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Lazer no Parque da Cidade (página 2)

Andrea Venini Falconi
Partes: 1, 2, 3, 4

Os espaços de lazer da cidade de Sobral foram o foco do projeto de pesquisa financiado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), o qual tem como título: "Apropriação dos espaços: lazer, trabalho e violência na cidade de Sobral", coordenado pela professora Diocleide Lima Ferreira. Tal projeto dispõe de uma bolsa de Iniciação Cientifica da qual sou beneficiada[1]. A aprovação do projeto e a renovação do mesmo possibilitaram-me pesquisar o Parque da Cidade. A princípio, o espaço das observações era o Skate Park, espaço que causava em mim muitos questionamentos que foram tratados ao longo deste trabalho e por isso o escolhi. Abordagens sobre juventude e os esportes radicais estão presentes neste trabalho, ainda que figurando como pano de fundo. Por esta razão decidi desenvolver um capítulo sobre o Skate Park.

Observei que este espaço permitiria uma abordagem diferente para o trabalho, ultrapassando as linhas imaginárias do Parque da Cidade e seus percursos enobrecidos. Na segunda etapa do projeto de pesquisa (início de 2007) fui ao Parque da Cidade e quando me vi em campo, a bem da verdade dentro de um vasto campo, pelas dimensões do parque e as diferentes atividades ali praticadas, percebi como poderia desenvolver este trabalho.

A experiência como pesquisadora foi muito rica e os resultados obtidos, durante as investigações iniciais, foram importantes para a formulação dos procedimentos metodológicos, técnicos e a definição dos referenciais analíticos que orientaram posteriormente o trabalho monográfico. Nesse sentido, possibilitou-me uma maior inserção em campo e o desenvolvimento da pesquisa. Busquei compreender, neste trabalho, um espaço de lazer, no qual diferentes sociabilidades são tecidas através da interação de indivíduos que o constroem sócio-culturalmente.

O Parque da Cidade transcende a vida familiar e insere-se na categoria pedaço (MAGNANI,1996) que é elaborado a partir do agir coletivo cotidiano e é onde se estabelecem os grupos e se pratica o lazer. O Parque abrange uma área de aproximadamente 70.000 metros quadrados e integra os bairros Junco, Parque Silvana I e II, Campos dos Velhos, Expectativa e Alto da Brasília sendo entrecortado pelo riacho Pajeú, que se estende até a Lagoa da Fazenda. Esse riacho se encontra permanentemente poluído. No Parque da Cidade encontramos playgrounds, quiosques, pista de cooper, campos polivalentes, pista de bicicross, skatepark com padrão competitivo, homologado pelas normas da Confederação Brasileira de Skate (CBSK), e, ainda, mesas de xadrez e de  piquenique. O parque é utilizado por um público variado e inserido em diversas faixas etárias e classes sociais.

A pesquisa vem sendo desenvolvida desde o início de 2006 e teve como recorte inicial o Skate Park, espaço utilizado pelos jovens da cidade para a prática de alguns esportes radicais, como: skate, patins in-line e BMX (Bicycle MotoX). A construção da pista em 2004 possibilitou para alguns jovens a pratica de atividades desportivas em um lugar de interação. Se por um lado este espaço foi construído com o intuito de dar visibilidade a um esporte que se destaca mundialmente, como o skate - o qual se configura como o segundo esporte mais praticado no Brasil, depois do futebol (DATAFOLHA, 2002) -, por outro lado, também é palco de uma rede de sociabilidades e de práticas coletivas urbanas, onde são formuladas representações, a exemplo das categorias específicas, empregadas pelos sujeitos da pesquisa para denominarem suas manobras, extrapolando os sentidos atribuídos pelo poder público municipal, idealizado com a construção da pista. Esse ambiente configura-se como um lugar de realizações pessoais e de interação com outros atores sociais.

Os praticantes dos esportes no Skate Park, em sua maioria, são jovens com idades entre 11 e 32 anos e estão sujeitos a riscos constantes. Um dos fatores que proporcionam o alto nível de acidentes é o fato que muitos praticantes não utilizam equipamentos de proteção; muitas vezes, ocorrem acidentes graves deixando seqüelas para esses desportistas, como lesões e fraturas em diversas partes do corpo. Utilizo a categoria de análise cultura radical para definir estas práticas que extrapolam os limites físicos e da excitação (ELIAS; DUNNING, 1992), como sendo uma forma de lazer juvenil. Os praticantes das citadas modalidades de esporte são, em sua maioria, jovens de classe baixa, que vivem em bairros da periferia de Sobral, como o Alto do Cristo, a Expectativa e a COHAB. Tais bairros apresentam muitos problemas de infra-estrutura básica. Muitos casebres ali se alocam e quase inexistem praças que ofereçam condições favoráveis ás práticas de lazer das pessoas da comunidade, deslocando-as para o centro da cidade na busca de atrativos de baixo custo. O Parque da Cidade apresenta-se, portanto, como um espaço multifacetado, onde diversas modalidades de lazer se interpõem e se cruzam nos seus caminhos sinuosos.

A partir deste breve relato sobre a definição do objeto de pesquisa, elaborei o objetivo geral deste trabalho: analisar como os freqüentadores dos espaços de lazer estão significando o Parque da Cidade. Os outros objetivos decorrem do primeiro: 1) investigar como se dão as políticas de "requalificação" e modernização urbana no entorno do Parque da Cidade, considerando a importância do conceito de gentrification, para o entendimento da problemática em questão (LEITE, 2004); 2) problematizar e compreender como alguns moradores de Sobral se vêem no Parque da Cidade e em que momento o freqüentam; 3) analisar o discurso e as políticas públicas voltadas para o lazer na cidade de Sobral, especificamente no Parque da Cidade.

Nas gestões do ex-prefeito Cid Gomes[2] (1996-2000 / 2000-2004), atual governador do Estado do Ceará, a cidade de Sobral sofreu uma série de mudanças na sua estrutura urbana e, conseqüentemente, na vida dos moradores. Analisar estas mudanças e de que forma elas aconteceram, abre um leque de possibilidades analíticas que esta pesquisa busca suscitar.

Políticas públicas que intervêm na vida cotidiana são relevantes para pensar como os indivíduos que freqüentam esses espaços transformados se vêem e como os gestores vêem esses espaços modificados por eles. O modo como parte da população observava o projeto de governo de Cid Gomes, é evidenciado na citação a seguir, um pouco do conteúdo e do sentido ideológico que os orientaram:

Com sua administração dinâmica e eficiente, Sobral, tornou-se referência nacional de gestão pública e mostra que, com um programa de governo exemplar, aliado a uma série de projetos em todas as áreas, é possível mudar o perfil de uma cidade inteira.(CAVALCANTE, 2004; p. 134)

Depoimentos como estes são importantes para as análises feitas pelas Ciências Sociais. A obtenção destes dados e sua interpretação á luz de teorias possibilitam momentos de compreensão do nosso contexto social.

Tendo como base esta apresentação do objeto proposto. A estrutura deste trabalho articula três capítulos que sistematizam a linha de reflexão e argumentação que desenvolvi ao longo da pesquisa.

 No primeiro capítulo desenvolvo uma discussão sobre como o lazer é concebido na sociedade ocidental, desde o ideal grego do ócio até o lazer como mercadoria na sua conceituação mais atual. Também desenvolvo uma breve discussão sobre a formação das cidades modernas, especificamente a cidade de Sobral e as políticas públicas vigentes para o lazer e a urbanização desta urbe.

No segundo capítulo disserto sobre a minha inserção em campo. Nesta parte também reflito a respeito do Parque da Cidade, na sua multiplicidade, descrevendo os sujeitos da pesquisa e suas práticas, identificando alguns aspectos, com o intuito de construir tipificações para os freqüentadores do parque e de seu entorno.

No terceiro capítulo apresento o Skate Park, lugar de minhas primeiras investigações, o qual, neste trabalho, terá um espaço privilegiado, por apresentar características próprias de sociabilidade tecidas no Parque. Aqui também desenvolvo uma breve conceituação dos esportes radicais e de como a linguagem e o estilo, vivenciados pelos jovens que ali passam parte de suas vidas, são elaborados e significados.

