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CRFB/88 |
Constituição da República Federativa do Brasil |
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HC |
Habeas Corpus |
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PEC |
Proposta de Emenda Constitucional |
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O presente trabalho monográfico visa promover o estudo sobre um tema que vem sendo amplamente debatido no Brasil que é a unificação das Polícias Civis e Militares. Apresenta a evolução do sistema policial brasileiro até os dias atuais e o tratamento que as Constituições brasileiras deram ao tema desconsiderando do contexto as paixões institucionais e as elucubrações desprovidas de fundamentações científicas, além de analisar a viabilidade da implementação do Ciclo Completo de Polícia, pois o atual sistema policial no que concerne aos Estados e o Distrito Federal é bipartite, ou seja, duas polícias, uma Civil e outra Militar.
As forças policiais possuem uma grande importância na garantia da ordem pública e na sua restauração, sendo inclusive a sua função básica. Será apresentado um estudo da origem das Polícias Militares e Civis no cenário internacional e nacional, apontando-se ideias a respeito de ordem pública, de onde decorre a noção de segurança pública, assim como conceituar organizações policiais. Não deixando de abordar a problemática dos desvios de funções e de finalidade das polícias.
A questão da segurança pública desperta atenção estando presente em debates, tanto de especialistas como do público em geral. Devido ao aumento do índice de criminalidade, a sensação de insegurança faz com que o trabalho da Policia Militar e da Polícia Civil seja considerado um desafio, e as organizações responsáveis por esse serviço enfrentam o descrédito da opinião pública, sobretudo na esfera estadual.
Como já citado, esse tema é causador de vários debates na sociedade e também no Congresso Nacional, onde tramitam as Propostas de Emendas à Constituição (PECs): 430/2009, 432/2009, 102/2011, 51/2013, 431/2014, 423/2014, e a 127/2015 com o objetivo de alterar o atual sistema de polícia.
Para aqueles que defendem a unificação das polícias, ela é vista como a melhor forma de combater os altos índices de criminalidade. Afirmam alguns profissionais da segurança e pesquisadores da área que no Brasil não existe uma polícia una, ou seja, elas trabalham de forma isolada, nenhuma das duas instituições realiza o Ciclo Completo de Polícia. Por outro lado, aqueles que são contrários expõem que esse novo formato não deve ser visto como a solução para todos os problemas na área de segurança pública, que deveria investir no sistema atual, opiniões que serão explicitadas no terceiro capítulo.
Assim, para alcançar seu objetivo, o trabalho será divido em três capítulos.
O primeiro capítulo versará sobre ordem pública e segurança pública, pois sem abordar essas duas temáticas não seria possível falar de polícias, além de narrar à evolução histórica e a organização da segurança pública na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), não poderia deixar de explicar sobre as organizações policiais, apresentando-as como sendo elementos essenciais para a vida harmoniosa em sociedade e principalmente entre o indivíduo e o Estado.
Já o segundo capítulo versará sobre o surgimento da instituição policial no cenário internacional e nacional, também definirá polícia administrativa assim como, a polícia judiciária, analisará sobre as funções declaradas e disfunções das polícias estaduais, as suas funções inerentes e àquelas funções que as mesmas executam que não são de sua competência.
No terceiro e último capítulo, pretende-se esclarecer de forma científica, por meios de fundamentos teóricos, o tema desse trabalho sobre unificação das polícias estaduais e sua viabilidade, também será feito uma explanação sobre as propostas que estão tramitando no Congresso Nacional, sobre unificação e desmilitarização. Também será exposto de forma exemplificativa alguns sistemas de polícias estrangeiras, e ao final, evidenciar sobre as correntes de posicionamento, os argumentos daqueles que a defendem e daqueles que preferem o sistema atual, assim como, quem se posiciona de forma intermediária.
Importante expressar que o presente estudo não tem o intuito de exaurir o assunto da temática em questão, mas tão somente elucidar o tema, abordando seus principais e mais discutidos tópicos.
O conceito legal, expresso, de ordem pública, ainda em vigência, está contido no artigo 2º, item 21 do Decreto n. 88.777, de 1983, qual seja:
Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum (BRASIL, 1983, apud, MARTINS, 2008, p. 37).
Conceituar o que é ordem pública não é fácil, já que ela varia de um país para outro, trazendo a ideia de que esta possui um conceito que reflete o senso nacional. Dentro de um mesmo país o conceito do que seja ordem pública pode diferir sendo observado também que essa definição pode mudar de uma época para outra. O que se verifica é que a ordem pública é mais fácil de ser percebida do que definida. Ela é composta por vários elementos que gera esse estado de tranquilidade, ou seja, princípios políticos, econômicos, morais e em alguns momentos religiosos. Quando estes estão em harmonia eles provocam na pessoa a sensação subjetiva de ordem pública. Logo, não basta apenas que não ocorram crimes nas ruas para poder se dizer que há ordem pública é necessário que o conjunto de elementos citados acima atue de forma que provoque a estabilidade social da pessoa (LAZZARINI, 1992).
Para Hely Lopes Meirelles:
[...] a ordem pública não é figura jurídica, nem instituição política ou social. É situação fática de respeito ao interesse da coletividade e aos direitos individuais que o Estado assegura pela Constituição da República e pelas leis, a todos os membros da comunidade (MEIRELLES, 1998, p.93 apud BONFIM, 2006, p. 12).
"A ordem pública compreende a saúde, a segurança, a moralidade e a tranquilidade pública, assim como a boa-fé nos negócios" (KNAPP 1980, p.20 apud LAZZARINI, 1992, p.278).
Segundo os ensinamentos de Lazzarini, a ordem pública pode ser entendida como sendo "uma situação de convivência pacífica e harmoniosa da população, fundada nos princípios éticos vigentes na sociedade, e refere-se à paz e à harmonia da convivência social [...]" (LAZZARINI, 1992, 278).
Conforme lições de Silva:
Ordem pública será uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de sublevação que tenha produzido ou que supostamente possa produzir, a curto prazo a prática de crimes (SILVA, 2004 apud BONFIM, 2006, p.14)
Tratando de ordem pública Silva mais uma vez afirma que:
Convivência pacífica não significa isenta de divergências, de debates, de controvérsias e até de certas rusgas interpessoais. Ela deixa de ser tal quando discussões, divergências, rusgas e outras contendas ameaçam chegar as vias de fato com iminência de desforço pessoal, de violência e do crime (SILVA, 2007, p.778).
O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão no julgamento do HC 102065, conceituou ordem pública da seguinte maneira, "ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública" (BRASIL, 2010).
Sem a ordem pública o cidadão não seria capaz de exercer os seus direitos e garantias fundamentais[1]assegurados na CRFB/88. Para Rosa, todo cidadão é possuidor de direitos e garantias fundamentais:
O cidadão possui direitos e garantias fundamentais que lhe são assegurados pela Constituição Federal, e que devem ser observados e respeitados. O exercício dos direitos individuais exige a estabilidade das instituições e o funcionamento dos serviços públicos, o que ocorre por meio da ordem pública, que deve ser preservada, permitindo o desenvolvimento da sociedade (ROSA, 2003, p.1).
A manutenção da ordem pública é algo fundamental para a existência da sociedade e realização de seus objetivos. O Estado deve organizar e manter forças que estejam voltadas para a preservação da ordem pública, a mesma possui três elementos fundamentais, a segurança, a tranquilidade e a salubridade (LOPP 1997 apud ROSA, 2003, p.1).
Cabe observar que apenas as manifestações exteriores de desordem justificam a intervenção das polícias. Nesse sentido, verifica-se que a função da Polícia Militar e da Polícia Civil é manter essa ordem pública, encontrando legitimidade na CRFB/88.
Segurança pública
A definição de segurança pública não é mais simples do que a de ordem pública (LAZZARINI, 1992, p. 279). Aquela é considerada como sendo um aspecto desta, sendo o seu conceito de suma importância para a compreensão das funções das polícias militares e civis. Logo, verifica-se que o conceito de segurança pública integra o de ordem pública (BONFIM, 2006, p. 13).
Para que seja estipulada a compreensão do conceito de segurança em sentido abrangente, faz-se necessário, primeiramente, identificar a etimologia do vocábulo "segurança". Como enfatiza Silva, deriva-se do latim "securus", referindo-se à estabilidade e garantia:
Segurança, qualquer que seja a sua aplicação, insere o sentido de tornar a coisa livre de perigos, livre de incertezas, assegurada de danos ou prejuízos, afastada de todo o mal. Neste particular, portanto, traduz a idéia de seguridade, que é o estado, a qualidade ou a condição, de estar seguro, livre de perigos e riscos, de estar afastado dos danos ou prejuízos eventuais. (SILVA, 1963).
Padilha já afirma que "O termo "segurança" significa garantia, proteção e estabilidade" (PADILHA, 2014, p.506). Para Lazzarini, a Ordem Pública, segundo lição de Paul Bernard, está constituída de três elementos: "a tranquilidade ou boa ordem, a segurança e a salubridade. Daí retira-se que a segurança pública é um aspecto da ordem pública. Não é a ordem pública que integra o vasto conceito de segurança publica, mas sim o contrário" (LAZZARINI, 1998 p. 10 apud BONFIM, 2006, p. 13).
