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Nem mais uma palavra (página 2)


Partes: 1, 2, 3

Delimite suas curvas,

Eu a vejo seminua,

É maior meu sofrimento.

Sei que tudo, com o tempo,

Cai no escuro esquecimento.

Mas o seu vestido azul,

Guardarei em um baú

Até o último momento.

PELOS MEUS SAPATOS

Sou estranhamente só

Em um mundo povoado.

Sou constantemente falho

Entre tentativa e erro.

Sou avesso

Aos ternos engomados.

Meus sapatos

Mostram quanto desmantelo.

Nunca me levanto cedo,

Mesmo quando necessário.

Meu escárnio

É por quem tem prato cheio.

Sou tão feio

Quanto pintam o diabo.

Sou levado

À loucura e ao desespero.

O COMEDIANTE

Sou do tamanho que posso,

Que não pode ser tão grande.

Sou às vezes, num instante,

Tão pequeno, tão remoto

Que me sinto um gigante.

Sou maior do que fui antes,

Infinitamente escasso.

Tão extremamente raro

Quanto vasto e abundante.

Sou gritante

Quando calo.

Sou silencioso e magro

Quando gordo e falante.

Sou um triste ocupante

De um espaço ainda vago.

Sou tão trágico

Quando sou comediante.

É O FIM

Parece que realmente é o fim.

A vida não foi tão ruim

Quanto poderia ser.

Despeço-me sem muito dizer,

Foi bom a todos conhecer,

Que digam o mesmo de mim.

Eu sempre achei que fosse assim,

Sem asas de anjo querubim,

Sem um demônio a me aquecer.

Meu corpo teima em viver,

Minh"alma prestes a morrer,

Ainda insiste em dizer sim.

NOVAS IDEIAS

A nova ideia

É antiga e reinventada.

Era tão ultrapassada

Que se tornou moderna.

Numa moldura estética,

Uma réplica alinhada,

Tanto tempo desusada

Que parece ser inédita.

Desconhece a própria ética

Por conduta inadequada,

Não por ser cópia pirata,

Mas por ser originada

De uma imagem abstrata

Que havia em outra época.

MINHA VERSAO

Eu não tenho a pretensão

De dar as mãos

A quem me ata os pés.

Não estou entre os fiéis

Membros da congregação.

Nunca foi minha intenção

Ir além de uma cova.

Numa alcova,

Ponho toda devoção.

Não desejo ser irmão

Por parte de um pai que é mito.

E escrito por escrito,

Eu prefiro e acredito

Em minha própria versão.

UMA OPINIAO

Acho que a felicidade é ilusão

Tanto quanto o amor também seria.

Essa euforia não seria alegria,

Mas pura fantasia da emoção.

E a fiel devoção a uma companhia,

Não passa de ironia de nossa evolução.

Enquanto a tristeza é depressão,

O ódio é uma arma defensiva.

Melhor colher a flor da fantasia

Que espetar o amor e a alegria

Com o espinho de uma opinião.

O ÚNICO DA CASA

Eu sou o único da casa

Que não precisa de alma,

Que não aceita doutrina.

Enquanto estão todos na cozinha,

Eu permaneço na sala.

Talvez eu seja um fantasma,

Enquanto a vida ainda é minha.

A mãe se encontra sozinha,

Sob uma cruz lapidada.

O pai, às vezes, dá asas

A sua fé repentina.

A irmã mais velha se anima

Com seus espíritos e carmas.

A outra, a portas fechadas,

Reza uma salve rainha.

Um dos irmãos na esquina,

Grita que o mundo se acaba.

O outro, de casa em casa,

Testemunha a própria sina.

Todos permanecem ainda

A procura de uma aura.

Eu sou o único da casa

Que não precisa de alma,

Que não aceita doutrina.

A VERDADE DO DIREITO

Tudo é preconceito,

O que vejo, o que sinto.

Pra dizer a verdade do direito,

Eu minto.

NO ABRIGO

O ancião olha ao seu redor,

À procura de um membro da família.

O abrigo parece uma ilha,

Ele, um náufrago há muito tempo só.

Quando noite, evita sentir dó

De uma vida tão longa e tão vazia.

Sua memória, às vezes, distorcida,

Confundia o real com a fantasia.

Consciente, ele sempre se inquiria:

Qual dos dois seria o pior?

DESCOMPROMETIDA

E quando a porta se fecha

Por mais uma noite, me deixa

Sem dormir.

Eu vejo você a sorrir

Na cama ainda desfeita.

Rejeita o pedido e me beija

Dizendo que volta na terça

Pra se divertir.

Prefere viver sem mentir,

Sem ter que ouvir minhas queixas.

Melhor não desfazer gavetas

Toda vez que sair.

O sol mal começa a surgir,

Você não me sai da cabeça,

Não pede que eu a esqueça,

Somente que a deixe partir.

UM FIEL BOM E GENTIL

Às vezes, eu me sinto tão vazio

Que me dá um calafrio

Como se a minha alma

Reclamasse dessa farsa

De um fiel bom e gentil.

O meu maior desafio

É fingir amar ao próximo

Quando tenho nojo e ódio

Num sintoma doentio.

Demonstro um amor febril,

A um deus que não me agrada.

Vou ao culto e dou graça

Com um fervor tão senil

Que chego a crer que o ardil

De toda a minha trapaça

É um anjo que me fala

Para ser crente e servil.

SOB VIGILANCIA

O homem se perde

No raciocínio lógico de sua crença.

Percebe a lenda

Que não cura e não fere.

Jamais se refere

A ser supersticioso

Com um passado mentiroso,

Para não expor a pele.

O homem não se esquece

Que era sempre observado

Por fantasmas, deuses e diabos.

Eis que agora, se aborrece.

Foi tão mal acostumado

Que não quer ser libertado

E com câmeras se persegue.

EXPOSTO AO RIDÍCULO

Falar de amor

É se expor ao ridículo,

Posto ser o romantismo

Algo há muito ultrapassado.

Hoje, o termo adequado

É ficar, somente isso.

Sem vínculo, sem compromisso,

Sem flores e sem recados,

Os beijos são decorados,

Acabou-se o improviso.

Ambos seriam submissos

Se estivessem apaixonados.

Ele e ela são levados

A tornarem-se promíscuos

Em um sexo sem o risco

De acabarem-se casados.

O TEÍSTA

O que pretende o teísta

Com sua fé desmedida?

Sua ganância é explícita

Até mesmo em salvar almas.

Se não pode conquistá-las

Com sua boca maldita,

Arrogante, se excita

Ao prazer de condená-las.

MESMO QUE ESTEJA LÁ

O que existe de fato

Senão o que conhecemos?

O que jamais percebemos

E não ouvimos falar,

Não existirá no tempo,

Mesmo que esteja lá.

MINHA INSENSIBILIDADE

Meu coração não é tão vasto,

Não há espaço pra piedade;

Cabe amor, cabe saudade,

Cabe uma pessoa só.

