Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Delimite suas curvas,
Eu a vejo seminua,
É maior meu sofrimento.
Sei que tudo, com o tempo,
Cai no escuro esquecimento.
Mas o seu vestido azul,
Guardarei em um baú
Até o último momento.
PELOS MEUS SAPATOS
Sou estranhamente só
Em um mundo povoado.
Sou constantemente falho
Entre tentativa e erro.
Sou avesso
Aos ternos engomados.
Meus sapatos
Mostram quanto desmantelo.
Nunca me levanto cedo,
Mesmo quando necessário.
Meu escárnio
É por quem tem prato cheio.
Sou tão feio
Quanto pintam o diabo.
Sou levado
À loucura e ao desespero.
O COMEDIANTE
Sou do tamanho que posso,
Que não pode ser tão grande.
Sou às vezes, num instante,
Tão pequeno, tão remoto
Que me sinto um gigante.
Sou maior do que fui antes,
Infinitamente escasso.
Tão extremamente raro
Quanto vasto e abundante.
Sou gritante
Quando calo.
Sou silencioso e magro
Quando gordo e falante.
Sou um triste ocupante
De um espaço ainda vago.
Sou tão trágico
Quando sou comediante.
É O FIM
Parece que realmente é o fim.
A vida não foi tão ruim
Quanto poderia ser.
Despeço-me sem muito dizer,
Foi bom a todos conhecer,
Que digam o mesmo de mim.
Eu sempre achei que fosse assim,
Sem asas de anjo querubim,
Sem um demônio a me aquecer.
Meu corpo teima em viver,
Minh"alma prestes a morrer,
Ainda insiste em dizer sim.
NOVAS IDEIAS
A nova ideia
É antiga e reinventada.
Era tão ultrapassada
Que se tornou moderna.
Numa moldura estética,
Uma réplica alinhada,
Tanto tempo desusada
Que parece ser inédita.
Desconhece a própria ética
Por conduta inadequada,
Não por ser cópia pirata,
Mas por ser originada
De uma imagem abstrata
Que havia em outra época.
Eu não tenho a pretensão
De dar as mãos
A quem me ata os pés.
Não estou entre os fiéis
Membros da congregação.
Nunca foi minha intenção
Ir além de uma cova.
Numa alcova,
Ponho toda devoção.
Não desejo ser irmão
Por parte de um pai que é mito.
E escrito por escrito,
Eu prefiro e acredito
Em minha própria versão.
UMA OPINIAO
Acho que a felicidade é ilusão
Tanto quanto o amor também seria.
Essa euforia não seria alegria,
Mas pura fantasia da emoção.
E a fiel devoção a uma companhia,
Não passa de ironia de nossa evolução.
Enquanto a tristeza é depressão,
O ódio é uma arma defensiva.
Melhor colher a flor da fantasia
Que espetar o amor e a alegria
Com o espinho de uma opinião.
O ÚNICO DA CASA
Eu sou o único da casa
Que não precisa de alma,
Que não aceita doutrina.
Enquanto estão todos na cozinha,
Eu permaneço na sala.
Talvez eu seja um fantasma,
Enquanto a vida ainda é minha.
A mãe se encontra sozinha,
Sob uma cruz lapidada.
O pai, às vezes, dá asas
A sua fé repentina.
A irmã mais velha se anima
Com seus espíritos e carmas.
A outra, a portas fechadas,
Reza uma salve rainha.
Um dos irmãos na esquina,
Grita que o mundo se acaba.
O outro, de casa em casa,
Testemunha a própria sina.
Todos permanecem ainda
A procura de uma aura.
Eu sou o único da casa
Que não precisa de alma,
Que não aceita doutrina.
A VERDADE DO DIREITO
Tudo é preconceito,
O que vejo, o que sinto.
Pra dizer a verdade do direito,
Eu minto.
NO ABRIGO
O ancião olha ao seu redor,
À procura de um membro da família.
O abrigo parece uma ilha,
Ele, um náufrago há muito tempo só.
Quando noite, evita sentir dó
De uma vida tão longa e tão vazia.
Sua memória, às vezes, distorcida,
Confundia o real com a fantasia.
Consciente, ele sempre se inquiria:
Qual dos dois seria o pior?
DESCOMPROMETIDA
E quando a porta se fecha
Por mais uma noite, me deixa
Sem dormir.
Eu vejo você a sorrir
Na cama ainda desfeita.
Rejeita o pedido e me beija
Dizendo que volta na terça
Pra se divertir.
Prefere viver sem mentir,
Sem ter que ouvir minhas queixas.
Melhor não desfazer gavetas
Toda vez que sair.
O sol mal começa a surgir,
Você não me sai da cabeça,
Não pede que eu a esqueça,
Somente que a deixe partir.
UM FIEL BOM E GENTIL
Às vezes, eu me sinto tão vazio
Que me dá um calafrio
Como se a minha alma
Reclamasse dessa farsa
De um fiel bom e gentil.
O meu maior desafio
É fingir amar ao próximo
Quando tenho nojo e ódio
Num sintoma doentio.
Demonstro um amor febril,
A um deus que não me agrada.
Vou ao culto e dou graça
Com um fervor tão senil
Que chego a crer que o ardil
De toda a minha trapaça
É um anjo que me fala
Para ser crente e servil.
SOB VIGILANCIA
O homem se perde
No raciocínio lógico de sua crença.
Percebe a lenda
Que não cura e não fere.
Jamais se refere
A ser supersticioso
Com um passado mentiroso,
Para não expor a pele.
O homem não se esquece
Que era sempre observado
Por fantasmas, deuses e diabos.
Eis que agora, se aborrece.
Foi tão mal acostumado
Que não quer ser libertado
E com câmeras se persegue.
EXPOSTO AO RIDÍCULO
Falar de amor
É se expor ao ridículo,
Posto ser o romantismo
Algo há muito ultrapassado.
Hoje, o termo adequado
É ficar, somente isso.
Sem vínculo, sem compromisso,
Sem flores e sem recados,
Os beijos são decorados,
Acabou-se o improviso.
Ambos seriam submissos
Se estivessem apaixonados.
Ele e ela são levados
A tornarem-se promíscuos
Em um sexo sem o risco
De acabarem-se casados.
O TEÍSTA
O que pretende o teísta
Com sua fé desmedida?
Sua ganância é explícita
Até mesmo em salvar almas.
Se não pode conquistá-las
Com sua boca maldita,
Arrogante, se excita
Ao prazer de condená-las.
MESMO QUE ESTEJA LÁ
O que existe de fato
Senão o que conhecemos?
O que jamais percebemos
E não ouvimos falar,
Não existirá no tempo,
Mesmo que esteja lá.
Meu coração não é tão vasto,
Não há espaço pra piedade;
Cabe amor, cabe saudade,
Cabe uma pessoa só.
