Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


Lazer no Parque da Cidade (página 3)

Andrea Venini Falconi
Partes: 1, 2, 3, 4

Os quiosques oferecem comida rápida e são os espaços preferidos dos jovens, das famílias e dos casais de namorados. O Sr.Aguiar, proprietário do quiosque Mix Burguer, está há seis anos no ramo de alimentação e há três no Parque da Cidade. Contou-me que para conseguir um ponto falou com um vereador amigo seu, o qual intermediou a negociação com a prefeitura através de um cadastro. Em poucos dias recebeu a chave do quiosque e teve oito dias para colocá-lo em funcionamento. Diz também que não teve que pagar nenhuma taxa e nem aluguel, a sua única responsabilidade é abrir o ponto todos os dias (17h30min - 2h da manhã) e fazer a limpeza do local.

Afirma ter uma clientela fiel e por isso não coloca música ao vivo, pois acredita que mudará sua clientela. Seu faturamento mensal varia entre cinco e seis mil reais. Falou também que os donos de outros quiosques que já possuem a chave, alugam o ponto por R$250, e diz que alguns não têm fiação elétrica e outros fecham por gastar o capital de giro. Na gestão do Cid Gomes era limitado o número de mesas permitido por quiosque, motivo de grandes conflitos entre os comerciantes do local, pois eles ficavam denunciando o concorrente á prefeitura. Hoje não existe mais essa fiscalização. Reclama da falta de iluminação pública e da falta de eventos no local: "A gente aqui é esquecido, não fazem evento aqui, só no Arco[15]; Aqui não tem show nem uma feirinha de artesanato" (Aguiar, 41 anos).  A fala do dono do quiosque nos faz pensar acerca das prioridades dos espaços escolhidos pela prefeitura para fazer seus grandes eventos. Porque o Parque da Cidade não tem uma visibilidade em termos de eventos? Seria um descaso da prefeitura por não ser um espaço "tão nobre" quanto outros espaços escolhidos para tais atrações?

2.2.3 Paqueras e namoros.

Os espaços do Parque da Cidade contemplam características que dizem como os espaços influenciam na vida das pessoas. Um desses exemplos é quando tratamos de calçada-luz e calçada-sombra (LEITE, 2004). A calçada iluminada abrange as atividades que exigem maior visibilidade, como é o caso dos quiosques com música ao vivo e lanches, os playgrounds, as quadras de areia e o comércio em geral. No entanto, existe um espaço prioritariamente escuro, valorizados por alguns freqüentadores, possibilitando que casais de namorados fiquem mais á vontade nos bancos que se localizam embaixo das luzes queimadas. Constitui o lugar mais íntimo do parque. Nos bancos os casais de namorados conversam e trocam carícias. Em entrevista com uma freqüentadora do local, ela explicita: "Aqui é bom porque é mais escurinho" (Juliana, 17 anos)[16].

2.2.4 Geração saúde, esportes radicais ou apenas passeando.

O Parque da Cidade se apresenta como um intricado de atividades ali desenvolvidas. Um dos equipamentos construídos pela prefeitura e localizado em uma das extremidades do Parque da Cidade é a pista de bicicross race (corrida). Esta pista tem padrões competitivos. Em agosto de 2006 houve um campeonato na pista de bicicross, para o qual vieram praticantes de todo o país e dois estrangeiros (ver figura 24 dos anexos). Do Ceará, apenas dois praticantes chegaram ás quartas de final e não havia nenhum sobralense competindo. Acredito que uma das influências para a  pista de bicicross ter sido construída pode ser explicada pela inserção do esporte nas olimpíadas de 2008. Este espaço também é o mais isolado no parque, pois não há muita iluminação e o fluxo de pessoas é quase inexistente.

Percorrendo todo o parque temos a pista de Cooper, que é o próprio passeio, no entanto não é sinalizada com a quilometragem (ver figura 08 dos anexos). Maria de 62 anos anda pelo Parque da Cidade todas as manhãs por uma hora. Ela vem de carro e também traz o seu terço. Enquanto ela dá duas voltas no perímetro do parque, reza seis vezes o seu rosário. Ela gosta do parque, porque ele é amplo e bom para correr. Antes ela corria na Lagoa da Fazenda e no Centro de Convenções. Outra corredora é a professora Conceição de 42 anos. Começou a correr desde que o médico dela recomendou exercícios físicos para um problema que tinha no joelho. Vem todos os dias e prefere correr pela manhã, pois o clima quente ajuda a suar mais o corpo e perder calorias, além de ser mais movimentado. Alguns corredores não querem conversar, pois perdem o ritmo da caminhada.

Outro grupo que aparece nas terças e quintas-feiras, por volta das 6 da manhã, é o grupo de caminhada organizado por professores de educação física e apoiado pelo SESC. Nestas atividades, são orientados alongamentos e as melhores maneiras para caminhar ou correr. Aqui vemos pessoas de diferentes idades e que em sua maioria são moradores de áreas próximas ao parque.

Por último, verifica-se que a ciclovia apresenta um dos maiores problemas do parque. A pista não é pavimentada apropriadamente, é uma pista de cascalho e cheia de ondulações que inviabilizam o uso da mesma. O trânsito de pedestres e bicicletas na estreita calçada do passeio é motivo de várias reclamações e leves atropelamentos. Outro grande problema do parque é o próprio riacho Pajeú, que está poluído exalando um mau cheiro, e, como dizem os freqüentadores do parque, é um "esgoto a céu aberto". O mau cheiro se acentua nas pontes que atravessam o parque, pois ficam em cima do riacho.

2.2.5 Morar e consumir

O entorno do Parque vem passando por um processo de valorização da sua área. Foram construídos prédios, academias de ginástica, lojas de computação e de roupas e um supermercado. No entanto, o Parque nas suas extremidades retrata realidades bem diferentes. Se próximo da Praça João Dias verifica-se uma especulação imobiliária, cujo lote de trezentos metros quadrados pode chegar a até cinqüenta mil reais[17], na outra extremidade, a da pista de bicicross, a pobreza e as casas pequenas também chamam a atenção pelas alarmantes diferenças sociais neste espaço.  Isto é demonstrado pelo fato de haver diferenças de estrutura residencial e econômicas muito grandes em espaços pequenos. O entorno, ou seja, as casas que estão voltadas para o parque são prioritariamente das classes mais abastadas.

Mais do que uma segregação do espaço através das restrições ao consumo desses produtos e serviços, definidas pelos excludentes critérios de renda, essa "estetização" se relaciona também a estilos de vida de uma classe média urbana, cujos hábitos e sensibilidades estéticas parecem cada vez mais marcados pela busca de certas áreas públicas que ofereçam ao mesmo tempo, lazer e segurança. (LEITE, 2004; p: 73).

Em relação a segurança, no Parque da Cidade há um quiosque da guarda municipal, com doze guardas, divididos em dois grupos, em turnos de doze horas. Um guarda conta que há uma média de dois assaltos por semana no perímetro do parque. Entre os casos mais alarmantes ele cita: tiroteio, corte com faca, overdose, consumo de drogas e assaltos.

O entorno do parque é um foco importante de minhas observações. Nele pude perceber como a área tem se modificado para oferecer um melhor "padrão de vida". Este estudo tenta compreender porque as pessoas optam por morar nessa área. Como essas pessoas se comportam? O que elas consomem?  Por isso, a seguir farei um breve levantamento dos serviços oferecidos.

Um dos espaços de consumo faz referência ao próprio parque e explicita um pouco o modo de vida de quem mora no seu entorno: uma academia de atividades físicas. Toda a academia foi projetada de forma rústica e na sua construção foram deixadas algumas árvores antigas que foram adaptadas ao projeto arquitetônico da academia. Denis, proprietário da academia Park Fitness e morador antigo do bairro, comenta a respeito: "queríamos integrar o parque á academia, misturar onda "natureba" com geração saúde, evitamos o ambiente hi-tech comum a outras academias". Apesar de ter sido inaugurada recentemente, em outubro 2007, possui um bom público constituído por morador das proximidades do parque (ver figura 16 dos anexos). O terreno da academia era o antigo quintal da casa de Denis.

            O Parque da Cidade foi inserido em uma área que passou por muitas mudanças nos últimos quatro anos. Estas mudanças foram notadas em todos os sentidos, tanto no espaço físico como nas práticas ali exercidas. Por isso, foi necessário conversar com moradores antigos para compreender melhor em que contexto e como foi a construção do parque. Denis foi um informante importante nesta pesquisa, pois além de morador e empresário da aérea, é sobrinho dos engenheiros da Tecnocon, empresa de engenharia da família Ferreira Gomes, que construiu o parque.