Meu coração não é maior,

Não cabe dó, nem caridade;

Cabe paixão, cabe vontade,

Cabe uma pessoa só.

Meu coração é bem menor

Que minha insensibilidade.

PEGAR O TREM

Não espero por ninguém,

Nem também faço promessas.

Por favor, nunca me peça

Para não andar depressa,

Não me sentiria bem.

Devagar se vai além.

Não caio nessa conversa.

Venha logo, se despeça,

Que eu vou pegar o trem.

TENHA CALMA

Não force a barra,

Nem barre à força.

Ao menos ouça

O que se fala.

Não feche a cara,

Nem ria à toa.

Qualquer pessoa

Merece calma.

PRA ACABAR COM A FOME ALHEIA

Minha única tristeza

É está por trás da mesa

Comendo feito um glutão,

Sem fazer nenhuma ação

Pra acabar com a fome alheia.

Minha barriga está cheia,

Minha cara está feia,

Em perigo, o coração

E eu não gasto um tostão

Pra acabar com a fome alheia.

Ainda tem na sobremesa,

Uma calórica guloseima,

Por pura satisfação.

E eu não movo uma mão,

Não divido um só pão

Pra acabar com a fome alheia.

MERO SENTIMENTO

Não é preciso ser eterno

Para saber o quanto é certo

Que o amor não dura para sempre.

Basta viver e simplesmente

Consigo mesmo, ser sincero.

O amor, se jovem, é um inferno

Pela paixão inconsequente.

Com o tempo, torna-se paciente,

Tão consciente de que é sério.

Seja antigo ou moderno,

O amor é mero sentimento

Que não tem nada de mistério.

ATÉ DE MADRUGADINHA

Ouvi uma cantilena tão distante,

Que pensei por um instante,

Que era só impressão minha,

Uma estranha e sinistra ladainha

Qual o vento à tardinha

No mirante.

Senti na pele, um frio arrepiante

E ainda hesitante

Eu desci para a cozinha.

Havia uma xícara quentinha

De um café aconchegante.

Dessa hora por diante,

O silêncio foi reinante

Até de madrugadinha.

MUNDO REAL

O meu mundo de pele, ossos, cabelos e vísceras

Parece ser mais fantástico

Do que esse mundo mágico

Onde querubins alados

Sobrevoam vidas míseras.

COMO NUM RIACHO RASO

Eu morrerei de abraços

Com minha própria sorte.

Não por que seja forte,

Nem por que seja bravo;

Mas por saber de fato

Que um dia a gente morre

E que a vida se escorre

Como num riacho raso,

Um peixe que por acaso,

A uma isca morde;

Enquanto um ovo eclode

Tão próximo, à sua margem.

LUZ E MAGIA

Quando vejo você,

Principia o nascer

De um novo dia,

É tão grande a alegria

Que acho que vou morrer.

Não morrer realmente,

Mas como a fantasia

De que ainda haveria

Um lugar diferente

Pra que eternamente,

Nós pudéssemos viver.

Quando vejo você,

Vejo luza e magia.

QUANDO MORTA

Quando estiver morta,

Já não mais importa

Onde você esteja,

Se numa igreja

Ou na zona, exposta.

SORRISO PÁLIDO

Vivo da saciedade

Das vontades e dos vícios.

Sou submisso

À realidade

Na qual vivo.

Sou tão omisso

Quanto a sociedade

Que me põe sempre à margem

Dos seus riscos.

Assim, revido

Com um sorriso

Pálido como minha própria imagem.

NA ILUSAO DE LIBERDADE

Eu fugi de casa

Num bater de asas,

Na ilusão de liberdade.

Presa da necessidade,

Não passo de escrava

De uma vida apática

E de infidelidade.

Hoje, o peso da idade

E a responsabilidade

Não me permitem voar.

Sou um mero exemplar

De uma coleção selada.

Sou uma mulher casada

Que tem medo de arriscar.

APÓS ANOS DE PRISAO

Corro de mãos dadas com minha mãe,

De pés descalços

Para os braços

De meu pai

Que hoje sai,

Após anos de prisão.

Ele, tão estranho à emoção,

Não atende ao meu apelo,

Não é o mesmo

Que encontrava no portão.

Tem a cicatriz e o cordão

Por sobre o peito,

Mas tão sem jeito,

Ele beija a minha mão,

Que sua bênção

Mais parece um aperto,

Um acordo a pouco feito,

Uma negociação.

O INFERNO EXISTE

Uma coisa é certa,

O inferno existe,

É viver na miséria,

Onde a fome exagera,

Depois desiste.

Fica um olhar triste

E a morte a espera.

SONETO DO FIM PRÓXIMO

Devo dizer adeus

Ou apenas até logo?

Meu amor, eu já não choro,

Nem imploro por um deus.

Todos os sonhos são meus

Por serem seus, os remorsos.

Eu finjo que me esforço,

E você, que me perdeu.

Tudo que se prometeu

Não passou de um negócio

Onde um dos sócios, fui eu.

Todo o mundo percebeu

Que o fim estava próximo

E o óbvio aconteceu.

ARTESANATO

Olho os objetos dispersos na prateleira.

Foram esculpidos na madeira,

Retocados com fino verniz.

Vejo o artesão sorri feliz

Com ar de tristeza,

Por ter certeza

Que o cliente não os quis.

VAI ALÉM

Sabe que vai morrer

E/ou matar alguém,

Mesmo assim, teima em beber

E a dirigir também.

A lei finge que está bem

E ele nem tenta entender.

O direito de viver

Na verdade não se tem.

O interesse é de quem?

De ninguém.

É o que se ver.

Seja eu, ele ou você,

Nada vai acontecer

Se atropelarmos alguém.

Ao escapar, diz amém

Por não ter que responder

Pela morte de outrem.

E impune vai além,

Pois ainda insiste dizer:

Tinha de acontecer,

Não é culpa de ninguém.

INSÍPIDAS PALAVRAS

Na reclusão do meu silêncio,

Eu desabafo minhas mágoas.

Não entre lágrimas,

Mas escrevendo

As mais insípidas palavras.

A minha voz não é amarga

E jamais fala:

Estou morrendo.

Mesmo coberta de veneno,

Ela se cala.

NO ESPELHO DOS REMORSOS

Eu desconheço o meu ódio

E desvaneço em meu medo.

A minha trama é enredo

Do desapego e do ócio.

Eu sempre faço o que posso

Para rever com acertos,

O reflexo dos meus erros

No espelho dos remorsos.

E cada dia, me esforço

Para manter meus segredos

Que são os mesmos que vejo

Ocultos aos rostos alheios,

Dentro de seus próprios olhos.

ACOSTUMADO A SONHAR

Estou tão acostumado a sonhar

Que a realidade me parece fantasia,

Onde as horas que deveriam ser vazias

São preenchidas com o meu pestanejar.