A segurança constitui direito individual, mas mantém fortes vínculos com o interesse coletivo ou geral, no intuito de garantir a convivência social pacífica, incluindo a segurança do próprio Estado de ameaças e agressões feitas por indivíduos ou grupos de terroristas (terrorismo[2]A ideia de ordem é inerente ao conceito de segurança, que garante a preservação de determinada forma de organização social: integridade territorial, estabilidade do sistema político, proteção das pessoas e de seu patrimônio. Assim sendo, a segurança apresenta caráter conservador: instituições e direitos existentes são garantidos, inclusive com meios repressivos, contra eventuais agressores (DIMOULIS, 2012, p.1373).
Examinando com mais profundidade a questão, Lazzarini afirma que Segurança Pública é:
Estado antidelitual que resulta da observância dos preceitos tutelados pelos códigos penais comuns e pelas leis das contravenções penais, com ações de polícia preventiva ou de repressão imediata, afastando-se, assim, por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade ou dos direitos de propriedade das pessoas, limitando as liberdades individuais, estabelecendo que a liberdade de cada pessoa, mesmo em fazer aquilo que a lei não lhe veda, não pode ir além da liberdade assegurada aos demais, ofendendo-a (LAZZARINI, 1992, P.279).
Em outras palavras, como afirma Moreira Neto, "segurança pública é o conjunto de processos políticos e jurídicos, destinados a garantir a ordem pública, sendo esta o objeto daquela" (MOREIRA NETO, 2014).
Conforme Rosa:
O Estado é o grande responsável pela segurança de todos, pois de todos deve e pode exigir o cumprimento dos deveres necessários à manutenção desta condição. Um dos mais difíceis problemas que os dirigentes de uma nação enfrentam é obter o exato equilíbrio entre as obrigações e as responsabilidades do Estado – voltado para o interesse coletivo e detentor do monopólio do uso legítimo da força – e as do cidadão, possuidor, de um lado, de direitos naturais inalienáveis e, de outro lado, subordinado ao ordenamento jurídico do estado de direito (ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA, 1998, apud, ROSA, 2003, p.02).
De modo objetivo, segundo o artigo 144 da CRFB/88, a segurança pública será exercida através das Polícias Civis e Polícias Militares, além da Polícia Federal. Todas com suas funções específicas. Entretanto, na esfera estadual, são vislumbrados desvios de função e de finalidade em ambas as polícias, assunto que será abordado no segundo capítulo.
O artigo 144 da CRFB/88 estabelece que "a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]" (BRASIL, 1988). Vale ressaltar que o direito à Segurança Pública está também previsto de forma expressa nos artigos 7º [3]e 15[4]da Convenção Americana de Direitos Humanos (OEA, 1969).
Assim, "segurança pública constitui um mecanismo de tutela institucional que busca preservar ou restabelecer a ordem pública e a paz social" (PADILHA, 2014, p.506).
Logo, pode-se afirmar que, a segurança das pessoas e das coisas é elemento básico das condições universais, sendo fator absolutamente indispensável para o natural desenvolvimento da personalidade humana, ou seja, algo essencial para a sobrevivência.
O Estado através da sua polícia deve buscar preservar o bem comum, porém ela não pode tão somente atuar na segurança da comunidade como um todo, ela deve atuar de forma especial na proteção e garantia de cada pessoa. Dessa maneira a polícia estará praticando o que se denomina segurança pública no sentido coletivo e no sentido individual da proteção do Estado. Lazzarini ainda afirma que:
O Poder de Polícia, que legitima o poder da polícia e a própria razão desta existir, é um conjunto de atribuições da Administração Pública, como poder público e indelegáveis aos particulares, tendentes ao controle dos direitos e liberdades das pessoas, naturais ou jurídicas, a ser inspirado nos ideais do bem comum, e incidentes não só sobre elas, como também em seus bens e atividades (LAZZARINI, 1992, p.277).
Desse modo, a própria CFRB/88, associa a segurança pública à preservação e garantia da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Com isso, pode-se dizer que a segurança pública consiste na situação de preservação ou restabelecimento desta "convivência social" a fim de que todas as pessoas gozem de seus direitos e interesses legítimos, exercendo suas atividades sem perturbações, observando os limites desse gozo. Lazzarini, em sua obra, expôs o que Rolland afirmou que a polícia tem como objetivo assegurar a boa ordem:
[...] Ao cuidar da polícia administrativa, partindo de textos legais franceses, disse ter a polícia por objeto assegurar a boa ordem, isto é, a tranquilidade pública, a segurança pública, a salubridade pública, concluindo por asseverar que assegurar a ordem pública é, em suma, assegurar essas três coisas, pois a ordem pública é tudo aquilo, nada mais do que aquilo (ROLLAND, 1947, p. 399 apud LAZZARINI, 1992, p. 278).
Destarte, deve-se entender que a segurança pública acontece através de um processo no qual todos que integram a sociedade devem contribuir de alguma forma para a redução do crime e do medo da impunidade. A polícia como instituição do quadro elencando no artigo 144 da CRFB/88 está englobada pela segurança pública.
Logo, após essa breve explanação sobre ordem pública, passa-se a compreender a sua forma e os seus elementos necessários, entre eles: saúde, moralidade e principalmente Segurança Pública. Como já citado, não é possível que haja ordem pública se não existir consonância com a segurança pública. Para que uma sociedade seja considerada harmônica, além dos elementos já abordados anteriormente se faz necessário o fator segurança pública, sendo a polícia o instrumento que o Estado utiliza para se chegar a esse objetivo.
A efetivação da Segurança Pública já não é algo que pode ser tratado como uma responsabilidade exclusiva das polícias. Estas podem e devem fazer muito pela Segurança Pública, porém a sua ação isolada certamente será frustrada. Desse modo, o termo "segurança" assume o sentido de garantia, proteção, resguardo, precaução e estabilidade de situação ou pessoa, é uma sensação que pode ser percebida nos mais diversos setores, dependendo unicamente do adjetivo que a identifica (MARTINS, 2008, p. 23).
1.2 Evolução histórica do tratamento constitucional da segurança pública
A segurança pública foi um tema tratado de forma diferente ao longo das sete constituições brasileiras, cada uma delas incorporou esse tema em seu conteúdo como reflexo do momento histórico em que elas haviam sido implantadas. Observa-se ainda que em algumas delas a segurança pública estava junto com a segurança externa e interna exercida pelas forças armadas. No que concerne à evolução histórica do tratamento constitucional da segurança pública Costa salienta que:
A segurança pública foi tratada nas Constituições, desde 1934 (art. 5º, V), sendo mantida nas Constituições de 1937 (art. 15, IV), de 1946 (art. 5º, IV) e de 1967 (art. 8º, VII), mas que na sua Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969, aparece como art. 8º, VIII. A Constituição de 1988 também dispôs sobre a matéria, "Da Segurança Pública", no seu art. 144 (COSTA, 2012, p.528).
Na Constituição da República Federativa dos Estados Unidos do Brasil de 1934 em seu artigo 5º, inciso V, tem-se que "compete à União organizar a defesa externa, a polícia e segurança das fronteiras e as forças armadas" (BRASIL, 1934).
Na mesma constituição ocorreu mais uma vez a centralização e o controle da polícia em torno do poder da união. Além de uma forte tensão entre os governos estaduais e o governo central.
Costa esclarece sobre o período após a Revolução de 1930 em que Getúlio Vargas se torna presidente:
Neste período do governo Vargas houve uma forte tensão entre os governos estaduais e o central. Inicialmente o controle das polícias civis e militares foi centralizado sob as ordens dos governadores, esse fato fez com que algumas polícias militares adquirissem grande capacidade bélica, tornando-se verdadeiros exércitos locais. Um bom exemplo desse poderio está nas tropas paulistas da época, que na Revolução de 1932 combateram as forças federais, porém foram derrotadas (COSTA, 2007, p.92-93).
Conforme Martins na Constituição dos Estados Unidos Do Brasil de 1934 ainda incluiu em seu texto o título VI que tratava da segurança nacional:
Verificou-se também o surgimento de um título específico para a Segurança Nacional e se constatou que a União ficava encarregada de legislar sobre a organização e garantias das forças policiais dos Estados, bem como sobre a sua utilização em caso de guerra, figurando as Polícias Militares pela primeira vez no nível constitucional, porém, como reserva do Exército, estabelecendo também restrições de caráter eleitoral às autoridades militares e policiais (MARTINS, 2007, p.59).
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 foi primeira a utilizar a expressão segurança pública em seu artigo 16, inciso V, "Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: o bem-estar, a ordem, a tranquilidade e a segurança públicas, quando o exigir a necessidade de uma regulamentação uniforme" (BRASIL, 1937).
O artigo 15, inciso V, do referido diploma precisa que "Compete privativamente à União: organizar a defesa externa, as forças armadas, a polícia e segurança das fronteiras" (BRASIL, 1937). Verifica-se através desse artigo que era de competência da união organizar as polícias. Os Estados poderiam apenas legislar supletivamente em alguns temas conforme o artigo 18, em "medidas de polícia para proteção das plantas e dos rebanhos contra as moléstias ou agentes nocivos" (BRASIL, 1937).
Na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 ocorre a supressão da expressão segurança pública, porém ela permanecia implicita. No artigo 183 verificava-se que "As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército" (BRASIL, 1946).
Martins assevera que:
A Constituição de 1946, não deu a área da Segurança Pública um tratamento destacado, mas sim, acabou tratando-a de forma esparsa, principalmente quando estabeleceu que competia à União organizar legislar sobre a organização, instrução, justiça e garantias das policias militares (MARTINS, 2007, p. 64).