Denis conta que antes o córrego era bem limpo e que as pessoas do alto do riacho o utilizavam bastante. Mas na área que hoje está o parque ele não era utilizado: "Aqui era só mato, tinha maconheiro pra caramba e era perigoso". Havia só duas casas, a dele e o terreiro de umbanda de Zé Maria Mulher, que faleceu há um ano. Ele conta que hoje há apenas "vandalismo juvenil". Crítica os ciclistas que dão chute nas lixeiras, as pessoas que utilizam bicicletas sobre a calçada e os donos de cachorros sem focinheira.

Um ponto importante em sua fala refere-se á fase posterior á construção do parque. Nesse período houve muita especulação imobiliária e supervalorização dos terrenos. Para Denis, o grande motivo dessa alta procura se deve ao fato que todos sabiam que teriam um parque na frente das suas casas e isso agradava. "Isso aqui virou uma bolha imobiliária, teve um boom de construções depois do Parque". Conta que um terreno na área valia 15 mil e hoje chega até 70 mil. Este depoimento nos remete ao que Costa (1989) define como espaço-bolha, "o espaço que se forma envolvendo um evento ou uma situação contextual urbana, de forma a generalizar seu aparecimento no espaço urbano, já que se trata de um movimento instituído por esferas de ordem social, política, econômica e cultural" (COSTA apud SILVA FORTE, 2004; p: 41). Fica assim definido o espaço-bolha do Parque da Cidade, onde eventos indicam práticas precisas. Durante o dia o espaço é transformado em uma pista de cooper e durante a noite o passeio tem a função privilegiadamente comercial.

O que é motivo de reclamação e torna este espaço uma "bolha-fétida" é o canal do riacho, principal preocupação dos moradores e freqüentadores do parque. Como solução para o problema, a prefeitura formulou um projeto de canalização do esgoto por debaixo do riacho, que objetivava deixar somente a água limpa. No entanto o mesmo ainda não foi executado. Os moradores acreditam que a realização do projeto diminuiria o incômodo causado.

Depois da construção do parque o riacho diminuiu seu fluxo e se transformou em um esgoto. Denis diz que é importante uma melhor manutenção do parque, como a limpeza do canal e cortes da mata ciliar. Isso tem se verificado como reclamação constante de vários moradores e freqüentadores da área. Conta ainda que, na gestão Cid Gomes, isto era feito e que hoje há um descaso do poder público. O secretário de desenvolvimento urbano e meio ambiente na época era Herbert Rocha. Era usuário do parque, fazia cooper e  por isso havia maior fiscalização, no ponto de vista do morador.

Outros moradores, Edineu e Simone estão no bairro há 15 anos, mas passaram a morar na frente do parque há apenas um ano. Edineu diz que: "Para mim isto nunca foi um riacho, sempre foi um esgoto a céu aberto; não sentamos na calçada pelo mau cheiro e pelas muriçocas, isso aqui era um pântano". Conta que com a construção dos quiosques "veio alguma bagunça", mas hoje está mais controlada. Reclama do descaso do poder público e das altas taxas que tem que pagar com a licença de 2,5% do valor do terreno para construir na área. Reclama: "Já pedi asfalto 15 vezes. Na época do Cid aqui tudo era limpo, isso aqui é um cartão postal da cidade, mas é tudo sujo, o que os turistas vão falar daqui?"

As falas dos moradores do entorno e freqüentadores do Parque da Cidade sempre clamam por uma maior visibilidade do poder público sobre o local. O espaço, aqui citado, precisa de constante manutenção e isso não vem ocorrendo de fato. Em entrevista concedida aos pesquisadores do Laboratório das Memórias e Práticas Cotidianas (LABOME)[18], o atual secretário de desenvolvimento urbano e meio ambiente, o Senhor Campelo Costa expõe seu ponto de vista:

 (...) o grande saco[19] do nosso trabalho aqui, da nossa secretaria, tem sido a preocupação da manutenção da qualidade do que foi construído, hoje mesmo eu dei uma volta ali, a gente descobre que tá tudo quebrando né, faltam placas de piso em tal lugar e assim assado, quer dizer, esse tipo de controle a gente tem que fazer dia-a-dia. (COSTA, 2007)

As modificações nas estruturas físicas da cidade são percebidas ao caminharmos pela por Sobral. Tais mudanças não se dão somente na parte física, mas também nas pessoas que vivem na cidade. A urbanização do parque possibilitou a especulação imobiliária e valorização da área do seu entorno. Seriam estas características a principal motivação do poder público com a construção do parque? Os estudos urbanos buscam compreender estas mutações. Novos espaços são criados e aí, então, se configuradas novas práticas, estas se adaptam ás intervenções do público e do privado. Os espaços da cidade são criados com um fim e uma preocupação em responder á demanda de atrativos, assim como para o seu próprio embelezamento. Esta demanda se exerce em nome de políticas públicas que privilegiam certos aspectos da vida cotidiana da cidade em prol do enobrecimento. Um morador do bairro diz: "as pessoas gostam disso, gostam do que é belo" (Elmo, 31 anos).

Para Magnani (2000) o espaço é uma relação entre sociedade e comunidade e é explicada por sua dinâmica urbana. Sua comparação cabe em uma associação e entendimento íntimo entre várias pessoas:

Quando o espaço - ou um segmento dele - assim demarcado torna-se ponto de referência para distinguir determinado grupo de freqüentadores como pertencentes a uma rede de relações, recebe o nome de pedaço. O termo na realidade designa aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociedade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e individuais impostas pela sociedade. é nesses espaços em que se tece a trama do cotidiano: a vida do dia-a-dia, a prática da devoção, a troca de informações e pequenos serviços, os inevitáveis conflitos, a participação em atividade vicinais. é também o espaço privilegiado para a prática do lazer nos fins de semana nos bairros populares. Dessa forma o pedaço é ao mesmo tempo resultado de práticas coletivas e condição para seu exercício e fruição. (MAGNANI, 2000; p: 32)

Essa citação ajuda a compreender a cidade não só como um recorte espacial, mas também enquanto uma complexidade de relações que a circundam. Dessa forma, a cidade se torna uma variável, criando-se uma cultura urbana da qual a sociedade inserida em tal contexto elabora e a e transforma com suas práticas. Essas "vidas urbanas" não estão isentas de inúmeras influências como podemos constatar:

No discurso, a cidade serve de baliza ou marco totalizador e quase mítico para as estratégias sócio-econômicas e políticas, a vida urbana deixa sempre remontar áquilo que o projeto urbanístico dela excluía. A linguagem do poder "se urbaniza", mas a cidade se vê entregue a movimentos contraditórios que se compensam e se combinam fora do poder panóptico. (DE CERTEAU, 1996; p: 174)

Ao longo deste capítulo busquei construir uma reflexão a partir do exame de dois tipos de discursos: aquele que é utilizado pelo poder público, com seus projetos e suas propostas de desenvolvimento social e urbano e o outro é o discurso produzido pelos usuários e grupos para os quais são direcionadas tais políticas públicas, que transformam e se apropriam efetivamente do espaço, modificando-o e transformando seu próprio cotidiano através de novas sociabilidades.

CAPÍTULO III

O SKATE PARK E SUAS PRÁTICAS RADICAIS

Após o sonho, partiram em busca daquela cidade; não a encontraram, mas encontraram uns aos outros; decidiram construir uma cidade como a do sonho.

Italo Calvino - As cidades invisíveis (2004; p: 45)

3.1 A construção do Skate Park 

Como foi dito anteriormente, o Skate Park foi o palco das minhas primeiras investigações. Esse "pedaço" do Parque da Cidade me fez dedicar a maior parte do tempo de pesquisa que seria atribuída a todo o restante do espaço. Tal dedicação deve-se também ao fato de o Skate Park se inserir na cidade de Sobral como um campo novo de atuação de alguns jovens, vindos principalmente de bairros da periferia e estarem ali proporcionando, através de uma atividade "radical", um novo olhar sobre a própria cidade, que carrega desde a primeira gestão de Cid Gomes o signo de "moderna", e que, passa a se diferenciar de outras cidades do interior do Ceará, descaracterizando o velhotos urbanos, etc.  interior fazendo relaçrtuaçue seria atrib jeito de pensar o interior fazendo relação direta com a roça, com o "mato", com a falta de equipamentos urbanos, etc.