Os meus olhos se acostumam devagar,

Com o sol que faz raiar o novo dia,

Onde os sonhos se misturam à própria vida,

Onde a vida não me deixa acordar.

LÍDER SANTO

O líder santo se faz

Entre sinais e bandeiras.

O líder santo se esgueira

Entre a guerra e a paz.

Por ser covarde demais,

Ele se deixa

Viver a vida inteira

Sobre a morte dos demais.

ERUPÇAO

Tenho a impressão maravilhosa,

Que o mundo se acorda

Com o meu jocoso grito,

Um vulcão há muito tempo adormecido

Que acorda numa ejaculação.

Larvas que fecundam um coração,

Se espalham em sua fenda, um precipício.

De joelhos, sou um homem submisso,

Um fiel em sua extrema devoção,

Com os olhos que pedem por perdão

Pela falsa ilusão de ter sofrido.

SONETO REPRIMIDO

Meu entusiasmo pela vida

É uma típica inversão de sentimentos,

Ante os severos pensamentos

De uma mente fraca e deprimida.

Tenho a razão comprometida

Por ser desprovida de bom senso.

Com o meu sorriso, eu compenso

Toda a amargura reprimida.

Falo pouco, pela voz contida.

Não entenderiam meus tormentos,

Nem aceitariam minhas cismas.

Minhas intenções são percebidas

Pelas alegrias de momentos

E as tristezas introspectivas.

O AMOR DE MINHA VIDA

O seu ciúme me envaidece,

Ao mesmo tempo, me enlouquece

Por sua boca contorcida.

A sua cara enfurecida

Por essa raiva que expele,

Tanto me fere

Como a deixa entristecida.

Talvez, por se sentir traída,

Se afastar de mim, prefere.

Mas, sinto falta de sua pele

E peço que não se exaspere,

Você é o amor de minha vida.

ENCENAÇAO

Eu poderia desenhar-te com palavras.

Em poucas falas,

Deslumbrar-me com a visão.

Tanta paixão

Em cada estrofe declamada

Que em meio às lágrimas,

Encerraria a encenação.

A CÉU ABERTO

Na solidão me despeço.

Não há regresso aonde vou.

Meu voo é a céu aberto,

Sobre um deserto sem cor.

Tão certo disso estou,

Que no calor me disperso,

Incerto, ao dissabor

Do vento, ao tempo me entrego,

Como me entrego ao amor.

A TIMIDEZ DOS SEUS REMORSOS

Pobres os meus olhos

Que se perdem ansiosos

À procura de revê-la

E que são presas

Dos seus olhos receosos.

Os seus lábios grossos,

Minha boca ainda deseja,

Enquanto aceita

A timidez dos seus remorsos.

Na ilusão que posso

Esquecê-la,

Fecho os meus olhos,

E você me beija.

UM BEIJO APENAS

Eu estava com você em um cinema.

Em uma cena,

Apertei a sua mão.

Quanta emoção

Dispersada em luz serena.

Um beijo apenas,

Nos tirou da escuridão.

TRADIÇAO

Devo negar a minha convicção

Desde a concepção

Até o altar?

Nasci num lar,

Onde a única obrigação

Era uma tradição:

Somente amar.

MIRAGEM

O sonho nasce na vontade

Que o desejo se torne real.

Sendo tal qual

Uma miragem,

Onde a necessidade

Cria uma imagem

Irreal.

A AMANTE PERFEITA

Eu a vejo tão linda,

E mais ainda,

Eu a vejo perfeita.

Seu sorriso me aceita.

Com as mãos, me aninha.

Você não é só minha,

Mas sozinha,

Me abraça e me beija.

Você também deseja,

Mais que minha eleita,

Ser a minha rainha.

INVENÇAO

Vivo repetindo a mesma história

Pela falta de memória

Ou por reafirmação.

Talvez, seja simples ilusão

De uma mente que explora

Sua própria imaginação.

Repetir-se é minha intenção,

Chamar a atenção

De quem me esnoba.

Personagem vivo que outrora,

Foi suposta

Invenção.

ELA É UM ANJO MALVADO

Ela me quer o quanto a quero.

Sempre a espero com euforia.

Tanta magia quanto mistério.

Amor eterno, ela diria.

Me salvaria do meu inferno.

A céu aberto, me guiaria.

Tanto faria o que é certo,

Quanto decerto, me condenaria.

OS DIAS DE HOJE

Como antigamente,

Os dias de hoje, não são tão diferentes.

Tem pressa, são urgentes,

E de pouca atenção.

A mesma ilusão

De que são para sempre.

Tão displicentes

À sua própria condição,

Os dias de hoje são

Continuadamente,

A nossa representação.

A NOSSA HISTÓRIA

Tenho que ir agora, minha senhora,

Antes que alguém me veja.

Enquanto a gente se beija e se deseja,

Seu consorte está lá fora.

Eu sei que ao ir embora,

Só nos restará tristeza.

Porém, pode ter certeza

Que temos a vida inteira

Pra viver a nossa história.

ENTREGUES AO ARDOR DA PAIXAO

Lábios se comprimem ansiosos de desejo.

Turbilhão de medo e de receio.

Cada coração em si inteiro.

O amor verdadeiro,

Não requer condição.

Apertam-se as mãos,

Comprimem-se os seios.

Abraços e beijos,

Tanta emoção.

Nunca se diz não

Aos seus apelos.

Entregues, alheios,

Ao ardor da paixão.

RECOMPENSADO

Sinto tanto a sua falta

Que chego a me aborrecer.

Como poderei viver

Sem ter você ao meu lado?

Sendo tolo, abandonado,

Sem legado, sem prazer,

Ainda insisto em lhe ver,

Sou enfim, recompensado.

Você não será passado,

Meu futuro esperado,

No presente, acontecer.

ADMIRAÇAO

Vejo em cada gesto seu, consentimento.

Chego a ler seu pensamento

Me pedindo atenção.

Quando toco em sua mão,

Acredito estar vendo

Seu mais íntimo sentimento,

Sua admiração.

DESCULPA DESCABIDA

Chega de acreditar que a vida

Ainda pode ser melhor que isso,

Folga ou compromisso,

Descanso ou lida.

Pode ser uma dádiva merecida,

Pode ser o mais cruel castigo,

Nós só precisamos de um motivo

Para uma desculpa descabida.

A FUMAÇA

Vejo a redenção de minha alma,

Não em orações diárias,

Mas no livre pensamento.

Só há tormento

Numa mente alienada.

Não alcanço graça

Por merecimento.

O meu alento

É trabalhar pra ter a cota necessária.

Pedir migalhas

Com o mero fingimento

De que vale o esquecimento

Da quantidade desejada

É uma farsa

Ao seu arrependimento.

Não perco tempo

Em anunciar desgraça.

Não vejo graça

Em infligir sofrimento.

