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Eu sou um mito
Que ainda vaga pelo mundo
Por seu desgosto profundo,
Pela força do castigo.
Sou impulsivo
Em meus mandos e desmandos.
Sou desumano
Tão insano quanto o rito
Desses nativos
Submissos aos reclamos
De um suposto paraíso.
SE
Se o mundo se tornasse
Um lugar de alegoria,
Onde a lenda e a fantasia
Fossem tudo que restasse,
Eu duvido que prestasse
Sem o toque de magia
Que encanta noite e dia
Que é a própria realidade.
NÓ
Por ser tão só
Em meio à solidão da vida,
Seiva mantida
Nas voltas de rijo cipó,
Sou como um nó
Em uma corda apodrecida,
Sem serventia,
Capaz de desfazer-se em pó.
O meu deserto
É infinito em tons de areia,
É a mais lúgubre certeza
De que não há ninguém por perto,
É tão concreto
Quanto a pedra que alheia,
Delineia
Meu lugar no cemitério.
MESMO CALADA
Teus olhos querem por fim,
Dizer-me calma.
Mas, tua alma
Pede muito mais de mim.
Tua boca ainda diz sim,
Mesmo calada.
Sabe que nada
Vai tirar você de mim.
PERSONAGEM LITERÁRIA
Personagem literária
Que teima em ganhar a vida
Numa ascensão desmedida
A uma estação elevada.
Não pode ser derrubada,
Nem jamais ser ofendida.
Desconhece a dor sentida
Por ser mera fantasia
De uma mente alucinada.
Em si mesma, não é nada,
Por ser massa fictícia.
Criador que é mera cria,
Entre páginas antigas,
Criação mitificada.
HESITADO ANDAR
Quão difícil compreender essa mulher
Que ainda me quer
Mas não quer se dividir.
Ela teima em fugir por sua fé,
Manter de pé
Cada dia do existir.
Seus lábios teimam em pedir
O que a boca diz negar.
Quer me amar
Sem me sentir.
Sua fidelidade ao lar, se faz ouvir.
Enquanto a vejo se afastar
Com aquele hesitado andar
De quem deseja me seguir.
SOB PESTANAS PISCADAS
Sob pestanas piscadas,
Meus olhos buscam por ti
Na densa névoa de lágrimas
Desse meu torpe existir.
Ainda a vejo aqui,
A me sorrir, encantada
Com as mais doces palavras
Que tentam te iludir.
Mas se dissipa, a fugir
Nessa volátil fumaça,
Tão irreal que se apaga.
Entre meus lábios, fumada.
Entre meus dedos, deixada,
Relegada ao desistir.
ADEUS SEM ACENO DE MAO
Talvez nem você compreenda
Como uma paixão tão intensa
Pôde arrefecer-se no tempo.
Hoje, um breve pensamento,
Uma distante ameaça.
Como um vendaval que passa
E nos deixa mitigados
Pelos danos serem parcos,
Foi esse amor relegado
A uma distante lembrança.
Fica, quem sabe, a esperança
De que essa imposta distância
Foi a melhor decisão.
E que cada coração
Siga a seta já mirada.
Você não me deve nada,
Pois me deste a maior paga,
Um amor sem restrição.
Deste adeus à ilusão,
À improvável realidade
Que pode haver felicidade
Onde há infidelidade,
Mentiras e dissensão.
Dou adeus sem aceno de mão,
Não por falta de ousadia,
Mas por ausência de alegria
E por mortificação.
Fim por tudo ter acabado.
Sempre é algo inalcançável.
Esperar é frustração.
À DISTANCIA
Em minha dor sem dó,
Tenho as mãos lavadas.
Em duras palavras,
A verdade é uma só:
Ao soprar-lhe em pó,
Não me restou nada.
Nem uma marca d"água,
Nem sombra e/ou traço
De que ainda há algo,
Foi-me revelada.
Já não tenho mais alma
Que me leve ao céu.
Não há versículo em papel
De um anjo cruel
Que ande pelo meu chapéu,
Circulando a aba.
Num berço de palha,
Um rei sem nobreza,
Morreu na certeza
De sua própria farsa.
Sua lenda afaga
Pela ignorância,
A falsa esperança
De uma suposta graça.
Os delírios em massa
Com a sua arrogância,
Mantêm crucificada,
A razão humana.