Situado no Parque da Cidade, ali observei como os jovens que freqüentam aquele espaço modificam e resignificam seu cotidiano e suas práticas comportamentais. A construção da pista no ano de 2004 veio favorecer um grande contingente de novos desportistas, que potencialmente acreditam que o esporte pode lhes proporcionar maiores oportunidades, além de se configurar como um espaço de aprendizado, lazer e sociabilidade.

O Skate Park é uma reivindicação antiga dos skatistas da cidade. Em Sobral existia o movimento skatista que se reunia principalmente na Praça do Abrigo que fica localizada próxima ao Boulevard do Arco e para lá levavam obstáculos de madeira, como rampas e caixotes utilizados para o treinamento ou praticavam o esporte na rua e nas calçadas. Os praticantes de skate fizeram várias manifestações em prol do movimento skatista. Manifestos foram realizados nas inaugurações em que o prefeito estava, na época Cid Gomes; protestos em frente á prefeitura, acompanhados de abaixo assinados, enfim, uma série de artimanhas para conseguir um contato com alguém que possibilitasse a efetivação dos seus anseios e desejos. Chegaram a criar até uma associação de skatistas na cidade. Em meio a tantas reivindicações, algumas pesquisas foram feitas pela prefeitura de Sobral e constatou-se a visibilidade nacional que o esporte poderia trazer. A princípio, o projeto indicava a construção da pista na Margem Esquerda do rio Acaraú. No entanto, lá se gastaria muito dinheiro, pois o projeto continha um bool (uma cova em forma de bola) e algumas rampas, o que acabou não sendo feito.

A nova proposta da obra foi disponibilizada na internet e uma empresa especializada mandou um projeto, o qual foi aceito tanto pela prefeitura de Sobral como pela Confederação Brasileira de Skate (CBSK). Tal proposta tornou-se o projeto da atual pista de skate no Parque da Cidade.

Antes da construção da pista, os jovens se apropriavam das praças da cidade para suas práticas esportivas, no entanto isso era motivo de conflitos freqüentes. Seus skates eram os destruidores das calçadas e bancos, fato que os faziam correr clandestinamente e serem perseguidos pelos guardas municipais. Sua visibilidade se pautava no sentido de "subverter a ordem" existente na cidade, explicitada pela política de "higienização" dos espaços públicos.

Finalmente, parte de seus primeiros anseios se concretizaram sob a forma de uma Associação dos Skatistas de Sobral, no início de 2004, antes da construção da pista. Entretanto, discórdias acabaram por desorganizar o movimento. Atualmente, estes jovens estão freqüentemente lutando, de maneira individual, por um reconhecimento no meio esportista. Cabe aqui ressaltar que, a identidade não é algo parado ou estagnado no tempo, ela é transformada continuamente pelas práticas e a influência interna e externa do grupo. Segundo Carrano,

O Agir comunicativo da juventude no presente seria uma resposta frente aos sentidos da necessidade. O futuro não é mais tratado como aquele que foi idealmente traçado para ser, mas aquele que pode ser. é a necessidade que cria a identidade comum e a motivação para o agir coletivo. A necessidade comum pressuporia também um agir também comum. Essa materialidade do estar em conjunto favoreceria a sociabilidade eletiva do microgrupo na busca da destruição simbólica do mundo externo. (CARRANO, 2002; p: 140)

Conforme o autor, existe um sentimento de pertencimento ao grupo que cria o que chama de identidade entre os seus membros. Esta identidade é proporcionada pelo agir coletivo e mais se assemelha á busca de um estilo do que a uma construção de personalidades estagnadas, atribuindo ao grupo sempre novas características.

Os praticantes de esportes radicais em Sobral compartilham semelhanças e ideologias que estão além do espaço onde usualmente se encontram. O grupo se expande pela cidade, cruzando carros, se confundido no meio da multidão, no trabalho ou na escola. Este elabora múltiplas facetas da vida cotidiana, porém seus anseios e seus sonhos têm um lugar específico para sua concretização, no meio do grupo do qual escolheram pertencer. Os espaços utilizados por esse grupo também se expandem através de políticas públicas voltadas para os esportes radicais e para seus jovens praticantes. Então, como é possível mapear os espaços em que estes jovens se apropriaram e deram uma "vida" especial ao lugar, fazendo com que se diferenciem de armações de concreto e passem a ter voz, cor e forma, muito além do imaginado pelos gestores e idealizadores de tais projetos?

Cabe evidenciar que, as políticas públicas voltadas para o lazer dos jovens no Brasil estão previstas em Lei no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei Federal n° 8069 de 13 de julho de 1990. O artigo 59 do ECA determina que "os municípios, com apoio dos Estados e da União, estimulem e facilitem a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude."

Os primeiros skates surgiram na década de 30 na Califórnia - Estados Unidos, como uma opção dos surfistas nos dias de poucas ondas. Estes jovens adaptaram uma pequena prancha com rodas de patins chamada sidewalk surf. Sua popularidade somente foi atingida na década de 80 com o famoso skatista Rodney Mullen. Ele revolucionou as manobras até então existentes, criando um estilo próprio que hoje serve de base para várias manobras. No Brasil o skate é um dos esportes mais populares e a primeira pista da América Latina foi construída em Nova Iguaçu no Estado do Rio de Janeiro. Os skatistas brasileiros são conhecidos mundialmente e essa é a principal influência do movimento skatista em Sobral.

De acordo com os dados da CBSK, são 272 competidores profissionais em atividade no País e cerca de 10 mil competidores das categorias de base (Feminino 1, Feminino 2, Infantil, Mirim, Iniciante, Amador 1, Amador 2) e de veteranos (Master, Grand Master e Legends). A média de idade entre os competidores das categorias de base é entre 16 e 17 anos, menos entre a infantil e a mirim. Em termos de competição, as praticantes do sexo feminino representam 3% do contingente.

Em outra pesquisa realizada em dezembro de 2006 pelo Datafolha, foi constatado a existência de 3.200.000 domicílios brasileiros que há pelo menos um skatista, aproximadamente 6% do total dos domicílios brasileiros. Deste contingente, 8% são do sexo feminino. Existem pelo menos 1024 pistas de skate distribuídas em todos os 27 estados brasileiros, um crescimento de mais de 210% nos últimos quatro anos (Fonte CBSK).  

3.2 Uma breve descrição do espaço e das práticas.

O Skate Park é a primeira pista pública do município com obstáculos variados. Tem uma área com 520 metros quadrados, divididos em mini-rampa, savanas com caixote e traves, funbox, quarters, rampas retas de 45º e corrimãos. Todo o projeto foi feito pela Flyramp Skateparks, uma empresa especializada nesse tipo de construção.

No espaço aqui apresentado existem quatro pontos chave de observação. O chamado "lado pequeno" é o do skate e fica ao lado do supermercado Lagoa. Esse espaço se torna muito quente devido aos exaustores que esquentam o ar e a parede de trás do supermercado Lagoa, onde existe um gramado em que os mesmos usam para descansar após as manobras. O Skate Park é todo grafitado. Este trabalho foi feito durante o campeonato nacional de 2005. No "lado pequeno", o dos skatistas, há grafites com mensagens que acabam fazendo parte do "modo de pensar radical".

Este modo de pensar caracteriza-se pelo discurso utilizado entre eles, orientado por suas vontades e desejos. As maneiras de se vestir e agir evidenciam-se na reprodução das figuras desenhadas: uma menina com o skate na mão e em destaque tem "Jesus é a Salvação" e, em pequenas bolhas, palavras de ordem como: "vontade de correr", "capacidade", "rua", "coragem", "fé", "adrenalina", "caltela"(sic), "amor", "proteja o verde", "parem o crime", "parem a violência", "ajude alguém", "use camisinha", "humildade acima de tudo", "chega de preconceitos", "ciência, paz e irmandade", "ame a Deus é o certo", "paz", "pratique esporte", "paz no trânsito" e "pense antes de agir".  O que está em destaque em letras maiores é "SKT", "BMX", "JESUS", "PAZ" e "CURTA RAP". Vale ressaltar que estes grafites estavam conservados até setembro de 2007, pois, com o campeonato deste ano, eles foram modificados, pois o ato de grafitar durante a abertura do campeonato torna este momento interessante, atraindo muitos curiosos.

Na parte traseira do muro do supermercado estão grafitados um dos símbolos da cidade - o arco de nossa senhora - e uma caricatura do Superlagoa andando de skate. Também está escrito: "Lupinho vive", uma homenagem a um skatista militante da causa pró-pista que morreu quando voltava do festival de quadrilhas, que aconteceu na cidade, em 2004, acompanhado de sua namorada. Os dois se envolveram numa briga de gangues e o jovem rapaz levou três facadas chegando a falecer poucos dias antes da inauguração da pista no Parque da Cidade.