Segundo Rio, [...] "A Constituição Federal de 1967, assim como a de 1946, até por influência do regime militar, não trazia, literalmente, o termo segurança pública" [...] (RIO, 2013, p.189). Porém o artigo 13, § 4º expressava que:
Art. 13 Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes: Inc. VIII, § 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército, não podendo os respectivos integrantes perceber retribuição superior à fixada para o correspondente posto ou graduação do Exército, absorvidas por ocasião dos futuros aumentos, as diferenças a mais, acaso existentes (BRASIL, 1967).
Porém, ocorreram mudanças significativas nas forças policiais do país, onde a segurança pública tornou-se um complemento da segurança interna e subordinada ao Exército Brasileiro.
Consoante Pedroso, sobre o formato da polícia no período da ditadura militar:
Durante as primeiras décadas do século XX verificou-se a estruturação nos moldes ideológico e militar da autuação policial, viés este que continuou nas décadas posteriores e também durante os governos militares (1964-1985). O que diferenciou a atuação repressiva durante a ditadura militar das dos governos das primeiras décadas do século XIX foi que a ditadura utilizou o Exército como principal força repressiva, enquanto o Deops (Departamento de Operação Policial) serviu de coadjuvante no cenário político-repressivo, invertendo a preponderância que a polícia teve ao longo das primeiras décadas, como órgão monopolizador e centralizador da ordem pública (PEDROSO, 2005, p.148).
A CRFB/88 foi a primeira a dedicar um capítulo específico ao tema segurança pública, sendo disciplinado no artigo 144, capítulo III, título V "A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]". (BRASIL, 1988). Chega-se a esse objetivo através dos seguintes órgãos: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Com o advento da CRFB/1988, retira-se do texto anterior a expressão segurança nacional que se preocupava principalmente com a proteção ao Estado e passa-se a adotar a terminologia segurança pública.
Outrossim, observa-se que a CRFB/88 retira do Estado a competência exclusiva sobre a segurança pública ao prever que "[...] é dever público e direito e responsabilidade de todos, de modo que se trata de uma moeda de duas faces, com a responsabilidade sendo compartilhada por diversos setores" (COSTA, 2012, p. 1535). Porém, o Estado mantém o monopólio sobre o uso da força na sociedade.
A vigente CRFB/88 imputa à sociedade não só o gozo, mas também uma participação efetiva na segurança pública e ainda especifica as instituições estatais, responsáveis pela segurança pública no âmbito federal e estadual, sendo a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária Federal, as Polícias Civis Estaduais, as Polícias Militares e o Corpo de Bombeiros, cada instituição com funções estabelecidas constitucionalmente e que convergem sempre em prol da coletividade e na manutenção da ordem pública.
Existe uma repartição de competências entre a União e cada uma das Unidades da Federação na composição do sistema e na promoção da Segurança Pública. As polícias federais (Federal, Rodoviária e Ferroviária) têm suas atribuições estritamente enumeradas, afastadas essas áreas específicas, a segurança pública é da competência da organização policial dos Estados. Aos municípios não foi permitida a criação de instituições policiais, com isso eles ficaram com a responsabilidade de auxiliar o Estado na Segurança Pública local. Entretanto, foi permitida a criação de Guardas Municipais, exclusivamente destinadas à proteção dos bens, dos serviços e das instalações municipais. Moreira Neto cita o artigo 144 da CRFB/88:
No art. 144, § 1.º, I, e §§ 2.º e 3.º, são instituídos três órgãos federais de polícia de segurança pública: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal, atribuindo-lhes funções de preservação da ordem pública, tanto de natureza preventiva como repressiva, em seus respectivos âmbitos de atuação (tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, contrabando e descaminho, polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, a cargo da polícia federal, como ramo geral, e o policiamento ostensivo de rodovias e de ferrovias, respectivamente, a cargo das duas outras instituições, como ramos específicos ( MOREIRA NETO, 2014, p. 556).
O Poder Constituinte de 1988 procurou destacar em seu texto a segurança pública já que ela é um meio para se chegar a manutenção da ordem pública, objetivo dos gestores executivos e para se chegar a esta deve-se necessariamente ter como caminho aquela. O conceito universalmente aceito para segurança pública é mais restrito do que o da ordem pública, devendo ser preservada pelas polícias militares no artigo 144, § 5º, uma vez que além das atribuições de polícia ostensiva (de segurança) também busca alcançar a tranquilidade pública e a salubridade pública (LAZZARINI, 1992). O mesmo autor em outras palavras afirma que:
[...] a Constituição da República de 1988 passou a prever que a segurança pública, como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos (art, 144, caput), sendo um estado antidelitual, será exercida, na República Federativa do Brasil, pelas Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, devendo ser lembradas, por assemelhação, as Guardas Municipais, porque integram a previsão do aludido Capítulo e art. 144, no seu § 8° (LAZZARINI,1992, p. 283).
A CRFB/88 é taxativa sobre a criação de outros órgãos policiais em quaisquer níveis estatais, impedindo assim que órgãos não previstos na norma constitucional exerça a função de garantir a segurança pública. Deve-se observar que a ordem cronológica apresentada no artigo 144 da CRFB/88 não significa um escalonamento hierárquico, ou seja, a supremacia de um órgão sobre o outro. "Não pode haver também a coordenação das atividades de um órgão sobre o outro, uma vez que indiretamente estaria ocorrendo uma supremacia entre eles" (LAZZARINI, 1992, p.283).
"Os sete órgãos apresentados pertencem a entidades estatais diversas, tendo várias linhas hierárquicas dentro dessas esferas. O artigo 144 da CRFB/88 definiu a competência de cada órgão e os seus limites de atuação" (LAZZARINI, 1992, p.283).
Disso decorre a conclusão de que a CRFB/88 permite que os municípios constituam guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Vale lembrar que as guardas municipais não podem portar arma de fogo, pois não têm natureza de polícia. A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do §4º do art. 39, isto é, a remuneração deve ser feita sob o regime de subsídio.
"As forças policiais encontram-se legitimadas para empregarem o uso da força, que deve se afastar do campo da arbitrariedade do abuso" (ROSA, 2003, p.03). O Estado, através dos seus administradores, deve confiar em suas forças policiais, estas devem ter como objetivo a preservação da segurança pública e dos direitos e garantias fundamentais. Os seus agentes devem estar preparados para trabalhar dentro da legalidade (ROSA, 2003, p. 03).
Choukr assegura que:
A essência organizacional e o funcionamento das estruturas policiais não sofreram grandes modificações após o fim do período ditatorial, tecendo críticas no sentido de que a Constituição Federal de 1988 deixou de proceder alterações significativas no sistema de segurança interna, na medida em que manteve em seu texto praticamente todas as estruturas policiais até então existentes, inovando apenas no que diz respeito à introdução das policiais municipais (CHOUKR, 2004, p.03).
Lenza explana no que pertine à CRFB/88, que as forças policiais que atuam para preservar a segurança pública e se estruturam da seguinte forma:
A atividade policial divide-se, então, em duas grandes áreas: administrativa e judiciária. A polícia administrativa (polícia preventiva, ou ostensiva) atua preventivamente, evitando que o crime aconteça. Já a polícia judiciária (polícia de investigação) atua repressivamente, depois de ocorrido o ilícito penal (LENZA, 2012, p.936).
Assim, às Polícias Militares, polícia ostensiva, tanto quanto às Polícias Civis, polícia judiciária, dois dos órgãos responsáveis pela segurança pública, possui a tarefa essencial de combate à criminalidade, prevenção de ocorrências de delitos e apuração de crimes, conforme a CRFB/88.
Por conseguinte, o Constituinte originário de 1988 procurou dar uma nova visão à segurança, excluindo a expressão "Segurança Nacional" com o objetivo de demonstrar a ausência de qualquer associação do atual conceito de segurança com a ideologia que orientou as ações das Forças Armadas e das instituições policiais durante a Ditadura Militar, em contra partida ressaltou à importância da categoria Segurança Pública, expressão inexistente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1967.
Zaffaroni entende que está ocorrendo o restabelecimento de uma nova doutrina de segurança nacional. Essa seria imposta pela mídia, que expõe a vítima, aumentando o medo do crime e da violência na população, forçando o poder político a adotar medidas repressivas, de lei e ordem, que visam na realidade subjugar e manter a dominação sobre determinados segmentos sociais (ZAFFARONI, 2007).
1.3 As organizações policiais
Conceituando de forma ampla, "organizações policiais são, como outras instâncias da vida social, formas particulares de ação coletiva" (MONET, 2001). Mas constituem, também, uma modalidade de organização burocrática com inspiração militar, onde hierarquia e disciplina são características fundamentais (MONET, 2001).
A particularidade do universo policial, contudo, se destaca, sobretudo, pela sua função, referente ao papel de assegurar uma ordem socialmente estabelecida, mas detida pelo Estado, ordem sob a qual se assentam todos os que se submetem à sua autoridade, em uma importante centralidade da relação entre os conceitos de polícia e Estado soberano.
A polícia existe para prover a segurança da sociedade ou do Estado. Para Dominique Monjardet, ao abordar a temática, no seu ponto de vista, há três modalidades de atuação da polícia, que seria: "polícia de ordem (política), polícia criminal (repressiva), ou polícia urbana (preventiva, comunitária, de proximidade), os clientes dessas vertentes policiais seriam, respectivamente, o Estado, o criminoso e o cidadão" (MONJARDET, 2003, p.281).
Contudo, ainda diante das particularidades de suas definições para o termo polícia, Bittner destaca a ideia da monopolização, pelo Estado, do uso legítimo da força, com o intuito de assegurar níveis desejáveis de obediência a normas relativas à existência e resolução de conflitos (BITTNER, 2002). De um ponto de vista da moderna polícia burocratizada, ainda, é central a conceitualização do modelo de ordem sob lei, mecanismo democrático de expropriação dos indivíduos dos recursos à violência e de subordinação do trabalho policial ao sistema judiciário (PAIXAO, 1997).