Enquanto à distância,
Essa vida passa.
Enquanto essa vida passa
À distância.
Eu me perdi de você por algum tempo,
Entretido em pensamento,
Encantado com outra flor
Que vi no jardim alheio.
Não me perdi por inteiro,
Talvez por tenaz amor
A quem me tinha primeiro.
Se eu não fui verdadeiro
Com cheiro tão sedutor
Que me atraiu e me deixou
Sem rumo, sem paradeiro,
Peço perdão a quem for,
Seja a você meu amor
Ou à vicejante flor
D"aquele jardim alheio.
Não haveria outro meio
De reencontrar o caminho,
Se eu não ficasse sozinho,
Sem a flor do jardim alheio.
Ela murchou-se no canteiro
Por zelo e por carinho,
Não sei se a mim, descaminho
Ou ao seu amor primeiro.
Estou de volta e receio
Que a flor do jardim alheio
Renasça em novo botão
E que sua bela visão
Arraste o meu coração
À devoção e ao enleio.
COMO NUM PASSE DE MÁGICA
Quanto teve que esperar
A minha mãe emprenhada,
Que eu ainda em larva
Viesse a me transmudar?
Tanto quanto a se moldar
Numa versão transformada,
Uma figura que nada
Na escuridão do lugar.
Nasci sem me demorar,
A luz do mundo me abala,
Enquanto uma mão me afaga
Na intenção de calar.
Entre falar e andar,
Eu comecei criar asa
E mesmo dentro de casa,
Já começava a voar.
Meu pai ao me abraçar,
Sempre me aconselhara,
Desde a criança deixada
Até o meu madurar.
Que a vida tende a passar
E de maneira tão rápida
Como num passe de mágica,
Como fumaça no ar.
Filho, viva com vagar,
Sustenha cada passada.
Ante tão breve jornada,
Nunca se deixe apressar.
Sigo, rumo ao que virá,
Relembrando da estrada
Que por mim já foi trilhada.
A chegada, meu fim será.
No mais singelo olhar,
Na mais vulgar das palavras,
Na mais simplória risada,
Vejo algo singular.
Não me canso de pensar:
O intelecto é uma dádiva
Que a evolução legara
Ao encéfalo angular.
Vivo a me extasiar,
A realidade basta.
A matéria é tão vasta
Quanto se possa alcançar.
É fantástico imaginar,
Mantendo os pés nas sandálias,
Pois as nuvens são levadas,
Transparece a luz solar.
O meu ímpar pede par.
Filhos andam pela casa.
Eis que a vida se desbasta
Entre as portas de um lar.
Com o tiquetaquear,
Ouço a vida oscilada
Pelo tempo que não para,
Que não para de contar.
Corre solta, sem parar,
Feito égua numa raia,
Essa vida que esbarra
Numa faixa a enlutar.
Decrepitude e pesar,
Eis minha vida ceifada.
Deixo de ser quase nada
Para nada me tornar.
O PEIDAO
Digo logo, de antemão,
Que o ato é repulsivo,
Constrangedor, descabido,
E é falta de educação.
Peidar pra ele é missão.
O mau cheiro é divertido.
Mas parece desprovido
De tão sutil sensação
Que passa pra acusação,
Sem rodeios, diz convicto:
Você peidou, fui eu não.
Veja que situação:
Cheirar seu peido expelido
E ainda assumir a emissão.
SE EU JÁ TIVESSE MORRIDO
Se eu já tivesse morrido
Há alguns anos atrás,
Não me seria demais
Pensar num túmulo florido.
Entre lápides e gemidos,
Seriam lidos os meus ais.
Ante a morte dos demais,
A minha perde o sentido.
Tal destino está predito,
É a predica dos mortais,
Cada qual por um delito.
Todos buscam um veredito
Entre Deus e Satanás.
Eu desprezo esse prescrito.
Vejo o todo, essa complexa unicidade,
Não como uma divindade que possa raciocinar.
Apesar de sua singularidade,
É a mera totalidade do que há.
Não pode se aperceber por não pensar,
Incapaz em sua materialidade.
Não há forma que o possa deslindar
Por sua incomensurabilidade.