Na parte traseira da pista há um canal que atravessa todo o parque, o qual foi parcialmente coberto por reivindicação dos praticantes durante o primeiro campeonato nacional de skate, pois os skates caiam dentro do canal e tinham que ser buscados pelos praticantes, acabando por se molharem e se sujarem de lama. Nesta parte da pista, a parede se transformou numa espécie de painel com assinaturas dos grafiteiros em letras grandes e coloridas: O nome UZE estilizado e a mensagem "Tudo posso naquele que me fortalece" e o outro grafiteiro chamado SELO com a mensagem "Não há rei que se salve com a grandeza dum exército, nem o homem valente se livra pela muita força. Salmo 32:16". Percebemos a influência da religião neste espaço que pode ser considerado "sagrado" pelos praticantes de esportes radicais em Sobral.

Ao lado esquerdo, no chamado "lado alto" que é utilizado pelos crossistas (ciclistas) e pelos patinadores que normalmente circulam por toda pista, há três bancos posicionados paralelamente, no entanto esses bancos não oferecem uma boa visibilidade para a platéia. Na parede lateral está escrito: "Preserve a quadra ela é nossa, conquista e vitória para o esporte radical de Sobral!!! União de grafiteiros de Sobral (UNIGRAF-SS)" e novamente "Lupinho vive" e "A paz verdadeira é a de Deus!!!". Na parte dianteira da pista está escrito bem grande "Esportes radicais também é cultura!". Cabe aqui evidenciar que, a divisão da pista, segundo me informaram, foi delimitada numa reunião informal, na qual estiveram presentes os desportistas das três modalidades que definiram os espaços de utilização de cada categoria, no entanto, essa delimitação não é totalmente respeitada.

Neste espaço os praticantes compartilham de códigos construídos ao longo das atividades esportivas e que são incorporados pelos "novatos". A utilização do espaço e o significado que cada categoria lhe atribui podem ser interpretados através da abordagem utilizada pela antropologia urbana, perspectiva analítica que se fundamenta na dinâmica das práticas vivenciadas e construídas por diversos segmentos culturais nas sociedades ocidentais. Poderíamos então compreender o dinamismo do contexto cultural aqui pesquisado, a partir das observações Ruben George Oliven (1996): "Estudar situações que ocorrem em cidades sem que tenhamos, forçosamente, de explicá-las pelo fato de estarem ocorrendo naquele quadro especial. Estamos fazendo ciência social na cidade e não da cidade" (OLIVEN,1996; p: 13).

Numa cidade tão heterogênea como Sobral podemos perceber em um mesmo espaço a diferenciação de comportamento e interesses. A platéia do Skate Park é muito diversificada: namoradas dos esportistas, curiosos, comerciantes, garotas e garotos em busca de um "fica". Pode-se observar que alguns jovens da platéia bebem cachaça e fumam cigarros. Outros lutam jiu-jítsu na grama e conversam bastante. Também se encontram observadores nos bancos posicionados em uma lateral da pista e na parte superior á rampa. Muitos observadores chegam de bicicletas.

Os praticantes do skate, patins e BMX são em sua maioria do sexo masculino. No grupo de observadores também se aglomeram garotas. Estas se vestem de maneira diferente do estilo skatista e comentam as manobras dos rapazes, que podem ser seus paqueras. Os rapazes se exibem para elas (alguns sem blusa e suados), dando gritos e se arriscando bastante com manobras diferentes dos novatos, que são bastante cautelosos. A maioria das garotas só observa; passam batom e comentam em grupo qual é o mais bonito, os encaram e eles se exibem fazendo manobras e olhando para elas. As garotas vibram ao se sentirem observadas. Em uma das ocasiões uma menina comentou "lá vai o meninozinho que eu quero". Conversei com quatro meninas e três delas vinham da Cohab II. Perguntei qual era o tipo de lazer que praticavam e elas explicaram que suas opções estavam entre ir á praça local e á igreja; iam as vezes para o Boulevard e também para a pista, afirmando que a pista era o lugar mais animado. A platéia vibra com as manobras arriscadas e ri com as quedas.

Daniele[20] (15 anos) é a única das amigas que mora próximo á pista. Suas amigas têm sua casa como ponto de encontro. Sempre freqüenta a pista e já ficou com um garoto crossista. Segundo a mesma, para ficar, eles se dirigem até o fim do Parque da Cidade, próximo á pista de BMX, lugar menos movimentado e mais escuro. Mas garante que se a menina for bonita ficam na frente de todo o mundo. Afirma que existem os mais cobiçados, os mais bonitos ou que melhor andam de skate. Alguns são "boçais", têm preconceito com morenas (negras) e não ficam com estas. Relata o caso da sua amiga negra que quis ficar com um garoto e pediu para ela ir falar com ele. O menino viu quem era e não aceitou por causa da sua cor.

Existe uma preocupação por parte das garotas na escolha do "fica", pois receiam de que os meninos façam uso de algum tipo de droga e desaprovam as vestimentas de alguns praticantes: "tem uns que são maneiros outros são muito malamanhados" (Juliana, 16 anos). Não se percebe entre as meninas uma disposição para a prática no esporte. Algumas têm curiosidade, mas não têm coragem.

No grupo específico dos skatistas a convivência diária possibilita que se estreitem relações de amizade e cooperação, além da descontração típica de jovens da cidade. Estes inventam e constroem novas nominações aos colegas do esporte. Cito alguns exemplos: "Lagoinha" é o garoto que se veste com a roupa do supermercado Lagoa durante os campeonatos; "Igor Bala" gíria utilizada em Sobral, sinônimo de avarento; "Junior Lojão" filho do dono do Lojão São Francisco; "Gugu" porque se parece com o apresentador de TV Gugu Liberato.

3.3 Pelo estilo skatista

Um ponto chave na identificação dos esportistas está nas vestimentas. Os skatistas se vestem com um estilo que se torna "obrigatório" para quem quer fazer parte do grupo: calça com o fundo na altura dos joelhos; camisetas com nomes e/ou fotos de bandas de rock ou de rap; cintos coloridos; tênis robustos, principalmente entre os skatistas, pois eles são feitos para dar maior aderência ao shape (prancha de madeira onde o skatista apóia os pés). Usam com freqüência bonés ou toucas, cabelos curtos em sua maioria raspados, calças baixas que normalmente mostram a cueca estilo samba-canção.

Entre os skatistas há dois estilos: a linha skate punk que é principalmente constituída de jovens que gostam de rock. Usam tênis menos robustos, camisa mais curta com cores mais fortes, calças mais coladas ao corpo e cintos de metal; e a linha hip hop, são jovens que usam touca ou boné-lenço, calça muito frouxa e tênis maiores, escutam rap. Nos dois estilos a presença de tatuagens e piercings são bem comuns.

O estilo skatista é fortemente disseminado através da mídia[21], principalmente nas revistas especializadas do esporte que oferecem grande variedade de marcas com inúmeras páginas de propaganda, assim como é bastante divulgado por patrocinadores no meio esportista. Para se ter uma idéia, o Brasil tem a segunda maior indústria mundial do skate, sendo um dos poucos países que produzem peças, vestuário e calçados para esta modalidade. Este mercado (atacado e varejo) fatura algo em torno de 250 milhões de reais por ano (Fonte: CBSK). Percebe-se que estes altos investimentos acabam influenciando a construção de uma identidade que se constitui através de imagens que são fruto da sociedade consumista em que vivemos. O estereótipo rapper ou punk foi disseminado através da mídia e hoje se configura como espécie de código de conduta exercido entre os jovens, principalmente da periferia:

Mas como toda estética comporta uma ética, a escolha do modelo da periferia faz alguma diferença. é como se fosse possível encontrar alternativas para a falta de sentido da vida pautada pelo consumo identificando-se com aquelas que não têm recursos para consumir. (KEHL, 2004; p: 102)

Inúmeras características e estilos pertencem ao grupo dos "radicais". No momento em que se legitimam os esportes radicais pelo poder público, este, se torna visível através das políticas públicas direcionadas para os jovens na cidade. O público então acredita em uma "gestão participativa", já que de certa forma eles foram "vistos" e seus desejos foram contemplados. Neste sentido, se apropriam destes espaços, resignificando-os e atribuindo novas formas de relacionamento com os seus usos.