Discussão Metodológica

Visando analisar o grupo estudado (os freqüentadores do Parque da Cidade e seus idealizadores), estabeleci como primeiro passo a observação. As metodologias utilizadas nas análises sobre as cidades requerem uma espécie de habilidade comum á nossa formação enquanto cientistas sociais. "familiarizar-se com o estranho e estranhar o familiar" é um preceito básico para a compreensão do campo de pesquisa, principalmente quando vivemos na cidade em que fazemos pesquisa, freqüentando os mesmos lugares que nossos interlocutores. Enfim, somos parte do nosso próprio objeto de análise. As teorias sociais, por sua vez, servirão de base para fundamentar os objetivos aqui propostos, possibilitando refletir sobre o papel e a postura do pesquisador, bem como empregar as contribuições teóricas e metodológicas de autores que ajudem a compreender certos fenômenos do campo em análise, favorecendo uma reeducação do olhar, ouvir e escrever de forma epistêmica e sistemática (OLIVEIRA, 1998).

As observações realizadas no Parque da Cidade foram descritas, primeiramente, em um diário de campo e depois transformadas num relatório. E já que "todo relato é um relato de viagem - uma prática do espaço" (CERTEAU, 1996; p: 200), a reeducação do olhar possibilita uma intercomunicação, como sugere a citação abaixo:

Assim a descoberta do olhar que se encontra em horizontes comunicativos muito mais dilatados, naturais ou artificiais. A cidade se apresenta como uma mistura de estilos, um imbricado de signos, um congestionamento de tráfegos. (CANEVACCI, 1997; p: 09)

Andando entre os moradores da cidade estabeleci uma relação comunicativa com a forma de ver esta cidade pelo público que percorre os diversos espaços. Um olhar distinto dos que transitam, mas um olhar que indaga, que questiona e participa na condição de pesquisadora. Ao longo dos dois anos de realização da pesquisa, pude desenvolver um cronograma de atividades. O primeiro plano se deu através da revisão bibliográfica disponível. O segundo passo se deu através da inserção em campo de maneira mais "discreta". Depois que me familiarizei com os espaços, pude conversar com as pessoas de maneira mais pontual. Apresentava-me enquanto estudante de Ciências Sociais e pesquisadora. Nesses momentos ia adentrando nos assuntos da pesquisa.

Entre 2006 e começo de 2008 realizei algo em torno de vinte e cinco entrevistas informais no próprio Parque da Cidade. Achei difícil e desconfortável o uso de gravador de voz, pois o Parque da Cidade é um espaço com muitos ruídos que causavam interferências nas gravações. Por isso, ao longo da pesquisa, fui desenvolvendo uma técnica de relatório de campo através de caderneta e apontamentos durante as entrevistas. Além das entrevistas, conversei com muitas pessoas enquanto andava no parque, não me identificando em alguns momentos como pesquisadora. No final de 2006 desenvolvi uma pesquisa quantitativa entre os usuários do Skate Park, tendo, como amostragem aleatória, cinqüenta entrevistados que respondiam perguntas sobre a sua prática e sobre o espaço utilizado.

Outro ponto que contribuiu para obtenção de dados está no material pesquisado sobre a cidade de Sobral. Fontes importantes como o Boletim Municipal, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, entrevista concedida pelo Secretário de Desenvolvimento Urbano e várias fotos me auxiliaram para o desenvolvimento e formatação desta Monografia.

 Esta metodologia me fez perceber o valor da etnografia como um procedimento de apreensão do "real".

Por último cabe assinalar que o método etnográfico não se confunde nem se reduz a uma técnica; pode usar ou servir-se de várias, conforme as circunstâncias de cada pesquisa; ele é antes um modo de acercamento e apreensão do que um conjunto de procedimentos. Ademais, não é a obsessão pelos detalhes que caracteriza a etnografia, mas a atenção que se lhe dá: em algum momento, os fragmentos podem arranjar-se num todo que oferece a pista para um novo entendimento. (...) Assim, o que se propõe inicialmente com o método etnográfico sobre a cidade e sua dinâmica é resgatar um olhar de perto e de dentro capaz de identificar, descrever e refletir sobre aspectos excluídos da perspectiva destes enfoques que para efeito de contraste, qualifiquei como de fora e de longe. (grifo meu) (MAGNANI, 2002; p: 09)

Outro passo metodológico foi identificar as tramas e perceber os fatos (VEYNE, 1998), passando a utilizar outro sentido importante do pesquisador: a audição. Esta é de suma importância na prática das entrevistas e na identificação dos discursos produzidos pelo poder público, pelos moradores do entorno do parque e pelos freqüentadores, percebendo os diversos sentidos que os orientam e as novas práticas que esse discurso constrói sobre o espaço.

Para estar no bairro é necessário fazer escolhas (de espaços), elaborar itinerários (de percursos), traçar táticas (de permanências), qualificar e ocupar espaços (que se tornam lugares). (...) As assimetrias de usos e possibilidades de construção dos lugares possibilitaram o surgimento de mecanismos de interação mediados pela diferença. (LEITE, 2004; p: 292) 

Percebendo as diferenças que ocorrem em uma cidade ou em um local específico, torna-se possível tecer um mapa cultural de práticas, de espaços e confluências. Nestes espaços é imprescindível que o pesquisador propicie entre seus interlocutores a inter-subjetividade, que se estabelece através de novas expressões e relações que são construídas em campo. Isso permite que os sentidos se adéqüem áquela paisagem e ás pessoas, mas que ao mesmo tempo as estranhe e as indague.

CAPÍTULO

A CIDADE E O LAZER

Convictos de que cada inovação na cidade influi no desenho do céu, antes de qualquer decisão calculam os riscos e as vantagens para eles e para o resto da cidade e dos mundos.

Italo Calvino - As cidades invisíveis (2004; p: 137)

1. 1 Um breve histórico sobre o lazer.

O lazer, como o compreendo hoje, abrange uma série de significados que se caracterizam por uma "relativa liberdade" nos momentos em que é praticado e na escolha das atividades a serem exercidas. Mais do que uma contraposição ao trabalho, o lazer apresenta-se como um momento em que os indivíduos extravasam suas energias a fim de poder relaxar ou esgotar-se completamente. Concebo o lazer como um conceito polissêmico, pois ele abrange vários significados. A seguir, relato sua significação desde sua origem até os dias atuais. Para tanto, realizo uma breve retrospectiva com o intuito de situar este conceito na história da humanidade. Vale um esclarecimento anterior: o termo ócio está ligado á formação do conceito de lazer. Estes não possuem a mesma significação, no entanto seus significados se complementam.

O ócio aparece na Grécia antiga sobre o termo skholé. Este se referia áqueles homens que gozavam de liberdade em um não-trabalho social; assim, o ócio seria a condição para o pensamento reflexivo. A palavra skholé também dá origem a "escola", ou seja, escola é um tempo de não trabalho e de livre pensar. Este era um privilégio de poucos homens que desfrutavam desta condição, alegando que estavam fazendo o melhor para a pólis. Em Roma o otium (ócio) era o contrário de negotium (negócios) e passa a ser compreendido como um tempo de descanso, relaxamento e diversão. Neste momento também surge o panis et circens (pão e circo) que seria uma espécie de recreação das massas, não politizadas, e que absorvia as classes populares para a diversão.

 No oriente a palavra ócio tem significado de contemplação e no ocidente de repouso. Sendo assim "o lazer se converteu em tempo, afastando-se da vida de contemplação do belo, do refinamento das idéias, do cultivo da mente" (MASCARENHAS, 2006; p: 79).

