práticas ou tradições culturais. Nesta medida, o inglês, como língua pública, não seria identificado com nenhuma cultura ou tradição particular. Esta é a razão pela qual é tão difícil se obter apoio no resto-do-Canadá para uma política de biculturalismo. Pois, tal política seria vista como um privilégio ilegítimo e como uma discriminação injusta contra as pessoas que não se identificam com quaisquer das duas assim chamadas nações fundadoras.
Mesmo que esta separação radical entre língua e cultura não fosse problemática, ela não poderia fazer sentido no Quebec. Não só devido à grande integração entre língua e cultura na experiência dos franco-quebequenses, mas também porque a penetração do inglês na província é acompanhada pela forte influência da cultura anglo-americana.
Neste sentido poder-se-ia dizer que, do ponto de vista do Quebec, o que se encontra no resto-do-Canadá, sob a roupagem do multiculturalismo, é uma situação onde o inglês não está dissociado da cultura anglo-americana na esfera pública ou no mundo cívico, e onde outras culturas têm de fato apenas o direito formal de se expressar sem serem discriminadas. Da mesma forma, a política de multiculturalismo é percebida como tendo significado, de fato, a consolidação da primazia da cultura anglo-americana no país, em detrimento da pretensão de status igual da tradição francófona no Canadá, o que seria inaceitável. Além disto, não se deve esquecer que, até o início dos anos setenta, havia relatos de francófonos que afirmam ter sido discriminados de maneira insultante no próprio centro de Montreal. O principal exemplo de tais atos de discriminação, recorrente na literatura (e.g., Laurandeau 1990), é o abominável speak white! Segundo estes relatos, quando francófonos se dirigiam aos vendedores nas lojas do centro da cidade em francês, ouviam como resposta (uma ordem) speak white — ou fale (como) branco, fale inglês —, se quiserem ser atendidos.
A despeito do caráter excepcionalmente ofensivo do exemplo, ele revela uma conexão importante entre as dimensões coletiva e individual da identidade, permitindo uma melhor articulação da demanda por reconhecimento do Quebec — como um direito coletivo — com os direitos individuais dos cidadãos francófonos. A falta de reconhecimento é vivida como uma negação da própria identidade do indivíduo, não apenas enquanto membro de uma comunidade linguística/cultural, mas como pessoa.
Como indiquei acima, em conexão à minha discussão sobre discriminação cívica no Brasil, aqui também o fracasso em expressar a aceitação do valor/mérito ou da substância moral do ator significa uma rejeição da dignidade do cidadão e, portanto, um insulto moral. A maior diferença no caso do Quebec é que, ao contrário da situação no Brasil, os atos de desconsideração não estão normalmente associados a práticas de desrespeito aos direitos básicos de cidadania. O pano de fundo histórico-cultural e o contexto sociológico no Quebec são de tal ordem que, mesmo quando não há intenção de agressão, o simples fato de não demonstrar reconhecimento pode ser percebido como um ato de desconsideração. Seja no plano constitucional, quando o status de sociedade distinta é negado ao Quebec, ou na vida cotidiana quando perguntas dos francófonos são respondidas em inglês — ainda que com educação e respeito — por vendedores que não falam francês no comércio da West Island, transmitindo a idéia de que aqui também o inglês deveria ser a língua de comunicação pública. Nos dois casos, além da demanda pelo respeito ou pela implementação de direitos legais específicos, há uma demanda geral de tratamento apropriado, com o grau de consideração que seria legítimo qualquer cidadão esperar no espaço público ou na vida civil.
Neste sentido, uma das dificuldades para definir os atos de desconsideração como instâncias de comportamento ilícito é o fato destes fenômenos se revelarem melhor na atitude, que transmite uma intenção, do que nas ações dos agentes. Isto é, se pudermos distinguir analiticamente estas duas dimensões das ações sociais, como sugere Strawson:
"…Se alguém pisa na minha mão acidentalmente, enquanto tenta me ajudar, a dor não deve ser menos aguda do que se ele a pisa num ato de desconsideração ostensiva a minha existência, ou com um desejo malévolo de me agredir. Mas deverei normalmente sentir, no segundo caso, um tipo e um grau de ressentimento que não deverei sentir no primeiro…" (Strawson 1974:5).