Na prática, o Skate Park continua sendo um espaço "semi-invisível". Ele não passa por manutenção regular e falta uma série de medidas para tornar este espaço seguro. Os praticantes do skate, do BMX e dos patins contribuem para torná-lo menos seguro ainda, já que as medidas de segurança tomadas pelos praticantes são poucas. A não utilização de equipamentos de segurança se dá principalmente entre os skatistas; alegam que atrapalham na prática e no resultado. Entre os patinadores, alguns usam joelheiras e entre os crossistas os aparatos de segurança mais usados são: capacete, luvas, cotoveleiras e joelheiras; existe toda uma preparação que antecede a prática neste tipo de caso.

3.4 A saúde dos praticantes.

Outro fator que chamou atenção é a saúde dos praticantes. Nicholas, um iniciante, deslocou o ombro em uma queda e ficou impedido de andar, correndo sérios riscos. Outro rapaz, o Gugu, vive mancando e sente muita dor quando cai; ele ainda não procurou um médico. Perguntei a outros praticantes e todos me disseram que tiveram acidentes graves e não procuraram tratamento. Existe um medo muito grande que isso os impossibilite de praticar o esporte.

Outro praticante, chamado érico, quebrou a clavícula três vezes. Foi ao médico somente na primeira vez e este o recomendou que não se arriscasse mais, porém continuou até deslocar por mais duas vezes. Toda vez que cai no chão sofre com dores muito fortes, hoje não pratica mais. Existe uma diferenciação no cuidado com os corpos. Seus corpos estão arranhados e com hematomas. Entre os novatos existe uma relativa preocupação com a saúde, já que são esportes que exigem muito do praticante, não havendo o uso de drogas e fumo. Em certa ocasião, dois patinadores entraram em colisão e gritaram de dor. A princípio ninguém os ajudou. Cheguei a presenciar uma cena em que outro praticante skatista se machucou e não contou com o auxílio dos demais. O aprendizado não se dá sem dor, já que os tombos são inevitáveis.

Buscando enumerar e quantificar os dados pesquisados, realizei cinqüenta questionários entre os desportistas do Skate Park. Estes contaram com a sistematização dos dados e a tabulação dos questionários (Ver os anexos H, I e J). As informações obtidas pelos questionários são riquíssimas em nível de informações que poderão ser mais aprofundadas no decorrer da pesquisa. Entre os aspectos contemplados estão: nome, apelido, idade, nível de escolaridade, bairro de moradia, modalidade esportiva, informações a cerca da sua saúde - em relação a preparação para prática esportiva, como o uso de água, a realização de alongamentos e finalmente ouvia sugestões para o espaço e para a melhora da prática esportiva na cidade. A média de idade é de 18,6 anos. As partes mais acidentadas são a cabeça e os membros inferiores. Entre as principais sugestões estão a coberta do local, um bebedouro, mais obstáculos, maior segurança do espaço e apoio para campeonatos.

Ao longo do trabalho estão presentes informações e reflexões pautadas na observação e diálogo com os sujeitos da pesquisa. O trabalho em campo se caracteriza por uma mudança de atitude diante das práticas cotidianas que muitas vezes passam despercebidas. Vale ressaltar que tive a preocupação em buscar abranger ao máximo as perspectivas de pesquisa possibilitadas pelas ciências sociais, com análises quantitativas e qualitativas, já que o campo sugeria que eu pudesse enumerar problemas de saúde dos praticantes. Deparei-me com um número surpreendente de 74% (setenta e quatro por cento) de jovens que já sofreram algum tipo de acidente grave.

Minha inserção em campo possibilitou que eu me envolvesse de maneira mais efetiva entre esses jovens. Cheguei a me preocupar com os tombos muito fortes que via e chegava a admirá-los pelo fato de mancarem e logo subirem no skate. Era incrível como podiam ser tão resistentes á dor. Muitos casos terminaram no hospital. Dois casos chamaram muito a minha atenção. Uma menina patinadora apelidada de Danone (15 anos) escorregou no travessão de metal na ponta de um caixote. Como não usava caneleira, sofreu um corte de vinte e seis pontos na canela. O corte se deu porque o travessão de metal, continuamente afiado pelo equipamento das bicicletas, não passa por manutenção regular. Logo após o ocorrido uma ambulância chegou.

Sua perna ficou paralisada por três semanas e passou três meses sem praticar o esporte e mais um patins quebrado. Revelou que enquanto aguardava uma ambulância um skatista gritou: "Não sei por que não bateu a cabeça e morreu logo". Outro caso refere-se a um menino skatista iniciante que estava sem capacete. Ao tentar realizar uma manobra, bateu a cabeça no assoalho e ficou desacordado. Chamaram uma ambulância e enquanto esperavam, trouxeram um "dim-dim" (saquinho de suco de fruta congelado) para passar na cabeça do garoto. Convivi-se dia a dia com acidentes no Skate Park e em outras pistas das quais freqüentei. Isto faz parte do cotidiano de quem quiser se inserir no mundo dos esportes radicais, como um "ritual de iniciação".

3.5 Uma linguagem própria.

Outras características fazem parte dos grupos aqui pesquisados. A seguir, faço um breve comentário da linguagem cotidiana do grupo dos skatistas. A rede de significados, como diria Clifford Geertz (1989), se constitui em um processo de assimilação de novas categorias difundidas e compratilhadas mundialmente e inseridas em contextos específicos, como é o caso do Skate Park. Neste espaço multifacetado, determinados grupos resignificam e criam uma nova forma de comunicação. Para uma melhor compreensão de sua linguagem, apresento algumas de suas principais categorias nativas (que não são tão nativas, pois fazem parte de um contexto comum a cultura skatista em diferentes espaços).

As práticas skatistas se renovam a todo o momento. Novas manobras surgem em um mundo de inúmeras que já são conhecidas pelos esportistas. Deve-se perceber qual é o lado em que o skatista tem mais força. Este lado não se define estritamente por ser destro ou canhoto, mas pela perna em que tem mais agilidade para remar, ou seja, fazer o movimento de impulso com a perna, possibilitando a força motora do skate. Vale ressaltar que a perna que rema é a base do praticante. Neste exemplo considero que a base do skatista seja a perna direita. A base normal é a perna esquerda na frente, em cima do skate, e a perna direita remando. O switch stance (s/s) seria o inverso em que a direita fica na frente e a esquerda remando.

As outras duas bases precisam de esclarecimentos anteriores. No skate existem duas abas nas extremidades: o nose que é a parte da frente, e o tail que é a parte traseira. O ollie é uma espécie de pulo que o skate dá. O flip é o giro do skate. As outras bases são o fake, que consiste em bater um ollie no nose, ou seja, dar um pulo com o impulso na parte da frente do skate. E a última base é o nollie, que seria o inverso, um ollie no tail. O remo pode ser de switch stance (S/S), frontside. é quando a manobra é executada de frente para o obstáculo (F/S). O backside é uma manobra executada de costas para o obstáculo (B/S). A transição é a passagem de uma manobra para outra. O Skate Park é o espaço onde esses jovens compartilham destas "categorias nativas".

3.6 Por que ser radical?

O incentivo que foi dado com a construção da pista destacou alguns skatistas sobralenses no cenário nacional. Um expoente dessa geração é Igor Bala, campeão Norte e Nordeste, patrocinado pela prefeitura de Sobral. O campeonato nacional na cidade de Sobral ocorre desde o ano de 2004 e como foi dito anteriormente, a prefeitura na construção da pista conseguiu o direito de sediar o campeonato por cinco anos consecutivos, prorrogados por mais cinco. No ano de 2004, o campeonato (segunda etapa em Sobral) foi um marco na história do skate nacional, pois pela primeira vez duas etapas do Campeonato Nacional foram realizadas no Nordeste.

A outra aconteceu em Lauro de Freitas na Bahia. Tais eventos possibilitaram o acesso dos nordestinos ao campeonato e a difusão do skate na região, provocando um grande fluxo de espectadores muito animados. No entanto, devido á falta de patrocínios, o evento contou com poucos recursos. Durante a realização do evento choveu muito. Muitos participantes criticaram a falta de uma proteção sobre a quadra. Os organizadores tiveram que paralisar o campeonato por duas vezes, até a chuva parar. Apesar das dificuldades o campeonato encerrou em clima de alegria com o show da banda Charlie Brown Jr. O camarote vip utilizados pelos skatistas era um caminhão, cuja carroceria ficava de frente para o palco. O Campeonato Nacional de 2005 apresentou maiores polêmicas.  é norma da CBSK que a pista deve ter trajeto diferente em cada campeonato. No entanto, em Sobral a pista foi a mesma do ano anterior e isto causou reclamação por parte dos participantes e dos patrocinadores. Outro fator que pesou foram os custos para trazer esportistas profissionais para o Nordeste. Isto se torna muito dispendioso em função do circuito acontecer principalmente no eixo Sul e Sudeste, locais de onde vêm esses campeões.