Meu coração não é maior,
Não cabe dó, nem caridade;
Cabe paixão, cabe vontade,
Cabe uma pessoa só.
Meu coração é bem menor
Que minha insensibilidade.
PEGAR O TREM
Não espero por ninguém,
Nem também faço promessas.
Por favor, nunca me peça
Para não andar depressa,
Não me sentiria bem.
Devagar se vai além.
Não caio nessa conversa.
Venha logo, se despeça,
Que eu vou pegar o trem.
TENHA CALMA
Não force a barra,
Nem barre à força.
Ao menos ouça
O que se fala.
Não feche a cara,
Nem ria à toa.
Qualquer pessoa
Merece calma.
PRA ACABAR COM A FOME ALHEIA
Minha única tristeza
É está por trás da mesa
Comendo feito um glutão,
Sem fazer nenhuma ação
Pra acabar com a fome alheia.
Minha barriga está cheia,
Minha cara está feia,
Em perigo, o coração
E eu não gasto um tostão
Pra acabar com a fome alheia.
Ainda tem na sobremesa,
Uma calórica guloseima,
Por pura satisfação.
E eu não movo uma mão,
Não divido um só pão
Pra acabar com a fome alheia.
MERO SENTIMENTO
Não é preciso ser eterno
Para saber o quanto é certo
Que o amor não dura para sempre.
Basta viver e simplesmente
Consigo mesmo, ser sincero.
O amor, se jovem, é um inferno
Pela paixão inconsequente.
Com o tempo, torna-se paciente,
Tão consciente de que é sério.
Seja antigo ou moderno,
O amor é mero sentimento
Que não tem nada de mistério.
ATÉ DE MADRUGADINHA
Ouvi uma cantilena tão distante,
Que pensei por um instante,
Que era só impressão minha,
Uma estranha e sinistra ladainha
Qual o vento à tardinha
No mirante.
Senti na pele, um frio arrepiante
E ainda hesitante
Eu desci para a cozinha.
Havia uma xícara quentinha
De um café aconchegante.
Dessa hora por diante,
O silêncio foi reinante
Até de madrugadinha.
MUNDO REAL
O meu mundo de pele, ossos, cabelos e vísceras
Parece ser mais fantástico
Do que esse mundo mágico
Onde querubins alados
Sobrevoam vidas míseras.
COMO NUM RIACHO RASO
Eu morrerei de abraços
Com minha própria sorte.
Não por que seja forte,
Nem por que seja bravo;
Mas por saber de fato
Que um dia a gente morre
E que a vida se escorre
Como num riacho raso,
Um peixe que por acaso,
A uma isca morde;
Enquanto um ovo eclode
Tão próximo, à sua margem.
LUZ E MAGIA
Quando vejo você,
Principia o nascer
De um novo dia,
É tão grande a alegria
Que acho que vou morrer.
Não morrer realmente,
Mas como a fantasia
De que ainda haveria
Um lugar diferente
Pra que eternamente,
Nós pudéssemos viver.
Quando vejo você,
Vejo luza e magia.
QUANDO MORTA
Quando estiver morta,
Já não mais importa
Onde você esteja,
Se numa igreja
Ou na zona, exposta.
SORRISO PÁLIDO
Vivo da saciedade
Das vontades e dos vícios.
Sou submisso
À realidade
Na qual vivo.
Sou tão omisso
Quanto a sociedade
Que me põe sempre à margem
Dos seus riscos.
Assim, revido
Com um sorriso
Pálido como minha própria imagem.
NA ILUSAO DE LIBERDADE
Eu fugi de casa
Num bater de asas,
Na ilusão de liberdade.
Presa da necessidade,
Não passo de escrava
De uma vida apática
E de infidelidade.
Hoje, o peso da idade
E a responsabilidade
Não me permitem voar.
Sou um mero exemplar
De uma coleção selada.
Sou uma mulher casada
Que tem medo de arriscar.
Corro de mãos dadas com minha mãe,
De pés descalços
Para os braços
De meu pai
Que hoje sai,
Após anos de prisão.
Ele, tão estranho à emoção,
Não atende ao meu apelo,
Não é o mesmo
Que encontrava no portão.
Tem a cicatriz e o cordão
Por sobre o peito,
Mas tão sem jeito,
Ele beija a minha mão,
Que sua bênção
Mais parece um aperto,
Um acordo a pouco feito,
Uma negociação.
O INFERNO EXISTE
Uma coisa é certa,
O inferno existe,
É viver na miséria,
Onde a fome exagera,
Depois desiste.
Fica um olhar triste
E a morte a espera.
SONETO DO FIM PRÓXIMO
Devo dizer adeus
Ou apenas até logo?
Meu amor, eu já não choro,
Nem imploro por um deus.
Todos os sonhos são meus
Por serem seus, os remorsos.
Eu finjo que me esforço,
E você, que me perdeu.
Tudo que se prometeu
Não passou de um negócio
Onde um dos sócios, fui eu.
Todo o mundo percebeu
Que o fim estava próximo
E o óbvio aconteceu.
ARTESANATO
Olho os objetos dispersos na prateleira.
Foram esculpidos na madeira,
Retocados com fino verniz.
Vejo o artesão sorri feliz
Com ar de tristeza,
Por ter certeza
Que o cliente não os quis.
VAI ALÉM
Sabe que vai morrer
E/ou matar alguém,
Mesmo assim, teima em beber
E a dirigir também.
A lei finge que está bem
E ele nem tenta entender.
O direito de viver
Na verdade não se tem.
O interesse é de quem?
De ninguém.
É o que se ver.
Seja eu, ele ou você,
Nada vai acontecer
Se atropelarmos alguém.
Ao escapar, diz amém
Por não ter que responder
Pela morte de outrem.
E impune vai além,
Pois ainda insiste dizer:
Tinha de acontecer,
Não é culpa de ninguém.
INSÍPIDAS PALAVRAS
Na reclusão do meu silêncio,
Eu desabafo minhas mágoas.
Não entre lágrimas,
Mas escrevendo
As mais insípidas palavras.
A minha voz não é amarga
E jamais fala:
Estou morrendo.
Mesmo coberta de veneno,
Ela se cala.
NO ESPELHO DOS REMORSOS
Eu desconheço o meu ódio
E desvaneço em meu medo.
A minha trama é enredo
Do desapego e do ócio.
Eu sempre faço o que posso
Para rever com acertos,
O reflexo dos meus erros
No espelho dos remorsos.
E cada dia, me esforço
Para manter meus segredos
Que são os mesmos que vejo
Ocultos aos rostos alheios,
Dentro de seus próprios olhos.
ACOSTUMADO A SONHAR
Estou tão acostumado a sonhar
Que a realidade me parece fantasia,
Onde as horas que deveriam ser vazias
São preenchidas com o meu pestanejar.