Strawson está associando a experiência do insulto moral com sentimentos de ressentimento, na medida em que estes são motivados pelas intenções atribuídas ao interlocutor da parte insultada. Como Strawson argumenta convincentemente, o ressentimento da parte insultada se torna um sentimento de indignação moral na perspectiva de terceiros que testemunharam o evento (Strawson 1974:15), o que significa que a classificação dos respectivos atos como insultos morais pode ser intersubjetivamente compartilhada e, portanto, validada. É neste sentido que gostaria de propor que, apesar de não estar realmente sujeita à regulação jurídico-legal, a expressão de consideração pode ser interpretada como uma obrigação social (moral). De fato, na medida em que ela pode ser concebida como uma condição para a formação de uma identidade positiva, e como um aspecto importante no reconhecimento da dignidade do ator, a expressão de consideração poderia ser vista como um direito de cidadania que, em princípio, poderia ser esperado e fazer parte da experiência de todos.
Da mesma maneira, além das limitações de uma solução de ordem constitucional ou legal, não me parece que seja necessário caracterizar o ônus da prova de legitimar a demanda do Quebec por reconhecimento — para viabilizar a proteção da língua e da cultura francesas — em termos do valor axiomático da sobrevivência, cultivado pelos quebequenses, como Taylor sugere (1994:58). Como se esta fosse a única maneira de formular e de fundamentar a especificidade da demanda quebequense. Pois, em primeiro lugar, os constrangimentos externos enfrentados pela língua francesa no Quebec demonstram que, sem nenhuma legislação protetora, os quebequenses provavelmente ficariam sem poder optar por uma vida em francês em sua província. Em outras palavras, a liberdade formal para escolher entre o francês e o inglês pode significar, na realidade, uma imposição deste último. Em segundo lugar, se a negação do reconhecimento pode ser fundamentada como um ato de desconsideração, ou como um insulto moral, a demanda para evitá-lo deveria encontrar apoio no valor liberal-democrático moderno do tratamento igual e no caracter ilícito de atos de agressão unilaterais.
Contudo, a distância entre as perspectivas no debate constitucional envolvendo o Quebec e o resto-do-Canadá, ou entre as respectivas visões sobre a esfera pública, é muito significativa e dificilmente poderia ser superestimada. Não só devido às diferenças em suas experiências históricas e na interpretação do acordo de 1867 que criou o Canadá, conforme indicado acima, mas porque as respectivas visões sobre como a Federação funciona hoje em dia não são menos diferentes. Enquanto o Quebec se ressente da falta de reconhecimento de seu caráter distinto e da interferência de Ottawa em áreas percebidas como de responsabilidade exclusivamente provincial, o sentimento que prevalece no resto-do-Canadá é de que o Quebec já desfruta uma posição especial e as pessoas frequentemente se perguntariam "what will Quebec want next?" ("qual será a próxima demanda do Quebec?"). Além de ter um pouco mais de autonomia que as outras províncias em áreas como imigração, a maioria das lideranças políticas no Canadá vem do Quebec e nos últimos trinta e dois anos os primeiros ministros originários do Quebec se mantiveram no poder por trinta anos, contra apenas dezesseis meses distribuídos entre os três primeiros ministros oriundos das outras províncias durante o período (Gibbins 1998:402 & 411).
Segundo Gibbins, a principal razão pela qual o federalismo assimétrico não teria encontrado muito apoio no resto-do-Canadá é que, ao mesmo tempo que o Quebec teria maior autonomia, ele ainda continuaria desempenhando um papel importante na política canadense (Idem). Em outras palavras, não se tratava apenas de conceder um status distinto ao Quebec no âmbito da Federação mas, dado o papel dos políticos do Quebec na Federação, se tratava também de não agravar uma situação de desequilíbrio de poder que já era percebida como inadequada no resto-do-Canadá. Me parece que as restrições no resto-do-Canadá também poderiam ser vistas, de certa maneira, como uma reação motivada por uma percepção de desconsideração, na medida em que a demanda do Quebec soava como uma pretensão inaceitável de superioridade. Apesar da percepção de desconsideração no resto-do-Canadá não ser formulada como uma demanda de reconhecimento, ela vem à luz através da crítica à demanda do Quebec, a qual é compreendida como uma reivindicação de status especial no plano da cidadania.
Portanto, ao caracterizar a demanda do Quebec através da lógica da honra, que nega o valor quase "sagrado" da igualdade na modernidade, os anglófonos no resto-do-Canadá se sentem ameaçados em sua dignidade como cidadãos merecedores de status equivalente. Pois, se os insultos morais são de difícil equacionamento como uma agressão real nas sociedades modernas (Berger 1983), eles não deixam de ser sentidos como tais pelos atores.