Em 2006, a primeira etapa do Campeonato Nacional ocorreu em Sobral, deixando os patrocinadores ainda mais descontentes. A Quix, uma das marcas mais vendidas e mais conhecidas entre os skatistas, retirou seu patrocínio dos campeonatos do Nordeste, alegando que os campeonatos no Nordeste não eram de "importância" para a empresa, uma vez que a região representava somente 1% das vendas gerais. Essa posição criou um clima de revolta entre os skatistas, sobretudo, os nordestinos, os quais reagiram difundindo na internet seu repúdio.

O campeonato foi esvaziado de "estrelas" do esporte, principalmente as patrocinadas pela Quix e por outras marcas destacadas, mesmo com o incentivo dado pela prefeitura para os melhores colocados no ano de 2005. Os skatistas nordestinos protestaram contra essa medida fazendo um boneco da Quix e tentaram fazer uma fogueira com os tênis da marca, no entanto foram impedidos pela CBSK. Além dos problemas citados anteriormente, o fato da cidade de Sobral não oferecer atrativos e o baixo valor das premiações (15 mil reais para os profissionais) são fatores que pesam muito na vinda de competidores para a cidade. A construção da nova pista no bairro Sinhá Sabóia possibilitará que algumas das reivindicações sejam atendidas, mas sabe-se que os problemas persistirão, o que não deixa de dar visibilidade a cidade, atraindo cada vez mais jovens para o skate.

Em entrevista, no início de 2006, com um garoto que parecia ser iniciante, busquei saber em que medida a construção da pista tinha influenciado na sua prática. Vicente de 12 anos é praticante há um ano e meio, começou a se interessar pelo esporte quando sua mãe fazia compras no Supermercado Lagoa. Ficava observando os outros garotos fazerem as manobras. é tímido e cauteloso. Confessou-me sentir medo e pretende superá-lo. Recebeu o apoio da mãe.

Sérgio de 18 anos, morador do bairro da Expectativa, é praticante há três anos e meio. Informou-me que antes da pista a "moçada" se reunia na quadra do abrigo, local para o qual levavam obstáculos. Começou a andar influenciado pelos amigos mais velhos. A nova pista se configura como um ponto de encontro para a "família", onde, segundo ele, todos se ajudam, sendo assim, "uma segunda casa". As maiores afinidades se dão entre os "melhores" (experientes) e por outro lado os "piores" (novatos). Sérgio ganhou na categoria amador II, no campeonato nacional de 2006. Foi entrevistado pela TV Verdes Mares e comentou ter o sonho de ser profissional. Enfatizou que é muito caro ser skatista e, por isso, trabalha em uma oficina de bicicletas. Faz o 1° ano. Afirmou, veementemente, que não fazia uso de drogas. Quando perguntei sobre o relacionamento com as outras modalidades, ele disse que é "como se não fossem do mesmo sangue".

Os espaços entre os praticantes de esportes radicais são bem delimitados e respeitados. Segundo ele, houve uma reunião para definir o uso e o espaço da pista, pois assim evitariam conflitos no que concerne ao choque entre praticantes de outras modalidades. Sérgio afirmou que pratica todos os dias o esporte e que sua mãe a principio não aceitava porque acreditava que era um esporte muito perigoso e de "marginais". Hoje o apóia devido a grande quantidade de troféus que o filho ganhou.

Os esportistas afirmam sempre que o skate é um esporte muito caro. Fato que impossibilita a compra de equipamentos de proteção. Muitos trabalham para conseguirem sustentar os custos que o esporte ocasiona. No skate, os principais equipamentos são: o shape que é a tábua de madeira prensada que fica sobre as rodas e serve de apoio para os pés e base para todas as manobras (custa em média de R$ 35 a R$65); o truck é um o eixo de alumínio que se liga á madeira e prende as rodas. Seu movimento possibilita o skatista se direcionar (custa de R$80 a R$105); são quatro rodas de poliuretano (custam em média R$40); são seis parafusos centrais e oito rolamentos (em média custam R$15); a lixa que se fixa ao shape para causar maior aderência entre o skate e os tênis do skatista. Os tênis também são acessórios importantes para um melhor desempenho. Os tênis variam muito de marca e preço: o tênis do skatista ativo dura em média três meses (o custo de um tênis neste estilo é a partir de R$100). Nas lojas especializadas, o skate completo tem preço a partir de R$160.

No BMX as bicicletas são especializadas e menores que as convencionais. O acessório fundamental é a tróia, uma chapa de ferro em formato de bastão que fica preso ao rolamento das rodas; possibilita a fixação da bicicleta nos obstáculos.

Os patins de modelo in line são formados por rodas enfileirados em linha reta diferente dos mais antigos que eram quatro rodas posicionadas paralelamente.

Há uma certa rivalidade entre as três modalidades de esportes radicais. De um lado os skatistas reivindicam a pista só para eles, pois afirmam que os "crossistas" estragam a pista arranhando as extremidades, fazendo o metal das pontas descolar: "o BMX é dos plays", afirmam. Os patinadores são da modalidade in line, novatos no esporte. Esta modalidade surgiu na cidade após a construção do Skate Park. São os únicos que percorrem toda a pista. Nesta modalidade existe um maior número de mulheres. No skate a participação de mulheres é pequena. Mesmo assim Sobral tem uma campeã nacional chamada Pepeta. No BMX não existem mulheres praticando.

O lazer é algo que aparece com evidência no discurso dos desportistas e dos outros freqüentadores do parque. Verifica-se este discurso nos slogans da prefeitura com a inauguração do parque: "lazer, segurança e cultura".

Os estudos sobre o lazer no campo das Ciências Sociais são relativamente recentes. Havia até década de 80 uma preferência por estudos relacionados ao trabalho, ao Estado, aos movimentos sociais, etc. A citação a seguir define o conceito de lazer aqui trabalhado:

Há muitas formas de definir o lazer, mas a maior parte destas definições inclui - separada ou integralmente - as dimensões de tempo e atividade. O lazer é tempo livre de trabalho e de outras obrigações, e também engloba atividades que se caracterizam por um sentimento de (relativa) liberdade. Como sucede com outros aspectos da vida e da estrutura social, o lazer é uma experiência do indivíduo, um atributo de grupo ou de outra atividade social, e possui organizações e instituições relevantes que procuram atender ás necessidades de lazer, reconciliar interesses conflitantes e implementar as políticas sociais. (PARKER, 1978; p: 10)

A importância desses fenômenos sociais somente pode ser compreendida á luz de teorias que se relacionem com os mais variados sentidos da prática sociológica. Concebendo o lazer numa perspectiva interdisciplinar e contemplando vários aspectos da vida cotidiana, é possível tecer um mapa de atividades interligadas.  Se para a maioria das pessoas um momento de lazer se caracteriza por ver televisão, ler um livro ou passear no parque, evitando assim gastar o máximo de energias para encarar a vida e o trabalho. O lazer que os skatistas buscam com o descontrole controlado das emoções (ELIAS; DUNNING, 1992) que o esporte propicia, acaba sendo uma válvula de escape para as "fortes emoções". O impulso violento é caracterizado e transfigurado pelos esportes radicais que radicalizam a energia e a transformam em fortes impulsos e resistência ás dores físicas, como tombos e seqüelas nos corpos juvenis. Para Norbert Elias, o esporte "é um dos fenômenos essenciais da nossa civilização (...) o desporto é entendido como uma coisa vulgar, uma actividade de lazer orientada para o prazer, que envolve o corpo mais do que a mente" (ELIAS; DUNNING, 1992; p: 17).

Poderíamos afirmar, com esta abordagem, que os esportes dispõem de uma violência relativa, assemelhando-se ao que vem sendo descrito neste trabalho. A cultura radical aqui proposta se define pela intensa atividade do corpo.