2.1 O surgimento da instituição policial no cenário internacional e nacional
O ser humano desde os tempos mais remotos, nas tribos, nas cidades, nos impérios, reinos e em outras formas de organização social, sempre teve uma preocupação especial com a proteção de sua incolumidade física, a garantia da posse ou da propriedade de determinados bens, o respeito a si e a sua família, a estabilidade de seus negócios, dentre a uma existência livre de perigos, ameaças e prejuízos (OLIVEIRA, 2008, p. 14).
A busca por uma vida mais tranquila e estável no seio do grupo fez surgir instrumentos de controle, normas e regras, dominação ou contenção que visam disciplinar e ordenar a organização do grupo social, o exercício do poder, possibilitar a coexistência, promover a paz social e a segurança. Dentre esses regramentos destacam-se as normas de direito, que possuem caráter coercitivo e sujeita a sanção pelo não acatamento (SANTOS JÚNIOR, 2009, p. 18).
Segundo Martins:
A garantia da observância a tais normas foi exercida das mais variadas formas, sobretudo por meio das instituições policiais e da jurisdição. Entretanto, até mesmo as funções de persecução e de aplicação da justiça criminal chegaram a ser consideradas privadas, diversamente dos modelos hoje prevalentes. Assim, é incorreto afirmar que a promoção da segurança tenha sido sempre uma incumbência do Poder Público (MARTINS, 2008, p.55).
Por outro lado, encontra-se desde a antiguidade referência quanto à existência de "guardiões da lei", instituições policiais públicas ou privadas responsáveis por fazer com que as normas de caráter coercitivo fossem cumpridas, quando necessário mediante o uso da força, visando principalmente à proteção dos indivíduos e à sustentação da governabilidade (SANTOS JÚNIOR, 2009, p. 18).
Para compreender a atual função da polícia deve-se analisar todo o contexto histórico do seu surgimento com o propósito de se verificar como a polícia foi usada de diversas maneiras pelos Estados, em alguns casos, como forma de impor as vontades dos governantes. Com o surgimento da sociedade teve como consequência a necessidade de um controle social.
A polícia era basicamente do governo, ou seja, "estruturada para assegurar as decisões do poder político, a hegemonia de uma determinada elite, e não para zelar pelo bem estar geral da população" (MARTINS, 2009, P. 19).
A palavra polícia, da sua origem aos dias atuais, foi empregada em várias acepções. Ela "correlaciona-se com a segurança. Vem do grego polis que significava o ordenamento político do Estado" (SILVA, 2003). Dessa forma, ela fazia referência à estrutura de governo e a sua forma de governar. Conforme assevera Souza:
No decorrer dos séculos, o termo polícia teve vários significados. Variou desde a sua simples etimologia, segundo a qual a polícia era "o conjunto das instituições necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade Estado". Na Idade Média, indicava a "boa ordem da sociedade civil". Seguindo essa tendência de significação mais abrangente, na Idade Moderna, compreendia "toda atividade da administração pública". A partir do início do século XIX, o significado voltou a ser mais restrito, passando a identificar-se como a "atividade tendente a assegurar a defesa da comunidade dos perigos internos (SOUZA, 2008, p. 33).
Segundo Magalhães, "o termo polícia quando mais recuarmos no tempo, mais amplo é o seu significado. Significava quase tudo, tudo o que era conforto, educação, limpo, harmonioso, belo, farto, polido, culto" (MAGALHAES, 2000). Nos dias atuais o termo se confunde com segurança pública.
Existem registros sobre a origem das polícias no mundo enquanto função de prover segurança desde a antiguidade, quando se formaram os primeiros grupos sociais, surgiram buscas por regras com o intuito de resolver conflitos, viabilizar a paz social. Desse modo, a atividade da polícia, é, por princípio, política.
No Egito antigo o faraó designava alguém para evitar o acontecimento de crimes. Da mesma forma, na China antiga as ruas das cidades mais importantes contavam com a vigilância de policiais que eram obrigados a prestarem contas a chefes de bairros e estes por sua vez prestavam contas aos magistrados (MORAES, 2000).
Tem-se notícias que o primeiro corpo de homens estabelecidos como organismo policial surgiu na Roma Antiga por meios de centúrios, homens que eram recrutados pelo exército romano que passavam a integrar um corpo de polícia organizado e militarizado e que tinha função de vigiar/patrulhar a cidade (GIULIAN, 2002).
"A polícia somente veio a apresentar organização em Roma, ao tempo do Imperador Augusto nos anos de 63 a.C. a 14 a.C." (BONFIM, 2006, p.16). Quando findou o império romano, junto com ele sucumbiram as organizações policiais. Segundo anota Bonfim:
Do primeiro corpo de homens organizados como polícia foram retiradas centúrias de homens do exército romano, chefiadas pelo denominado centurião, com a missão de patrulhamento. Eram subordinadas a um magistrado romano da cidade, conhecido como edil, e também militarizadas. Ou seja, o primeiro registro que se tem de corpo organizado de polícia era municipal e militarizado (BONFIM, 2006, p.16).
Pode-se afirmar que desde a antiguidade, na história da civilização são encontrados registros da existência da polícia como instituição organizada, como exemplo entre os egípcios, hebreus, sinos, gregos onde nas cidades nomeavam se o "prefeito da cidade" como encarregado da "ordem pública" e o fazer observar as leis policias, e romanos, inclusive entre os povos incas e astecas (GIULIAN, 2002).
"Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significando a ação do governo no intuito de manter a ordem pública, a tranquilidade e a paz interna" (CARVALHO FILHO, 2007, p. 191). Continua o autor a dissertar sobre o assunto:
A Polícia, com o sentido que hoje se lhe empresta – órgão do Estado incumbido de manter a ordem e a tranquilidade públicas –, surgiu, ao que parece, na Velha Roma. À noite os larápios, aproveitando a falta de iluminação, assaltavam a velha urbs, e seus crimes ficavam impunes, porque não eram descobertos. Para evitar essa situação, criaram os romanos um corpo de soldados que, além das funções de bombeiros, exerciam as de vigilantes noturnos, impedindo, assim, a consumação dos crimes (CARVALHO FILHO, 2007, p. 192).
Porém, no princípio da Idade Média, ocorreu uma desarticulação e retrocesso da polícia enquanto instituição pública, deixando de ter como principal função o controle social, e a própria sociedade responsável para resolver seus problemas no que era atinente a segurança pública (MARTINS, 2009). No entanto, a polícia institucionalizada ressurgiu no fim dessa mesma era e início da Idade Moderna. Como salienta Martins:
[...] na Europa um processo de reestruturação das instituições policiais, vinculado ao do sistema político, que antecedeu o nascimento das polícias modernas. As polícias que ressurgem apresentam modelos e características estruturais diversas, citam-se como exemplos a Maréchaussée francesa, estruturada de forma semelhante ao Exército, e o sherif inglês, um representante da coroa nos distritos (uma espécie de prefeito) com atribuições policiais. Esses incipientes modelos influenciam na formação da polícia moderna e hodierna (MARTINS, 2009, p. 20).
A força policial pública especializada se dá com a formação dos estados modernos, e com as lutas de classes no século XVIII, no continente Europeu, tendo como ideias a ideologia da Revolução Francesa "igualdade, liberdade e fraternidade". Com isso surgem os dois tipos ou status de polícias que mais influenciaram na polícia do ocidente, um de status militar, idealizado por Napoleão Bonaparte na França, que foi um exímio administrador que criou e implantou um sistema policial conhecido como gens d"armes[5](BONFIM, 2006).
Esse modelo se espalhou por quase toda a Europa, dando origem a escola policial atualmente conhecida como escola de polícia latina, sendo melhor implantada nos países que tiveram administrações centralizadas e autocráticas de governo. "Suas polícias têm formação militar ou militarizada são unitárias e seus comandos são estaduais ou federais" (BONFIM, 2006, p.17).
E um modelo civil ou anglo-saxão que surgiu na Inglaterra, vale ressaltar que esse modelo se espalhou pelo mundo a partir da expansão do respectivo império inglês. A diferença entre a polícia inglesa e a francesa nessa época é que a primeira visava a defesa dos cidadãos, e a última era voltada para a defesa do próprio Estado. Ratificando que os países latinos adotaram o modelo francês e os países de tradição anglo-saxônica optaram pelo modelo inglês. Lembrando que as polícias brasileiras são alinhadas ao padrão francês, advindo de sua história relacionada aos portugueses (GIULIAN, 2002).
No mundo todo, a polícia se faz presente, independentemente de ser a nação de regime democrático ou ditatorial; e, normalmente, elas se dividem em dois tipos: a escola latina, antes referida, e a escola anglo-saxônica. Nos dias atuais existem ainda países na Europa que continuam com o sistema de polícia do tipo gens d"armes, a exemplo de Luxemburgo, Suíça (BONFIM, 2006).
No cenário nacional, as polícias brasileiras desde a sua origem têm passado por uma série de transformações no que concerne sua estrutura, objetivos e competências, que foram historicamente alterados, sobretudo em decorrência do sistema político, da realidade econômica vigente à época e das disputas entre o poder central e as lideranças locais. A polícia brasileira sempre esteve ligada à política, na maioria das vezes sob o comando dos governadores. Desse modo, a ideia de polícia está intimamente atrelada à noção de política.