Espero o vento

Dissipar essa fumaça

Que os afasta

Da razão e do bom senso.

COLCHAO DE MOLA

Só a você eu digo

O que sinto agora.

Só você transforma

O meu choro em riso.

Qual seguro abrigo

Que a um mendigo

Aquece e acomoda,

Você me conforta

E me põe tranquilo.

Corpo adormecido

Num colchão de mola.

A mão suave toca

O filho protegido

Que surpreendido,

Assustado, acorda.

O PODER DA VONTADE

Você fala da morte

Como quem quer morrer.

Parece ter prazer

Em desejar tal sorte.

Não se sente tão forte

Para sobreviver,

Mas consegue vencer

Toda a dor que o comove.

Você sempre resolve

O que deve fazer.

Na hora de se erguer,

Você nega que pode.

Não demonstra que sofre,

Apesar de doer.

Desconhece o poder

Que a vontade promove.

VERDES ANOS

Eu me assombro

Quando vejo os escombros

De minha velha cidade.

Sinto tanta saudade

Que vivencio a idade

Que tinha em meus verdes anos.

Jamais fazíamos planos,

Pura impetuosidade.

Alegria e liberdade,

Frutos de um fim de ano.

Não me perguntava quando,

Nem qual a necessidade.

Percebia a mocidade

Que vinha se aproximando.

De repente, fui raspando

Do rosto, a ingenuidade.

Era a minha puberdade,

Explodiam os hormônios.

Entre êxtase e desânimo,

Chego à maioridade.

Pouco mudo, na verdade,

Mas vou me encontrando.

Eis que chega o matrimônio.

Depois, a natalidade.

Vejo a realidade,

De uma forma que me espanto.

Ante meus cabelos brancos

E o peso da idade,

Reconheço que saudade

É o maior dos desenganos.

IMERECIDA

Faço parte de tua vida,

Sem poder te alcançar.

Serei lágrima esquecida

Que apesar de imerecida,

O tempo irá enxugar.

A MEROS ANIMAIS

Deveríamos amar mais

E desejarmos menos.

Mas, o mundo em que vivemos

Nos desfaz

Os próprios sentimentos,

Nos torna mais carnais,

Venais e violentos.

Soberbos racionais

Que estão perdendo

O seu discernimento,

Regressam pelo tempo,

A meros animais.

A IMAGEM

Às vezes, tenho vontade

De lhe dizer quem eu sou:

Um homem de meia idade

Que ainda arde

De amor,

Que esquece o valor

Da amizade,

Que vê na liberdade,

Ausência de pudor.

Entregue ao torpor

Da sacanagem,

Se esconde na imagem

De um simples professor.

NOS BEIJOS DE MINHA AMADA

Sinto que nada me falta

Nos beijos de minha amada,

Sonho, mágica e fantasia.

Mas a realidade fria,

Na razão do dia a dia,

Cruelmente nos afasta.

MULHER DEVASSA

Eu comparo minha vida

A uma mulher devassa

Que fingida, me abraça.

Excitada e despida,

Tão alheia, entretida

Com o próprio pensamento,

Logo após o pagamento,

Não há sequer despedida.

Parece desprotegida,

Mas é puro fingimento.

Tão seca de sentimento,

Transborda de tirania.

Seja noite, seja dia,

Não importa o momento,

Prova que há ressentimento

Ao causar-me sofrimento

Oculto em sua alegria.

ÚNICA CHANCE

Não se importe se o seu sangue

É de seu pai com sua mãe

Ou mesmo de um rosto sem nome

Com uma puta que ainda se expõe.

Sua educação compõe,

Junto ao seu sobrenome,

Um caráter de bom homem

Que a origem não impõe.

Só sua família repõe

A segurança que some

Com o abandono que come

Toda sua conformação.

E somente a adoção

É sua única chance

De não morrer como infame

Na tristeza e solidão.

QUINQUILHARIAS

Entre quinquilharias,

Reavivo alegrias do passado.

Um menino levado,

Que é deixado à mercê da fantasia.

Entre suas manias,

Um lençol desbotado

Que a um pequeno cenário, encobria.

Uma gaiola vazia,

Onde um dia, cantara um canário.

Um boneco, um soldado,

De lutar, já cansado, jazia.

Um cordão se estendia

Pelo chão empoeirado,

Onde um pião quebrado,

Já não mais rodopia.

A BÊNÇAO

Uma bênção com a mão

Que esvazia o meu bolso.

Com enorme alvoroço,

Benzia-me, um ladrão.

Com alarde e comoção,

Repetia: Deus eu ouço,

O que pedes a esse moço,

É pra sua salvação.

Ao chamar-me de irmão,

Fitava o meu desgosto

Sem fazer nenhum esforço

Pra ocultar sua intenção.

Exigindo devoção

E extrema adoração,

Mais parecia um louco,

Enquanto extorquia o pouco

Que restava para o pão.

O SOLTEIRO

Eu aprendi a andar

Sem rumo e sem compromisso.

E vai ser muito difícil

Se eu tiver que mudar.

Como irei me acostumar

A ser marido,

Um solteiro envaidecido

Por jamais se apaixonar?

MULHER DE PODER

Procuro seguir em frente,

Continuar a minha vida.

Mas não vejo uma saída

Com você estando ausente.

Eu me sinto indiferente

Ao mundo que me cerca.

Esse mal que me infecta

É o amor que também sente.

Você age diferente,

É constante e segura.

Eu sofrendo a amargura

De um louco inconsequente.

Sei que guardarei para sempre

O seu rosto sorridente,

O gosto que está presente

No hálito de sua boca.

Ouvirei sua voz rouca

Me chamando sensualmente.

Sentirei seu corpo quente,

Seu perfume eternamente

Exalar de minha roupa.

CEGOS DE AMOR

Não tenho olhos pra ninguém,

Pois estou cego por você.

Fecho os meus olhos e consigo ver

Seu rosto, a me olhar também.

Sei que lhe quero tanto bem

Que sou capaz de compreender

Que é impossível ter você,

Posto viver com outro alguém.

É doloroso seu desdém,

Divide a vida com você

E não consegue perceber

A imensa dádiva que tem.

O meu conforto é que ninguém

Pode mandar no bem querer.

Em nosso amor, eu e você,

Mesmo que não possamos ver,

Iremos muito mais além.

MERA GRATIDAO

Onde estão o ardor e a paixão

De tão duradoura relação?

Foram levados pelo tempo.

E todo aquele encantamento,

Tornou-se mera gratidão.

Somos escravos da união,

Do casamento.

Fizemos falso juramento

Sob os dogmas da mistificação.

Ante o calor da emoção

Do festejado momento,

Caímos no esquecimento

De que amar é um sentimento

E não depende da razão.

SONETO AO AMOR TARDIO

Ver você é uma dádiva da vida,

Uma gota merecida de silêncio,

Uma brisa em um dia de mal tempo,

O reconhecimento que há forças atrativas.