Em última instância, é o corpo inserido de sociabilidade e significação coletiva que experimenta fortes emoções, corre riscos, se excita e é desafiado a vencer muitos obstáculos, principalmente o maior deles: de manter-se vivo. (...) O discurso dominante entre os praticantes dos esportes radicais versa sobre a excitação que experimentam em saber que estão desafiando a morte, o que em termos dialéticos pode representar uma confirmação radical de uma outra vida, distinta daquela propugnada por indivíduos que fogem da dor, ignoram a tragédia, cultuam os analgésicos e perseguem cosmeticamente a eterna juventude. A possibilidade da morte para os jovens atua na fortificação da experiência no presente. (CARRANO, 2002; p: 120)

O jovem neste sentido não é limitado pela faixa etária. Ele se identifica com uma série de características que o definem como jovem: o tipo de vestimentas, a maneira de agir e falar, o tempo disponível para a prática do esporte, enfim o próprio subjetivismo que o faz sentir como tal. Essa construção social da juventude é alargada no tempo e caracteriza uma estética ideal, se configurando como uma categoria que está sujeita a constantes mutações no tempo e no espaço (BOURDIEU, 1983). O recorte deste objeto abrange uma perspectiva do jovem no seu momento de lazer, ou seja, da prática esportiva.

Ronaldo Helal (1990) define o esporte como sendo "qualquer competição que inclua uma medida importante de habilidade física e que esteja subordinada a uma organização mais ampla que escape ao controle daqueles que participam ativamente da ação" (HELAL, 1990; p: 28). Na abordagem da Sociologia do Esporte pode-se classificar os esportes aqui encontrados como esportes individuais e coletivos, tendo em vista a grande proximidade que eles têm no espaço e na prática. O depoimento de um skatista, logo a seguir, esclarece bem esta afirmação. "O skate é um esporte individual e coletivo ao mesmo tempo. Não tem graça fazer uma manobra de skate e ninguém ver, sem os gritos de incentivo, ninguém acreditaria que fiz a manobra" (Mikael, 23 anos). Nesta abordagem, podemos definir estes esportes como obedientes a regras, mas que também possibilitam ter um caráter lúdico, com a  formação de novas manobras.

Para Bourdieu (1998) o esporte e o lazer são temas recentes nas ciências sociais e entraram por "contrabando", sendo atraídos pelas "flutuações da consciência social do momento", não excluindo sua importância no nosso meio social.

3.7 Outros espaços para as práticas radicais.

Entre os novos espaços de lazer e da prática dos esportes radicais na cidade verifica-se a segunda pista pública da cidade no bairro Sinhá Sabóia. Foi inaugurada no dia 22 de dezembro de 2006. Na ocasião estavam reunidos moradores do bairro, desportistas e autoridades da política sobralense. A nova pista tem ao lado um campo de futebol de areia. Estes dois equipamentos receberam o nome de Complexo de Esporte e Lazer José Aguiar Frota e custaram aos cofres públicos R$240.000[22].

O nome do lugar é uma homenagem a um radialista esportivo da cidade já falecido. Dentre as autoridades presentes estavam o Secretário de Esporte e Juventude, Aloísio Nunes de Arruda e o Prefeito de Sobral Leônidas Cristino. Em discurso afirmaram que a implementação de novos espaços de lazer faz parte de uma proposta política que visa o desenvolvimento local, enfatizando por isso, a necessidade de zelo e cuidado por parte da comunidade. Afirmaram ainda, que o esporte deve ser concebido como uma oportunidade para tirar o jovem da marginalidade. Em momento de sua fala o Prefeito anunciou a construção da Vila Olímpica, a qual custará mais de seis milhões de reais.

A inauguração também contou com a participação da polícia militar e da guarda municipal, e ainda com a presença de uma ambulância no local. Houve um "mini-campeonato", no qual somente os skatistas tiveram oportunidade de competir. Isto causou grande indignação dos esportistas das outras modalidades. O evento foi aberto por uma banda, do próprio bairro, e estiveram presentes muitos curiosos de várias faixas etárias. Para eles o esporte constitui uma novidade. Divertiam-se e riram muito das quedas e das manobras realizadas com êxito. Assim que começaram os discursos, a pista foi "evacuada" pela guarda municipal. A pista do Sinhá Sabóia, segundo os desportistas, é bem melhor que a do Parque da Cidade, por ser maior, ter mais obstáculos e possuir arquibancadas.

Outro espaço disputado principalmente pelos skatistas é o Boulevard do Arco; esta é uma das praças mais importantes da cidade. Aqui são realizados eventos de diversas naturezas e passeio, preferido pela sociedade sobralense. Seu grande comprimento e piso liso possibilitam que os skates escorreguem a altas velocidades, motivo pelo qual são repreendidos e proibidos de andar nestes locais de grande movimento. Porém sempre existem garotos que gostam de se arriscar e dar uma volta na praça, á custa de muitos olhares em busca da guarda municipal. Dizem que não podem deixar de andar na cidade, por ser a modalidade street skate, termo inglês que significa skate de rua, esta modalidade exige que se ande em obstáculos na cena urbana, como corrimãos e calçadas altas. O Skate Park reproduz estes obstáculos. Em conversa com um grupo de oito garotos no Boulevard, pude perceber que se arriscar faz parte da própria prática dos esportes radicais e dizem que "a insegurança e 90% da queda" (Thiago, 20 anos). Além destes que são constantemente reprimidos estão também o grupo de "aprendizes" que são crianças que fazem deste espaço um local de aprendizado. As primeiras pedaladas, os primeiros passos em cima do skate ou dos patins, sempre são acompanhadas dos pais ou de uma pessoa mais velha. Em muitos casos há o uso de equipamentos de proteção.

Os espaços então se tornam o foco essencial para pensar como as práticas desses grupos são construídas sucessivamente, constituindo uma rede de relações sociais. Como diria Magnani (1998; p: 123); "não são os indivíduos é o próprio pedaço que se locomove". O espaço serve como um meio de identificação com o resto do grupo, sendo freqüentado e pertencendo ao grupo dos skatistas, crossistas (ciclistas) e patinadores, por ser também por eles significado. A platéia também faz parte do lugar. No Skate Park do Parque da Cidade, penso o espaço de uma maneira mais homogênea, sendo mais fácil identificar as fronteiras que levam a outros pedaços.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como traduzir experiências pessoais? Como exemplificar aquilo que os olhos vêem e os outros sentidos apontam? Como definir a razão? Perguntas bem amplas para o objetivo aqui proposto. Poderia discorrer horas acerca da experiência aqui vivenciada, pois escrever um trabalho monográfico a partir de leituras e olhares em construção é sempre algo complicado. Este relato poderia ser um "poema científico", poderia ser um trabalho de conclusão de curso ou um desafio angustiante. Acredito que foi um pouco dos três, pelo menos dentro de mim.

Ao longo de toda a pesquisa vivenciei inúmeras sensações que me levaram a espaços diferentes. Pensei por um momento que poderia ser amiga dos skatistas, mas percebi que não era uma boa idéia, já que tinha que manter certo distanciamento. Pensei em morar próximo ao Parque da Cidade, mas achei os aluguéis caros naquela área e distante das minhas outras atividades. Percebi que era importante praticar algum esporte e sentir a motivação que levava aquelas pessoas a correrem sem parar, a ficarem jogando bola ou andando sobre uma prancha de madeira com rodas. Precisava de alguma forma perceber a dinâmica e a satisfação do lazer pelo esporte. Comecei a andar pelo Parque da Cidade, andando como eles, no ritmo deles. Pensei tanto naqueles dias, pensei que este trabalho poderia dar certo, que apesar do meu tempo escasso, poderia suar um pouco a camisa.

Meu corpo se inseria em uma nova realidade, minha expressão corporal se confundia com os olhares dos outros. Os corpos se inseriam neste universo de contornos e desnaturalizavam os gestos e sensações (LE BRETON, 2006). Gostaria de ter explanado melhor sobre isso ao longo desta pesquisa, mas o tempo para mim foi cruel e os corpos iam se desfazendo todos os dias. Não poderia falar mais do que já tinha me proposto e uma nova vida me espera depois deste trabalho.

Tive tantos medos, que se abrandaram com o tempo. Tive medo de sair do tema, medo de levar uma queda, medo de ser assaltada, medo de não dar tempo. Não sei se devo falar disto agora que o trabalho já foi entregue, mas creio que estou sendo sincera comigo e estou gostando de escrever as minhas reflexões. Talvez esteja explicitando melhor do que antes a minha metodologia.