Segundo o dicionário Aurélio, a raiz etimológica da palavra "lazer" vem do latim licer, ser lícito; compreende aquilo que é justo e permitido. A prática de lazer, como compreendemos atualmente, se aproxima um pouco de como era tratada na Idade Média, pois o ócio se tornava um ideal nobre. O não-trabalho, as grandes festas, os torneios medievais são fenômenos até hoje presentes em nossa mente. A exterioridade das experiências era uma contraposição ao ideal grego que em skholé se caracterizava por uma experiência mais introspectiva. Essa exterioridade era justificada por algum tipo de ritual ou celebração pública. Já o lazer na Sociedade Moderna se caracteriza pela repreensão do ócio através das reformas protestantes que defendiam a idéia segundo a qual a salvação só se daria através de muito trabalho. Nesse momento o ócio passa a ser visto como algo degradante.

Max Weber, em seu livro "A ética protestante e o espírito do capitalismo" (1991), explicita que a condição de desenvolvimento econômico de um país está associada á condução de sua ética religiosa, que tem implicação na forma como o homem concebe o trabalho, pois enquanto os protestantes aceitavam o trabalho nas indústrias, os católicos a ele resistiam. Formando-se uma mentalidade de libertação pelo trabalho árduo, o autor conclui que a principal condição para os países ocidentais desenvolvidos foi o fato de terem em seu poder lideres protestantes. Isso talvez explique o fato de países de formação católica sejam conhecidos como países alegres e quentes.

O lazer está presente nos quatro dias do Carnaval brasileiro em que "tudo é permitido". O antropólogo Roberto DaMatta (1990) acredita poder compreender a sociedade brasileira a partir dessa festividade; também assinala outros atores sociais que são clássicos em um país que privilegia a quebra das regras através do "jeitinho brasileiro" e cria seus próprios valores. Esta imagem é corporificada pelo malandro, que vive na rua e se contrapõem ao fato de estar em casa. Esta reflexão nos indica, entre outras coisas, a razão pela qual o Brasil é constituído por uma cultura que se distancia de um estilo de vida europeu, que privilegia a introspecção nas relações sociais.

O conceito moderno de lazer está intimamente ligado á sociedade capitalista. A luta pelo tempo livre dos trabalhadores foi uma demanda dos movimentos sociais nos últimos tempos. No início do século XX os trabalhadores lutavam por redução das horas de trabalho e melhores condições de sobrevivência. A manifestação política dos trabalhadores em Paris de 1906 reivindicava 8 horas de trabalho, 8 horas de descanso e 8 horas de lazer (SUASSUNA, 2007)[3].  Junto com a industrialização veio á modernidade. Foi neste período que se fizeram necessárias políticas que garantissem certa "estabilidade" entre aqueles que detinham o controle dos meios de produção e aqueles que detinham a força de trabalho. Por isso os direitos sociais dizem respeito á participação na riqueza coletiva e vislumbram diminuir as desigualdades sociais produzidas pelo capitalismo.

Entre esses direitos estão: o direito á educação, á saúde, á aposentadoria, ao lazer, aos benefícios trabalhistas como férias, décimo terceiro, seguro desemprego e licenças. O não trabalhador é uma negação da sua própria existência, já que não pode se manter dentro da sua própria sociedade. Paul Lafargue, em seu livro "O direito á preguiça" (1883), instiga os trabalhadores a lutarem por horas livres e não pelo próprio trabalho como havia feito seu sogro Karl Marx em 1848 no "Manifesto do Partido Comunista". Lafargue discorre acerca das implicações do trabalho e do seu poder alienante nas mentes dos homens. O autor alegava que o trabalho retirava todas as forças dos trabalhadores impedindo-os de passar mais tempo com a família ou ter um momento de lazer. Na citação inicial do livro, Lafargue cita Lessing e exclama "sejamos preguiçosos em tudo, exceto em amar em beber, exceto em sermos preguiçosos" (LAFARGUE 1883; p: 01).

Outro autor que compartilha com a análise de Lafargue é Domenico de Masi em seu livro "O ócio criativo". Ele acredita que a criatividade nasce somente nos momentos em que a mente está livre para pensar e alega que um dos preceitos básicos da nossa sociedade está no fato de termos nos tornado mais criativos ao longo do tempo e isso possibilitou o avanço da ciência e da tecnologia. Quando fala do ócio, De Masi exemplifica:

Quando vivo o ócio, a filosofia é idêntica, ainda que se manifeste em categorias diferentes. Posso viver o ócio prevaricando, roubando, violentando, entediado ou explorando. Ou posso vivê-lo com vantagens para mim e para os outros, fazendo com que eu e os outros sejamos felizes, sem prejudicar ninguém. Neste caso, e só neste caso, atinjo a plenitude do conhecimento e da qualidade de vida. (DE MASI, 2000; p: 219)

Em todas as dimensões no lazer se elaboram novos valores nas relações do homem com a natureza, do homem com os outros, do homem consigo mesmo, com seu corpo, seu coração e seu espírito.

A perspectiva sociológica clássica de lazer vem da conceituação de Joffre Dumazedier (1976) que qualifica o lazer como um conjunto de ações escolhidas pelos indivíduos. Estas ações podem ser para a diversão, para a recreação ou para o entretenimento, que propiciem um processo pessoal de desenvolvimento. Tais atividades têm caráter voluntário e se contrapõem ao trabalho urbano-industrial. Aqui, Dumazedier atribui ao conceito de lazer um caráter funcionalista, pois ele acredita que o lazer exerce uma função sobre a sociedade e sobre os indivíduos que dela fazem parte.

O lazer, nos termos definidos acima, também está funcionalmente ligado á sociedade de modelo econômico capitalista. Nesta, as práticas de lazer manifestam-se como sinônimos de felicidade, desde que, para isso, haja investimento financeiro, onde fica garantido o direito de se sentir bem e descansar sossegado. Assim, o direito ao lazer transforma-se em mercadoria, bem como tudo o que é possível mercantilizar, principalmente o lazer das massas que torna homogênea a escolha e a satisfação dessas práticas pelo lazer.

Nesse sentido, também podemos fazer uma referência aos esportes como prática de lazer. O esporte pode ser uma atividade praticada, assim como pode configurar-se como uma atividade em que o indivíduo é espectador de alguma prática esportiva, sem, necessariamente, estar gastando energias como o esportista que está assistindo. Os esportes fazem parte do cotidiano de nossas vidas. Poderia discorrer algumas páginas a mais acerca do fenômeno do futebol e outros esportes que carregam consigo uma multidão de adeptos e simpatizantes, no entanto, também poderia falar das enormes quantias que são movimentadas com bilheterias, patrocinadores e passes milionários.

O lazer e o esporte aparecem inseridos na lógica do capital. No Brasil, parte da população gasta em bens e serviços culturais 4,4% do orçamento familiar, ou seja, valor que corresponde ao total das despesas culturais mensais de uma família: R$ 64,53 em média. As atividades no ramo cultural ocupam 4% da mão-de-obra ativa do Brasil e representam 5,2% das empresas formais (Fonte: IBGE, 2006). Estes dados deixam claro que as atividades de lazer ocupam parte significativa da economia do país e movimentam recursos e pessoas. O lazer mais do que uma atividade despreocupada é uma atividade econômica, ou seja, o lazer é também uma mercadoria.

As práticas de lazer como mercadoria também estão muito ligadas á questão do turismo, onde pessoas se deslocam de sua cidade a outra com o fim de relaxamento ou de satisfação pessoal.

Estes lugares que recebem os turistas acabam se modificando e se adaptando a essa nova demanda. A cidade então muda de feição, grandes hotéis e restaurantes se instalam, ocorre a adaptação de atrativos naturais, do patrimônio histórico-cultural e inúmeras atividades de trabalho passam pela transformação que o turismo causa numa cidade. O termo "turismo cultural" designa uma modalidade de turismo cuja motivação do deslocamento se dá, segundo Andrade (1976), com o objetivo de encontros artísticos, científicos, de formação e de informação. Mas, principalmente, na promoção da cidade pelo seu valor histórico.