Sua pele exala o cheiro de orquídeas

Que dispersa todo o meu ressentimento.

Seu sorriso é o mais doce passatempo

Que acalenta minha noite mal dormida.

Sua voz é tal uma canção antiga

Que exalta o amor sem fingimento,

Sem apelo ao exagero e à malícia.

Sua boca é uma masmorra de delícias,

Onde eu perdi o meu discernimento

E entreguei-me como à morte, o suicida.

OBSTINAÇAO DE CONDENADO

Tenho a obstinação de condenado

Pra fugir de minha cela,

Mesmo que incerta,

Minha fuga da prisão.

Tenho sempre a sensação

Que minha meta

É a correta,

É a única salvação.

Minha pretensão,

Se descoberta,

Que não impeça

Minha própria execução.

O CONSELHO DO SOBRADO

Nos degraus, eu pareço cansado

Por está submisso ao sobrado

Que me deixa isolado em meu mundo.

Nas paredes do quarto, o meu túmulo,

Um sarcófago imundo e macabro.

Não consigo alcançar o telhado

Que me olha de um jeito amargo

E profundo,

Como ousasse falar: Vagabundo,

Vai à rua procurar trabalho,

Vê se deixa essa vida sem rumo.

CONFUSA

Minha cabeça é confusa.

Mas não tem culpa,

É sadia.

Quase nunca está vazia.

Quando cheia, se exulta.

Se fundir a minha cuca,

Não vai ser por teimosia,

Porém, pura rebeldia

De uma mente obtusa.

Se uma falha a acusa,

Talvez seja apatia.

A si mesma, elogia,

Se gabando de astuta.

É em si, tão resoluta

Que se torna absoluta

Em sua própria fantasia.

ESCONDIDO

O amor em nós escondido

É um misto de risco e pesar.

E por mais que tentemos feri-lo,

Ele teima em se recuperar.

ANTE O PASSAR DOS ANOS

Quando nos apaixonamos,

Eu dizia: eu te amo,

Toda hora, todo dia.

Nossa casa se enchia

De eu te amo.

Mas o tempo foi passando,

O eu te amo sussurrando,

Pouco a pouco mal se ouvia.

O que a gente não sabia

Era que se calaria

Ante o passar dos anos.

Não por nossos desenganos,

Nem pela monotonia.

Mas por simples agonia,

Silencia,

Sem que nós nos percebamos.

SONETO AO AMOR ILEGÍTIMO

Espero que você nunca me esqueça,

Mesmo que tudo pareça acabado.

A vida pode ter nos reservado

A mais lúgubre surpresa.

No escuro, uma única chama acesa,

Pode nos guiar ao claro.

Não deixe nosso amor para o passado,

À mercê de sua própria natureza.

Um sentimento filho da incerteza,

Concebido ao acaso,

Destinado à tristeza,

Na sua condição de estranheza,

De ilegítimo, é condenado

A ser sacrificado pela mesma.

ANTES DO NOVO ALVORECER

A noite vem,

Tudo parece adormecer.

Procuro ver

Além do sono e do sonhar.

Tento encontrar,

Antes do novo alvorecer,

Não só você

Que é todo o meu bem querer,

A paz de ser,

Meu existir e me encantar.

JANELAS ABERTAS

Abro as janelas

E olho a rua, a espera

De todas elas:

A clara, a brisa e a bela.

O sol desperta,

Sua claridade me embriaga.

O vento afaga

Suavemente, a minha testa.

É primavera,

Vejo a beleza que se espalha.

Orvalho, lágrimas

De uma noite sem reservas.

Você se entrega

E diz que está apaixonada.

Então, se cala.

Aí meu silêncio me revela.

Ficam as janelas

Ainda abertas,

Boquiabertas e encantadas.

O CAJUEIRO

O cajueiro se movimenta

Com o vento que inventa

Que ele é capaz de andar

E que pode até falar.

A ventania que aumenta,

Como uma voz rouca, agourenta,

Tenta

Inutilmente me assombrar.

Folhas, galhos e o ar,

Uma orquestra barulhenta

Que à minha mente, atenta,

E me faz imaginar.

ARROGANCIA

Bater no peito para arrotar a minha arrogância,

Mede a distância

Que há entre eu e você.

Se não tenho nada a oferecer,

Nem amor, nem piedade, nem esperança,

Mostra que além de minha infância,

Perdi as únicas razões de se viver.

Amargo minhas horas de prazer

Na solidão de sombrias lembranças.

Desconheço minha própria ignorância.

Com relutância,

Continuo sem me ver.

BIS

Quero saber a verdade

Em troca da minha vontade

De um dia ser feliz.

Se você não é quem diz,

Use de sinceridade.

Com lealdade,

Ainda poderá ter bis.

ENTRE CHIPS MODERNOS

Nossos corpos querem sempre estar

Um no outro.

É tão pouco

Que é difícil aceitar.

Mas o amor tende a contornar

Obstáculos diversos.

Sendo assim, entre chips modernos,

Pela voz, nosso amor é eterno,

E ninguém pode nos separar.

AS RUAS

As ruas são tomadas

Por passadas ligeiras

Que de qualquer maneira

Querem chegar em casa.

Há tantas ruas largas

Quanto há também estreitas;

Umas escuras, feias,

Outras iluminadas.

São muitas as paradas,

Calçadas e bueiras.

Cruzam a cidade inteira,

Compelem à caminhada.

Ouvem as nossas falas

Em vozes passageiras,

Dispersas na poeira,

Dormem silenciadas.

O VERDADEIRO DOM DA RAZAO

Sustento em minhas mãos,

Todo o meu peso,

Dependurado em minha própria opinião.

E tenho a sensação ante o espelho,

De que balança em meus cabelos,

O verdadeiro dom da razão.

NO CORAÇAO DE MEU PRÓXIMO

Todas as vezes que eu choro,

Lembro que há um caminho,

Que não estamos sozinhos,

Paro, e enxugo meus olhos.

Sei que se luto, eu posso.

Sou livre tal passarinho

E busco meu próprio ninho

No coração de meu próximo.

Se for difícil, me esforço.

Meu argumento é o carinho.

Meu contratempo, o remorso.

ENTRE A CURA E A FERIDA

Paciência e teimosia

Me arrastam noite e dia,

A manter o nosso amor.

Não consigo mais me opor,

Nem manter a rebeldia.

Estou preso entre fantasia e dor.

Que enorme dissabor

Tem minha vida,

Continua dividida

Entre a cura e a ferida,

Condoída

Com seu próprio estertor.

OS MEUS MOTIVOS

Devo esclarecer os meus motivos,

Não por alívio,

Tão somente alegação.

Sustento sempre a mesma opinião,

Nunca duvido de minha convicção.

LAMENTO

Ela vai me esquecer

Com o passar do tempo,

Qual um leve movimento

Que acabamos de fazer.