A despeito da arrogante vaidade
Que tem a medíocre humanidade,
Cabe-lhe uma função peculiar,
Como partícula, mesmo que elementar,
Tem por si, a sua essencialidade:
Manter do todo, a soma, a integralidade.
ÚNICA QUEIXA
Foi sua infidelidade
Que me permitiu amá-la.
Contudo, sua dignidade,
Apesar de afastá-la,
Não me fez esquecê-la.
Como posso demovê-la
De uma decisão tão árdua,
Quando devo acatá-la e reconhecê-la?
Sei que fiz por merecê-la,
Não devo enganá-la.
Quem dera poder beijá-la
E novamente tê-la.
Sentir tanto a sua falta
É o que me agasta,
É a minha única queixa.
SUCUMBIR DIÁRIO
Meu inevitável sucumbir diário,
Eu assiná-lo com enorme vagar,
Nas finas páginas de um calendário
Que estático teima em me apressar.
Meus dias gastos, passo-os a contar
Sob a ilusão de que é temporário
Esse meu hábito de cronometrar,
Esse maldito ato costumário.
Sou consciente ser desnecessário
O meu esforço de desacelerar
Ou de poder tornar estacionário
O constante badalar do horário
Que o pêndulo insiste em reverberar
Em meu ouvido refratário.
JAMAIS TERMINA
Não sei se a amo ainda
Na mesmice e na rotina,
Depois de tantos anos.
Enchi nossa casa de sonhos
Que entre paredes e planos
Perderam-se sob a míngua
Desse ingrato sentimento
Desgastado pelo tempo
E pela luta contínua.
O amor não nos ensina
Quanto a perdas e ganhos.
Nós descontinuamos.
Mas, jamais termina.
PAIXAO DESVAIRADA
Estou tentando esquecer,
A cada dia que passa,
Essa paixão desvairada
Que vive a me endoidecer.
Essa angústia em querer
Como se tão necessária
Que ao não poder alcançá-la
Creio não possa viver.
Essa paixão desvairada é você
Que atormenta minha alma,
Que me condena a sofrer.
Ah! Por que fui me aprazer
De uma dona obstinada
Que já não quer se envolver?
ATEU PERNICIOSO
Quem é aquele pálido horroroso
Em meio à multidão de galhardos,
Aquele de olhos esbugalhados
E de semblante asqueroso?
É o único disposto
A lutar pelos mais fracos.
É também um dos fanáticos?
É mais um religioso?
Não, é um ateu pernicioso.
Diz que Deus é um escárnio
Ao intelecto do povo.
Enquanto o mesmo, de novo,
É deixado ao descaso
À espera de um ato milagroso.
BOSQUE DE TRISTEZA
No teu rosto por inteiro,
Há uma proporção perfeita.
Tua boca tão afeita,
Dá-me medo.
Medo de ser condenado
A amar sem ser amado,
A sofrer uma desfeita.
No teu colo, uma colheita
Entre frutos perfumados,
Sutilmente adocicados
Pelos lábios de quem beija.
Uma dona que alheia
Aos meus cuidados,
Me mantem enclausurado
Em um bosque de tristeza.
Caem folhas sobre a cesta
Onde guarda meus recados.
Em meus olhos lacrimados,
Se espelha.
Não me avilta que me veja
Eternamente enraizado,
Sendo arbúsculo vergado,
Nesse bosque de tristeza.
OLHAR VOCÊ
Meus olhos teimam em falar
O que eu não posso dizer.
Eu não consigo fechar
Meus olhos sem não te ver.
Não há milagres, nem flores,
Nem mesmo filhos e amores
Que me façam parar de olhar
Você.
A VIZINHA
Enquanto a casa, eu retelho,
Para uma arrumação.
A vizinha tão sem zelo,
Chama a minha atenção.
Linda, nua em pelo,
Olha-me com o mesmo anseio
Que há em meu coração.
Eu não faço uma oração
Porque não creio.
Porém, fico de joelhos
E imploro que não,
Não me deixe na mão,
Preciso mesmo.
Toda essa miséria é relegada
Aos pés da indiferença
E do silêncio.
Assim como eu, são tantos outros,
Sem o menor esforço
Para dirimir o sofrimento,
Para uma mais justa equivalência.
Não me aborreça, não me ofenda
Com essa fervorosa crença
Em um deus que é muito pouco
Para a minha inteligência.