O surgimento da instituição policial remonta a época do Brasil colônia, no entanto era algo bem rudimentar.
As primeiras e incipientes forças policiais foram criadas no início do período colonial, de acordo com Martins, "Já em 1530, com a chegada de Martin Afonso de Souza, forças policiais foram utilizadas para organizar as terras descobertas e garantir a governabilidade" (MARTINS, 2008, p.60). O objetivo era assegurar o poder da oligarquia sobre o povo. Esse serviço de policiamento foi exercido nas capitanias pelos próprios donatários, que, de forma privada, mantinham às suas custas e ordens a segurança em suas terras. Martins assevera que:
O exercício de atribuições policiais pelas Forças Armadas causava descontentamento e protestos por parte dos oficiais que as comandavam, porém somente por volta de 1626 é criada no Brasil uma polícia pública e especializada. Essa Força Policial denominada Quadrilheiros foi criada à semelhança do modelo policial português da época e tinha por atribuição policiar algumas cidades, dentre elas a de São Sebastião do Rio de Janeiro, capturar escravos fugitivos e controlar a população de baixa renda (MARTINS, 2008, p.60-61).
Com a vinda da família real em 1808, houve a implantação da forma de administração da Corte Real, primeiramente no Rio de Janeiro, com a Intendência Geral da Polícia da Corte, só para reiterar, que tinha o modelo francês, sendo o início das polícias militares no Brasil, que tinha entre outras atribuições a investigação dos crimes e a captura dos criminosos. O intendente-geral de polícia ocupava o cargo de desembargador e tinha amplos poderes, podendo além de prender também julgar e punir aquelas pessoas acusadas de delitos menores (GIULIAN, 2002, p. 38).
Contudo, outras fontes identificam o surgimento da polícia brasileira em 1775, no estado de Minas Gerais, originalmente denominada Regimento Regular de Cavalaria de Minas, em Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto. Em um período ainda anterior, 1709, é possível a identificação de Ordenanças e Tropas de Linha com caráter já militarizado (BARROS, 2007).
No entanto, os autores Oliveira e Dantas, afirmam que Intendência Geral de Polícia do Brasil, era um órgão, "puramente civil" (OLIVEIRA, DANTAS, 2013).
Assim, é uma das polícias civis mais tradicionais de todo o mundo, já que antecipou a criação da polícia espanhola (1824), da Scotland Yard (1829), da polícia de Boston (1838), sendo esta a mais antiga dos Estados Unidos e precedeu ainda a Polícia Cívica portuguesa (1867). Além de ser anterior à Polícia Nacional da França, instituída pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Em resumo o Intendente-geral era um juiz com funções de polícia (OLIVEIRA, DANTAS, 2013). Os autores Costa e Bandeira aduzem que:
Outra instituição criada no século XIX foi a Guarda Real de Polícia. Criada em 1809 e organizada militarmente, a Guarda Real possuía amplos poderes para manter a ordem e era subordinada ao Intendente-Geral de polícia. Seus recursos financeiros eram provenientes de taxas públicas, empréstimos privados e subvenções de comerciantes locais (COSTA, BANDEIRA, 2007).
Em 1831, com o fortalecimento das províncias, o governo autorizou a criação dos Corpos de Guarda Municipal. Acerca da origem da instituição no Brasil, assinala Souza que:
No Brasil, a polícia surgiu em 1808, com a mudança de D. João VI e toda a Corte Portuguesa para o país, em razão das ameaças da expansão das conquistas de Napoleão Bonaparte. Por meio do Alvará de 10 de maio daquele ano, o então príncipe regente instituiu a Polícia da Capital e a Polícia do País (SOUZA, 2008, P.33)
Consoante Martins, devido a "Proclamação da República em 1889, a abolição da escravidão e a migração da população rural para as cidades, houve um rápido crescimento urbano", o que provocou o surgimento de grupos perigosos que precisavam ser controlados, neste intuito, houve uma reestruturação das instituições policiais (MARTINS, 2008, p.68).
Mas somente em 1889, que a polícia foi tomando forma como instituição, com isso, começou a inovar e melhorar a sua atuação junto aos cidadãos brasileiros, em relação á manutenção da ordem e da segurança pública interna.
Conforme Pedroso:
A militarização das organizações policiais foi a solução encontrada para a formação da instituição no Brasil. A ideologia, sob esse aspecto, tornou-se fundamental para a manutenção de um pensamento que, por sua vez, respaldou a atuação bélica contra a população (PEDROSO, 2005, p.31).
As polícias brasileiras desde a sua origem têm passado por uma série de transformações no que diz respeito a sua estrutura, objetivos e competências, que foram historicamente alterados, sobretudo em decorrência do sistema político, da realidade econômica vigente à época e das disputas entre o poder central e as lideranças locais. As atividades policiais foram separadas em funções administrativas e judiciárias em 1842, com características que perduram até os dias atuais, por meio da existência de uma organização policial militar e outra civil (BARROS, 2007).
"A composição das polícias no Brasil foi articulada prioritariamente de forma a conter a desordem e a imoralidade que assolavam as cidades brasileiras, principalmente a capital federal" (PEDROSO, 2005, p. 31). Porém, não deixou de focar no controle de qualquer tipo de distúrbio de origem político social que traria problemas para os Estados brasileiros.
Somente para ratificar, atualmente as organizações policiais brasileiras se dividem em duas forças estaduais. Uma delas, a Polícia Civil, com funções de natureza judiciária, e a Polícia Militar, sobmoldes militares, e com funções relativas ao policiamento ostensivo, de patrulha e uniformizado.
2.2 Definições de Polícia Administrativa e Polícia Judiciária
O poder de polícia estatal incide em duas áreas de atuação, na administrativa e na judiciária, no entanto geram entre os legisladores, administradores públicos e doutrinadores certa confusão, muitos defendendo que as regras de competências dos órgãos policiais sejam livres de normatizações rígidas. Moreira Neto afirma:
No sentido estrito, polícia judiciária é ramo especificamente voltado à elucidação de delitos e seus autores, com atuação predominantemente voltada às pessoas, à sua liberdade de ir e vir. A polícia administrativa, de modo amplo, é voltada às atividades das pessoas, de forma preventiva e repressiva, aplicando executoriamente sobre a propriedade e a atividade privada e excepcionalmente no constrangimento pessoal (MOREIRA NETO, 2009, p.43).
O que qualifica as polícias em administrativa (preventiva) ou judiciária (repressiva e auxiliar) é a atividade desenvolvida pela polícia, ou seja, da ocorrência ou não de um ilícito penal. Quanto às características que diferenciam as duas instituições, a característica militar acompanha a polícia administrativa desde os remotos tempos de sua criação, a começar pelos pilares de sua sustentação: hierarquia e disciplina, modelo de administração, regulamentos, códigos e justiça especializada. Di Pietro elucida:
Uma outra diferença está no caráter preventivo da polícia administrativa e repressivo da polícia judiciária, sendo que a primeira tem por objetivo impedir ações antissociais, e a segunda, identificar e punir infratores da lei penal, regendo-se a primeira pelo direito administrativo, incidindo sobre bens, direitos e atividades, enquanto a segunda rege-se pelo direito processual penal, incidindo sobre pessoas (DI PIETRO, 2012, p. 105).
Vale destacar que a Polícia Militar também exerce a atividade de polícia judiciária no seu âmbito interno, na apuração de crimes de natureza militar, sejam próprios ou impróprios, com fundamento no Código Penal Militar (Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969) e de Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969).
Arremata-se que a polícia judiciária, institucionalizada pela Polícia Civil nos Estados, atua de maneira repressiva no pós-delito, ou seja, após a ação delituosa, fornecendo subsídios para a atuação da jurisdição penal após a ocorrência do delito; já a Polícia Militar, por meio de seu poder de polícia administrativa, age na preservação da ordem pública, principalmente de modo preventivo, ou repressivo imediato caso esteja ocorrendo um ilícito penal ou administrativo. Agindo de forma a não deixar a execução do ato delituoso (DI PIETRO, 2012, p. 105).
Importante salientar que no cotidiano do subsistema policial brasileiro "[...] estas diferenças geram crises entres os órgãos policiais, principalmente entre a Polícia Civil e a Polícia Militar" (LAZZARINI, 2003, p. 83).
2.3 Funções próprias e impróprias da Polícia Militar
A CRFB/88, em seu artigo 144, § 5º estabelece que a Polícia Militar é responsável pelo policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública ordinárias e regulamentares; e também realiza algumas atividades judiciárias, como quando ocorrem crimes militares[6]quanto aos bombeiros militares, além das atribuições, definidas em lei, cabe a atividades de defesa civil. Suas funções se enquadram em atividades de policiamento ostensivo urbano, rural, lacustre, fluvial e aéreo. Após a CRFB/88, também o meio-ambiente foi privilegiado com conquistas e garantias, sendo repassado às Polícias Militares a incumbência no auxílio à fiscalização ambiental (BONFIM, 2006).
"A polícia administrativa é preventiva, regida pelas normas e princípios Jurídicos do Direito Administrativo" (LAZZARINI, 1992, p. 280). A Polícia Militar está associada a polícia administrativa, sendo de caráter preventivo, com o objetivo de impedir as ações antissociais. Mas também pode atuar de forma repressiva, por exemplo, quando apreende a arma usada indevidamente ou a licença do motorista infrator. No entanto, pode-se dizer que, nas duas hipóteses, ela está tentando impedir que o comportamento individual cause prejuízos maiores à coletividade (DI PIETRO, 2012).