Ela nem vai perceber

Que já não está sofrendo.

E só lamento

Não estar aqui pra ver.

O DIA DE AMANHA

Espero o dia de amanhã com tanta ânsia

Que a minha mão quase alcança o tocar.

Eu não me canso de esperar,

Qual a criança

Que tem a tola esperança

De que papai-noel virá.

Eu tenho tanto pra lhe dar

Que a espera não me cansa.

A trago presa na lembrança,

Que sou capaz de a inventar.

Em meio à solidão que há

Pela distância,

Aperta o nó da insegurança,

A sufocar.

ALÉM DE MINHA JANELA

O que há lá fora, além de minha janela,

Um mundo vivo à espera

De um iminente cataclismo

Num exagerado fatalismo

De quem o despreza

Ou apenas o planeta terra

Com todo o evolucionismo?

Cá dentro, apenas o poeta

Em seu insondável abismo.

O MILHARAL

Para que conspiração e ilusão,

Mistificação do bem, do mal,

Se o mundo é tão real

Em sua própria dimensão?

Já que o sobrenatural

Não nos dar explicação,

Formulemos a questão

No contexto natural.

Se não achamos normal,

Questionamos a razão,

Damos nossa opinião

De uma maneira tal

Que o ideal,

Fruto da imaginação,

Não nos prova um só grão

Desse enorme milharal.

AMARGA REALIDADE

O que eu procuro na verdade,

É uma mentira confortante.

Contudo, encontro a todo instante,

A mais amarga realidade.

Em troca de afabilidade,

Uma brutalidade incessante.

Abro os meus olhos, confiante,

Enxergo desonestidade.

Onde eu planto liberdade,

Brota num ramo dominante,

Uma enorme flor de sujidade.

Diante da vulgaridade

De tudo o quanto é importante,

Ainda mantenho a integridade.

PERTINAZ PECADOR

Eu era um menino levado

Que acreditava em pecado

E temia o Senhor

Mais do que o próprio diabo.

Satã era o servo macabro,

Um cão com enorme furor.

Mas para seu dissabor,

Era por deus controlado.

Ninguém pode ser tocado

Sem ordens do salvador.

Era grande o meu pavor,

Quando ouvia tal ditado.

Por ser insubordinado,

Antevia o resultado:

Satanás acorrentado,

Sendo por deus libertado

Para punir o culpado,

Eu, um pertinaz pecador.

PONTO CRÍTICO

Entre métricas, me perco pensativo.

Ponto crítico, a escolha da palavra.

Voo sem asa, a procura de abrigo.

Sou cativo de uma forma abstrata.

Minha alma não revela meu conflito.

Mesmo aflito, ainda simulo que há calma.

Quando a palma absorve o meu grito,

Não êxito, e a mão num rito, grafa.

Nunca passa a ilusão de infinito.

É um mito a sentença acertada.

Onde a lágrima espelha o sorriso,

Só nos resta o delírio

Como a última cartada.

RAPOSA EM GALINHEIRO

Afeito aos malfeitos e defeitos,

Assim, me deito para dormir,

Sem nada que possa intervir.

Essa é a visão do eleito.

Se for para seu proveito,

Tem direito de extorquir.

A lei não pode punir

Tão honesto e bom sujeito.

O que o eleitor tem feito,

A não ser se repetir,

Pondo raposa em galinheiro?

Para o povo brasileiro,

Resta por para assumir,

Um cachorro insatisfeito.

UM FELIZARDO

Quando ainda era um garoto,

Não olhei para os dois lados,

Quase fui atropelado,

Talvez, estivesse morto.

Observo o próprio rosto

No espelho emoldurado.

Vejo o quanto estou mudado,

O passado é meu conforto.

Permaneço absorto

No evento do acaso,

Quantas vezes fui poupado!?

Tendo a morte, me deixado

À mercê do mundo torto,

Eu me sinto um felizardo.

O RELOJOEIRO

Não tenho tempo,

E nem tento

Encontrar tempo pro ócio.

Eu faço tudo que posso,

Para ocupar meu talento

Que até esse momento,

É consertar meus relógios.

NAO SOU O MELHOR EXEMPLAR

Não posso me queixar da vida.

Pois tenho casa, tenho comida,

Tenho um salário que me obriga

No dia a dia, a trabalhar.

Não sou o melhor exemplar,

Apesar, de não dever nada à justiça.

Não creio em Deus, não vou à missa,

Não faço parte de torcida,

Não tenho o gosto popular.

Não tenho o hábito de fumar.

Também não consumo bebida.

Jogar, nem mesmo uma partida.

E ir a festas, nem pensar.

Não sou afeito a chorar,

Nem mesmo em trágica despedida;

Pois tudo aquilo que me intriga,

Eu tento racionalizar.

VEREDA MACABRA

Ando numa estrada sombria,

Onde há árvores desfolhadas

E o sol por entre galhas,

Mal consegue clareá-la,

E servir-me como guia.

Essa dor, essa agonia,

Essa vereda macabra,

Não devolve minha amada,

Nem a demove das mágoas

Que me arrojam nessa via.

Ah, amor, que bom seria,

Eu nessa senda, encontrá-la!

Acalmaria a minh"alma

Com as mais doces palavras

Que sua boca me diria.

Eis que a realidade fria

É a trilha solitária,

Onde a noite é assombrada

Pela parca escaveirada

Que acicata o suicida.

LEMBRANÇAS APAGADAS

A cada dia que passa,

Se vai um pouco de mim.

E quando chegar meu fim,

A vida feito fumaça

Dispersada pelo vento,

Vai se perder pelo tempo,

Em lembranças apagadas.

Minha lápide empoeirada,

Relegada ao relento,

Mostrará o desprendimento

Com a minha mortuária.

DE UMA FORMA OU DE OUTRA

Aos que me pedem silêncio,

De uma forma ou de outra,

Eu calo a minha boca,

Mas continuo tecendo

Ideias que vou moendo

Em minha cabeça louca.

Mesmo a voz ficando rouca,

Conversar me entusiasma.

Quando todos dizem basta,

Nem mais uma só palavra,

Acho que a palra foi pouca.

Eis que a letra me acoita.

Então, prossigo escrevendo.

Dessa forma, vou mantendo

Um colóquio envolvendo

Uma única pessoa.

LUZ DO SOL NASCENTE

Desejo vê-la novamente

Como a luz do sol nascente

A iluminar meu dia,

A encher-me de ousadia

E de atos imprudentes.

Os seus beijos são urgentes

E essa pressa me alicia.

Sua voz serve de guia

Ao meu coração descrente.

Amo tão perdidamente

Que daria a minha vida

Para tê-la inibida

Por despir-se em minha frente.

Sonho com seu colo ardente

Com tamanha impudicícia

Que me acanha a malícia

De sonhar tão vulgarmente.