A subserviência,
Deixar-me-ia louco.
Não há conforto para um morto,
Sua dúbia existência.
A...
Esse "A" disperso em frases,
Ainda me leva Àquelas tardes
De Ai, quantas saudades
De nós dois!
"A" de Antes e depois,
De Amenidades.
"A" de Animosidade que se foi.
Esse "A" de dar Adeus sem merecer,
De Além do que eu posso fazer,
É o "A" que diz seu nome.
"A" de Alguém que não responde
Aos Aulidos do meu triste padecer.
Esse "A" deixou de ser.
"A" de Amada fez-se Amiga
Na esperança que Algum dia
Esteja Amadurecida
Para o caso inverter.
Esse "A" que Ainda tento entender
Por que Abdicou de mim,
É o início, é o fim
Do meu doce bem querer.
Esse "A" de Amo você,
De Abandono, de Acabou,
É o mesmo de Aquela que não vê
Que não vai deixar de ser
O meu único Amor.
Esse "A" que me restou
É de Algo mais,
Não define os meus Ais,
Mas Assiste à minha dor.
QUEBRANTO
Sinto tanto a tua falta,
Tanto quanto
Me entristeço e me espanto
Com a ausência que se arrasta,
Com o silêncio que te cala,
Caio em pranto.
O teu rosto tem o encanto
Que me basta.
Tua boca agora casta,
Friamente se afasta
E me deixa ao quebranto.
NO VAI E VEM DO CAMINHAR
O que é o ladrão,
Senão o mesmo cidadão
Com o intuito de roubar?
O que divide esse mar
De ilusão
Onde boiam precisão
E bem-estar?
No vai e vem do caminhar,
Não há razão
Que uma tênue emoção
Não tenha força pra dobrar.
O que devemos esperar
Diante da indefinição
Onde uma mínima ação
Pode ao futuro transmudar?
Como calar
Perante a imane frustração
Que enfurece o mais afável coração,
O acicatando a clamar?
DE VOLTA PARA CASA
Traga-me de volta para casa.
Manter a porta escancarada,
Não me faz entrar.
Preciso novamente te amar.
Corte-me as asas,
Eu não quero mais voar.
A liberdade que me fez vagar
Pelas mesmas estradas,
Silenciosas e solitárias,
Que eu vivia a imaginar,
Já não consegue fascinar.
E a clausura de um lar
Parece-me agora, tão necessária
Quanto essa ação involuntária,
Essa vontade de chorar.
COMO AMEI OUTRORA
Eu a amo ainda,
Quando o dia finda
E você vai embora.
Como amei outrora,
Nas primeiras horas,
Eu a amo ainda.
Você ilumina
Com a luz da retina,
Minha vida umbrosa.
Precavida, ignora
Este que fixo, a olha,
E lhe descortina.
JASMIM
Você ficou em mim,
Como uma tatuagem,
Gravada sua imagem
Em tinta de nanquim.
Em meu deserto, enfim,
Você é a miragem
Que me dá a coragem
De ir até o fim.
No sáfaro jardim,
É a verde folhagem
E se mantem assim.
Seu cheiro de jasmim
Que veio com a aragem,
Ainda respiro em mim.
CORAÇAO DO PRÓXIMO
A crescente esperança se avoluma
Ao sabor das palavras que consolam,
Fechando as feridas que as nossas próprias unhas
Em mãos humanas, nos esfolam.
Os olhos ainda choram
Entre o medo e o gesto de nobreza.
Sorrimos ante a face da tristeza,
Por sentirmos tanto ódio.
A bênção do perdão é o próprio ópio,
O milagre do remorso
De quem se torna perverso
Nas emoções de um outro universo,
Que é o coração do próximo.
Fujo desse rosto que me intriga
Numa acusação desmedida de meus erros.
Julga ter direitos em cobrar-me uma conduta
Que me livre de uma culpa
Que não cabe em si mesmo.
Passo os dedos entre os meus cabelos,
Afastando o peso da memória.
Vejo que o espelho já não chora
Na esperança que agora
Eu atenda aos seus apelos.
UM SOPRO DE VIDA
Corro desesperadamente à procura de saída
Dessa maldita vida
Que me prende a esse corpo
Que quase morto
Minha alma ainda habita
E por ser nele finita,
Vai se desfazendo aos poucos.