Algumas denominações de lazer relacionam-se com o conceito de cultura. Por isso, muitas das atividades designadas como lazeres passam por manifestações da cultura. A partir de uma reflexão do conceito de cultura, apresento um breve comentário acerca de duas perspectivas diferentes: cultura, em uma de suas dimensões antropológicas e cultura de massa ou indústria cultural.  Dialogo com o conceito de cultura formulado por Clifford Geertz (1989), que diz respeito ao modo de vida de um povo, legado social, normas e moral, comportamento aprendido, enfim uma série de manifestações que são incorporados pelos indivíduos e que são transmitidos de uma geração para outra.

 Essas manifestações culturais verificam-se no modo como o lazer se articula com a vida cotidiana através dos vários tipos de jogos, brincadeiras e expressões artísticas criadas por uma sociedade. O conceito de cultura de massa ou indústria cultural, por sua vez, designa  um conjunto  de  comportamentos, mitos,  representações, produzidos    e  difundidos  por um tipo de racionalidade  técnica e  industrial  que  acompanha  a  expansão das  mídias e das políticas públicas de governos, as quais compreendem a cultura apenas como manifestações artísticas. Em consonância com esta perspectiva, o comentário a seguir da filósofa Marilena Chauí (1994) esclarece de maneira crítica os sentidos que orientam a indústria cultural:

A democratização  da  cultura  tem como  precondição  a  idéia  de  que  os  bens  culturais  (...) são  direito  de  todos  e  não  privilégio  de  alguns. Democracia  cultural  significa  direito de  acesso   e  de  fruição  das  obras    culturais, direito    á  informação  e á  formação  cultural, direito  á  produção  cultural.

Ora, a  indústria  cultural  acarreta  o resultado oposto, ao massificar  a  cultura. Por  quê?

Em primeiro  lugar,  porque  separa  os  bens  culturais  pelo  seu suposto  valor  de  mercado: há  obras    "caras" e  "raras", destinadas  aos  privilegiados  que  podem  pagar  por  elas, formando  uma  elite cultural;  e há   obras  "baratas" e  "comuns", destinadas  á  massa. Assim, em vez  de   garantir  o mesmo  direito  de  todos  á  totalidade  da  produção  cultural, a  indústria  cultural  introduz  a  divisão social  entre  elite    "cultural" e  massa  "inculta".  O que  é  massa?  é um agregado  sem forma, sem rosto, sem identidade  e  sem pleno  direito á  cultura.

Em segundo  lugar, porque  cria  a  ilusão  de  que  todos  têm acesso  aos  mesmos  bens  culturais cada  um  escolhendo  livremente  o que  deseja, como consumidor  num supermercado. No entanto, basta  darmos  atenção  aos  horários  dos  programas    de  rádio  e  televisão  ou  ao que  é   vendido  nas  bancas  de  jornais  e  revistas  para  vermos  que, através  dos  preços, as  empresas  de  divulgação  cultural  já    selecionaram  de  antemão  o que  cada  grupo social  pode  e  deve  ouvir  , ver  ou  ler. (...)

Em terceiro lugar, porque  inventa  uma  figura  chamada  "espectador  médio",  "ouvinte  médio" e  "leitor médio",  aos  quais  são atribuídas  certas  capacidades  mentais  "médias" e  certos  gostos  "médios", oferecendo-lhes  produtos  culturais  "médios". Que  significa  isso?

Em quarto lugar, porque  define  a cultura  como  lazer e  entretenimento  , diversão  e  distração  , de  modo  que  tudo  o que   nas  obras  de  arte  e  de  pensamento  significa  trabalho  da  sensibilidade, da  imaginação  , da  inteligência, da  reflexão  e  da  crítica  não tem interesse, não  "vende". Massificar é, assim,  banalizar a  expressão  artística  e  intelectual. Em lugar  de  difundir  e  divulgar  a  cultura, despertando  interesse  por  ela, a  indústria  cultural  realiza  a  vulgarização  das  artes  e  dos  conhecimentos. (grifo meu) (CHAUÍ, 1994. p: 330)

O desenvolvimento da sociedade contemporânea possibilitou que a indústria cultural se confunda com o lazer a ponto de serem usados como sinônimos, o que leva ao afastamento das suas manifestações não consumistas e instrumentais, como o lazer de rua, as relações lúdicas e interpessoais, a memória das atividades antigas e as festas populares. Entre as formas institucionais de cultura de massa, verificam-se os parques temáticos e os Shoppings Center[4], que nos últimos dez anos têm se desenvolvido em grande escala no cenário brasileiro, sendo uma das expressões mais fortes do lazer de consumo e do uso da tecnologia no lazer. No imaginário e nas práticas de inúmeras pessoas o lazer aparece como uma atividade de consumo sustentada por um dado padrão econômico.

1.2 Políticas públicas para o lazer e qualidade de vida na cidade.

A constituição da vila Sobral deu-se no século XVIII, em cinco de julho de 1773. Esta vila já era diferenciada das outras no período colonial, pois o seu nascimento já se deu de forma "enobrecida". Os prédios públicos e todo seu perímetro urbano eram prioritariamente das classes mais abastadas.

A partir do século XIX, a cidade situava-se entre os trilhos do trem e o rio que a cortava. Toda sua vida urbana ocorria neste perímetro chamado intra-trilhos (ROCHA, 2003). Fora dos trilhos significava estar á margem da cidade. Somente na metade do século XX é que o espaço urbano começa a se expandir através dos trilhos e levantar uma preocupação do poder público municipal.

Atualmente, o município de Sobral ocupa uma área de 2.129 quilômetros quadrados e tem uma população de 155.276 habitantes (IBGE, 2000). Em 1998, de acordo com a revista Veja, Sobral foi considerada uma das dez melhores cidades do interior do Ceará para se viver (FREITAS, 2000). Na pesquisa realizada pelo Ibope (1998) e encomendada pela mesma revista, aponta que, 41% dos brasileiros querem algum tipo de distância das metrópoles. Em um dos trechos desta matéria o antropólogo José Guilherme Magnani, comenta: "A maioria das pessoas busca no interior as vantagens da vida urbana que acabaram se tornando inacessíveis nas grandes cidades". A busca pela tranqüilidade é fruto dos altos níveis de insegurança e violência das grandes metrópoles. A pesquisa aponta ainda que Sobral se destaca por seu desenvolvimento urbano e por oferecer uma "boa receptividade" aos que chegam á cidade.

Outro fator que contribuiu para o engrandecimento de Sobral na década de 90 foi a instalação da indústria de calçados Grendene em 1993, uma filial do Rio Grande do Sul, que atraiu muitos trabalhadores de outras cidades do Ceará e até mesmo de estados vizinhos, em busca de emprego e melhores condições de vida. Nesse período outros empresários se interessaram em investir na criação de novos empreendimentos comerciais, tais como supermercados, concessionárias de carros e de motos e estabelecimentos de projeção e construção civil, etc. No final desta década, a fábrica Grendene já ultrapassava o número de 10 mil funcionários (ROCHA, 2003), influenciando no crescimento populacional, modificando a estrutura da cidade, principalmente nos bairros do entorno da fábrica, entre eles os próximos ao Parque da Cidade.

Sobral também é conhecida pejorativamente como "United States of Sobral", pois "denota a prosperidade de uma classe dominante em relação ás demais cidades cearenses que refletia no espaço urbano suas convenções européias", justificada por sua arquitetura e pelo "ar cosmopolita" da cidade (ROCHA, 2003; p: 19). Entre as especificidades que a faz se destacar frente a outras cidades do Estado do Ceará é a oferta de cursos de educação superior em diversas universidades que se alocam em Sobral. Entre elas temos: duas universidades públicas, duas universidades particulares e um centro tecnológico[5]. Esta estrutura possibilita um grande fluxo de estudantes provenientes de outras localidades.