ENLACE AMOROSO

Como foi maravilhoso

Vê-la de pé no portão

Com a mais linda expressão

Que só vejo em seu rosto.

Seu sorriso afetuoso,

Foi uma confirmação

De que a sua paixão

É o meu maior conforto.

Nosso enlace amoroso

Defronta a proibição

Com medo de ser exposto.

Meu amor, ainda sofro

Com essa separação

Que impomos um ao outro.

O FALCAO E A FADA

Amo você. Isso me basta.

Seu amor me dá as asas

Alinhadas de um falcão.

Com afinco e exatidão,

Eu vou à caça,

Sobrevoo a sua casa

Com extrema prontidão.

Você me estende a mão,

O meu coração dispara,

Eu revelo minhas garras

E pouso com exultação.

Tanta paixão

Entre um falcão e uma fada,

Acaba em lágrimas,

A espera de uma mágica

Transformação.

EU, BEIJA-FLOR

Como é bom beijar-lhe, amor,

Num longo e terno abraço.

Um aperto, um nó, um laço

Que amarra a minha dor.

Vulnerável em sua flor,

Tão entregue ao cansaço,

Alheado, no espaço,

Cai por terra, eu, beija-flor.

Minha pluma aviva a cor

Quando novamente avoaço

E pairo ante o seu albor.

Sem temer o empalhador,

Eu procuro o seu regaço,

Com agraço e ardor.

AMOR COBIÇADO

Nesse mundo tudo é mitificado.

Sua boca tem o hálito perfumado da manhã,

Sua voz é como o sopro de um titã,

E eu, apenas mais um grego extasiado.

Os seus olhos tem a fome do pecado.

Os seus lábios tem o gosto da maçã

Que a Eva recebeu do anjo satã,

E eu, um ávido judeu apaixonado.

Sou somente um nativo enciumado

Aos pés de minha deidade pagã,

Seduzido pelo místico talismã,

Sacrifico-me no afã

De teu amor cobiçado.

UMECTADA

Se estou em seu sonho sensual

E acorda umectada,

Não se sinta envergonhada,

É uma ação consensual.

Não há nada de imoral

Em ser amada

De uma forma tão velada

E virginal.

QUADRAGENÁRIO

Que dia mais estranho.

Talvez por ser mais um ano sobre meus ombros,

O mesmo que antanho ansiava com exultação,

Não passa de um vão em meu âmago.

Não tenho ânimo para comemoração.

Em cada aperto de mão, sinto-me anônimo,

Um tragicômico sem nenhuma pretensão.

Sob a felicitação, não me acanho

Por ser tacanho, esse dia de ilusão.

Sendo mera tradição de um breve sonho,

Não me disponho a servir-me de atenção.

OLHOS DE SUTIL CASTANHO

Os teus olhos me pedem tanto

O quanto eu não posso dar.

Eles teimam em me chamar

E eu parado, não respondo.

Olhos de sutil castanho,

Que me arrastam para um mar

Onde afogam meu pesar,

Minha sofreguidão de quando

Poderei me entregar

A tão inacessível sonho.

LAÇO FAMILIAR

Meu laço familiar

Prende-me com tanto ardor

Que nem mesmo seu amor

Consegue me libertar.

Não consegue abdicar,

Esse velho coração,

Da tamanha devoção

Pelo seu lar, doce lar.

Se você não pode entrar

E eu não consigo sair,

Como poderei sorrir

Se não paro de chorar?

A REALIDADE É OUTRA

Vê a minha turgidez

Ao despir a sua roupa.

Pouco a pouco, se afoita

Ante a nossa avidez.

Em um tom de languidez,

Sua voz rouca,

Novamente me acoita

Nessa doce embriaguez.

Foi-se a tarde em palidez.

O vento açoita

O telhado que enoita

Sobre minha tepidez.

Amanheço à procura de sua boca,

Tenho uma vontade louca

De beijá-la outra vez.

O sonho se desfez,

Nossa cópula foi pouca.

A realidade é outra

Sem a sua candidez.

SONETO À PEQUENA VITÓRIA

Tanta pureza iluminada ao seu sorriso

Num improviso de palavras mal faladas.

Desprende o choro sem o mínimo motivo,

Em soluços sem ter lágrimas.

Os seus passinhos que se perdem pela casa,

Deixam pra trás os mimos de minha anuência.

Em cada gesto, soa desobediência.

Com resistência, aos poucos cede e se acalma.

Abandonado à mercê do alheamento,

Voo sem asas, através de seus momentos,

Livre do tempo das horas cronometradas.

Tão encantado, digo o que estou vivendo.

Na ilusão de que está compreendendo,

Com as mãos na boca, solta lindas gargalhadas.

SORUMBÁTICO

Ante o cárcere que é esse amor desesperado,

Sou devotado ao silêncio e a dor.

Tento me opor,

Contudo, permaneço apático,

Tão sorumbático

Quanto o próprio dissabor.

Resignado ao desejo opressor

De um coração pacóvio e alucinado,

Aceito ser escravizado por temor

De ver meu sonho proditor

Ser dissipado

E eu deixado à mercê do desamor.

Entre o motejo de um escarnecedor

E o torpor de ter um vício abandonado,

Prefiro ser subjugado a esse amor.

ALÉM DO HORIZONTE

Procuro além do horizonte.

Talvez, a encontre

Ou apenas me equivoque.

Estendo a mão em busca de um leve toque

Imaginário, inefável, inebriante.

Quem sabe assim, o horizonte lhe devolve.

Se porventura, sob a palidez do céu, explore

A vastidão do proceloso mar distante,

Desfeito em lágrimas que ainda me comovem,

Mas não demovem a dor desse instante,

E nada encontre

Além da mesma sorte

Que tem suporte, os sonhos dos amantes,

Saberei antes, muito antes,

Que encontrei enfim, a própria morte.

A VIÚVA MÁ

E na janela um rosto me observa,

Não se preserva,

Pois se obstina

Em me reconhecer enquanto se aproxima,

Uma jovem concubina

Vindo da taverna.

Tão curiosa e indiscreta é ela,

Que se apega as pregas da cortina,

Tomba pra frente e quase cai por cima

Do parapeito estreito da janela.

É uma viúva boateira e velha

Que há muito tempo reside sozinha.

Triste, malévola e também mesquinha,

Tornou-se frigida e maquiavélica.

Vai a igreja, ajoelha e reza,

Uma megera em trajes de santinha.

AO ANDAR PELA RUA

Não consigo andar pela rua

Sem revê-la em mais de um rosto,

Um cabelo, uma calça, uma blusa,

Até mesmo, outro corpo.

Uma voz que me chama, eu a ouço.

Uma boca parece com a sua,

Insinua beijar-me de novo.

Sem você não sou todo,

Todo o mundo é tão pouco,

Todo ouro é penúria,

Meus juízos parecem loucura,

Minhas juras não passam de engodo.