Os meus olhos se acostumam devagar,
Com o sol que faz raiar o novo dia,
Onde os sonhos se misturam à própria vida,
Onde a vida não me deixa acordar.
LÍDER SANTO
O líder santo se faz
Entre sinais e bandeiras.
O líder santo se esgueira
Entre a guerra e a paz.
Por ser covarde demais,
Ele se deixa
Viver a vida inteira
Sobre a morte dos demais.
ERUPÇAO
Tenho a impressão maravilhosa,
Que o mundo se acorda
Com o meu jocoso grito,
Um vulcão há muito tempo adormecido
Que acorda numa ejaculação.
Larvas que fecundam um coração,
Se espalham em sua fenda, um precipício.
De joelhos, sou um homem submisso,
Um fiel em sua extrema devoção,
Com os olhos que pedem por perdão
Pela falsa ilusão de ter sofrido.
SONETO REPRIMIDO
Meu entusiasmo pela vida
É uma típica inversão de sentimentos,
Ante os severos pensamentos
De uma mente fraca e deprimida.
Tenho a razão comprometida
Por ser desprovida de bom senso.
Com o meu sorriso, eu compenso
Toda a amargura reprimida.
Falo pouco, pela voz contida.
Não entenderiam meus tormentos,
Nem aceitariam minhas cismas.
Minhas intenções são percebidas
Pelas alegrias de momentos
E as tristezas introspectivas.
O seu ciúme me envaidece,
Ao mesmo tempo, me enlouquece
Por sua boca contorcida.
A sua cara enfurecida
Por essa raiva que expele,
Tanto me fere
Como a deixa entristecida.
Talvez, por se sentir traída,
Se afastar de mim, prefere.
Mas, sinto falta de sua pele
E peço que não se exaspere,
Você é o amor de minha vida.
ENCENAÇAO
Eu poderia desenhar-te com palavras.
Em poucas falas,
Deslumbrar-me com a visão.
Tanta paixão
Em cada estrofe declamada
Que em meio às lágrimas,
Encerraria a encenação.
A CÉU ABERTO
Na solidão me despeço.
Não há regresso aonde vou.
Meu voo é a céu aberto,
Sobre um deserto sem cor.
Tão certo disso estou,
Que no calor me disperso,
Incerto, ao dissabor
Do vento, ao tempo me entrego,
Como me entrego ao amor.
A TIMIDEZ DOS SEUS REMORSOS
Pobres os meus olhos
Que se perdem ansiosos
À procura de revê-la
E que são presas
Dos seus olhos receosos.
Os seus lábios grossos,
Minha boca ainda deseja,
Enquanto aceita
A timidez dos seus remorsos.
Na ilusão que posso
Esquecê-la,
Fecho os meus olhos,
E você me beija.
UM BEIJO APENAS
Eu estava com você em um cinema.
Em uma cena,
Apertei a sua mão.
Quanta emoção
Dispersada em luz serena.
Um beijo apenas,
Nos tirou da escuridão.
TRADIÇAO
Devo negar a minha convicção
Desde a concepção
Até o altar?
Nasci num lar,
Onde a única obrigação
Era uma tradição:
Somente amar.
MIRAGEM
O sonho nasce na vontade
Que o desejo se torne real.
Sendo tal qual
Uma miragem,
Onde a necessidade
Cria uma imagem
Irreal.
A AMANTE PERFEITA
Eu a vejo tão linda,
E mais ainda,
Eu a vejo perfeita.
Seu sorriso me aceita.
Com as mãos, me aninha.
Você não é só minha,
Mas sozinha,
Me abraça e me beija.
Você também deseja,
Mais que minha eleita,
Ser a minha rainha.
INVENÇAO
Vivo repetindo a mesma história
Pela falta de memória
Ou por reafirmação.
Talvez, seja simples ilusão
De uma mente que explora
Sua própria imaginação.
Repetir-se é minha intenção,
Chamar a atenção
De quem me esnoba.
Personagem vivo que outrora,
Foi suposta
Invenção.
ELA É UM ANJO MALVADO
Ela me quer o quanto a quero.
Sempre a espero com euforia.
Tanta magia quanto mistério.
Amor eterno, ela diria.
Me salvaria do meu inferno.
A céu aberto, me guiaria.
Tanto faria o que é certo,
Quanto decerto, me condenaria.
OS DIAS DE HOJE
Como antigamente,
Os dias de hoje, não são tão diferentes.
Tem pressa, são urgentes,
E de pouca atenção.
A mesma ilusão
De que são para sempre.
Tão displicentes
À sua própria condição,
Os dias de hoje são
Continuadamente,
A nossa representação.
A NOSSA HISTÓRIA
Tenho que ir agora, minha senhora,
Antes que alguém me veja.
Enquanto a gente se beija e se deseja,
Seu consorte está lá fora.
Eu sei que ao ir embora,
Só nos restará tristeza.
Porém, pode ter certeza
Que temos a vida inteira
Pra viver a nossa história.
ENTREGUES AO ARDOR DA PAIXAO
Lábios se comprimem ansiosos de desejo.
Turbilhão de medo e de receio.
Cada coração em si inteiro.
O amor verdadeiro,
Não requer condição.
Apertam-se as mãos,
Comprimem-se os seios.
Abraços e beijos,
Tanta emoção.
Nunca se diz não
Aos seus apelos.
Entregues, alheios,
Ao ardor da paixão.
RECOMPENSADO
Sinto tanto a sua falta
Que chego a me aborrecer.
Como poderei viver
Sem ter você ao meu lado?
Sendo tolo, abandonado,
Sem legado, sem prazer,
Ainda insisto em lhe ver,
Sou enfim, recompensado.
Você não será passado,
Meu futuro esperado,
No presente, acontecer.
Vejo em cada gesto seu, consentimento.
Chego a ler seu pensamento
Me pedindo atenção.
Quando toco em sua mão,
Acredito estar vendo
Seu mais íntimo sentimento,
Sua admiração.
DESCULPA DESCABIDA
Chega de acreditar que a vida
Ainda pode ser melhor que isso,
Folga ou compromisso,
Descanso ou lida.
Pode ser uma dádiva merecida,
Pode ser o mais cruel castigo,
Nós só precisamos de um motivo
Para uma desculpa descabida.
A FUMAÇA
Vejo a redenção de minha alma,
Não em orações diárias,
Mas no livre pensamento.
Só há tormento
Numa mente alienada.
Não alcanço graça
Por merecimento.
O meu alento
É trabalhar pra ter a cota necessária.
Pedir migalhas
Com o mero fingimento
De que vale o esquecimento
Da quantidade desejada
É uma farsa
Ao seu arrependimento.
Não perco tempo
Em anunciar desgraça.
Não vejo graça
Em infligir sofrimento.
Espero o vento
Dissipar essa fumaça
Que os afasta
Da razão e do bom senso.