Outros fatores que contribuem para esta imagem da Sobral "estadudinense" e cosmopolita é a existência de monumentos ou locais que lembram outras cidades reconhecidas por grandes fluxos turísticos, por exemplo: o Boulevard do Arco, que se assemelha ao Arco do Triunfo em Paris; o Alto do Cristo, que representa o Cristo Redentor do Rio de Janeiro em proporções menores; a Coluna da Hora que tem um relógio semelhante ao da Praça do Ferreira em Fortaleza; o Parque da Cidade que também é chamado de Central Park, onde o original se encontra em Nova Iorque. Esta visão é tão conhecida que foi registrada em uma matéria da jornalista Daniela Pinheiro da revista Piauí[6]:

Na (Sobral) "besta", há uma réplica do Arco do Triunfo, um jóquei clube, ônibus escolares amarelos, onde se lê "School bus", doados pelo governo americano, escola de línguas pública, um museu de arte moderna, um de arte sacra, um casario tombado pelo Patrimônio Histórico e locais onde é possível acessar a internet sem-fio. Um dos restaurantes mais chiques, o Pinos, fica no prédio de um supermercado no estacionamento de um posto de gasolina.

Outro aspecto que merece uma análise mais aprofundada diz respeito ao tombamento[7] do centro histórico de Sobral. Este enalteceu a estrutura urbana e "cristalizou" a arquitetura da cidade em um período histórico. Clodoveu Arruda[8], Secretário de Cultura e Turismo do Município, durante a gestão do prefeito Cid Gomes, justifica a necessidade de tombamento alegando a importância deste para o conhecimento dos processos históricos e culturais que fazem parte da formação da sociedade brasileira:

Mais do que ser tomada como monumento arquitetônico e urbanístico de valor excepcional, a área urbana selecionada como objeto patrimonial contém em seu espaço urbano uma alta concentração de informações históricas, relevantes para diversas áreas do conhecimento humano. Ela é um registro vivo de processos históricos e sociais que construíram e constroem o Brasil em seus espaços mais essenciais.

Faz-se necessário problematizar a fala do secretário, pois ela justifica o tombamento do ponto de vista da administração pública da cidade. A visão de grande parte da população de Sobral é muito diferente: nem todos os moradores compreenderam os principais critérios para a realização do tombamento de suas casas. Ademais, verifica-se uma contrariedade por parte destes diante da restrição colocada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), quanto á alteração das fachadas dos imóveis circunscritos no sítio histórico.

 A noção de lugar trabalhada por Marc Auge nos ajuda refletir sobre o significado histórico e cultural que determinadas construções arquitetônicas assumem em nossa sociedade:  

O lugar é necessariamente histórico a partir do momento em que, conjugando identidade e relação ele se define por uma estabilidade mínima. Por isso é que aqueles que nele vivem podem aí reconhecer marcos que não têm que ser objetos de conhecimento. (AUGé, 2003; p: 53)

Na citação acima está claro que o lugar histórico, esta memória exaltada, só é válido numa população que compreende o seu significado. Porém, no caso de Sobral verifica-se que a área tombada foi prioritariamente a dos prédios da classe mais abastada, composta por pessoas que exercem influência na cidade, seja ideológica, política e/ou econômica. O tombamento se justifica pelo discurso do poder público que visa enaltecer a cidade através de sua beleza. Em seus estudos Sharon Zukin identifica que, "há três temas principais que regem a fabricação da paisagem: a memória histórica, a diversão como controle social e a cultura da natureza" (2000; p: 109). Tais "temas" são importantes para perceber que a cidade de Sobral está inserida nessa tendência.

A incorporação destes temas pelo poder público local orienta uma série de transformações na cidade que acontecem pela valorização econômica da mesma, sendo necessário revitalizar. Isto significa a adequação da paisagem, dos cidadãos e dos trajetos ás funções pressupostas pelo poder público. Estes "lugares" acabam sendo espaços que se tornam públicos através de disputas práticas e simbólicas pela recuperação do sentido "espontâneo" da vida na cidade (LEITE, 2004).

é necessário enfatizar que "a paisagem é claramente uma ordem espacial imposta ao ambiente - construído ou natural. Portanto, ela é sempre socialmente construída: em torno de instituições sociais dominantes (...) e ordenada pelo poder dessas instituições" (ZUKIN, 2000; p: 84). Esta paisagem é uma via de mão dupla que influencia e é influenciada pela sociedade, o que possibilita que os lugares acabem proporcionando uma identificação com as pessoas que moram na cidade; estes são em sua maioria espaços públicos.

O espaço público é aquele que, dentro do território urbano, seja de uso comum e coletivo, não pode favorecer a indivíduos isolados. Os espaços públicos livres podem ser definidos como espaços de circulação (como a rua, estrada ou praça), de contemplação (como a praia ou um jardim público), espaços de lazer e recreação (como uma praça ou parque), ou de preservação ou conservação (como uma reserva ecológica) (LE CORBUSIER, 2000). Nestes locais, o direito de ir e vir é total, ainda que restrito por algumas regras. Existem ainda os espaços que possuem uma certa restrição ao acesso e á circulação e que pertencem á esfera do poder público, como: os edifícios e equipamentos públicos, instituições de ensino, hospitais, centros de cultura etc. Também existem equipamentos que pertencem á iniciativa privada, mas que possuem caráter público (todos podem ter acesso), ainda que com restrições (ter dinheiro para poder frequentá-los), como é o caso dos shoppings centers, casas de shows, universidades particulares, etc.

Nesta pesquisa, ocupo-me dos espaço públicos de lazer, especificamente um parque urbano em Sobral chamado Parque da Cidade. A conceituação de parque ou "área verde" deve-se ás suas características: uma área livre de edificações e caracterizada pela presença de muita vegetação. Normalmente, os parques são protegidos pelos poderes públicos municipais, estaduais e federal. São destinados a recreação dos habitantes da cidade ou para a preservação do ambiente natural. Com frequência os parques urbanos estão ligados a um conjunto de equipamentos públicos de caráter cultural com objetivo de servirem para o lazer e a recreação dos habitantes da cidade, favorecendo, entre outras coisas, á apropriação lúdica do espaço público. Parques urbanos comportam playgrounds, campos de esportes, lagoas e/ou museus e jardins botânicos. Alguns parques urbanos contrastam com o tecido metropolitano no qual estão inseridos, como por exemplo: em Nova Iorque, o Central Park, e no Brasil, o Parque Ibirapuera em São Paulo e o Parque do Cocó em Fortaleza.

O lugar onde o lazer moderno é praticado em seu sentido amplo é a cidade. Esta foi muitas vezes estudada como um aglomerado de atividades econômicas, centro cultural e administrativo. O setor cultural é focado no lazer e está em todos os meios sociais, se caracteriza pelas atividades de repouso, informação desinteressada, divertimento e participação na vida social. Sua função exprime uma vasta gama de lazeres: práticos, físicos, intelectuais, artísticos e sociais. Daí a necessidade de uma política de planejamento para suscitar no lazer das massas urbanas, um equilíbrio entre os valores do repouso e do divertimento, assim como um equilíbrio de valores de lazer e trabalho, ou das obrigações familiares, sociais, cívicas e políticas.

Considerando estas discussões, verifica-se que alguns espaços foram criados sem a participação da comunidade. Em Sobral, a construção do Parque da Cidade não era identificada como demanda da população. Esta população, que vivia no entorno do local onde foi construído o parque antes de 2004, já se apropriava deste espaço de outra forma. As lavadeiras de roupas utilizavam o riacho Pajeú, o qual entrecorta hoje o parque, para retirar dali o seu sustento; as crianças brincavam nas águas do riacho e muitas residências de pequeno porte ali se instalavam. Com a construção do parque, novas formas de sociabilidade começaram a ser ali praticadas. Hoje, por exemplo, podemos ver novas casas sendo construídas no lugar onde antes era o espaço da população da classe baixa.