Corro feito um louco,
Sem saber que me orbita
A razão que me elucida,
E de nada valeria meu esforço.
Por ser tão moço,
Eu jamais concordaria.
Continuo nessa agonia
De correr na ventania
Contra um sopro
Que afaga o meu rosto
Com malícia
Na intensão que eu não veria
Que ainda sofro.
AOS PAIS
Onde anda a obediência
Dos filhos aos pais?
São sinais
De mau tempo
Quando se elevam ao vento,
As ofensas e os ais.
NA PRAÇA
Há um casal sentado na praça,
Sob um céu pálido de raro entardecer,
Que lembra eu e você
No mesmo estado de graça
Que só no amor pode se ver.
Enquanto tento descrever,
Eu emudeço entre lágrimas.
A linha parece ocupada;
Do outro lado ela tenta entender.
Alô, amigo é você,
O que se passa?
Enfim respondo: Não é nada,
Estou sentindo a sua falta,
Preciso muito lhe rever.
Não, você tem que se conter,
O meu consorte está em casa,
Seja mais forte, tenha calma,
Aos poucos, vai me esquecer.
E sem mais nada pra dizer,
O celular assim se cala.
E a saudade vira mágoa.
O mesmo amor que me desarma,
Em minha alma continua a combater.
MEU CAO PASTOR
Jeová, meu cão pastor,
Cruelmente escavacou
O éden, nosso jardim.
Com o pontapé que dou,
Ele corre com a dor,
Ele grita então, Caim!
Jeová não é ruim,
É um cão farejador
Que procura com ardor
Uma presa pra seu fim.
Quando a gente pensa, enfim
Jeová se acalmou,
Ele mostra seu furor,
Os seus dentes de marfim.
Jeová é um cão assim,
Late com o seu Senhor
Implorando por amor.
Quer ser o meu salvador,
Mas só é salvo por mim.
LÁBIOS SELADOS
Quem poderia saber
Que em meus lábios selados,
Que em meus olhos velados
Estava o ato de morrer?
Quem poderia entender
Que exorcizava meus medos,
Que exercitava meus erros
Para tentar aprender?
Ninguém. Posso eu mesmo responder,
De meu cadáver inumado.
AO SABOR DO VÍCIO
Na solidão da rua,
Na embriaguez do copo,
A timidez nos olhos
Continua...
Ele observa a lua
Enquanto vive o ócio,
Por já não ser mais sócio
Da labuta.
Não acredita em culpa,
Por não sentir remorso.
Fará qualquer negócio,
Menos pedir desculpa.
E se alguém lhe acusa
De não manter-se sóbrio,
Sorri pelo que é óbvio:
Viver é melancólico;
Morrer, simples recusa.
OS MEUS OLHOS
Os meus olhos me observam do espelho
Como se conscientes de si mesmos.
Reconhecem em minha face, os seus erros
E silenciam como cúmplices
Do meu silêncio,
Da minha sorte.
Os meus olhos num só corte,
Perdem o medo
De jamais verem o que vejo,
A minha morte.
UM NÓ NA ALMA
Eu deveria desatar
O nó que prende minha alma.
Talvez deixasse de ser nada
Além de um homem tão vulgar.
Talvez pudesse encontrar
O Eu que não me procurava.
Que simplesmente se enforcava
Num nó suspenso, a balançar.
Eu sinto a espuma do mar
Tocar de leve meus dedos.
Eu teimo em caminhar,
Seguir o dia inteiro
E adentrar pela noite,
Enquanto o vento em açoite,
Assanha os meus cabelos.
Afasto os meus pesadelos
Entre o marulho do mar
E o barulho do vento.
Entregue aos meus pensamentos,
Eu sou capaz de voar.
Ouço uma voz me chamar
À realidade do instante:
Sou um sonhador errante,
Sou um jovem cadeirante
Que observa radiante,
A imensidão do mar.
DESALENTO, DOR E SOLIDAO
No começo, ao desabrochar a flor,
O perfume que exala é sedução;
O querer servir não é escravidão,
É apenas gratidão ao seu senhor.
Essa força que não há como se opor,
Que nos tira o equilíbrio e a razão
É aquela chama acesa, a paixão;
É o fogo que nos queima, é o amor.