Estive rodeada por árvores ainda em crescimento, luzes semi-apagadas e receio de ser abordada por algum bandido em busca da minha máquina fotográfica. Às vezes me senti um pouco desconfortável em relação ás minhas abordagens aos transeuntes, mas logo este desconforto desaparecia e percebi a vida que envolvia o lugar. Gostei de ir ao Parque da Cidade nas noites dos finais de semana, pois foram nestes momentos que percebi o fluxo de pessoas se divertindo e aproveitando o momento para estar com a família e amigos. Também havia um grande movimento no começo das manhãs e nos finais da tarde da semana, nestes horários as relações se tornavam mais individualistas, pessoas andavam apressadas de um lado para outro, entretidas com a música que entrava através dos seus ouvidos pelos walkmans e mp3. As abordagens ficaram mais difíceis, pois precisava acenar com as mãos e ficar parada na frente das pessoas, me sentia um pouco boba ao fazer isso.

Lembro de uma noite que estive no Skate Park aplicando os questionários e percebi que os garotos quase não ficavam no chão, ficavam no topo das rampas esperando sua vez para deslizar no cimento. Tinha que chegar até eles através de uma aproximação mais direta e foi quando me convidaram a ficar em cima da rampa conversando com eles e sentindo um pouco mais a sensação que envolvia o lugar. Foi quando me vi nos bastidores de um áspero balé e intercambiando significados com meus interlocutores (LEITE, 2004). Ali percebi que a minha presença não incomodava, apesar de ter tido dificuldades para subir na rampa, neste momento também fui ajudada por eles e me atrapalhei em relação á escolha do melhor lugar para ficar.

As escolhas que tomamos sempre são a rejeição de outras. Este processo é atribulado pelas nossas vivências que definem um posicionamento do pesquisador. Precisei tomar coragem para falar sobre o lazer e das reflexões que se seguiram desta análise. A história do lazer me levou a pensar na sociedade capitalista e na mercantilização do sujeito e das suas ações no espaço coletivo. Logo, toda uma estrutura estava montada, o lazer se definia como um momento de "relativa liberdade", mas que liberdade é essa? Qual é a liberdade possível dentro de uma estrutura que privilegia tão poucos?

A sociedade (do tempo livre) do ócio criativo baseada na propriedade privada e na divisão hierárquica do trabalho é não apenas uma impossibilidade histórica, mas um grande blefe ideológico. (ALVES, 2006; p: 30)

E baseada nesta crítica, percebi que o trabalho que está sendo aqui finalizado, estava sendo coerente quando tratava de lazer e consumo numa perspectiva conjunta. O lazer se configura como produto da nossa sociedade. Claro que podemos falar aqui do lazer "gratuito". Andar no parque, jogar bola ou andar de skate não são atividades cobradas. Mas se penso numa perspectiva mais ampla, percebo que a própria construção do parque é uma atividade que gera renda, principalmente ao poder público, pois, como vimos anteriormente, o preço das licenças para construir aumentaram muito. Mas é só isso que o poder público consegue com a construção de novas estruturas de lazer na cidade? Com certeza as motivações são muitas.

O atual Governador do Estado e ex-prefeito da cidade de Sobral utilizou como recurso de campanha, programas e slogans das transformações que realizou na cidade de Sobral. Sendo este marketing urbano um mecanismo institucional de promoção e venda da cidade, na tentativa de se alcançar uma posição relativa de liderança perante outros territórios num mercado extremamente competitivo, onde outras cidades também estão á venda. Constantemente Sobral aparece como uma cidade moderna e "vendável", fato que freqüentemente é exaltado nas falas dos gestores públicos, como exemplifico a seguir na fala da atual Secretária de Cultura e Turismo de Sobral:

Sobral é uma cidade cosmopolita por formação e por vocação. Porque compreendemos que o nordeste é o mundo. E o mundo é aqui. Sobral é uma cidade jovem. Daí seus campeonatos nacionais e regionais de skate, de bicicross, de hip hop, de esportes radicais. Nossa banda de música tem 73 anos. Temos corais, orquestras, grupos de MPB. São 22 bandas de rock na cidade. E incontáveis são os grupos de hip hop, de reisado, de músicos que estão na busca de uma profissionalização. Sobral é a terra do grande ALBERTO NEPOMUCENO, músico que levou a musica brasileira, erudita, para os quatro cantos do mundo (seu piano está no Museu Dom José aqui pertinho da praça São João...). Nossa escola de música tem 10 anos. é ligada a PREFEITURA MUNICIPAL DE SOBRAL através da ECOA _ ESCOLA DE COMUNICAÇAO, CULTURA, OFICIOS E ARTES - e possui 650 alunos!(sic) Nossas escolas públicas tem em seu currículo o ensino obrigatório de 4 habilidades artísticas (música, teatro, dança e artes plásticas)(sic).

E mesmo com esse "ar vanguarda", o sobralense convive harmonicamente com o erudito e o contemporâneo, fortalecidos pelo espírito de preservação de memória quando teve seus sítios tombados pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico nacional. Nossos alunos das escolas públicas estudam 2 línguas estrangeiras (inglês e espanhol) e tem acesso gratuito a teatro e cinema, além de hoje ter peculiaridades de  cidade universitária. Temos 5, entre faculdades e universidades, além do Cefet.

Sobral é a Princesa do Norte, e sua cultura tem os rastros de três importantes ciclos da economia brasileira: o ciclo do gado, o ciclo do algodão e o ciclo do comércio. E essa marca está inscrita na sua arquitetura, na sua gastronomia, na sua gente, que é de luta! Por todas essas razões está sempre em evidência!!!!! (REINALDO, 2007; Multishow)[23]

Neste trecho é possível identificar que o modelo modernista está principalmente montado naquilo que chamamos de diversidade (cosmopolita). Esta característica torna possível a recriação de imagens culturais que são freqüentemente vendidas no mercado, ao mesmo tempo em que possibilita os arranjos espaciais para readequação ás necessidades locais que foram recém inseridas por esse processo. 

O enobrecimento é um fator importante nesse processo de mercantilização dos espaços. Uma designação especial á cidade de Sobral está na alcunha "Princesinha do Norte"[24]. Este termo diz muita coisa a respeito das políticas públicas na cidade e da forma como os moradores a vêm.

Por isso não são os ares de uma cidade enobrecida que libertam, mas as formas cotidianas de apropriação políticas dos lugares, que publicizam e politizam as diferenças, atribuindo sentidos e qualificam os espaços da cidade como espaços públicos. (LEITE, 2004; p: 318)

E são nessas significações e nos sentidos atribuídos aos lugares que formatamos este trabalho, com o objetivo de proporcionar uma compreensão dos espaços públicos que reúnem uma série de atividades, as quais possibilitam o estreitamento dos laços de afinidade e de inserção na vida social. Os discursos do poder público que exalta a cidade de Sobral moderna e preparada para o futuro[25], estão presentes em grande parte das falas e matérias que tratam de Sobral. Esta imagem também é incorporada pelos turistas e demais visitantes quando conhecem a cidade.

Mas o que quero deixar claro aqui é o fato de que este trabalho ainda é uma parcela de um todo complexo e muitas vezes não interpretável. Existe uma linha de sociabilidade possível de traçar entre pessoas "comuns", que buscam lugares em comum. Que acabam buscando na cidade o lugar para passar suas vidas e projetar seus desejos. Deixando transparecer nos espaços públicos as novas formas de ocupação, de expressão e relacionamento com os outros.

 A cidade vivida, poética da vida narrada pelo espetáculo das cores de chumbo e asfalto. Espelhada em algum tempo longínquo. A cidade da busca do prazer e do descanso. A cidade que possibilita a solidão compartilhada. A cidade do caminhar lento e apressado. A cidade do flâneur desinteressado. Por que:

Caminhar é ter falta de lugar. é o processo indefinido de estar ausente e á procura de um próprio. A errância, multiplicada e reunida pela cidade, faz dela uma imensa experiência social da privação de lugar - uma experiência é verdade, esfarelada em deportações inumeráveis e ínfimas (deslocamentos e caminhadas), compensada pelas relações e os cruzamentos desses êxodos que se entrelaçam, criando um tecido urbano, e posta sob o signo do que deveria ser, enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a Cidade. (DE CERTEAU, 1996; p: 183)

A cidade aqui apresentada é uma cidade imaginada e idealizada por uma mente em continua abstração. Ainda não defini muito bem qual será minha próxima cidade, mas sei que ela será semelhante a do sonho...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Ana Cristina; DACOSTA, Lamartine P. (Orgs.). Meio Ambiente, Esporte, Lazer e Turismo: Estudos e Pesquisas no Brasil 1967 - 2007. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2007.

ALVES, Giovanni. Trabalho, subjetividade e lazer: estranhamento, fetichismo e reificaão no capitalismo global. In:_______PADILHA, Valquíria (Org.). Dialética do lazer. São Paulo: Editora Cortez, 2006.

Partes: 1, 2, 3, 4


 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.