Algumas considerações prévias devem ser tecidas, desde logo, para que se evitem repetições desnecessárias no presente trabalho, eis que, muito do que foi ponderado em relação ao procedimento ordinário nos processos que apuram crimes dolosos contra a vida, pode ser novamente aproveitado em sede de apuração de crimes praticados por funcionários públicos.
Tal se dá em relação, por exemplo, aos aspectos atinentes à citação pessoal por mandado ou editalícia, do acusado, ou às alterações do rito do interrogatório judicial que, certamente, se estendem a esse tipo de procedimento processual penal, até porque, como dito no capítulo anterior, se cuidou de inovações efetuadas no atendimento a princípios como o do contraditório e o da ampla defesa, ambos constitucionalmente assegurados aos litigantes em geral ( artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal de 05.10.1.988 ).
De se pedir permissão, portanto, em sede de consideração prévia, para que não se proceda a tais repetições desnecessárias, passando-se, desde logo, ao que for específico em sede deste rito processual, o que se explica até para que não se desmereça o trabalho de pesquisa encetado, diante da desproporção entre o volume de páginas entre os dois capítulos apresentados.
Ainda em sede de consideração prévia, insta delimitar o objeto do estudo neste capítulo do preente trabalho, o que não pode ser feito, sem que se analisem algumas peculiaridades dos crimes praticados por funcionários públicos.
Com efeito, a Parte Especial do Código Penal de 1.940, prevê um Capítulo referente aos crimes praticados por funcionários públicos contra a Administração em geral.
Cuida-se de uma série de delitos, a começar pelo peculato, destacado a partir do artigo 312 do Código Penal, a que se convencionou denominar crimes especiais, assim entendidos aqueles em que se exige "determinada qualidade no sujeito ativo, seja de natureza social, como a de funcionário público, seja natural – mãe, mulher, etc, antepondo-se essa espécie ao delito comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa".[1]
E, por Administração Pública, a doutrina não entende, para efeitos de persecução penal, apenas a atividade administrativa em sentido estrito, mas abrange toda a atividade estatal, o que engloba não somente o âmbito de atuação do Poder Executivo, e seus funcionários, como também, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.
É o que se entende como o conjunto de entes que desempenham funções públicas, sob uma ótica subjetiva, enquanto que, no ângulo objetivo, de se considerar Administração Pública "como toda e qualquer atividade desenvolvida para a satisfação do bem comum".[2]
E a tutela penal da Administração Pública contra crimes de seus funcionários zela pela tutela não só de interesses patrimoniais desta atividade ampla para a satisfação do bem comum, como também visa a proteção de interesses morais, portanto, extrapatrimoniais.[3]
Outro aspecto interessante a se destacar é o de que essa espécie de crime tem como pressuposto ser o agente do delito, um funcionário público, como alertado acima, ao se fazer alusão à situação do crime especial, e a noção de funcionário público, para efeitos da lei penal, vem expressamente destacada na norma contida no artigo 327 do Código Penal ( "considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública" ).
Mas, o que deve ser ponderado é o aspecto de que, nessa noção de funcionário público, em sede de persecussão penal, em algumas situações de co-autoria ( o concursus delinquentium ), os particulares acabam sendo equiparados a funcionários públicos, havendo comunicação dessa qualidade aos partícipes[4]( como preconizado pela norma contida no artigo 30 do Código Penal ).
Diferencia-se, ainda, em sede doutrinária, sobre a existência de crimes funcionais ( em alusão aos praticados por funcionários públicos ) em crimes fucionais próprios e impróprios[5]sendo estes últimos, crimes comuns, que apenas tem a qualificação diferenciada por terem sido praticados por um funcionário público ( o peculato enquanto uma apropriação indébita praticada por um funcionário público ), enquanto que os primeiros, ou seja, os próprios, seriam aqueles que se qualificam, ou seja, tem como elemento essencial, a função pública, sem paralelo nos crimes comuns ( por exemplo, a corrupção passiva ).
Paulo José da Costa Jr., elucida tal questão de forma mais simples e clara ao asseverar que:
"Nos crimes funcionais próprios, a qualidade de funcionário público é elementar do tipo. Ausente a condição de funcionário público, a conduta é atípica ( concussão, excesso de exação, corrupção passiva, prevaricação ). Aqueles chamados de impróprios são crimes funcionais em que o fato seria igualmente criminoso se não fosse praticado por funcionário público, embora a outro título ...."[6]
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