Uma página que o tempo apagou,
A magia que perdeu a ilusão,
Eis a lágrima de uma separação
A estranha comoção, o desamor.
No silêncio, é o grito de horror
Que eclode na extrema escuridão.
Desalento, dor e solidão
São as sobras relegadas pelo amor.
PRISIONEIRO
Não existe uma alma
No meu corpo solitário.
Não existe um dinossauro
Em meu quintal.
Sou mamífero mortal
Que não se cala,
Uma vítima de um mundo temporal.
Fui deixado à mercê, em uma vala;
Fui julgado pela convenção moral;
Prisioneiro de uma humanidade falha
Que se basta na ilusão de bem e mal.
AO REFLEXO NO ESPELHO
Quem é você?
Eu me pergunto e jamais soube responder.
Você que vive e não sabe o porquê.
Você que luta inutilmente pra viver
E sem poder
Deseja ter a melhor sorte.
Você que foge de si mesmo
Por ser real seu pesadelo,
Um ser que solitário morre.
SOB LUAS, SOB SÓIS
Assim vamos cada um de nós
Soterrados pelas pás dos coveiros
Entre passos sorrateiros
Sob luas, sob sóis.
E em cada dia o que dói,
Que parece um pesadelo
É tão frágil, passageiro,
Que a si mesmo se destrói.
Eis que o tempo nos corrói
E temos medo
Por saber que estamos sós.
OS AMIGOS
Os amigos dispersos na vida,
Já não se veem mais.
Seu amores ficaram pra trás
Com seus ais e alegrias.
Suas conversas foram esquecidas,
Se tornaram banais.
Suas condutas não serão jamais
Como foram um dia.
AMOR IRRESTRITO
De quem era aquela mão
Que me afagava os cabelos,
Acalentava e acalmava
Os meus torpes pesadelos?
Nunca precisei chorar,
Ajoelhar e rezar
Ou fazer milhões de apelos
Pra essa mão me abençoar
Ao saber me perdoar
Por tantos erros.
Apontava meus defeitos
Sem jamais me ameaçar
Ou impor qualquer castigo.
Seu amor era irrestrito.
Sempre me fez se orgulhar
De ser seu filho.
A TRISTEZA DO MEU ROSTO
Será que o lençol cobre meu corpo
Por estar morto
Sobre a penumbra do arrebol?
Eis que alguém levanta o lençol
Para ver qual é o rosto.
Quem sabe está pensando: era tão moço,
Talvez desgosto,
Não verá mais a luz do sol.
E cobre novamente com o lençol,
A tristeza do meu rosto.
OLHOS DE EXTREMA AGONIA
Esses olhos de extrema agonia
Que me observam em silêncio
São da morte
Que me corrói por dentro
Procurando uma saída.
Esse espelho me arrepia,
Expressão de sofrimento
De um olhar que é só tormento
Pela falta de alegria.
Essa dor em mim contida,
Faz a noite mais comprida,
Faz mais vasto o breve tempo.
Busco em vão nesse momento,
Um pensamento
Que não seja o fim da vida.
ENQUANTO ABRAÇO A SOLIDAO
Será que tenho mesmo que mentir
Para aplacar meu coração?
Nos braços tenho a estranha sensação
De que ainda está aqui.
E minha alma põe-se a sorrir
Enquanto abraço a solidão.
As lágrimas que me turvam a visão
São as mesmas que a viram então partir.
Agora, teimam em me iludir,
Vejo você na escuridão.
Estendo a minha mão
Na intensão de impedir
A sua imagem de se diluir,
Mas você teima em sumir
Enquanto abraço a solidão.
CORTESA AFOITA
E quando os filhos dormem,
Ela se entrega a mim...
Louca, por que se dá assim?
Enquanto beija a minha boca,
Ela se deixa, solta,
Ser penetrada enfim.
A minha língua nua sorve
Seus grandes lábios de carmim.
Ela se abre toda,
Tal qual flor no jardim.
Os seus gemidos dizem sim
Para que eu não me sufoque,
Sofregamente em cada toque,
Ela prolonga junto a mim.
Acende-se um estopim:
Ela transmuda-se de esposa
Em cortesã afoita.
Exaustos e sem roupas,
Não temos mais escolha,
E chegamos ao fim.
Autor:
Joao Felinto Neto
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