ATRAVÉS DA RETINA

O seu rosto irradia uma luz cristalina

Que seduz e ilumina minha alma sombria.

Sua boca macia, sussurrando ainda,

Diz que é minha, toda a sua alegria.

Seu sorriso me guia nessa vasta campina

E desfaz a neblina que já me confundia.

O seu corpo alicia a paixão libertina,

Que domina minha mente arredia.

Sua volta alivia a saudade ferina,

Me conforta, me anima e me traz euforia.

Soube que amor havia, através da retina,

Vendo você tão linda quão no primeiro dia.

CORAÇAO PARTIDO

Anoiteço,

Ouço o vento chamá-la,

É o amor que me fala no anseio contido.

A saudade no sono se cala.

Adormeço tentando beijá-la.

Amanheço de coração partido.

ESSE AMOR

Esse amor que nos colide feito estrelas no infinito,

É um inesperado mito que nos une e nos divide,

É o único palpite numa aposta sem sentido,

É o último pedido que entre beijos se revide,

É a mão que nos agride pelo mínimo motivo,

É um pertinaz aviso pra que a cama nos convide,

É a corte que decide a punição de dois cativos,

É o clamor dos fugitivos pra que nunca os castigue.

O JARDIM

É a época em que o jardim aflora.

Há covas para serem cultivadas.

Eu águo a terra estercada,

Dando vida a inopinada flora.

Há meses, o vergel enflora.

Pelo meio das leivas regadas,

Há plântulas ainda orvalhadas

No silêncio da aurora.

Há flores para colher lá fora.

Anseio pela esperada hora

De adornar a minha amada

Com pétalas de cor variada,

Colares de botões de rosa.

Que lazeira lamentosa,

Eis que a impiedosa parca

À minha doce amada, abarca,

Ao meu coração devora.

O meu jardim se desflora,

Perde o viço de outrora,

Pouco a pouco se devasta.

E na sepultura gasta

Onde ela, hoje, mora,

Uma singular flor brota,

Desconsolada.

ENTRE MEDO E REMORSOS

Entre medo e remorsos,

Esse amor nos condena

A vivermos de pena

E baldados esforços.

Nossas mentes e corpos

Num eterno dilema,

Enfrentar o problema,

Sem estarmos dispostos.

Somos insidiosos

Na paixão violenta

Quando entram em cena

Laços afetuosos.

Já não faço o que posso.

Você nem mesmo tenta.

Esse amor nos condena

A vivermos de pena,

Entre medo e remorsos.

FORÇADO ABANDONO

A saudade tende aumentar a dor

Da separação que estamos nos impondo.

Sei que estamos evitando

Com o forçado abandono

De tão proibido amor,

Um enorme amargor

Àqueles a quem mais amamos.

Seu silêncio só está me castigando,

Não consegue postergar o meu amor.

Relegado ao dissabor, ao desencanto,

Reconheço o enorme engano

De acordar com seu teor.

UM PANO DE FUNDO

Sempre fico aparvalhado quando a vejo.

É tão forte o meu desejo

Que não finjo, não disfarço.

Qual astronauta no espaço,

Absorto com a visão do próprio mundo,

Eu a vejo em frente a um pano de fundo

Que encobre todo o resto do cenário.

Na ilusão de ser um casal solitário,

Continuo alheado com a sua aparição.

Seu sorriso manifesta minha paixão,

Chego a sentir o doce dos seus lábios.

Não percebo o quanto isso é temerário

Ante o curioso olhar de inquirição

Que nos lança, cada um dos funcionários.

PAIXAO PROIBIDA

Na sua boca permissiva,

Os beijos são viciosos.

Seus lábios apetitosos,

Não me dão alternativa.

Nessa relação nociva,

Entre olhares perigosos,

Tornamo-nos aleivosos

Condenados à desdita.

Essa paixão proibida,

Arrasta-nos ansiosos,

A uma reação fingida.

E entregues à desdita,

Somos dois insidiosos

Que se perdem pela vida.

A SENHORA

Eu a amo Senhora,

Mesmo na ânsia das horas

E dos encontros ocultos.

São aos seus atributos

Que meu corpo implora.

Esse amor me apavora,

Por ser irresoluto.

Conto cada minuto

Para tê-la de volta.

Minha alma, Senhora,

É devota ao seu culto.

E num breve singulto,

O meu coração chora.

ENTRE JAZIGOS LUSTROSOS

Aonde iriam os mortos?

Ao rio dos remorsos,

Onde apesar dos esforços,

Não há como emergir.

Os vivos teimam em seguir

O caminhar de seus ossos.

O praguejar de seus rogos,

Ainda tentam ouvir.

O verbo é inexistir.

A carne, pútridos corpos.

As vozes, meros monólogos,

Entre jazigos lustrosos,

Dos que permanecem aqui.

ÚLTIMA SAÍDA

Não me queixo da má sorte,

Nem das noites mal dormidas,

Essa rouquidão maldita,

Só me deixa mais disforme.

Minha boca é um fino corte,

Onde a língua comprimida,

Sofregamente inaudita,

Não permite que eu discorde.

Ainda me resta a morte

Como última alternativa,

Se acaso, minha desdita,

À vida, não suporte.

OLHOS TRISTES

O que vejo em minha frente,

Senão grandes olhos tristes

Que perguntam se existem

Tão amargos e descrentes?

Por demais impertinentes,

Imperturbáveis, assistem

Às lágrimas que resistem

Negar veementemente.

IMBECIBÉIS

A poluição sonora

É medida em decibéis.

Aos imbecis fiéis

A um som que incomoda,

Eu alcunho imbecibéis

(Imbecis, débeis fiéis

Que perturbam a toda hora).

PROCURA-SE VIVO OU MORTO

Os meus ditos malditos

São levados ao vento

Pelas vozes do tempo,

Pelos rogos benditos.

Os meus gestos contidos

São deixados largados.

Às vezes, me despedaço

Entre abraços mal cingidos.

Feito um reles bandido,

Sou mais um procurado,

Vivo ou morto, ou matado,

Morto ou vivo, ou vivido.

ASSÉPTICO

Ao andar pela rua sem ter um rumo certo,

Imagino um deserto de incompreensões,

De estranhas visões de um homem desperto

Pelo seu intelecto, pelas suas ações.

Através de ilusões, procura o concreto,

Na verdade, ao inverso, vaga em abstrações.

Inventando missões de um mito decrépito

Que se torna adepto de suas ambições.

Ao clamor de orações, me condenam ao inferno,

Um abismo aberto em dóceis corações

Que fiéis como cães se entreolham famélicos

Pelo meu sangue asséptico às suas maldições.

Formam-se em legiões de caráter maléfico,

Um embuste arquétipo de suas frustrações,

Provocando lesões que acreditam por mérito,

Regredindo aos séculos de barbárie e de superstições.

NATIVOS

"Na verdade, na verdade vos digo":

Partes: 1, 2, 3


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