COLCHAO DE MOLA
Só a você eu digo
O que sinto agora.
Só você transforma
O meu choro em riso.
Qual seguro abrigo
Que a um mendigo
Aquece e acomoda,
Você me conforta
E me põe tranquilo.
Corpo adormecido
Num colchão de mola.
A mão suave toca
O filho protegido
Que surpreendido,
Assustado, acorda.
O PODER DA VONTADE
Você fala da morte
Como quem quer morrer.
Parece ter prazer
Em desejar tal sorte.
Não se sente tão forte
Para sobreviver,
Mas consegue vencer
Toda a dor que o comove.
Você sempre resolve
O que deve fazer.
Na hora de se erguer,
Você nega que pode.
Não demonstra que sofre,
Apesar de doer.
Desconhece o poder
Que a vontade promove.
VERDES ANOS
Eu me assombro
Quando vejo os escombros
De minha velha cidade.
Sinto tanta saudade
Que vivencio a idade
Que tinha em meus verdes anos.
Jamais fazíamos planos,
Pura impetuosidade.
Alegria e liberdade,
Frutos de um fim de ano.
Não me perguntava quando,
Nem qual a necessidade.
Percebia a mocidade
Que vinha se aproximando.
De repente, fui raspando
Do rosto, a ingenuidade.
Era a minha puberdade,
Explodiam os hormônios.
Entre êxtase e desânimo,
Chego à maioridade.
Pouco mudo, na verdade,
Mas vou me encontrando.
Eis que chega o matrimônio.
Depois, a natalidade.
Vejo a realidade,
De uma forma que me espanto.
Ante meus cabelos brancos
E o peso da idade,
Reconheço que saudade
É o maior dos desenganos.
IMERECIDA
Faço parte de tua vida,
Sem poder te alcançar.
Serei lágrima esquecida
Que apesar de imerecida,
O tempo irá enxugar.
A MEROS ANIMAIS
Deveríamos amar mais
E desejarmos menos.
Mas, o mundo em que vivemos
Nos desfaz
Os próprios sentimentos,
Nos torna mais carnais,
Venais e violentos.
Soberbos racionais
Que estão perdendo
O seu discernimento,
Regressam pelo tempo,
A meros animais.
A IMAGEM
Às vezes, tenho vontade
De lhe dizer quem eu sou:
Um homem de meia idade
Que ainda arde
De amor,
Que esquece o valor
Da amizade,
Que vê na liberdade,
Ausência de pudor.
Entregue ao torpor
Da sacanagem,
Se esconde na imagem
De um simples professor.
NOS BEIJOS DE MINHA AMADA
Sinto que nada me falta
Nos beijos de minha amada,
Sonho, mágica e fantasia.
Mas a realidade fria,
Na razão do dia a dia,
Cruelmente nos afasta.
Eu comparo minha vida
A uma mulher devassa
Que fingida, me abraça.
Excitada e despida,
Tão alheia, entretida
Com o próprio pensamento,
Logo após o pagamento,
Não há sequer despedida.
Parece desprotegida,
Mas é puro fingimento.
Tão seca de sentimento,
Transborda de tirania.
Seja noite, seja dia,
Não importa o momento,
Prova que há ressentimento
Ao causar-me sofrimento
Oculto em sua alegria.
ÚNICA CHANCE
Não se importe se o seu sangue
É de seu pai com sua mãe
Ou mesmo de um rosto sem nome
Com uma puta que ainda se expõe.
Sua educação compõe,
Junto ao seu sobrenome,
Um caráter de bom homem
Que a origem não impõe.
Só sua família repõe
A segurança que some
Com o abandono que come
Toda sua conformação.
E somente a adoção
É sua única chance
De não morrer como infame
Na tristeza e solidão.
QUINQUILHARIAS
Entre quinquilharias,
Reavivo alegrias do passado.
Um menino levado,
Que é deixado à mercê da fantasia.
Entre suas manias,
Um lençol desbotado
Que a um pequeno cenário, encobria.
Uma gaiola vazia,
Onde um dia, cantara um canário.
Um boneco, um soldado,
De lutar, já cansado, jazia.
Um cordão se estendia
Pelo chão empoeirado,
Onde um pião quebrado,
Já não mais rodopia.
A BÊNÇAO
Uma bênção com a mão
Que esvazia o meu bolso.
Com enorme alvoroço,
Benzia-me, um ladrão.
Com alarde e comoção,
Repetia: Deus eu ouço,
O que pedes a esse moço,
É pra sua salvação.
Ao chamar-me de irmão,
Fitava o meu desgosto
Sem fazer nenhum esforço
Pra ocultar sua intenção.
Exigindo devoção
E extrema adoração,
Mais parecia um louco,
Enquanto extorquia o pouco
Que restava para o pão.
O SOLTEIRO
Eu aprendi a andar
Sem rumo e sem compromisso.
E vai ser muito difícil
Se eu tiver que mudar.
Como irei me acostumar
A ser marido,
Um solteiro envaidecido
Por jamais se apaixonar?
MULHER DE PODER
Procuro seguir em frente,
Continuar a minha vida.
Mas não vejo uma saída
Com você estando ausente.
Eu me sinto indiferente
Ao mundo que me cerca.
Esse mal que me infecta
É o amor que também sente.
Você age diferente,
É constante e segura.
Eu sofrendo a amargura
De um louco inconsequente.
Sei que guardarei para sempre
O seu rosto sorridente,
O gosto que está presente
No hálito de sua boca.
Ouvirei sua voz rouca
Me chamando sensualmente.
Sentirei seu corpo quente,
Seu perfume eternamente
Exalar de minha roupa.
CEGOS DE AMOR
Não tenho olhos pra ninguém,
Pois estou cego por você.
Fecho os meus olhos e consigo ver
Seu rosto, a me olhar também.
Sei que lhe quero tanto bem
Que sou capaz de compreender
Que é impossível ter você,
Posto viver com outro alguém.
É doloroso seu desdém,
Divide a vida com você
E não consegue perceber
A imensa dádiva que tem.
O meu conforto é que ninguém
Pode mandar no bem querer.
Em nosso amor, eu e você,
Mesmo que não possamos ver,
Iremos muito mais além.
MERA GRATIDAO
Onde estão o ardor e a paixão
De tão duradoura relação?
Foram levados pelo tempo.
E todo aquele encantamento,
Tornou-se mera gratidão.
Somos escravos da união,
Do casamento.
Fizemos falso juramento
Sob os dogmas da mistificação.
Ante o calor da emoção
Do festejado momento,
Caímos no esquecimento
De que amar é um sentimento
E não depende da razão.
SONETO AO AMOR TARDIO
Ver você é uma dádiva da vida,
Uma gota merecida de silêncio,
Uma brisa em um dia de mal tempo,
O reconhecimento que há forças atrativas.