Há autores que vêm buscando soluções potencialmente mais promissoras, como a idéia de uma parceria acompanhada pelo afastamento do Quebec do governo canadense, significando maior autonomia de ambas as partes (Gibbins 1998:402), e articulada com a proposta de Laforest (1998:51-79) estimulando um diálogo no qual os parceiros tentariam se colocar no lugar do outro. Não apenas porque ela sinaliza uma perspectiva mais aberta para negociar uma nova relação institucional entre os parceiros, mas também porque ela sugere um processo no qual a aceitação do valor de cada um parece ter melhores chances de se realizar. Isto é, na medida em que os parceiros consigam se engajar em negociações menos armadas, e em que a separação formal em domínios importantes no plano político viabilize uma dissociação relativa entre as idéias de igualdade e uniformidade. Se uma proposta nesta linha se mostrar viável, talvez um novo acordo ou composição possa ser alcançada, na qual a igualdade de direitos pudesse se efetivar sem prejuízos para a identidade ou para a dignidade dos cidadãos, e a integridade da vida ética poderia se estruturar num nível mais alto.
A discussão sobre direitos republicanos no Brasil e a análise das demandas por reconhecimento no Quebec demonstram que há uma conexão importante entre identidades sociais ou coletivas e os direitos de cidadania, as quais podem ter um impacto importante nas definições de esfera pública, ou na relação entre esta e o espaço público.
Enquanto no caso do Brasil a associação entre um processo de expansão dos direitos de cidadania centrado nas identidades coletivas dos trabalhadores, e uma preocupação com a manifestação de consideração na vida cotidiana, tornou difícil separar os interesses públicos dos privados, ao mesmo tempo que provocou uma distância significativa entre o apoio formalmente dado aos direitos do indivíduo e a sua universalização no âmbito das interações cotidianas, ou no plano do exercício efetivo da cidadania, no caso do Canadá a dissociação entre direitos e identidades alimentou uma crise constitucional motivada pela falta de reconhecimento da identidade coletiva dos quebequenses, percebida por estes como um ato de desconsideração da parte do resto-do-Canadá.
Ambos os casos sugerem que a natureza formal dos direitos jurídicoconstitucionais coloca dificuldades para o tratamento da dimensão ético-moral da cidadania. Esta dimensão requer uma articulação entre direitos e valores ou identidades, que é de difícil legitimação na esfera pública das sociedades modernas, e ilumina o caracter (desde sempre) culturalmente contextualizado da vida social. Ao mesmo tempo, esta dimensão está em sintonia com o cerne da modernidade na medida em que vem à tona na procura por ou na afirmação de uma identidade autentica conforme assinalado por Taylor (1994). Na mesma direção, vale perguntar se não seria apropriado identificar a manifestação de consideração e a expressão de reconhecimento — que estão envolvidas na aceitação do valor (ou mérito) do interlocutor —, como direitos de cidadania de natureza ético/moral. Isto é, como direitos que não podem ser satisfatoriamente efetivados por meios legais, mas que, quando não reconhecidos, podem implicar em agressões ilícitas e prejudicar a integridade de uma vida ética. Seja por uma recusa contumaz em admitir o significado de tal reconhecimento na esfera pública, como no Canadá, ou por um reconhecimento excessivamente seletivo destes direitos na vida cotidiana e/ou no espaço público, como no Brasil.
Finalmente, a partir desta comparação do Brasil com o Quebec, representando duas linhas de desenvolvimento no contexto das sociedades modernas, gostaria de propor que: (1) assim como a ausência de uma preocupação clara na vida cotidiana com a aplicação de princípios universais aos direitos de cidadania pode estimular incidentes de discriminação cívica, sugerindo uma certa desarticulação entre a esfera pública e o espaço público; (2) uma conexão radical entre as idéias de igualdade e de uniformidade pode ter, como implicação, a impermeabilização da esfera pública a demandas potencialmente legítimas, com a consequente institucionalização de relações injustas (iníquas, inequânimes) e um desrespeito sistemático aos direitos ético-morais associados ao reconhecimento de identidades.
Gostaria de agradecer a Samuel Eisenstadt, Wolfgang Schluchter e Luis Roniger pelo convite para participar da conferência em Erfurt (Alemanha). Sou grato a Roberto Cardoso de Oliveira, Yves Chaloult, Bruce Grant, Benício Schmidt e a Stephen Baines pelos comentários a versão original do texto. Agradeço também aos colegas do Núcleo de Antropologia da Política, com quem tive oportunidade de discutir uma versão preliminar deste ensaio num seminário promovido pelo NuAP/PRONEX no Departamento de Antropologia da UnB em 29 de junho de 1999.
Beauchemin, Y. (1995). Petite Histoire du Québec. Montréal: UNEQ.
