Pensamento jurídico versus personalidade de doutrina

Enviado por Roger Spode Brutti 


  1. Introdução
  2. A personalidade de doutrina 
  3. Senso comum e acrítica
  4. A postura ideal do intérprete jurídico em pleno século XXI
  5. O auxílio da doutrina à jurisprudência
  6. Conclusão 

INTRODUÇÃO

O presente artigo tenciona, de forma singela, fazer com que exsurja do intelecto do leitor uma imprescindível consciência crítica a respeito de todas aquelas percepções sensoriais suas colhidas regularmente frente ao meio jurídico em que está inserido.

Mais do que qualquer outro escopo, o florescer de uma consciência crítica e atenta ao conteúdo dos dizeres jurídicos, e não à personalidade de quem os pronuncia, é o que se pretende nesta exposição.    

Com efeito, o cientista[1], concebido aqui como doutrinador, tornou-se um mito[2], e todo mito é, por natureza, perigoso, porquanto induz o comportamento e inibe o pensar de quem o assiste e consenti as suas transmissões desapercebido de um senso crítico mais afiado.

Estando atento e consciente, o próprio estudante perceberá que os melhores doutrinadores pátrios, por suas próprias vezes, já estabelecem, ou procuram estabelecer, aos seus legentes, que a razão de qualquer dissertação jurídica que esteja sendo objeto de estudo deve imanar da própria persuasão racional observada dos textos estudados.

Todavia, o que se percebe é que o pecado nasce no próprio intelecto do novel estudante, o qual já marca com carimbo de incontestável aqueles escritos jurídicos exarados por grandes personalidades da doutrina pátria, quando estas, tão-somente, apenas tencionavam trazer ao debate acadêmico novos temas, novos raciocínios e novas idéias, sem jamais planejar a estagnação do pensamento jurídico do seu discipulado. 

Procurar-se-á, pois, neste modesto artigo, estabelecer a premissa maior de que não é o título ostentado pelo autor o que deve robustecer de razão os seus dizeres, quer seja juris tantum,[3] quer seja, e aí haveria menos sensatez, juri et de jure.[4]

Neste diapasão, aliás, como auxiliar da postura crítica que se pretende defender neste escrito, vem a calhar, por certo, a contribuição da filosofia no estudo do direito, como meio tendente a auxiliar o senso crítico do intérprete. De facto, 

"a filosofia do direito é, em meio ao emaranhado de contribuições científicas do direito, a proposta de investigação que valoriza a abstração conceitual, servindo de reflexão crítica, engajada e dialética sobre as construções jurídicas, sobre os discursos jurídicos, sobre as práticas jurídicas, sobre os fatos e normas jurídicas"[5].

A PERSONALIDADE[6] DE DOUTRINA 

O ser humano tende, irrefreavelmente, a estabelecer objetivos em sua senda mundana. Nessa linha de raciocínio, o operador do direito vislumbra seus objetivos e identifica aqueles operadores que já o atingiram, estabelecendo-os como o estereótipo do que se pretende ser ou alcançar.

Assim, o estudante, ou qualquer profissional da área jurídica, equivocadamente, no mais das vezes, acaba adjetivando, antecipadamente, como conteúdo dificílimo, inconveniente ou impróprio de se contestar, determinado dizer, exarado de forma oral ou escrita, por determinada personalidade de doutrina (o "doutrinador") que se afigure como sendo um ícone do momento em nossa seara jurídica.

Com certeza, o próprio sistema fomenta referida conjuntura, ocasião em que muitas editoras jurídicas, em decorrência de seu natural interesse econômico, não se cansam e não se inibem em promover determinados personagens de doutrina a respeito dos quais detém o privilégio de publicação de suas bibliografias.[7]   

Não se deveria olvidar, a par disso, por certo, que o acervo doutrinário pátrio é, naturalmente, por demais rico. Incontáveis são os seus colaboradores, dando-nos a mais vasta diversidade interpretativa acerca dos pontos obscuros, e outros nem tão obscuros, de nosso sistema legal. Não obstante, chegou-se em um momento em que não raro concede o leitor importância ínfima ao conteúdo material das produções científicas que tem a oportunidade de ler e estudar, para, em contrapartida, supervalorizar a figura da personalidade que o criou.

Surpreendentemente, então, e de forma equivocada, focaliza-se, antes de mais nada, a figura do doutrinador. Após, passa-se à leitura do seu escrito, porém não com aquela necessária atenção crítica, mas se aceitando tudo o que se lê como sendo, até que se prove o contrário, verdade inquestionável.

Em outras palavras, a interpretação do escrito perde o valor proporcionalmente à importância concedida pela mídia à "personalidade de doutrina".

Não raro, vale mencionar, vêem-se escritos jurídicos levados a efeito por ícones da doutrina, os quais se apresentam com poucos parágrafos e cujos seus conteúdos não vão mais além do que se pode considerar como sendo o normal, mas que, por emanarem de personalidades de doutrina de consagrada respeitabilidade, publicados são em impressos de grande circulação nacional e acabam estremecendo a opinião acadêmica, em decorrência, justamente, do suporte conferido aos seus conteúdos pela assinatura da sua personalidade criadora.


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