A construção de obras e equipamentos está prevista no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Sobral (PDDU) - código de obras e posturas. Nesta secção, o item XLIII diz respeito ao Centro de Unidade e Vizinhança e a define como:

Área situada, aproximadamente, no centro geométrico da Unidade de Vizinhança, como seu elemento aglutinador. Será materialmente representado pelo conjunto de equipamentos de apoio á vida cotidiana, incluindo o lazer, a saúde, a educação, a segurança, e a estação de transporte público. Será o espaço público convergente na escala da comunidade e se estabilizará através da construção do "fórum visível" da comunidade, cuja representação física será a de uma praça, com natureza acessível em suas proximidades, e tendo como elemento focal a estação de transporte público. (1999; p: 14)

é necessário destacar que o plano não previa a construção do Parque da Cidade, apenas a Margem Esquerda do Rio Acaráu estava contemplada no plano. O PDDU constitui um documento formulado através de várias consultas á comunidade. Os espaços de lazer também estão previstos no Estatuto das cidades que rege de forma geral as políticas urbanas no Brasil. De acordo com o artigo 26: O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Público necessitar de áreas para:

V - implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

VI - criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

VII - criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; (ESTATUTO DAS CIDADES, 2001; p: 09)

Ciente destas especificidades é possível identificar como os espaços urbanos aqui citados sofrem a já descrita gentrification (LEITE, 2004). Nestes espaços, resignificados pelas políticas públicas, emergem novas formas de utilização do espaço, antes marcadamente popular, que se modificaram com as práticas estabelecidas pela classe média sobralense, como por exemplo, o cooper praticado nas manhãs e fins de tarde, o comércio impulsionado por vários quiosques, os quais oferecem uma gama de produtos e o próprio consumo da paisagem, com a construção de nobres casas e novos empreendimentos comerciais e imobiliários.

A justificativa para inserção de um parque no meio urbano perpassa toda uma análise sobre a chamada "qualidade de vida". O lazer é definido como um direito social no artigo 6º da Constituição Federal Brasileira de 1988 e também é pauta de muitos planos de governo. Além do lazer, outros direitos sociais também acabam estando intimamente ligados a esse fenômeno, enquanto política pública, como por exemplo, o planejamento urbano. Este é de suma importância, pois é por meio dele que é possível a construção de espaços públicos para a prática do lazer.

O aumento do número de consumidores proporcionou o nascimento da indústria do lazer, que, atualmente, gera milhões de empregos e eleva a arrecadação de impostos com a criação de novas profissões, sobretudo no setor de serviços; construções idealizadas para entreter, como: cinemas, teatros, bares, parques, etc.

Com a redução da jornada de trabalho e o aumento da expectativa de vida, acredita-se que o homem possa desfrutar de um tempo significativo dedicando-se ao descanso, ao prazer e ao ócio. De acordo com os cálculos de De Masi (2000) um jovem do século XX tem uma perspectiva de vida de 530.000 horas, sendo 80.000 dedicadas ao trabalho. Descontando 219.000 horas para dormir e cuidar do corpo, sobrariam 226.000 horas de tempo vago, ou seja, quase o triplo do tempo de trabalho.

As políticas públicas se articulam com uma série de ações que privilegiam o lazer, enquanto foco importante na busca de promover o desenvolvimento social e econômico de uma cidade. O Governo Federal disponibilizava 0,2% do seu orçamento para o Esporte e Lazer. Desde 2006 este orçamento subiu para 1,5%. (ROSSO, 2006). Tal aumento é justificado por uma série de projetos que são desenvolvidos em parcerias com os municípios. Entre eles verifica-se o Projeto Social Esporte e Lazer, que será implementado em Sobral. Esse projeto tem caráter descentralizador e busca garantir o acesso ao esporte e ao lazer como previsto na constituição; beneficiará cerca de 1.600 pessoas, em 16 bairros periféricos da cidade de Sobral[9].

O Projeto Social Esporte e Lazer da Cidade diz respeito especificamente á questão de espaços públicos de esporte e lazer; "(...) Implantação e Modernização de Infra-Estrutura para Esporte recreativo e de Lazer. Busca a ocupação de espaços públicos presentes em perímetro urbano e rural, mediante construção, reforma, ampliação e provimento de equipamentos e materiais esportivos e de lazer, tais como quadras esportivas, ginásios, brinquedotecas, salas de recreação, dentre outras instalações voltadas ao atendimento das necessidades e demandas das comunidades". Assim não será possível solucionar a questão dos espaços públicos de esporte e lazer, construção, manutenção e acesso, apenas com propostas sem o aumento concreto nos investimentos nas áreas sociais.(ROSSO, 2006; p: 07)

Os espaços de lazer são espaços sociais onde se estabelecem relações específicas entre pessoas, meios, grupos e classes. Espaço este que é determinado pelas características da população que o utiliza, pelos diferentes modos de vida. São geograficamente idealizados e projetados nos locais que melhor convém e levam em conta não somente o movimento permanente ou temporário dos seus freqüentadores, mas também a sua necessidade para o equilíbrio de cidades cada vez maiores.

Para a compreensão e avaliação das políticas públicas sociais, criadas pelo Governo, é necessário que se tenha conhecimento das concepções de políticas sociais que sustentam os programas de intervenção. Visões diferentes de sociedade, Estado e política geram projetos diferentes, que implicam na definição de critérios específicos para o seu desenvolvimento, na enumeração e classificação de seus agentes públicos e privados, comerciais e não comerciais. Tais procedimentos aplicam-se tanto aos equipamentos públicos como aos privados.

Diversos estudiosos sobre o assunto, como (PARKER, 1978; CAMARGO, 1992; ALVES, 1999; PELLEGRIN, 2006) apontam que, com freqüência, os gestores públicos não levam em consideração, durante a elaboração de projetos de lazer e esporte, as especificidades do local e as demandas individuais e coletivas. As evidências empíricas, a partir do caso de Sobral, indicam a ausência de participação efetiva da população na elaboração de políticas públicas nesse campo. Quando participam de ocasiões públicas, do tipo as reuniões de Plano Diretor Municipal, de conferências e de Orçamento Participativo, muitas das propostas não são concretizadas.

Considerando tais aspectos, as políticas públicas de lazer, como em qualquer outro campo, devem fundamentar-se numa postura crítica e articular-se com outras ações públicas, compartilhando princípios legais e legítimos, objetivos e recursos. Em outros termos, devem adotar como critérios fundamentais o incentivo á sociabilidade e ao bem estar da população. Neste sentido, o presente trabalho procura também apontar a importância de estudos a respeito dos espaços públicos, de suas contribuições para a formulação e a implementação de políticas públicas de lazer, assim como de suas implicações práticas no espaço e na vida daqueles que utilizam.  

CAPÍTULO II

O PARQUE DA CIDADE: LINHAS DE SOCIABILIDADE, CONSUMO E LAZER

Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma outra coisa.

Italo Calvino - As cidades invisíveis (2004; p: 17)

2.1 Lendo a cidade nas entrelinhas.

A cidade de Sobral vem passando por um processo de "modernização" que é caracterizado "por uma interminável sucessão de rupturas e fragmentações internas inerentes" (HARVEY, 2006; p: 22) a um contexto social específico. Ler a cidade com um olhar para além dos mapas e perceber suas mudanças e suas implicações diz respeito ao processo pelo qual passei ao longo desta pesquisa. Compreender a relação tempo-espaço, na modernidade, a partir de um contexto específico, constitui um exercício reflexivo sobre a cidade e as práticas urbanas.

A discussão sobre a natureza, o sentido e as implicações da modernidade sempre estiveram presentes na Teoria Social. Nesse sentido, refletir a respeito das instituições e espaços urbanos modernos demanda, necessariamente, um esforço de compreensão do que vem a ser a "modernidade", com base nos estudos já realizados. Quando digo "esforço de compreensão" é por que não há um consenso sobre o que é modernidade, sendo possível verificar diferentes concepções e abordagens, havendo quem defenda a idéia segundo a qual estaríamos vivenciando uma "Pós-Modernidade" ou "Supermodernidade".

Em linhas gerais, os estudos sobre o tema da modernidade apontam no sentido de reconhecer o caráter "fluido" e transitório da vida social, institucionalizada, a partir do século XVIII, sobretudo pela ascensão do sistema-mundo capitalista e do desenvolvimento da ciência e da técnica (WALLERSTEIN, 2002). Na esteira dessa discussão, a obra de David Harvey (2006) oferece boas indicações para pensar as transformações espaciais na modernidade que refletem nas paisagens urbanas.  