Berger, P. (1983). "On the Obsolescence of the Concept of Honor", in S. Hauerwas & A.
MacIntire (eds.) Revisions: Changing Perspectives in Moral Philosophy, Indiana: University of Notre Dame Press.
Bresser Pereira, L.C. (1997). "Cidadania e rex publica: a emergência dos direitos republicanos." Filosofia Política/Nova Série, volume 1:100-144. Porto Alegre: L&PM Editores S/A.
Cardoso, F.H. (1991) "Brasileiro: Cidadão?", Ciclo de Debates Sobre o Brasileiro e a Cidadania. Curitiba: Corpo 17/Jo ACS-DTP.
Cardoso de Oliveira, L.R. (1996a). "Direitos Humanos e Cidadania no Brasil: Algumas Considerações Preliminares," in R. Cardoso de Oliveira & L.R. Cardoso de Oliveira Ensaios Antropológicos Sobre Moral e Ética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, pp. 93- 104.
Cardoso de Oliveira, L.R. (1996b). "Entre o justo e o solidário: Os dilemas dos direitos de cidadania no Brasil e nos EUA", Revista Brasileira de Ciências Sociais (ANPOCS), nº 31 ano 11, pp.67-81.
Cardoso de Oliveira, L.R. (1997) "Ação Afirmativa e Eqüidade", em J. Souza (org.) Multiculturalismo e Racismo: uma comparação Brasil - Estados Unidos. Brasília: Paralelo 15, pp. 145-155.
Chaloult, R. (1969). Mémoires Politiques. Montréal: Éditions du Jour.
DaMatta, R. (1991) "Cidadania: A questão da cidadania num universo relacional", in R.
DaMatta A Casa & A Rua, Rio de Janeiro: Guanabara/Koogan.
DaMatta, R. (mimeo) "A Mão Visível do Estado: O Significado Cultural dos Documentos na Sociedade Brasileira". Palestra proferida em julho de 1999 no Centro de Pesquisa e Pós-Graduação Sobre a América Latina e o Caribe – CEPPAC, na Universidade de Brasília.
Dion, S. (1991). "Le nationalisme dans la convergence culturelle — Le Québec contemporaine et le paradoxe de Tocqueville," in R. Hudon & R. Pelletier (eds) L’engagement intellectuel: Mélanges en l’honneur de Léon Dion. Sainte-Foy: Les Presses de l’Université Laval.
Fulford, R. (1993). "A Post-Modern Dominion: The Changing Nature of Canadian Citizenship," in W. Kaplan (ed) Belonging: The Meaning and Future of Canadian Citizenship. Montreal: McGill-Queen’s University Press, pp.104-119.
Gibbins, R. (1998). "Getting There from Here," in R. Gibbins & G. Laforest (eds) Beyond the Impasse: toward reconciliation. Ottawa: IRPP, pp. 397-410.
Habermas, J. (1991). The Structural Transformation of the Public Sphere. Cambridge, Mass.: MIT Press.
Habermas, J. (1991). The Structural Transformation of the Public Sphere. Cambridge, Mass.: MIT Press.
Habermas, J. (1994). "Struggles for Recognition in the Democratic Constitutional State," in A. Gutmann (ed) Multiculturalism: examining the politics of recognition. New Jersey: Princeton University Press, pp. 107-148.
Haroche, C. & J-C. Vatin (eds) (1998). la Considération. Paris: Desclée de Brouwer.
Honneth, A. (1996). The Struggle for Recognition: The Moral Grammar of Social Conflicts. Cambridge, Mass.: The MIT Press.
Kaplan, W. (1993). "Introduction," in W. Kaplan (ed) Belonging: The Meaning and Future of Canadian Citizenship. Montreal: McGill-Queen’s University Press, pp. 3-22.
Laforest, G. (1995). Trudeau and the End of a Canadian Dream. Montreal: McGill- Queen’s University Press.
Laforest, G. (1998). "Standing in the Shoes of the Other Partners in the Canadian Union," in R. Gibbins & G. Laforest (eds) Beyond the Impasse: toward reconciliation. Ottawa: IRPP, pp. 51-79.
Laraia, R. (s/d). Repensando o Nepotismo. Mimeo.
Laurendeau, A. (1990). Journal: tenu pendant la Comission royale d’enquête sur le bilinguisme et le biculturalisme. Québec: vlb éditeur/le septentrion.
Legault, J. (1992). L’invention d’une minorité: Les Anglo-Québécois. Québec: Les Éditions du Boréal.