As Polícias Militares possuem suas raízes no decreto expedido pelo então regente Padre Diogo Antônio Feijó. A esse respeito, observa que, "A Lei de 10 de outubro de 1831 que assim se formou, estendo às províncias a instituição dos guardas permanentes, significa o monumento básico das Polícias Militares Estaduais" (SAMPAIO, 1981, p.51).
Os integrantes das Polícias Militares são agentes policiais e exercem funções de segurança pública, que é diversa das realizadas pelas forças armadas que, em atendimento ao artigo 142, da CRFB/88, são responsáveis pela defesa da pátria, segurança nacional, e a garantia dos poderes constitucionais, e por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Assim, "[...] às Polícias Militares, forças auxiliares e reserva do Exército cabem à polícia ostensiva e a preservação da ordem pública" (MOREIRA NETO, 2014, p. 461). "A polícia administrativa é preventiva, regida pelas normas e princípios Jurídicos do Direito Administrativo" (LAZZARINI, 1992, p. 280). Moreira Neto afirma, "a destinação constitucional das Polícias Militares compreende a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, sem prejuízo da convocação e mobilização coletivas, que as tornam forças auxiliares, reservas do Exército [...]" (MOREIRA NETO, 2014, 558).
A Polícia Militar é responsável por exercer o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública, conforme previsão do art. 144, § 4 da CRFB/88, a quem compete também toda a atividade policial de segurança pública que não seja de competência dos outros seis órgãos colocados no art. 144, caput, da CRFB/88. Ela também possui competência para realizar a investigação militar preventiva, aquela em que o Policial Militar exerce as suas funções em trajes civis (LAZZARINI, 1992, p.284). Com relação ao Corpo de Bombeiros Militares o mesmo autor assevera, "[...] seus integrantes a princípio não exercem função de policiamento preventivo ou ostensivo. A atividade fim desse órgão de segurança pública é a de prevenção e combate a incêndios" (LAZARINI, 1992, p.284).
Do outro lado, a Polícia Militar realiza de maneira imprópria outras atividades, que não estão previstas constitucionalmente, como as atividades de investigação, próprio da Polícia Judiciária.
Esse serviço de inteligência, também conhecido como velado, reservado ou PM2 tem como atribuições: o levantamento de informações para que o comando planeje ações policiais, como a prisão de criminosos ou apreensão de materiais ilícitos e a apuração de denúncias contra policiais militares. Nesse contexto, e para que se compreenda a dimensão da atividade de inteligência, acorre-se ao conceito disposto no artigo 1º, § 2º, do Decreto n. 4.376/2002, que regulamentou a Lei n. 9.883/1999:
Art.1º. [...]. §2ºInteligência é a atividade de obtenção e análise de dados e informações e de produção e difusão de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, relativos a fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, ação governamental, a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado (BRASIL, 2002).
A Polícia Militar deve dispor de um Serviço de Inteligência, capaz de obter dados para identificar quem são os criminosos, como e onde eles atuam, visando obter um policiamento preventivo/repressivo eficaz. É importante ressaltar que a investigação realizada pela Polícia Militar não se confunde com a investigação realizada pela Polícia Civil. A Polícia Militar não instaura inquéritos policiais, não interrogam suspeitos, portanto, não há que se falar em usurpação da função pública por parte de Policias Militares.
2.4 Funções próprias e impróprias da Polícia Civil
Assim como a Polícia Militar, a CRFB/88 reservou à Polícia Civil o exercício da polícia judiciária nos Estados, ou seja, a atividade de investigação e repressão da criminalidade. "O termo polícia judiciária não quer dizer que ela pertença ao poder judiciário. Ela é uma atividade administrativa com o objetivo de coletar dados para subsidiar o poder judiciário" (Knoplock, 2013, p.264). Ela atua após a ocorrência de crime para se chegar à autoria e materialidade. "Sujeita-se basicamente aos princípios e normas do Direito Processual Penal. No sistema atual, a polícia judiciária é exercida pela Polícia Civil e pela Polícia Federal" (MAZZA, 2013, p. 253).
Segundo Távora a polícia judiciária é:
De atuação repressiva, que age após a ocorrência das infrações penais, visando angariar elementos para a apuração da autoria e constatação da materialidade delitiva. Neste aspecto é destacado o papel da polícia civil, que tem a função primordial de elaboração do Inquérito Policial. Incumbirá ainda à autoridade policial, o fornecimento de informações necessárias à instrução e julgamento de processos às autoridades judiciárias, bem como a realização de diligências, requisitadas pelo Ministério Público e pelo juiz (TÁVORA, 2009, P.43).
Nucci esclarece que:
O nome polícia judiciária tem sentido na medida em que não se cuida de uma atividade policial ostensiva (típica da Polícia Militar para a garantia da segurança nas ruas), mas investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro ( NUCCI, 2005, P.123).
A Polícia Civil abarca várias atribuições, claro, sendo a maioria relativa à justiça, todavia, em quase todos os Estados da Federação, elas exercem várias funções administrativas. Como sua função original é a apuração das infrações penais, (salvo o que envolve a justiça militar), com as investigações pré-processuais, ou seja, após a ocorrência de um delito, contando com os inquéritos policiais e os autos-de-prisão em flagrante, termos circunstanciados e boletins de ocorrência (BONFIM, 2006, p.32).
"No entanto com a aprovação da lei 9.099/95, que trata dos Juizados Especiais, mais uma função foi concedida à Polícia Civil, em conjunto com as secretarias dos fóruns, marcam audiências para o respectivo procedimento" (BONFIM, 2006, p. 32).
Exercer as funções de polícia judiciária significa essencialmente, realizar o papel imediato do Poder Judiciário, diante de toda e qualquer privação de liberdade em razão de possível prática de infração penal observada em seu estado flagrancial. De tal forma, o Delegado de Polícia assume de forma emergencial o papel do Juiz de Direito, recebendo a provocação para a aplicação imediata do Direito a um caso concreto, mesmo que o fazendo de maneira precária e reversível, evidentemente (LAZZARINI, 1992).
"A polícia judiciária atua repressivamente com o objetivo de punir os infratores da lei" (DI PIETRO, 2012, p.125).
Já Lazzarini conceitua:
[...] a polícia judiciária é repressiva, exercendo uma atividade tipicamente administrativa de simples auxiliar da repressão criminal, que é exercida pela Justiça Criminal, pelo órgão competente, inclusive de outro Poder da Soberania do Estado que é o Poder Judiciário. Bem por isso a polícia judiciária é, embora manifestação da atividade administrativa do Estado, regida pelas normas e princípios de Direito Processual Penal (LAZZARINI, 1992, p. 280).
Pondere-se, no entanto, que "[...] o termo polícia judiciária não quer dizer que ela pertença ao poder judiciário. Ela é uma atividade administrativa com o objetivo de coletar dados para subsidiar o Poder Judiciário" (KNOPLOCK, 2013, p.264).
A Polícia Civil atua após a ocorrência de crime para se chegar à autoria e materialidade. "Sujeita-se basicamente aos princípios e normas do Direito Processual Penal. No sistema atual, a polícia judiciária é exercida pela Polícia Civil e pela Polícia Federal" (MAZZA, 2013, p. 253).
Para Knoplock:
Ocorre que os agentes da polícia judiciária agem no campo dos ilícitos penais, investigando a prática de crimes, desenvolvendo atividades como oitiva de testemunhas, convocação de indiciados, inspeções e perícias, e, terminada a apuração, enviando os elementos ao Ministério Público para propositura de ação penal, pela via judicial, razão pela qual é chamada de polícia judiciária, apesar de não pertencer à estrutura do Poder Judiciário. Daí, então, a principal diferença entre as espécies é que a polícia judiciária atua no campo do ilícito penal, enquanto a polícia administrativa age no campo do ilícito administrativo (KNOPLOCK, 2013, p.264).
A Polícia Civil exerce outras atividades, desvinculadas das atribuições, conferidas pela CRFB/88, como acontece em Minas Gerais, no qual a Polícia Civil ainda é responsável pelos serviços do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) a exemplo de vistorias e emissão de Certificado de Registro de veículo, bem como a habilitação do candidato ao processo de habilitação, dentre outras, conforme a lei Orgânica da referida instituição, Lei 5406/69 de 16 de dezembro de 1969 (MINAS GERAIS, 1969).
Ressalta-se que a Polícia Civil também exerce atipicamente atividades ostensivas, a exemplo de grupos específicos, criados para atuar em determinados tipos de crimes, a exemplo do GRE (Grupo de Respostas Especiais) e outros grupos, atuantes em vários Estados da Federação, como grupos anti-sequestros.
Outra função exercida pela Polícia Civil, significativa e prejudicial às verdadeiras funções da mesma são as funções administrativas de trânsito e de identificação civil, pois parte dos recursos públicos são destinados a isso, além dos funcionários que poderiam fazer este papel, sem contar que poderiam está exercendo sua função primordial que é investigar (BONFIM, 2006, p. 34).
Como já citada sobre a parte cartorária da Polícia Civil, também é muito prejudicial às suas funções institucionais. E uma outra função é a questão das delegacias servirem de cadeias públicas, e até mesmo penitenciárias, e seus agentes em papel de carcereiro. Tudo isso só contribui para o quadro de ineficiência desse órgão de segurança pública. Com isso, perde quase todo o seu efetivo nas suas disfunções (BONFIM, 2006, p. 34).
A CRFB/88 consagrou o Estado Democrático de Direito como um novo paradigma, o qual propõe uma reanálise dos institutos constitucionais dos Estados anteriores, implicando uma redefinição e materialização de direitos e garantias constitucionais. O artigo 1º da CRFB/88 estabelece que:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político (BRASIL, 1988).