Sua pele exala o cheiro de orquídeas
Que dispersa todo o meu ressentimento.
Seu sorriso é o mais doce passatempo
Que acalenta minha noite mal dormida.
Sua voz é tal uma canção antiga
Que exalta o amor sem fingimento,
Sem apelo ao exagero e à malícia.
Sua boca é uma masmorra de delícias,
Onde eu perdi o meu discernimento
E entreguei-me como à morte, o suicida.
Tenho a obstinação de condenado
Pra fugir de minha cela,
Mesmo que incerta,
Minha fuga da prisão.
Tenho sempre a sensação
Que minha meta
É a correta,
É a única salvação.
Minha pretensão,
Se descoberta,
Que não impeça
Minha própria execução.
O CONSELHO DO SOBRADO
Nos degraus, eu pareço cansado
Por está submisso ao sobrado
Que me deixa isolado em meu mundo.
Nas paredes do quarto, o meu túmulo,
Um sarcófago imundo e macabro.
Não consigo alcançar o telhado
Que me olha de um jeito amargo
E profundo,
Como ousasse falar: Vagabundo,
Vai à rua procurar trabalho,
Vê se deixa essa vida sem rumo.
CONFUSA
Minha cabeça é confusa.
Mas não tem culpa,
É sadia.
Quase nunca está vazia.
Quando cheia, se exulta.
Se fundir a minha cuca,
Não vai ser por teimosia,
Porém, pura rebeldia
De uma mente obtusa.
Se uma falha a acusa,
Talvez seja apatia.
A si mesma, elogia,
Se gabando de astuta.
É em si, tão resoluta
Que se torna absoluta
Em sua própria fantasia.
ESCONDIDO
O amor em nós escondido
É um misto de risco e pesar.
E por mais que tentemos feri-lo,
Ele teima em se recuperar.
ANTE O PASSAR DOS ANOS
Quando nos apaixonamos,
Eu dizia: eu te amo,
Toda hora, todo dia.
Nossa casa se enchia
De eu te amo.
Mas o tempo foi passando,
O eu te amo sussurrando,
Pouco a pouco mal se ouvia.
O que a gente não sabia
Era que se calaria
Ante o passar dos anos.
Não por nossos desenganos,
Nem pela monotonia.
Mas por simples agonia,
Silencia,
Sem que nós nos percebamos.
SONETO AO AMOR ILEGÍTIMO
Espero que você nunca me esqueça,
Mesmo que tudo pareça acabado.
A vida pode ter nos reservado
A mais lúgubre surpresa.
No escuro, uma única chama acesa,
Pode nos guiar ao claro.
Não deixe nosso amor para o passado,
À mercê de sua própria natureza.
Um sentimento filho da incerteza,
Concebido ao acaso,
Destinado à tristeza,
Na sua condição de estranheza,
De ilegítimo, é condenado
A ser sacrificado pela mesma.
ANTES DO NOVO ALVORECER
A noite vem,
Tudo parece adormecer.
Procuro ver
Além do sono e do sonhar.
Tento encontrar,
Antes do novo alvorecer,
Não só você
Que é todo o meu bem querer,
A paz de ser,
Meu existir e me encantar.
JANELAS ABERTAS
Abro as janelas
E olho a rua, a espera
De todas elas:
A clara, a brisa e a bela.
O sol desperta,
Sua claridade me embriaga.
O vento afaga
Suavemente, a minha testa.
É primavera,
Vejo a beleza que se espalha.
Orvalho, lágrimas
De uma noite sem reservas.
Você se entrega
E diz que está apaixonada.
Então, se cala.
Aí meu silêncio me revela.
Ficam as janelas
Ainda abertas,
Boquiabertas e encantadas.
O CAJUEIRO
O cajueiro se movimenta
Com o vento que inventa
Que ele é capaz de andar
E que pode até falar.
A ventania que aumenta,
Como uma voz rouca, agourenta,
Tenta
Inutilmente me assombrar.
Folhas, galhos e o ar,
Uma orquestra barulhenta
Que à minha mente, atenta,
E me faz imaginar.
ARROGANCIA
Bater no peito para arrotar a minha arrogância,
Mede a distância
Que há entre eu e você.
Se não tenho nada a oferecer,
Nem amor, nem piedade, nem esperança,
Mostra que além de minha infância,
Perdi as únicas razões de se viver.
Amargo minhas horas de prazer
Na solidão de sombrias lembranças.
Desconheço minha própria ignorância.
Com relutância,
Continuo sem me ver.
BIS
Quero saber a verdade
Em troca da minha vontade
De um dia ser feliz.
Se você não é quem diz,
Use de sinceridade.
Com lealdade,
Ainda poderá ter bis.
Nossos corpos querem sempre estar
Um no outro.
É tão pouco
Que é difícil aceitar.
Mas o amor tende a contornar
Obstáculos diversos.
Sendo assim, entre chips modernos,
Pela voz, nosso amor é eterno,
E ninguém pode nos separar.
AS RUAS
As ruas são tomadas
Por passadas ligeiras
Que de qualquer maneira
Querem chegar em casa.
Há tantas ruas largas
Quanto há também estreitas;
Umas escuras, feias,
Outras iluminadas.
São muitas as paradas,
Calçadas e bueiras.
Cruzam a cidade inteira,
Compelem à caminhada.
Ouvem as nossas falas
Em vozes passageiras,
Dispersas na poeira,
Dormem silenciadas.
O VERDADEIRO DOM DA RAZAO
Sustento em minhas mãos,
Todo o meu peso,
Dependurado em minha própria opinião.
E tenho a sensação ante o espelho,
De que balança em meus cabelos,
O verdadeiro dom da razão.
NO CORAÇAO DE MEU PRÓXIMO
Todas as vezes que eu choro,
Lembro que há um caminho,
Que não estamos sozinhos,
Paro, e enxugo meus olhos.
Sei que se luto, eu posso.
Sou livre tal passarinho
E busco meu próprio ninho
No coração de meu próximo.
Se for difícil, me esforço.
Meu argumento é o carinho.
Meu contratempo, o remorso.
ENTRE A CURA E A FERIDA
Paciência e teimosia
Me arrastam noite e dia,
A manter o nosso amor.
Não consigo mais me opor,
Nem manter a rebeldia.
Estou preso entre fantasia e dor.
Que enorme dissabor
Tem minha vida,
Continua dividida
Entre a cura e a ferida,
Condoída
Com seu próprio estertor.
OS MEUS MOTIVOS
Devo esclarecer os meus motivos,
Não por alívio,
Tão somente alegação.
Sustento sempre a mesma opinião,
Nunca duvido de minha convicção.
LAMENTO
Ela vai me esquecer
Com o passar do tempo,
Qual um leve movimento
Que acabamos de fazer.
Ela nem vai perceber
Que já não está sofrendo.