De acordo Harvey, o modernismo, enquanto movimento estético de amplo alcance, é uma das chaves interpretativas das experiências de modernização urbana. Define o urbanismo moderno mais como conseqüência do que causa da modernidade urbana, tomando-a como o ambiente concreto de diferenças, que se manifestam nas experiências urbanas, as quais fomentam inúmeras reflexões urbanísticas. A modernidade se apresenta na vida urbana antes do advento do urbanismo de inspiração modernista.

O fenômeno urbanístico em Sobral também se insere neste processo de modernização global das estruturas econômicas e políticas. Fazer estudos sobre a cidade e na cidade é uma maneira de perceber como estas mudanças atuam nos citadinos e em toda a organização social da mesma. O trecho da revista do Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento Ceará (IABCE)[10], a respeito do Parque da Cidade, ilustra bem a maneira como o espaço urbano de Sobral é observado:

A inserção urbana do Parque Linear é arquitetonicamente adequada ás condições de clima e da cultura cearenses. é relevante do ponto de vista estético e meio de humanização dos espaços públicos. Criterioso, o projeto trata da preservação do Riacho Pajeú na cidade de Sobral e aponta para a necessidade de recuperação do verde urbano nas cidades brasileiras. (TROFEU IAB-CE 2005: Praça e Parque da Cidade - Sobral[11])

Não é difícil perceber as contradições que este tipo de discurso apresenta. A "recuperação" do riacho Pajeú, propósito presente no projeto inicial do Parque da Cidade, não aconteceu efetivamente. Este riacho, pelo contrário, encontra-se em condições ainda piores. O acelerado processo de urbanização somado ao acúmulo de lixo e mau cheiro no riacho causam descontentamentos e reclamações constantes dos freqüentadores do parque.

O processo "humanização dos espaços públicos" mantém relação com o processo de gentrification (LEITE, 2004). Este conceito refere-se ás políticas de enobrecimento urbano, as quais têm como fim tornar a cidade uma mercadoria para ser consumida. Percebe-se isto nitidamente pelo processo em que a cidade de Sobral está inserida, o que a torna opulenta por possuir um belo patrimônio arquitetônico, que forma o centro histórico e cultural, tombado pelo IPHAN, em 1999 (FERREIRA, 2006). O poder público de Sobral então toma parte nesse discurso de revitalização dos espaços públicos para assim valorizar o seu entorno com a especulação imobiliária ou o próprio turismo[12]; ocorre assim um "disciplinamento da paisagem urbana" (LEITE, 2004) para fins comerciais ou mercadológicos. 

A partir das observações de campo realizadas no Parque da Cidade, percebi que estas políticas de enobrecimento vêm contribuindo para que o entorno do parque se torne uma área valorizada,  bem como para que o próprio parque atraia uma demanda de  consumidores em busca de divertimento, produtos e serviços disponibilizados dentro e próximo ao referido espaço. No entanto, este processo é ainda incipiente na cidade.

Além dos espaços enobrecidos, existem na cidade os espaços vernaculares (ZUKIN, 2000). Nestes espaços acontecem pequenas mudanças urbanas e, na medida em que elas são aceitas, os modos de vida da "classe baixa" são pouco a pouco alterados por um ideal "nobre". No entanto, isto acaba se definindo apenas como um ideal, não se concretizando enquanto característica fundamental deste processo.  À luz desse conceito percebo que no entorno do Parque da Cidade, apesar de passar por um processo de enobrecimento, existem alguns espaços "inalterados", permanecendo como espaços da classe baixa: casebres e favelas continuam no mesmo lugar, indiferentes ao processo de enobrecimento ocorrido nos seus vizinhos. À área onde ficam os bairros, Campo dos Velhos, Colina e Junco, foi enobrecida e interligada pelo parque. Nos bairros Alto da Expecativa e Alto da Brasília, o processo de enobrecimento foi muito menor, apesar de estarem muito próximos ao parque. Estes bairros continuam sendo ocupados por pessoas de classe baixa.

A urbanização das áreas no entorno do parque as tornou bastante procuradas para a construção de residências de médio e grande porte. Além disso, algumas ruas que circundam o empreendimento foram pavimentadas e também passaram por obras de drenagem e esgotamento sanitário.

Os objetivos que nortearam a formulação do projeto do Parque da Cidade assemelham-se aos fins perseguidos pelos "parques socialmente responsáveis" idealizados por Jürgen Diekert & Floriano Dutra Monteiro (1983), em seu livro "Parque de Lazer e de Esporte para todos". Seu modelo pauta-se em seis critérios fundamentais:

·             Oferecer á população um Parque aberto a todas as faixas etárias, de ambos os sexos, para o indivíduo e para grupos (famílias, vizinhos, amigos, colegas, etc.) de um bairro ou uma quadra;

·             Oportunizar a utilização regular de um ambiente ao ar livre, que produza a sensação de bem-estar;

·             Estimular as diferentes formas de movimento, de atividades físicas, de jogos, de recreação, de lazer e de recuperação;

·             Oferecer um local com muita natureza, com instalações e aparelhos simples, de baixo custo, preferindo material natural e reciclável;

·             Oferecer um Parque com a participação e a identificação dos usuários no campo de planejamento, de organização e de manutenção;

·             Dinamizar a vida comunitária, através da integração social dos seus usuários, oportunizando o desenvolvimento de um Centro Comunitário de um bairro e/ ou quadra. (DIEKERT; MONTEIRO apud ALMEIDA; DA COSTA, 2007: p. 103-104)

Ainda que existam semelhanças entre a realidade do parque e os princípios formulados por estes autores, alguns empecilhos são notáveis, a exemplo da ausência de planejamento conjunto por parte da comunidade. O parque aglomera uma gama de atrativos para diversas faixas etárias e gostos diversificados. Proponho-me, neste trabalho, fazer um levantamento desses espaços e identificar o público que os freqüenta. O primeiro espaço analisado é o Skate Park, localizado em uma das extremidades do parque. Este lugar foi o foco das minhas primeiras investigações, ao longo do ano de 2006, momento em que parti para o campo de pesquisa como "marinheira de primeira viagem". Analisar um espaço em que jovens se divertem e praticam esportes radicais foi sem dúvida uma experiência animadora e ao mesmo tempo complicada.  Compreender as práticas cotidianas de indivíduos tão diferentes, que buscam nos esportes radicais uma forma de sociabilidade e de esbanjamento de suas energias físicas, em que, em muitos casos, leva a seqüelas por toda a vida, causa-me estranhamento e curiosidade sobre suas motivações. Estas observações foram tão ricas que propus um capítulo especificamente sobre o Skate Park.

A primeira ida a campo e as outras que se seguiram foram esclarecedoras para eu compreender como os espaços públicos "revitalizados" podem refletir no cotidiano dos indivíduos. Neste sentido, busco compreender como as categorias de espaço e lazer articulam-se de maneira teórica e prática.

A inauguração do Parque da Cidade se deu em 11 de novembro de 2004 e teve como principal atração o show do cantor Djavan. O investimento total do Parque da Cidade foi em torno de cinco milhões de reais[13] e sua justificativa de construção pautou-se no discurso da requalificação do espaço urbano, como vemos a seguir:

O Parque da Cidade se desenvolverá ao longo do riacho Pajeú (Campos do Velho até o limite do Parque Estadual da Lagoa da Fazenda).

Esta obra, que será construída numa área de 65 mil metros quadrados, vai modificar toda a paisagem urbana, criando na região uma imensa área verde e de preservação ambiental. Também irá integrar áreas importantes como os bairros do Junco, Colina e Campos dos Velhos.