"No modelo democrático, a Segurança Pública é via de acesso à cidadania plena, ao garantir o respeito à dignidade da pessoa humana e aos próprios Direitos Humanos" (CARVALHO NETTO, 1998, p. 480). O mesmo autor assevera:
Ademais, o Estado Democrático de Direito é um conceito que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Surge, portanto consigo os direitos de terceira geração (direitos difusos), que redefiniram os conceitos de Estado, cidadania e democracia (CARVALHO NETTO, 1998, P.481).
Entende-se que o Estado Democrático de Direito rege-se por normas democráticas e visa à efetivação de direitos, previstos na CRFB/88. Para isso, é imperioso ao poder público estar munido de estrutura para a aplicação desses direitos, vez que o princípio da soberania popular ampara o cidadão de legitimidade para participação no processo político e na elaboração de políticas públicas (CARVALHO NETTO, 1998).
Para o Estado Democrático de Direito é importante a remodulação do papel do Estado a quem compete à tutela dos interesses difusos e coletivos, conhecidos como de 3ª geração, compreendem aqueles direitos em que não se podem definir claramente os seus beneficiários, a exemplo dos direitos ambientais e do consumidor. Verifica-se nestes casos que o Estado quando não é responsável diretamente pela não obediência desses direitos, é no mínimo negligente, face ao seu dever de fiscalização, colocando em xeque a relação entre o público e o privado. Neste contexto, os direitos de 1ª e 2ª geração ganham um novo significado, sendo que os de primeira geração ganham uma conotação processual, de participação no debate público, em conformidade com o Estado Democrático de Direito (CARVALHO NETTO, 1998).
A lei é efetivamente o ato de maior realce na vida política. Ato de decisão política por excelência, e por meio dela, enquanto emanada da atuação da vontade popular, que o poder estatal propicia ao viver social modos predeterminados de conduta, de maneira que os membros da sociedade saibam, de antemão, como guiar-se na realização de seus interesses. Mas, não é qualquer lei que torna democrático o Estado de Direito, e sim normas que visem à concretização da igualdade e da justiça, não pela sua generalização, mas pela busca da igualização das condições dos socialmente desiguais (SILVA, 2002).
Na mesma perspectiva, extrai se das afirmações de Leal, a fundamentação do Direito está amparada pelos princípios do texto constitucional e que a ordem democrática empenha-se nesta construção e solidificação. Assevera ainda que qualquer decisão judicial deve estar baseada nos princípios fundamentais, uma vez que a sua não observância pode gerar a revisão ou anulação da decisão. Assim, para a teoria da democracia, os direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal são inafastáveis, porque são pressupostos jurídicos na instalação processual da movimentação do Estado Democrático de Direito (LEAL, 2002).
Assim como as decisões judiciais e de qualquer instância de poder estatal, que sempre devem estar pautadas nos valores e princípios do Estado Democrático de Direito, a atuação policial também deve atentar-se aos seus ditames.
O policial no cumprimento de dever funcional está sujeito às mesmas limitações que vinculam todos os incumbidos de obrigação legal, isto é, órgãos dos Poderes do Estado, seus agentes e particulares deverão nortear-se pelos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da inviolabilidade dos direitos fundamentais (SANTOS, 2010, p. 04).
"Em um Estado Democrático de Direito, juridicamente as forças públicas de segurança, são demandadas para garantir não mais uma ordem pública determinada, mas sim de direitos." (OLIVEIRA, DANTAS 2013). Santos salientam que:
A ordem pública passa a ser definida também no cotidiano, exigindo uma atuação estatal mediadora dos conflitos e interesses difusos e, muitas vezes, confusos e, por isso, a democracia exige exatamente uma função policial protetora de direitos dos cidadãos em um ambiente de conflitos (SANTOS 2010, p. 05 apud OLIVEIRA, DANTAS, 2013)
Imperioso frisar que neste contexto de Estado Democrático de Direito, a atividade policial ganha status de não só garantir a ordem pública, mas também de assegurar os direitos constitucionais daquele que viola a lei penal e que deverá receber tratamento e punição.
A segurança pública deve envolver um conjunto de ações públicas e comunitárias, visando sempre a proteção do indivíduo e da coletividade, pois além de ser um processo sistêmico e otimizado, a segurança pública visa também à aplicação da justiça e a garantia dos direitos e da cidadania a todos (BENGONCHEA, GUIMARAES, GOMES E ABREU, 2004).
Santos, esclarece sobre a relação dos órgãos policiais e o Estado Democrático:
O Estado Democrático de Direito brasileiro, tem como prerrogativa a defesa dos direitos expressos na Carta Magna em vigência desde 1988, segundo a qual, cinco forças policiais (Policia Federal, Policia Rodoviária Federal, Policia Ferroviária Federal, Policia Militar e Policia Civil do Estado) são definidas através do art. 144, como forças para o exercício da preservação da ordem pública – havendo assim, duas funções principais de polícia: manutenção da ordem e manutenção da lei. Contudo, o mesmo texto constitucional não define quem, nem quando, a lei e a ordem são violadas, o que gera uma situação perigosa: o papel discricionário do policial permite que esse ator deva decidir quem e como alguém está infringindo a ordem, como por exemplo, nas ações de manutenção da ordem em momentos de manifestações/protestos em espaços públicos (SANTOS, 2010, p. 06).
A atividade policial brasileira é detalhada pela CRFB/88, dada à importância do trabalho policial, uma vez que dependendo da maneira como for exercida a atividade confirma ou nega o Estado Democrático de Direito. A atividade policial é um oficio de suma importância, seriedade e dimensão única, pois deve atuar de forma a impedir que as garantias e liberdades constitucionais sejam violadas. A polícia não está apenas obrigada a exercer sua limitada autoridade em conformidade com a Constituição e, por meios legais, aplicar suas restrições: também está obrigada a observar que outros não infrinjam as liberdades garantidas constitucionalmente. Essas exigências introduzem na função policial a dimensão única que torna o policiamento neste país um oficio seríssimo (GOLDSTEIN, 2003, p.118).
A polícia, numa sociedade democrática é uma instituição que não será o centro do processo de segurança, mas sim um ente complementar a uma série de outras ações, devendo ser extremamente técnica porque precisa reconhecer e compreender a diversidade e conviver com todo esse processo de diversidade social (BENGONCHEA, GUIMARAES, GOMES E ABREU, 2004, P. 120).
A democratização da área de segurança pública possibilita a compreensão da necessidade de orientar a polícia no sentido de adequar os valores e as práticas de seus departamentos aos problemas interesses dos cidadãos aos quais deve prestar seus serviços. Alguns princípios devem ser observados no processo de democratização, primeiro princípio é a polícia utilizar sua autoridade para servir aos interesses e necessidades do cidadão, segundo princípio, a polícia democrática deve ser responsável perante a lei, e somente depois ao sistema político, o terceiro princípio é a adesão do discurso dos direitos humanos no processo de reforma e na orientação das atividades policiais, e o último princípio refere-se a necessidade de transparência da atividade policial perante a sociedade (BAYLEY, 2001, p.15).
Dessa forma, a eficácia das instituições de segurança de pública deve ser medida pela forma como são promovidos e assegurados os direitos e garantias dos cidadãos. Uma sociedade segura é aquela na qual os direitos constitucionais estão sendo respeitados em sua amplitude.
3.1 Análise da unificação das polícias em face do Direito Internacional
Muitos questionamentos são feitos sobre dualismo policial no Brasil, mas pouco se procura saber sobre o funcionamento da polícia em outros países e sua aplicabilidade prática em favor das sociedades beneficiadas com seus serviços. Sendo que a discussão em nosso país gira em torno de manter a militarização ou não, sem analisar os impactos na sociedade do atual sistema. Para uma análise conclusiva faz se necessário conhecer outros modelos e estruturas policiais, vale afirmar que não podemos descartar desse estudo os componentes particulares de cada sociedade como a formação cultural, influência religiosa, ideologia predominante (RONDON FILHO, 2003, p.37).
Desse modo, não seria possível a implementação de um sistema policial idêntico a outros países, sem levar em consideração as características citadas acima, além das próprias de cada região do Brasil, por esse motivo o presente trabalho analisará alguns modelos de Ciclo Completo no direito internacional. No entanto, buscar modelos externos que obtiveram êxito, pontos de congruência com o atual modelo brasileiro, identificar as falhas existentes na busca do aperfeiçoamento do modelo policial no Brasil.
Há vários modelos de polícias, inclusive polícias militares ou militarizadas, no entanto todas realizam o ciclo completo de polícia, ou seja, possuem atribuições para atuar tanto na prevenção, por meio do policiamento ostensivo fardado, como na repressão mediata dos crimes por meio de ações investigativas.
Frequentemente são apontados modelos estrangeiros onde existe polícia militarizada para justificar a existência da polícia militarizada (como França, Portugal, Itália, Espanha, Argentina, Chile, Peru, Colômbia). Em todo o mundo 24% dos países apresentam polícia com alguma característica militar. Com as exceções europeias, onde Portugal e Espanha herdaram a polícia de longos períodos ditatoriais e Itália e França que são países de administração fortemente centralizada, as polícias militarizadas concentram-se na África Negra, ao sul do Saara, e na América Latina, região de longa história de regimes ditatoriais sustentados por polícias militarizadas e controladas pelos exércitos. Segundo relatou David Bayley em seminário em São Paulo, na América Latina 18% dos países têm exércitos realizando atividades de policiamento, em 36% há controle da polícia pelo ministério da defesa ou exército e em 58% das polícias se observam características militares (RONDON FILHO, 2003).