E só lamento
Não estar aqui pra ver.
O DIA DE AMANHA
Espero o dia de amanhã com tanta ânsia
Que a minha mão quase alcança o tocar.
Eu não me canso de esperar,
Qual a criança
Que tem a tola esperança
De que papai-noel virá.
Eu tenho tanto pra lhe dar
Que a espera não me cansa.
A trago presa na lembrança,
Que sou capaz de a inventar.
Em meio à solidão que há
Pela distância,
Aperta o nó da insegurança,
A sufocar.
ALÉM DE MINHA JANELA
O que há lá fora, além de minha janela,
Um mundo vivo à espera
De um iminente cataclismo
Num exagerado fatalismo
De quem o despreza
Ou apenas o planeta terra
Com todo o evolucionismo?
Cá dentro, apenas o poeta
Em seu insondável abismo.
O MILHARAL
Para que conspiração e ilusão,
Mistificação do bem, do mal,
Se o mundo é tão real
Em sua própria dimensão?
Já que o sobrenatural
Não nos dar explicação,
Formulemos a questão
No contexto natural.
Se não achamos normal,
Questionamos a razão,
Damos nossa opinião
De uma maneira tal
Que o ideal,
Fruto da imaginação,
Não nos prova um só grão
Desse enorme milharal.
AMARGA REALIDADE
O que eu procuro na verdade,
É uma mentira confortante.
Contudo, encontro a todo instante,
A mais amarga realidade.
Em troca de afabilidade,
Uma brutalidade incessante.
Abro os meus olhos, confiante,
Enxergo desonestidade.
Onde eu planto liberdade,
Brota num ramo dominante,
Uma enorme flor de sujidade.
Diante da vulgaridade
De tudo o quanto é importante,
Ainda mantenho a integridade.
PERTINAZ PECADOR
Eu era um menino levado
Que acreditava em pecado
E temia o Senhor
Mais do que o próprio diabo.
Satã era o servo macabro,
Um cão com enorme furor.
Mas para seu dissabor,
Era por deus controlado.
Ninguém pode ser tocado
Sem ordens do salvador.
Era grande o meu pavor,
Quando ouvia tal ditado.
Por ser insubordinado,
Antevia o resultado:
Satanás acorrentado,
Sendo por deus libertado
Para punir o culpado,
Eu, um pertinaz pecador.
Entre métricas, me perco pensativo.
Ponto crítico, a escolha da palavra.
Voo sem asa, a procura de abrigo.
Sou cativo de uma forma abstrata.
Minha alma não revela meu conflito.
Mesmo aflito, ainda simulo que há calma.
Quando a palma absorve o meu grito,
Não êxito, e a mão num rito, grafa.
Nunca passa a ilusão de infinito.
É um mito a sentença acertada.
Onde a lágrima espelha o sorriso,
Só nos resta o delírio
Como a última cartada.
RAPOSA EM GALINHEIRO
Afeito aos malfeitos e defeitos,
Assim, me deito para dormir,
Sem nada que possa intervir.
Essa é a visão do eleito.
Se for para seu proveito,
Tem direito de extorquir.
A lei não pode punir
Tão honesto e bom sujeito.
O que o eleitor tem feito,
A não ser se repetir,
Pondo raposa em galinheiro?
Para o povo brasileiro,
Resta por para assumir,
Um cachorro insatisfeito.
UM FELIZARDO
Quando ainda era um garoto,
Não olhei para os dois lados,
Quase fui atropelado,
Talvez, estivesse morto.
Observo o próprio rosto
No espelho emoldurado.
Vejo o quanto estou mudado,
O passado é meu conforto.
Permaneço absorto
No evento do acaso,
Quantas vezes fui poupado!?
Tendo a morte, me deixado
À mercê do mundo torto,
Eu me sinto um felizardo.
O RELOJOEIRO
Não tenho tempo,
E nem tento
Encontrar tempo pro ócio.
Eu faço tudo que posso,
Para ocupar meu talento
Que até esse momento,
É consertar meus relógios.
NAO SOU O MELHOR EXEMPLAR
Não posso me queixar da vida.
Pois tenho casa, tenho comida,
Tenho um salário que me obriga
No dia a dia, a trabalhar.
Não sou o melhor exemplar,
Apesar, de não dever nada à justiça.
Não creio em Deus, não vou à missa,
Não faço parte de torcida,
Não tenho o gosto popular.
Não tenho o hábito de fumar.
Também não consumo bebida.
Jogar, nem mesmo uma partida.
E ir a festas, nem pensar.
Não sou afeito a chorar,
Nem mesmo em trágica despedida;
Pois tudo aquilo que me intriga,
Eu tento racionalizar.
VEREDA MACABRA
Ando numa estrada sombria,
Onde há árvores desfolhadas
E o sol por entre galhas,
Mal consegue clareá-la,
E servir-me como guia.
Essa dor, essa agonia,
Essa vereda macabra,
Não devolve minha amada,
Nem a demove das mágoas
Que me arrojam nessa via.
Ah, amor, que bom seria,
Eu nessa senda, encontrá-la!
Acalmaria a minh"alma
Com as mais doces palavras
Que sua boca me diria.
Eis que a realidade fria
É a trilha solitária,
Onde a noite é assombrada
Pela parca escaveirada
Que acicata o suicida.
LEMBRANÇAS APAGADAS
A cada dia que passa,
Se vai um pouco de mim.
E quando chegar meu fim,
A vida feito fumaça
Dispersada pelo vento,
Vai se perder pelo tempo,
Em lembranças apagadas.
Minha lápide empoeirada,
Relegada ao relento,
Mostrará o desprendimento
Com a minha mortuária.
DE UMA FORMA OU DE OUTRA
Aos que me pedem silêncio,
De uma forma ou de outra,
Eu calo a minha boca,
Mas continuo tecendo
Ideias que vou moendo
Em minha cabeça louca.
Mesmo a voz ficando rouca,
Conversar me entusiasma.
Quando todos dizem basta,
Nem mais uma só palavra,
Acho que a palra foi pouca.
Eis que a letra me acoita.
Então, prossigo escrevendo.
Dessa forma, vou mantendo
Um colóquio envolvendo
Uma única pessoa.
LUZ DO SOL NASCENTE
Desejo vê-la novamente
Como a luz do sol nascente
A iluminar meu dia,
A encher-me de ousadia
E de atos imprudentes.
Os seus beijos são urgentes
E essa pressa me alicia.
Sua voz serve de guia
Ao meu coração descrente.
Amo tão perdidamente
Que daria a minha vida
Para tê-la inibida
Por despir-se em minha frente.
Sonho com seu colo ardente
Com tamanha impudicícia
Que me acanha a malícia
De sonhar tão vulgarmente.
Como foi maravilhoso
Vê-la de pé no portão
Com a mais linda expressão
Que só vejo em seu rosto.