Já que a obra será construída numa área de predominância residencial a prefeitura terá que fazer algumas desapropriações. A intenção principal deste projeto é viabilizar a manutenção do riacho Pajeú. O projeto conta com a parceria do Governo do Estado através do Projeto de Desenvolvimento Urbano e Recursos Hídricos (Prourb) e com recursos do BIRD com a Prefeitura Municipal de Sobral. (Fonte: Boletim Municipal de Sobral, 16 de Julho de 2003 - Ano III - Nº 132)

Este grande parque constitui um espaço destinado á utilização de diversas modalidades esportivas entre as já citadas, brinquedos infantis, assim como para várias atividades comerciais, principalmente no ramo da alimentação, pois há um número grande de bares e vendedores de sanduíches, churrasquinhos e outras guloseimas no local. A estrutura física do parque é composta por um anfiteatro; cinco playgrounds; oito estacionamentos, com aproximadamente vinte vagas cada um; quatrocentos e quatorze bancos; vinte e nove mesas de xadrez; vinte e duas mesas de piquenique; dezenove quiosques; uma pista de cooper de 1.800m; um campo polivalente para esportes e três campos de vôlei de areia. Além da Praça João Dias, localizada ao lado do Skate Park, toda área é irrigada e abastecida pela adutora do Açude Sobral (Cachoeiro).

No tópico a seguir faço um breve "mapeamento" das atividades realizadas no parque e de seu público. O público é bem heterogêneo e busca neste espaço momentos de lazer e descontração.

2.2 Mapas, fronteiras e tipologias do Parque da Cidade.

2.2.1 Pedaço infanto-juvenil. 

O espaço construído na primeira fase do projeto ao lado do Skate Park é a Praça João Dias, o qual denomino de o pequeno "pedaço" infantil (ver figuras 01 e 21 dos anexos). Constitui o principal lugar onde se reúne o público infantil. Configura-se principalmente como espaço de lazer e consumo, com brinquedos infláveis e carrinhos elétricos. Além disso, playgrounds públicos estão distribuídos por todo o parque. Na praça também existem diversos comerciantes que vendem lanches, doces, sorvetes e fotógrafos de aluguel (ver figuras 17, 18, 19, 20 dos anexos). Estes serviços são disputados no espaço, mas o que é mais procurado pelo público infantil são os brinquedos infláveis, cujo valor da ficha é R$1,00, os quais são montados no local de terça a domingo. Tal modalidade de lazer apresenta-se em outros espaços da cidade. Os proprietários dos brinquedos pagam o aluguel do espaço público á Prefeitura no valor de R$51,80 por brinquedo; os equipamentos de diversão possuem um contador de energia próprio. Outros equipamentos do lazer infantil são os carrinhos elétricos: a cada seis minutos paga-se R$2,00.

Os carrinhos de pedais custam R$1,00. Estes estão há três meses no local e o dono, Chico do Nordeste, foi o primeiro a chegar á Sobral com a novidade que as crianças adoram. De acordo com esse empresário, os carros precisam de manutenção constante, em média, dois carros quebram por semana. Funciona de quinta a domingo e tem um público estimado de 250 crianças semanais. Quando fala do seu produto o empresário exalta: "Hoje a praça vive uma fantasia nas cores e diversidades dos carros".

Essa fantasia também é verificada em um dia especial do ano: a "Praça da Criança", que pela terceira vez é realizada no Parque da Cidade, no dia 12 de outubro, em comemoração ao Dia das Crianças na Praça João Dias[14]. Na ocasião aglomeram-se inúmeras crianças e pais que buscam momentos de lazer. A praça se enche de pessoas de todas as idades. O evento é uma iniciativa da Secretaria de Cultura, da Secretaria de Juventude e da Fundação de Ação Social do município. Nesse dia, em específico, a praça se transforma numa arena de atrativos variados: bandas de música se apresentam num pequeno palco; contos de histórias são narrados e crianças discursam no palanque do "prefeito por um dia". Esta última é uma brincadeira em que as crianças sobem no palanque improvisado para pegar o microfone e falar o que fariam se fossem prefeitos da Cidade de Sobral. Nesse momento, fazem muitas reclamações e surpreendem o público presente com o conteúdo das falas: "... se eu fosse prefeito eu acabaria com a fome..." (Carlos Sandro Cavalcante, 11 anos, Bairro Alto da expectativa).

Ou ainda, "se eu fosse político eu fazia um monte de coisas, dava livros e muitos picolés na escola" (Fernando de Sousa, 10 anos, Bairro Junco). Jogos e esportes, como o futebol, a carimba e o bambolê, também acontecem. Outros atrativos como pintar o rosto, fazer esculturas em balões, fazer pinturas no papel, brincar com argila ou simplesmente comer pipoca e sorvete de graça.   

 Outro espaço de brincadeiras infantis e juvenis é o pequeno anfiteatro localizado no meio do parque, o qual não tem utilização direta por parte do poder público, quanto á realização de eventos. O anfiteatro normalmente é utilizado por jovens que se aproveitam do piso liso para treinarem passos de street dance, uma modalidade de dança bastante praticada por jovens do movimento hip hop, originária do subúrbio norte-americano. A maioria dos passos é executada no chão.

Os playgrounds são utilizados por crianças. Entre os mais disputados estão aqueles que ficam próximos aos bares e de maior iluminação. Nestes, os pais podem acompanhar as atividades dos filhos. Dentre os cinco playgrounds existentes percebi que só três deles são utilizados (ver figura 07 dos anexos) e não passam por manutenção regular (o Skate Park e a pista de bicicross também não têm manutenção), pois se encontram em processo de degradação, apresentando tábuas quebradas e alguns destes brinquedos estão inativos. No entorno dos playgrounds há campos de areia onde as crianças realizam diversas brincadeiras, como "carimba", um jogo onde dois grupos se separam e tentam acertar a bola no adversário; praticam também outras brincadeiras com bola.

Os campos de vôlei de areia são bem disputados e diversos grupos se revezam na utilização das quadras (ver figura 23 dos anexos). Até o ano de 2007, existia um grupo de travestis que freqüentava uma das quadras. Devido ás diversas vezes em que a bola caía no canal do riacho, sujando as praticantes, acabaram se transferindo para a quadra do Colégio Jarbas Passarinho. Na época, em que freqüentavam o parque, chamavam muito a atenção de outras pessoas. Aos sábados, quando jogavam maquiadas, utilizando shorts curtos e trajes femininos, gritavam bastante. Muitas pessoas paravam para observar, acompanhavam com admiração e estranhamento, sorriam e faziam comentários a cada performance extravagante. Conforme um ex-praticante de vôlei, alguns travestis deixaram de jogar por terem colocado silicone nos seios.

2.2.2 Bares e restaurantes.

Os quiosques são os espaços prediletos dos jovens e adultos. São bares e lanchonetes que disponibilizam ao consumidor um cardápio variado, além de alguns destes pontos oferecerem música ao vivo: as serestas do Parque da Cidade. Esses quiosques foram uma alternativa da prefeitura dada aos donos de outros pontos comerciais que antes se localizavam em praças. Estes foram retirados devido a reformas feitas nesses espaços públicos, havendo uma realocação dos mesmos ao longo do Parque da Cidade ou recebendo indenizações por parte do poder público.

As serestas são festas que acontecem de sexta-feira a domingo e aglomeram jovens e adultos em busca de diversão e bebida. Este tipo de festa é realizado em dois espaços: em quiosques dentro do Parque da Cidade e o outro é em um restaurante no entorno do parque. Na preparação que antecede a festa, o lugar vai se enchendo de cadeiras e mesas e é montada uma estrutura de som com um pequeno palco e amplificadores. Por volta das 19 horas as pessoas vão chegando e se acomodando nas cadeiras. O ápice da festa é aproximadamente ás 23 horas quando a banda toca animadamente no último volume e os corpos dançam meio alcoolizados. O público, em sua maioria, são residentes próximos do entorno do parque. Estes conhecem as pessoas que freqüentam este espaço e fazem dele o seu pedaço. Numa ocasião em que a orientadora deste trabalho freqüentava a seresta na condição de pesquisadora, foi alvo de vários olhares que indagavam a sua procedência e seu interesse naquele espaço, já que visivelmente ela era diferente dos que ali estavam. As serestas são espaços observados com preconceito por parte da população "nobre", que vive no entorno do Parque da Cidade, pois se incomodam com a intensidade do volume do som e com a "bagunça" que lá é feita, tendo em alguns casos havido tiroteios e assaltos.

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