Marschall, T.H. (1976). Class, Citizenship and Social Development. Connecticut: Greenwood Press.
Peirano, M. (1986). "Sem lenço e sem documento: reflexões sobre cidadania no Brasil", em Estado e Sociedade, vol. 1, nº 1, pp.49-64. EDUnB.
Rosenfield, D. (ed) (1997). Filosofia Política/Nova Série, volume 1. Porto Alegre: L&PM Editores S/A.
Santos, W.G. (1987). Cidadania e Justiça: A Política Social na Ordem Brasileira (2ª edição Revisada e Atualizada). Rio de Janeiro: Editora Campus.
Strawson, P. (1974). "Freedom and Resentment", in Freedom and Resentment, and Other Essays. Londres: Methuen & CO LTD, pp. 1-25.
Taylor, C. (1993). "Shared and Divergent Values," in C. Taylor Reconciling the Solitudes: Essays on Canadian Federalism and Nationalism. Montreal: McGill-Queen’s University Press, pp. 155-186.
Taylor, C. (1994). "The Politics of Recognition," in A. Gutmann (ed) Multiculturalism: examining the politics of recognition. New Jersey: Princeton University Press, pp. 25-73.
SÉRIE ANTROPOLOGIA
Últimos títulos publicados
295. BAINES, Stephen Grant. Organizações Indígenas e Legislações Indigenistas no Brasil, na Austrália e no Canadá. 2001.
296. RAMOS, Alcida Rita. Rediscovering Indigenous Brazil: Echoes from the Quincentennial. 2001.
297. RIBEIRO, Gustavo Lins. Tropicalismo e Europeísmo. Modos de Representar o Brasil e a Argentina. 2001.
298. RIBEIRO, Gustavo Lins. Planet Bank: Ethnic Diversity in the World Bank. Planeta Banco: Diversidad Étnica en el Banco Mundial. 2001.
299. CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís Roberto. Individualismo, Identidades Coletivas e Cidadania: Os Estados Unidos e o Quebec Vistos do Brasil. 2001.
300. BAINES, Stephen Grant. As Terras Indígenas no Brasil e a "regularização" da implantação de grandes usinas hidrelétricas e projetos de mineração na Amazônia. 2001.
301. RAMOS, Alcida Rita. Pulp Fictions of Indigenism. 2001.
302. RAMOS, Alcida Rita. Old Ethics Die Hard. The Yanomami and Scientific Writing. 2001.
303. RAMOS, Alcida Rita. The Predicament of Brazil´s Pluralism. 2001.
304. CARDOSO DE OLIVEIRA, Luís R. Direitos Republicanos, Identidades Coletivas e Esfera Pública no Brasil e no Quebec. 2001.
A lista completa dos títulos publicados pela Série Antropologia pode ser solicitada pelos interessados à Secretaria do: Departamento de Antropologia Instituto de Ciências Sociais Universidade de Brasília |
1. Uma versão preliminar e significativamente diferente deste artigo foi apresentada em duas comunicações realizadas durante a Amerikakonferenz, em Erfurt (Alemanha), entre 12 e 16 de dezembro de 1998, no Max-Weber-Kollege für Kultur und sozialwissenschaftliche Studien. Esta versão foi divulgada em 1999 na Série Antropologia 259, da UnB, com o título "Republican Rights and Nationalism: Collective Identities and Citizenship in Brazil and Quebec". Uma outra versão da segunda parte encontra-se atualmente no prelo: "Collective Identities and Citizenship in Quebec", em L. Roniger & C. Waisman (orgs.) Globality and Multiple Modernities: Comparative North American and Latin American Perspectives. Sussex: Sussex Academic Press.
2. Inspirado em discussões recentes nas Nações Unidas sobre uma terceira geração de direitos — tais como os direitos à solidariedade, ao desenvolvimento econômico e à paz —, Bresser Pereira classifica a noção de direitos republicanos sob a mesma categoria. Tendo como pano de fundo a classificação clássica de Marshall dos direitos de cidadania, Bresser Pereira indica que, enquanto os direitos políticos e os civis representariam a primeira geração dos direitos de cidadania, a que se seguiu o desenvolvimento dos direitos sociais na segunda geração, a atual preocupação com os direitos republicanos caracterizaria a definição de uma terceira geração de direitos (Bresser Pereira 1997:119).
3. O artigo de Bresser Pereira marca um segmento interessante do debate, que foi reunido por D. Rosenfield (ed.) num número especial de Filosofia Política, Nova Série, volume 1, Porto Alegre: LPM, 1997.