Diante do exposto nos capítulos anteriores, pode-se concluir que o sistema policial brasileiro, como estabelecido no artigo 144 da CRFB/88 tem característica de um modelo separatista, onde cada umas das polícias desenvolve seu papel, de modo não colaborativo. Aspectos culturais, políticos, geográficos, devem ser levados em consideração quando a probabilidade de mudar o sistema institucional da segurança pública de um país. E com esse argumento, serão citados alguns sistemas policias de países como Inglaterra, Estados Unidos e Bolívia.
Assim como a maioria das polícias mundiais, a inglesa é regionalizada, ou seja, cada corporação responsável pela segurança de um determinado campo de abrangência. Vale ressaltar que são independentes entre si, no entanto subordinados a um comando central, chamada de home oficce[7]Um outro detalhe que diferencia do sistema brasileiro é quanto ao custeamento, que ao contrário do Brasil que cem por cento do valor das Polícias Militares e Civis, cabe ao estado, na Inglaterra cinquenta por cento é custeado pelo Tesouro Nacional condicionado ao bom desempenho do policiamento daquela área (MENDES, 1998, P.47).
A Inglaterra possui 43 forças policiais para policiamento das províncias, ficando Londres a cargo da Polícia Metropolitana. A distinção entre elas está na área de atuação (territórios administrativos), pois em cada uma delas a gerência é feita pelos Police Authority (autoridades policiais), "[...]cuja composição – dois terços de seus membros são eleitos – assegura, se não a representação das aspirações dos cidadãos, pelo menos a consideração dos interesses dos contribuintes locais" (MONET, 2001).
No que concerne à estrutura existe as counties[8]que são as polícias dos condados e as polícias de Londres que subdivide em Scontland Yard, que tem duas formas de apresentação, uma com trajes civis e outra uniformizada, e a City Police e para ingressar nessa última será sempre como patrulheiro constable, ascendendo na carreira por merecimento, essa corporação se destina a fazer a segurança da área metropolitana e é impedida de usar armas, porém, essa vedação é combatida (BONFIM, 2006, p. 51).
Existe também à county que faz a segurança da área central de Londres agindo como colaboradora da Scontland Yard, Para a escolha do chefe de polícia, uma junta governativa do território se reune para a escolha do comissário, todavia se faz necessário a aprovação da rainha Elizabeth. As polícias dos condados tem aspectos comuns com as metropolitanas, e sua autoridade e formada pelo conselho de fiscais locais (MENDES, 1998, p. 48). Desse modo cada Police Authority tem sob sua responsabilidade uma unidade especializada de investigadores, realizando dessa forma o ciclo completo de polícia (RONDON FILHO, 2003, p.43).
Os Estados Unidos possuem aproximadamente 17.000 e 25.000 organizações policiais (RONDON FILHO, 2003, p. 43).
O caso norte americano chama atenção, por sua vez, dado que é um modelo que combina organizações policiais de âmbito dos municípios, dos condados, dos estados e do executivo federal. Em todos os países os cidadãos em suas respectivas localidades de moradia estão sujeitos à autoridade de apenas uma força policial, sendo que as jurisdições estão coordenadas. Nos EUA a realidade é outra, sendo que há superposição das polícias dos municípios, condados e estados (MARIANO, 2002 apud RONDON FILHO, 2003, p.43).
A polícia americana é fragmentada, respeitando a mutiplicidade de realidades sociais existente no país, subdivide em forças policiais federais, estaduais, dos condados, municípios, distritais e rurais dos povoados, sendo que as polícias locais tem apoio das centrais estaduais e federais quando solicitadas (MARIANO, 2002).
Nos grandes centros subdividem se em patrulhas, tráfego, investigação e administração, e o no ingresso a função é de patrulheiro uniformizado assim como na polícia inglesa, a ascensão é por mérito, sendo escolhidos desse corpo de policias os detetives de investigação criminal. Os chefes de polícias são subordinados ao prefeito local (MENDES, 1998, p. 50).
Há também o Federal Bureau of Investigation[9](FBI) e a Drug Enforcement Administration[10](DEA) estão no nível federal, entretanto cada Estado da União possui uma polícia a comando de seu governador. Os condados ou municípios são as subdivisões do Estado e têm suas polícias chefiadas pelos xerifes. As polícias municipais têm seu efetivo variado, podendo chegar a milhares, exemplo de Nova York, e estão sob o mando do prefeito (RONDON FILHO, 2003, p. 43).
Como foi demonstrando alguns sistemas de polícias a nível mundial, não poderia deixar de exemplificar um da América Latina com a cultura parecida com a do nosso país.
Desses modelos citados nesse trabalho, pode ser que o boliviano seja o menos complexo, pois sua formação restringe-se basicamente a três corporações básicas com competência funcional bem definida e sem muitas ramificações. Existe a Direção Geral da Guarda Nacional com a função de ordem pública, com policiamento ostensivo, a Direção Nacional de Investigação e que desempenha as funções de polícia judiciária e investigativa e a Direção Nacional de Trânsito, incumbida da parte do trânsito com competência nacional (MENDES, 1998, p. 52).
3.2 Desmilitarização e unificação
Etimologicamente o termo militar, do latim militare, significa soldado, militar, da guerra, guerreiro, combatente de guerra, refere-se àquele que guerreia, ou seja, os militares são totalmente voltados para a guerra. Quando utilizamos o termo militar, muitas vezes, nos recordamos também da palavra bélico, do latim bellicum (de guerra, guerreiro) (AMARAL, 2003, p.57).
No Brasil, a partir da década de 80 do século XX, muitos estudiosos da segurança pública indagam o modelo militarizado da polícia ostensiva, por assim afirmar que este não é adequado ao Estado Democrático de Direito, e que essa missão deve ser desempenhada por instituições civis.
O processo de militarização das polícias brasileiras iniciou-se no século XIX, através do Decreto nº 3.598, de 27 de Janeiro de 1866, que estabelecia a divisão da força policial brasileira, dividindo-a em dois corpos, uma militar e outra civil. Esse processo ganhou intensidade após o ano de 1906, com a chegada da "Missão Militar Francesa", contratada pelo governo de São Paulo (SILVEIRA, 2013, p. 02).
As décadas de 1920 e 1930 também tiveram um papel muito importante para a militarização das polícias, já que nesse período as polícias passaram a exercer funções políticas destinadas a manutenção do poder, como bloqueio do comunismo e a eliminação dos indivíduos considerados inimigos sociais do Estado (SILVEIRA, 2013, p.02).
Um ponto que deve ser abordado é quanto à inserção do termo militar a polícia, foi no governo de Getúlio Vargas na constituição de 1934 foi a primeira vez que esse termo foi usado, antes a denominação era de força pública, e juntamente com essa nomenclatura houve a vinculação ao Exército Brasileiro: "Art. 167 - As polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União" (BRASIL, 1934). Essa ação segundo Higgins:
Significou agir rapidamente contra qualquer governador de estado que pudesse fortalecer as forças policiais estaduais e ameaçar o poder de seu próprio governo central. Assim, um dos primeiros atos de Vargas foi limitar os orçamentos dos governos estaduais para a polícia, tomando medidas especiais contra a poderosa Força Pública de São Paulo, com a nacionalização de sua unidade aérea (HIGGINS, 1988, p. 50).
A lei que regulamentou a organização das polícias militares na condição de reserva do Exército, foi a lei federal nº192/1936, assim como o artigo167 da CF/34, com a advento dessa lei, também criou o foro especial para policiais militares com a criação da justiça militar nos crimes tipicamente militares e nos crimes contra a vida, desde que não sejam dolosos. Com o fim da Era Vargas de 1930-1945 voltou o regime democrático, no entanto a Constituição de 1946 não só manteve o termo "reserva", como incluiu o termo "auxiliares" reforçando a subordinação ao Exército Nacional (CANCELLI, 1994).
Somente em 1967 com o governo militar que o modelo idealizado pelo Estado Novo foi consolidado, onde Constituição de 1967 ratifica a condição das PMs como "forças auxiliares e reservas do Exército", dando continuidade à histórica vinculação das tropas estaduais ao governo central, além do decreto lei nº 667/79, onde todas as polícias estaduais passaram a ser controladas e coordenadas pelo Exército (FICO, 2001).
Para Silva Filho, "mesmo após o fim da ditadura, restaram resquícios autoritários entranhados na sociedade brasileira" (SILVA FILHO, 2011, p. 202). E o mesmo é categórico ao afirmar:
As heranças autoritárias são reflexos das políticas de esquecimento implementadas durante o processo transicional brasileiro que, restou inacabado, na medida em que não foram procedidas as investigações acerca das atrocidades cometidas durante o período autoritário e nem mesmo a abertura dos arquivos da Ditadura, o que impediu a população de ter acesso a verdade, ou melhor, ao terror imposto pelos militares, sendo oportuno o registro de que a própria Anistia foi "vendida" a população como uma espécie de "favor" prestado pelos militares, e não como uma consequência da luta empreendida pelos movimentos de oposição ( SILVA FILHO, 2011, p. 203-204).
Vale evidenciar que no processo de transição após a Ditadura, não foi efetuada qualquer reforma nas instituições de segurança pública, atual sistema das Polícias Militares Estaduais, ostentam características semelhantes as verificadas no Exército, dado que se utilizam de quartéis, equipamentos militares, rígida hierarquia (CHOURK, 2004, apud, SILVEIRA , 2013).
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