O homem de hoje, e também o jovem, vive voltado para o exterior, de costas para si mesmo, longe de si. Vive à superfície, na casca da vida, sem densidade nem intensidade existencial. Anda mascarado diante de si e dos outros.
Conquistar a lua e os espaços é grande aventura do homem e, no microcosmo, penetrar nos mistérios do átomo e da célula. Mas conquistar-se a si mesmo e desvendar os mistérios da sua interioridade, é bem mais sedutor e maravilhoso.
Se o atleta se prepara com tanto cuidado, quanto maior não deve ser o empenho em adestrar-se para as grandes batalhas da vida deixando que o bem vença sobre o mal em si e no mundo. Sentir a tentação das alturas, deixar-se seduzir por metas elevadas. Ter voos de gaivota ligeira e de águia, não se ficando a esgravatar em terra como as galinhas ou a rastejar como o sapo, fruto da hereditariedade traçou, da educação e do meio. À medida que vamos crescendo, vamos tomando as rédeas da vida na mão, através da inteligência e da vontade que possibilitam a liberdade, apesar de muito condicionados externa e internamente.
Deus nos deu um caminho. Tem um projecto maravilhoso sobre cada um de nós.
Pouco adianta estudar muito, conhecer muitas coisas, ter cursos, se não nos conhecermos a nós mesmos. Não interessa ter muitas coisas, se não nos possuímos a nós mesmos. Importa mais ser que ter.
Cada um de nós é um sujeito único, uma personalidade original e irrepetível
Podemos realizá-lo ou ficar inacabados, pior ainda deformados ou monstruosos.
O artista tem de conhecer os instrumentos de trabalho, como o cientista os livros especializados. Conhecer o material e as técnicas, mas também as próprias capacidades e características. A melhor obra de arte e a ciência por excelência é a vida que nos compete viver. Temos de nos conhecer para construirmos uma vida melhor, ao serviço de Deus e dos homens.
CAPÍTULO I
Ligo a este tema um assunto que me deixa preocupado: O PROBLEMA DA PROSTITUIÇÃO. Encarar o problema da prostituição como sendo apenas circunscrito à necessidade de abolir aquela actividade a que se chama meretrício (comércio de amor, comércio do corpo) não é, em meu entender, abarcar o assunto em toda a sua enorme e pavorosa extensão e significado. Aquela actividade, e doença, se poderá obter a cura do mal e o desaparecimento dos sintomas. Nós sabemos que em quase todo o mundo moderno existe uma tendência marcada para a proibição pura e simples da venda do corpo, isto é, do meretrício. Mas não deixamos de verificar também que em certos países--- como por exemplo, a Suécia--- tal problema praticamente não existe --- e isso sem que o estado haja intervido com o rigor com que, por exemplo, interveio nos Estados Unidos. E repare-se o que está sucedendo neste último país: a proibição determinou o aparecimento do "mercado negro"---- representando pelas chamadas "call girls" --- o outras, correlacionadas ("referente a escravatura branca") são apenas sintoma de algo mais grave e anterior----algo que se vai filiar na própria essência psicológica, sentimental e volitiva da sociedade, dos indivíduos que a formam, da educação que recebem e do modo como vivem. Há uma doença que tais actividades denunciam. E, por isso, só através do ataque directo, cuidadoso e profícuo, a essa que redunda em uma extraordinária dificuldade de controlo e menos eficácia ao combate à actividade proibida. Estes dois factos de cuja constatação ainda há bem pouco tempo se fez eco a magnifica revista italiana "ll Espresso", são claramente demonstrativos de que a proibição é desnecessária quando a sociedade, por si, não "segrega"o mal; e é inoperante quando, pelo contrário, o ambiente é propício ao seu desenvolvimento. Isto não quer dizer que o estado deva, pura e simplesmente, alhear-se do problema. E também não invalida a defesa do abolicionismo pura e simples, se as circunstâncias o aconselharem. E as circunstâncias hão-de se aquelas em que o mesmo abolicionismo possa tornar-se meio eficiente de combate, em vez de provocar o descontrolo da situação real, nos termos em que expusermos --- caso em que se torna nitidamente nocivo. A questão é tão intrincada e envolve tão variados e difíceis aspectos que, em Itália, por exemplo, há dez anos que anda a ser discutida no parlamento, sem que hoje, ao que nos conste, tenha sido aprovada, uma proposta de lei abolicionista, conhecida por lei Merlin (nome da deputada que a apresentou, numa grande discussão). O corpo social é na verdade, um corpo, com tanta realidade como o do homem: a febre é sintoma de doença. Pode-se atacar a febre na medida em que esse incómodo vai agravar o mal; mas só desaparecerá a febre se curar a doença que lhe deu causa.
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