Seu sorriso afetuoso,
Foi uma confirmação
De que a sua paixão
É o meu maior conforto.
Nosso enlace amoroso
Defronta a proibição
Com medo de ser exposto.
Meu amor, ainda sofro
Com essa separação
Que impomos um ao outro.
O FALCAO E A FADA
Amo você. Isso me basta.
Seu amor me dá as asas
Alinhadas de um falcão.
Com afinco e exatidão,
Eu vou à caça,
Sobrevoo a sua casa
Com extrema prontidão.
Você me estende a mão,
O meu coração dispara,
Eu revelo minhas garras
E pouso com exultação.
Tanta paixão
Entre um falcão e uma fada,
Acaba em lágrimas,
A espera de uma mágica
Transformação.
EU, BEIJA-FLOR
Como é bom beijar-lhe, amor,
Num longo e terno abraço.
Um aperto, um nó, um laço
Que amarra a minha dor.
Vulnerável em sua flor,
Tão entregue ao cansaço,
Alheado, no espaço,
Cai por terra, eu, beija-flor.
Minha pluma aviva a cor
Quando novamente avoaço
E pairo ante o seu albor.
Sem temer o empalhador,
Eu procuro o seu regaço,
Com agraço e ardor.
AMOR COBIÇADO
Nesse mundo tudo é mitificado.
Sua boca tem o hálito perfumado da manhã,
Sua voz é como o sopro de um titã,
E eu, apenas mais um grego extasiado.
Os seus olhos tem a fome do pecado.
Os seus lábios tem o gosto da maçã
Que a Eva recebeu do anjo satã,
E eu, um ávido judeu apaixonado.
Sou somente um nativo enciumado
Aos pés de minha deidade pagã,
Seduzido pelo místico talismã,
Sacrifico-me no afã
De teu amor cobiçado.
UMECTADA
Se estou em seu sonho sensual
E acorda umectada,
Não se sinta envergonhada,
É uma ação consensual.
Não há nada de imoral
Em ser amada
De uma forma tão velada
E virginal.
QUADRAGENÁRIO
Que dia mais estranho.
Talvez por ser mais um ano sobre meus ombros,
O mesmo que antanho ansiava com exultação,
Não passa de um vão em meu âmago.
Não tenho ânimo para comemoração.
Em cada aperto de mão, sinto-me anônimo,
Um tragicômico sem nenhuma pretensão.
Sob a felicitação, não me acanho
Por ser tacanho, esse dia de ilusão.
Sendo mera tradição de um breve sonho,
Não me disponho a servir-me de atenção.
OLHOS DE SUTIL CASTANHO
Os teus olhos me pedem tanto
O quanto eu não posso dar.
Eles teimam em me chamar
E eu parado, não respondo.
Olhos de sutil castanho,
Que me arrastam para um mar
Onde afogam meu pesar,
Minha sofreguidão de quando
Poderei me entregar
A tão inacessível sonho.
LAÇO FAMILIAR
Meu laço familiar
Prende-me com tanto ardor
Que nem mesmo seu amor
Consegue me libertar.
Não consegue abdicar,
Esse velho coração,
Da tamanha devoção
Pelo seu lar, doce lar.
Se você não pode entrar
E eu não consigo sair,
Como poderei sorrir
Se não paro de chorar?
A REALIDADE É OUTRA
Vê a minha turgidez
Ao despir a sua roupa.
Pouco a pouco, se afoita
Ante a nossa avidez.
Em um tom de languidez,
Sua voz rouca,
Novamente me acoita
Nessa doce embriaguez.
Foi-se a tarde em palidez.
O vento açoita
O telhado que enoita
Sobre minha tepidez.
Amanheço à procura de sua boca,
Tenho uma vontade louca
De beijá-la outra vez.
O sonho se desfez,
Nossa cópula foi pouca.
A realidade é outra
Sem a sua candidez.
SONETO À PEQUENA VITÓRIA
Tanta pureza iluminada ao seu sorriso
Num improviso de palavras mal faladas.
Desprende o choro sem o mínimo motivo,
Em soluços sem ter lágrimas.
Os seus passinhos que se perdem pela casa,
Deixam pra trás os mimos de minha anuência.
Em cada gesto, soa desobediência.
Com resistência, aos poucos cede e se acalma.
Abandonado à mercê do alheamento,
Voo sem asas, através de seus momentos,
Livre do tempo das horas cronometradas.
Tão encantado, digo o que estou vivendo.
Na ilusão de que está compreendendo,
Com as mãos na boca, solta lindas gargalhadas.
Ante o cárcere que é esse amor desesperado,
Sou devotado ao silêncio e a dor.
Tento me opor,
Contudo, permaneço apático,
Tão sorumbático
Quanto o próprio dissabor.
Resignado ao desejo opressor
De um coração pacóvio e alucinado,
Aceito ser escravizado por temor
De ver meu sonho proditor
Ser dissipado
E eu deixado à mercê do desamor.
Entre o motejo de um escarnecedor
E o torpor de ter um vício abandonado,
Prefiro ser subjugado a esse amor.
ALÉM DO HORIZONTE
Procuro além do horizonte.
Talvez, a encontre
Ou apenas me equivoque.
Estendo a mão em busca de um leve toque
Imaginário, inefável, inebriante.
Quem sabe assim, o horizonte lhe devolve.
Se porventura, sob a palidez do céu, explore
A vastidão do proceloso mar distante,
Desfeito em lágrimas que ainda me comovem,
Mas não demovem a dor desse instante,
E nada encontre
Além da mesma sorte
Que tem suporte, os sonhos dos amantes,
Saberei antes, muito antes,
Que encontrei enfim, a própria morte.
A VIÚVA MÁ
E na janela um rosto me observa,
Não se preserva,
Pois se obstina
Em me reconhecer enquanto se aproxima,
Uma jovem concubina
Vindo da taverna.
Tão curiosa e indiscreta é ela,
Que se apega as pregas da cortina,
Tomba pra frente e quase cai por cima
Do parapeito estreito da janela.
É uma viúva boateira e velha
Que há muito tempo reside sozinha.
Triste, malévola e também mesquinha,
Tornou-se frigida e maquiavélica.
Vai a igreja, ajoelha e reza,
Uma megera em trajes de santinha.
AO ANDAR PELA RUA
Não consigo andar pela rua
Sem revê-la em mais de um rosto,
Um cabelo, uma calça, uma blusa,
Até mesmo, outro corpo.
Uma voz que me chama, eu a ouço.
Uma boca parece com a sua,
Insinua beijar-me de novo.
Sem você não sou todo,
Todo o mundo é tão pouco,
Todo ouro é penúria,
Meus juízos parecem loucura,
Minhas juras não passam de engodo.