4. Enquanto a esfera pública pode ser definida como o universo discursivo onde normas, projetos e concepções de mundo são publicizadas e estão sujeitas ao exame ou debate público (Habermas 1991), o espaço público é aqui tomado como o campo de relações situadas fora do contexto doméstico ou da intimidade onde as interações sociais efetivamente têm lugar.
5. Quanto melhor a situação econômica da categoria profissional/ocupacional na esfera da produção, melhor seriam seus benefícios previdenciários e de assistência médica (Santos 1987:71).
6. O outro lado deste processo de formação identitária foi o desenvolvimento de um padrão de interação entre os sindicatos e o Estado, através da cooptação das lideranças dos trabalhadores, dentre as quais o Estado distribuía posições de autoridade dentro do diverso e estratificado sistema de previdência/assistência médica, em troca da submissão política ao Ministério do Trabalho (Santos 1987:71).
7. Num artigo interessante, Peirano (1986:49-63) sugere que na área rural ou nas cidades pequenas do interior o título de eleitor teria se tornado um símbolo de identidade cívica similar à carteira de trabalho nos centros urbanos. Ao invés de ser percebido como um símbolo do direito do indivíduo/cidadão para votar, o título de eleitor é tomado como um emblema da relação entre o trabalhador e seu patrão, o qual facilita o acesso do primeiro ao título, e como um sinal de filiação política. Aqui também, antes de tematizar um direito individual, o título de eleitor representaria acima de tudo uma identidade coletiva.
8. Como argumentarei adiante, tomo os atos de desconsideração como insultos morais. Eles são o oposto da consideração, do modo em que esta vem sendo discutida ultimamente na França, como um direito humano básico à dignidade (Haroche & Vatin 1998). Os atos de desconsideração também guardariam grande proximidade semântica à noção alemã de Mißachtung, assim como elaborada por Honneth em seu The Struggle for Recognition (1996). Apesar deste conceito ser normalmente traduzido como desrespeito, prefiro traduzí-lo por desconsideração para enfatizar a idéia de uma falta de atenção indevida, que estaria envolvida nestas situações, e por me parecer mais de acordo com a idéia Hegeliana inspirando Honneth, sobre a estrutura interna de reciprocidades características das formas fundamentais de relações éticas (Honneth 1996:16).
9. Infelizmente, mesmo não sendo formalmente obrigatório o uso de documentos de qualquer espécie, vez por outra a população de baixa renda ainda sofre este tipo de arbitrariedade. Tal quadro certamente terá contribuído para a valorização dos documentos como instrumento de acesso a direitos e símbolo de cidadania no Brasil. Em trabalho ainda inédito, Roberto DaMatta (mimeo) faz uma análise interessante da simbologia dos documentos no Brasil: "A Mão Visível do Estado: O Significado Cultural dos Documentos na Sociedade Brasileira".
10 De certa maneira, durante este período tudo que fosse relacionado às finanças tinha uma dose de ficção, a qual, não obstante, e apesar do alto custo social, conseguiu se manter devido à correção monetária que, vale a pena lembrar, permitia a indexação de toda a economia, incluindo os salários, periodicamente aumentados para diminuir a perda no poder de compra dos trabalhadores.
11. Como argumentei em outro lugar, dada a grande área de intersecção entre os campos semânticos do público e do privado, como categorias sociais na sociedade brasileira, o crime de nepotismo não é assim tão fácil de se perceber e classificar, especialmente se ampliarmos a noção de nepotismo para incluir exemplos de contratação de pessoas com base na amizade, nos quais a mesma lógica de reciprocidades envolvida na contratação de parentes prevalece (Cardoso de Oliveira 1996b:72-73; Laraia s/d).
12. Num artigo seminal, Berger chama a atenção para as dificuldades no tratamento de insultos morais em sociedades como os EUA, onde, segundo ele, este tipo de agressão não seria processável em tribunais de justiça por não ser reconhecida como uma ofensa real (1983:172-181).
13. Por definição, o cidadão genérico ou despessoalizado não está exposto a avaliações éticas quanto a sua dignidade, na medida em que não dispõe de uma identidade que lhe dê sentido ou substância moral. Dado que o respeito a direitos (de qualquer tipo) é frequentemente mediado pela classificação dos atores de um ponto de vista ético, não é surpresa que os interesses de sindicatos e corporações, cujos membros têm muito mais em comum para compartilhar e têm uma visão mais palpável da identidade de cada um, acabem tendo precedência sobre as demandas difusas da sociedade mais ampla.
14. A propósito, é interessante observar como, no Brasil, as noções de direitos e/ou de interesses sindicais são frequentemente vistas quase como sinônimos de direitos/interesses sociais, e traduziriam bem, no âmbito da ideologia, a idéia de interesse público.