ATRAVÉS DA RETINA
O seu rosto irradia uma luz cristalina
Que seduz e ilumina minha alma sombria.
Sua boca macia, sussurrando ainda,
Diz que é minha, toda a sua alegria.
Seu sorriso me guia nessa vasta campina
E desfaz a neblina que já me confundia.
O seu corpo alicia a paixão libertina,
Que domina minha mente arredia.
Sua volta alivia a saudade ferina,
Me conforta, me anima e me traz euforia.
Soube que amor havia, através da retina,
Vendo você tão linda quão no primeiro dia.
CORAÇAO PARTIDO
Anoiteço,
Ouço o vento chamá-la,
É o amor que me fala no anseio contido.
A saudade no sono se cala.
Adormeço tentando beijá-la.
Amanheço de coração partido.
ESSE AMOR
Esse amor que nos colide feito estrelas no infinito,
É um inesperado mito que nos une e nos divide,
É o único palpite numa aposta sem sentido,
É o último pedido que entre beijos se revide,
É a mão que nos agride pelo mínimo motivo,
É um pertinaz aviso pra que a cama nos convide,
É a corte que decide a punição de dois cativos,
É o clamor dos fugitivos pra que nunca os castigue.
O JARDIM
É a época em que o jardim aflora.
Há covas para serem cultivadas.
Eu águo a terra estercada,
Dando vida a inopinada flora.
Há meses, o vergel enflora.
Pelo meio das leivas regadas,
Há plântulas ainda orvalhadas
No silêncio da aurora.
Há flores para colher lá fora.
Anseio pela esperada hora
De adornar a minha amada
Com pétalas de cor variada,
Colares de botões de rosa.
Que lazeira lamentosa,
Eis que a impiedosa parca
À minha doce amada, abarca,
Ao meu coração devora.
O meu jardim se desflora,
Perde o viço de outrora,
Pouco a pouco se devasta.
E na sepultura gasta
Onde ela, hoje, mora,
Uma singular flor brota,
Desconsolada.
ENTRE MEDO E REMORSOS
Entre medo e remorsos,
Esse amor nos condena
A vivermos de pena
E baldados esforços.
Nossas mentes e corpos
Num eterno dilema,
Enfrentar o problema,
Sem estarmos dispostos.
Somos insidiosos
Na paixão violenta
Quando entram em cena
Laços afetuosos.
Já não faço o que posso.
Você nem mesmo tenta.
Esse amor nos condena
A vivermos de pena,
Entre medo e remorsos.
A saudade tende aumentar a dor
Da separação que estamos nos impondo.
Sei que estamos evitando
Com o forçado abandono
De tão proibido amor,
Um enorme amargor
Àqueles a quem mais amamos.
Seu silêncio só está me castigando,
Não consegue postergar o meu amor.
Relegado ao dissabor, ao desencanto,
Reconheço o enorme engano
De acordar com seu teor.
UM PANO DE FUNDO
Sempre fico aparvalhado quando a vejo.
É tão forte o meu desejo
Que não finjo, não disfarço.
Qual astronauta no espaço,
Absorto com a visão do próprio mundo,
Eu a vejo em frente a um pano de fundo
Que encobre todo o resto do cenário.
Na ilusão de ser um casal solitário,
Continuo alheado com a sua aparição.
Seu sorriso manifesta minha paixão,
Chego a sentir o doce dos seus lábios.
Não percebo o quanto isso é temerário
Ante o curioso olhar de inquirição
Que nos lança, cada um dos funcionários.
PAIXAO PROIBIDA
Na sua boca permissiva,
Os beijos são viciosos.
Seus lábios apetitosos,
Não me dão alternativa.
Nessa relação nociva,
Entre olhares perigosos,
Tornamo-nos aleivosos
Condenados à desdita.
Essa paixão proibida,
Arrasta-nos ansiosos,
A uma reação fingida.
E entregues à desdita,
Somos dois insidiosos
Que se perdem pela vida.
A SENHORA
Eu a amo Senhora,
Mesmo na ânsia das horas
E dos encontros ocultos.
São aos seus atributos
Que meu corpo implora.
Esse amor me apavora,
Por ser irresoluto.
Conto cada minuto
Para tê-la de volta.
Minha alma, Senhora,
É devota ao seu culto.
E num breve singulto,
O meu coração chora.
ENTRE JAZIGOS LUSTROSOS
Aonde iriam os mortos?
Ao rio dos remorsos,
Onde apesar dos esforços,
Não há como emergir.
Os vivos teimam em seguir
O caminhar de seus ossos.
O praguejar de seus rogos,
Ainda tentam ouvir.
O verbo é inexistir.
A carne, pútridos corpos.
As vozes, meros monólogos,
Entre jazigos lustrosos,
Dos que permanecem aqui.
ÚLTIMA SAÍDA
Não me queixo da má sorte,
Nem das noites mal dormidas,
Essa rouquidão maldita,
Só me deixa mais disforme.
Minha boca é um fino corte,
Onde a língua comprimida,
Sofregamente inaudita,
Não permite que eu discorde.
Ainda me resta a morte
Como última alternativa,
Se acaso, minha desdita,
À vida, não suporte.
OLHOS TRISTES
O que vejo em minha frente,
Senão grandes olhos tristes
Que perguntam se existem
Tão amargos e descrentes?
Por demais impertinentes,
Imperturbáveis, assistem
Às lágrimas que resistem
Negar veementemente.
IMBECIBÉIS
A poluição sonora
É medida em decibéis.
Aos imbecis fiéis
A um som que incomoda,
Eu alcunho imbecibéis
(Imbecis, débeis fiéis
Que perturbam a toda hora).
PROCURA-SE VIVO OU MORTO
Os meus ditos malditos
São levados ao vento
Pelas vozes do tempo,
Pelos rogos benditos.
Os meus gestos contidos
São deixados largados.
Às vezes, me despedaço
Entre abraços mal cingidos.
Feito um reles bandido,
Sou mais um procurado,
Vivo ou morto, ou matado,
Morto ou vivo, ou vivido.
ASSÉPTICO
Ao andar pela rua sem ter um rumo certo,
Imagino um deserto de incompreensões,
De estranhas visões de um homem desperto
Pelo seu intelecto, pelas suas ações.
Através de ilusões, procura o concreto,
Na verdade, ao inverso, vaga em abstrações.
Inventando missões de um mito decrépito
Que se torna adepto de suas ambições.
Ao clamor de orações, me condenam ao inferno,
Um abismo aberto em dóceis corações
Que fiéis como cães se entreolham famélicos
Pelo meu sangue asséptico às suas maldições.
Formam-se em legiões de caráter maléfico,
Um embuste arquétipo de suas frustrações,
Provocando lesões que acreditam por mérito,
Regredindo aos séculos de barbárie e de superstições.
NATIVOS
"Na verdade, na verdade vos digo":
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|