15. Em 1867 o Ato da América do Norte Britânica criou o Domínio do Canadá, compreendendo as províncias do Quebec, Ontário, Nova Scotia e o novo Brunswick, pondo um fim à disputa entre anglófonos e fancófonos sobre a estrutura institucional do país. Neste momento os direitos linguísticos e culturais do Quebec foram restabelecidos, após um período de 27 anos sob o Ato do Regime de União, quando estes direitos haviam sido abolidos, seguindo as recomendações do famoso Relatório do Lord Durham.
16. Bons exemplos destas tensões no século XX foram as discussões em torno da convocação (conscrição) militar imposta aos cidadãos canadenses durante as duas guerras mundiais, quando os franco-canadenses foram obrigados a lutar numa guerra percebida por eles, à época, como envolvendo interesses exclusivamente ingleses. Outro exemplo foi a declaração de Trudeau do Ato de Medidas de Guerra no Quebec, em 1970, com o objetivo de reprimir as atividades terroristas da Frente para a Libertação do Quebec (FLQ), depois do sequestro do ministro do trabalho quebequense e do attaché commercial da Grã- Bretanha em Montreal.
17. Em 30 de abril de 1987 o Primeiro Ministro do Canadá e os dez primeiros ministros das províncias assinaram um acordo no Lago Meech, Ontário, envolvendo cinco princípios com o objetivo de satisfazer as exigências do Quebec para subscrever a Constituição patriada em 1982. O reconhecimento do Quebec como uma sociedade distinta dentro da Federação Canadense era um dos princípios e aquele que veio a simbolizar o acordo. Contudo, o acordo tinha que ser ratificado pelo poder legislativo de todas as províncias num prazo de três anos e, quando os legislativos de Manitoba e Terra Nova recusaram a ratificação em 9 de junho de 1990, o acordo foi definitivamente rejeitado, provocando grandes protestos no Quebec.
18. Duplessis foi eleito pelo Partido da União Nacional, que não existe mais enquanto partido. Como o nome sugere, trata-se de um partido extremamente nacionalista. Contudo, deve-se ter em mente que todos os partidos políticos no Quebec compartilham uma certa perspectiva nacionalista e, neste sentido, diferem entre si apenas em termos do grau. Isto é verdade mesmo no caso do partido Liberal e do Conservador- Progressista que defendem uma posição federalista e querem manter o Quebec dentro do Canadá. Dado que o partido Conservador-Progressista não disputa eleições provinciais e compartilha símbolos de identidade com seu predecessor na Inglaterra – os membros dos dois partidos são chamados de Tories –, sua visão nacionalista é particularmente significativa para a compreensão da natureza da demanda do Quebec. A única exceção é o Partido da Igualdade, que conta com o apoio quase exclusivo de anglófonos e de uns poucos alófonos (imigrantes). O Partido da Igualdade é o maior crítico da legislação lingüística do Quebec, mas não ocupa nenhuma cadeira na Assembléia Nacional, e não constitui uma força política significativa na província.
19.. A grosso modo, os serviços públicos nas áreas de saúde e educação estavam nas mãos da Igreja Católica, cuja influência política na província era absolutamente impressionante. Além disso, durante os anos 30 o Quebec era a província com o pior histórico de investimentos públicos dentro da Canadá e, no período 1957-1967, seu desempenho melhorou significativamente, passando do penúltimo para o segundo lugar no país (Dion 1991:298). Para uma boa visão sobre a maneira míope e tradicional através da qual Duplessis fazia política veja Chaloult (1969).
20. Na realidade, Dion argumenta que esta situação seria explicada pelo paradoxo de Tocqueville, segundo o qual conforme as condições sociais vão ganhando maior similaridade em todo lugar, maior será a importância que as pessoas atribuem a índices de distinção. Assim, conforme as sociedades (ou seus seguimentos culturalmente diferenciados no passado) vão ficando mais parecidas, maior será o sentimento nacionalista entre elas (Dion 1991:291-311).
21. Supostamente, os canadenses seriam conhecidos por não compartilharem fortes sentimentos de patriotismo, em oposição aos sentimentos manifestados pelos quebequenses em relação a sua província (Kaplan 1993:3-22; Fulford 1993:104-119). Ao mesmo tempo, também tem sido reiterado na literatura que os canadenses se orgulham de sua cidadania quando se comparam aos americanos, devido as diferenças quanto a seguro de saúde e políticas sociais de maneira geral entre os dois países. Contudo, nos últimos trinta anos foram feitos esforços para fortalecer a identidade nacional através de símbolos como a bandeira canadense, criada no final dos anos sessenta, cerca de vinte anos depois do Quebec ter instituído sua própria bandeira. Os ensaios editados por Kaplan (1993), sob o título revelador de Belonging (Pertencendo), dá uma ótima idéia sobre a importância da preocupação com a identidade no resto-do- Canadá.
22. Como Laforest (1995:1) indica, depois da visibilidade conquistada pelas primeiras nações na esfera pública durante as negociações do Acordo de Charlottetown, não faz mais muito sentido continuar falando da história do Canadá como um país fundado por duas nações, excluindo-se os nativos. Contudo, Laforest argumenta que a visão canadense de um país formado por uma nação também deveria ser inaceitável para ambos: quebequenses e membros das populações autóctones, ou das primeiras nações, como os povos indígenas, esquimós e mestiços (Métis) são conhecidos no Canadá.
23. Em 1871 o Common School Act abole as escolas católicas e o ensino do francês no Novo Brunswick, onde havia (e ainda há) uma comunidade francófona muito significativa, a segunda maior no país. Em 1977 foi a vez da Ilha do Príncipe Eduardo promulgar legislação similar, através do Public School Act, e esta tendência foi seguida por outras províncias até 1968 quando Trudeau promulga a Lei das Línguas Oficiais (Beauchemin 1995).
24. De acordo com dados publicados pela Statistics Canada, e compilados pela Societé Saint-Jean-Batiste, o percentual médio de assimilação dos francófonos em 1991, no resto-do-Canadá, foi de 77,3%. Este percentual foi calculado através da comparação do número de pessoas de origem francesa com o número daqueles que ainda falam francês em casa. A província com o menor percentual de assimilação é o Novo Brunswick, com 31%, enquanto Terra Nova tem o mais alto, em torno de 96% (Beauchemin 1995:31).
25. A primeira redação da lei exigia que pelo menos um dos pais tivesse estudado em escola de língua inglesa no Quebec. Como em 26 de julho de 1984 a Suprema Corte declarou ilegal esta parte da lei, ela foi alterada para incluir as escolas de língua inglesa em qualquer uma das dez províncias do Canadá.
26. É verdade que segmentos significativos das comunidades anglófona e alófona em Montreal gostariam de ver aprovada uma lei da língua que fosse mais flexível, e talvez maiores garantias de que não perderão os direitos linguísticos que gozam agora. Contudo, estas comunidades se tornaram mais sensíveis às demandas dos franco-quebequenses de que em alguma medida as restrições linguísticas seriam necessárias e legítimas para evitar o desaparecimento do francês. Poder-se-ia lembrar aqui que quando anglófonos e alófonos foram mobilizados com sucesso por Galganov em 1996, com o objetivo de exigir mais letreiros em inglês nas grandes lojas de departamento de Montreal, eles estavam na realidade exigindo a implementação das leis 178 e 86. Mesmo se considerarmos esta mobilização como uma jogada estratégica, com o objetivo de preparar demandas mais radicais no futuro, não se deve esquecer que quando a lei 178 veio à luz ela encontrou forte oposição de anglófonos e alófonos, que a consideravam absolutamente inaceitável. De fato, quando Galganov tentou radicalizar suas demandas acabou perdendo apoio e inviabilizou o movimento.
Habermas faz uma crítica interessante à posição de Taylor argumentando que não seria necessário distinguir entre dois tipos de liberalismo para acomodar a legitimação de objetivos coletivos dentro da tradição liberal-democrática. Segundo ele, a definição de Taylor do liberalismo de direitos não atentaria para a conexão necessária entre autonomia pública e privada. Tal conexão enfatizaria o fato de que numa sociedade liberal os cidadãos devem se perceber como autores das leis as quais estão submetidos (Habermas 1994:112). Isto estaria de acordo com a discussão de Habermas sobre a relação entre princípios constitucionais, cultura política e o caracter eticamente permeável dos sistemas legais (Idem:137-139).
Contudo, me parece que Habermas não contempla toda a extensão do argumento de Taylor no que concerne à especificidade das demandas de reconhecimento, no que elas têm de diferente em relação aos casos em que se justificaria uma política de "discriminação reversa" ou de medidas objetivando a redução da distância entre igualdade legal e igualdade real (Ibidem:129). Diferentemente destas últimas, as demandas de reconhecimento não podem ser formuladas em termos universalistas.
Prof. Luís Roberto Cardoso de Oliveira
lcardoso[arroba]unb.br
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|