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Empregado doméstico como desafio contemporâneo (página 2)


Partes: 1, 2, 3

Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica em livros, periódicos, artigos científicos, leis diversas e jurisprudência, aplicando-se o método analítico descritivo.

No capítulo inicial, debruçar-se-á sobre o histórico do empregado doméstico no mundo, e no território brasileiro, objetivando entender como surgiu tal prestação de serviço, bem como seu desempenho, frente aos demais trabalhadores.

No segundo capítulo, tratar-se-á do conceito jurídico de empregado doméstico para melhor elucidação acerca de quais trabalhadores fazem parte desta categoria, discorrendo, ainda, sobre a celeuma doutrinária e jurisprudencial, que envolve a discussão conceitual entre empregado doméstico e diarista.

Após a oportuna explanação sobre a definição do trabalhador autônomo, denominado diarista, na doutrina e nos tribunais, passar-se-á a dispor, no capítulo terceiro, a discorrer e analisar a relação do empregado doméstico com o patrão, sua natureza e o impacto na forma de pagamento pelo serviço prestado; e nas diretrizes do trabalho.

No capítulo quarto analisar-se-á a evolução da legislação aplicada ao empregado doméstico, no ordenamento brasileiro, abordando preceitos legais, desde o antigo código civilista de 1916, até as mais recentes normas emanadas após a EC. 72/13.

Sem embargo, será analisado nesse mesmo capítulo, o impacto positivo da Convenção 189, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no âmbito internacional, e suas conjunturas no Estado brasileiro.

Em seguida, no capítulo cinco, discorrer-se-á brevemente sobre o Princípio da Isonomia, e a sua eficácia na tentativa de equiparação do doméstico aos demais trabalhadores.

No sexto capítulo, será feita a análise da aplicabilidade mediata e imediata, dos direitos reconhecidos aos domésticos pela EC. n. 72/13, abordando teorias que contribuíram para a eficácia plena desse novo dispositivo.

No sétimo e último capítulo será abordado o impacto da nova legislação, na relação doméstico-empregador para se entender como tal acontece.

ASPECTO HISTÓRICO DO EMPREGADO DOMÉSTICO

Para melhor elucidação da temática: empregado doméstico e os desafios contemporâneos; é essencial uma análise histórica, com o escopo de entender o surgimento e a evolução dessa atividade, que tanto se faz presente e tem tomado a mídia, com a divulgação dos novos direitos adquiridos.

Empregado doméstico no tempo

Desde a Antiguidade Clássica (do sec. VIII a. C ao V d. C) vislumbram-se as primeiras manifestações do trabalho doméstico. A gênese desse tipo de labor ocorreu inicialmente, por meio da exploração forçada da mão de obra de pessoas inferiorizadas, em decorrência da miserabilidade e das limitações socioculturais, que atingiam parte significativa da população urbana e rural.

Nos países da Europa, a exemplo da Grécia e Roma, um número ínfimo de pessoas, detentoras dos meios de produção e respectivo poder econômico, explorava os demais membros da sociedade, sem uma contrapartida equivalente ao valor e conforto, acrescentado com o esforço dos considerados subalternos, inexistindo remuneração, vez que predominava o regime de escravidão.

Nessas antigas sociedades, fundadas no regime escravocrata, as atividades que requeriam esforço manual e repetitivo, eram exercidas por escravos, que em sua maioria, como na Grécia antiga, era uma classe social constituída pelos cidadãos, que perdiam a liberdade, seja em razão da natureza de estrangeiros vencidos em guerra, seja pela submissão a alguma família, em decorrência de dívidas não quitadas.

Na Idade Média (do sec. V a. C ao XV d. C), com a evolução dos modos de produção, a sociedade ocidental ingressou em um novo momento histórico, consolidando o feudalismo, no qual se registrava uma forma de trabalho diferenciada, pois não havia submissão total do servo.

O sistema feudal de produção originou duas categorias, o servus rusticus e o servus famuli. O primeiro desempenhava os trabalhos campesinos, como a lavoura e pecuária, enquanto o segundo se encarregava de tarefas domésticas junto aos senhores feudais.

Pontes de Miranda assevera que "na Antiguidade e na Idade Média não havia o contrato de trabalho doméstico. Havia o escravo ou o servo. O patrão só tinha que o manter para que não morresse... Aos servos domésticos atribuía-se grau superior ao servo rústico" (MIRANDA apud FERRAZ e RANGEL, 2010, p. 636).

O pesquisador José Carlos de Oliveira observa que, "embora esse modelo de sociedade desfavorecesse totalmente os escravos, existia uma grande diferença no tratamento dispensado ao escravo doméstico (urbano), do escravo rural" (OLIVEIRA, 2013, p.01). Assim, em um breve período histórico, o escravo que executava os afazeres domésticos teve reconhecimento social, que o colocava acima dos demais escravos.

Além do trabalho doméstico, deitar suas raízes no trabalho escravo servil, ainda foi historicamente caracterizado pelo trabalho feminino. Esta configuração era desejada pelos senhores da época, uma vez que as mulheres servas conservavam-se em casa, realizavam todos os trabalhos do lar, nutriam os recém-nascidos, e ainda faziam companhia às viúvas (FERRAZ e RANGEL, 2010).

Com o término da Idade Média, o trabalho passou a ter uma outra ótica, "sendo considerado como um espaço privilegiado de aplicação e desenvolvimento das diversas capacidades humanas" (OLIVEIRA, 2013, p. 02). No entanto, o emprego doméstico permaneceu estagnado, não acompanhando a valoração do trabalho, com as demais categorias, denotando a frustração do princípio de isonomia.

A transição do sistema feudal, para um sistema mercantilista de produção, na Idade Moderna (sec. XV ao XVIII d. C.), trouxe avanços na condição do trabalhador doméstico.

No século XVII, havia várias pessoas que faziam serviços domésticos como aias, despenseiros, amas, amas-de-leite, amas-secas, cozinheiros, secretários, criados, damas de companhia. Aos poucos houve um nivelamento entre os homens livres e os servos, surgindo o famulatus [sic]. A Igreja começou a se preocupar com a situação do famulatus [sic], de modo que houve uma melhoria em sua condição, passando a ser considerado um prestador de trabalho, de maneira autônoma (MARTINS apud FERRAZ e RANGEL, 2010, p.8637).

A primeira legislação que disciplinou o trabalho doméstico foi o Código Civil de Portugal, em 1867, que inspirou o código civilista alemão, o qual tratou da matéria na seção referente à locação de serviços (FERRAZ e RANGEL, 2010).

Diante dos fatos históricos, constata-se que desde a Antiguidade Clássica, até o século XIX houve mudanças importantes no cenário do trabalhador doméstico, tendo até mesmo conquistado o prestígio social e proteção da Igreja. No entanto, essas mudanças não foram suficientes para reconhecer a plena dignidade da pessoa humana; pois, registra-se até os dias atuais a desumanização e humilhação dessa categoria, que galga novas diretrizes nos dias hodiernos.

Ao sair do continente europeu, e viajar nas caravelas de Colombo, chega-se ao novo mundo, no qual "a escravidão negra foi utilizada para suprir a carência de mão de obra, na realização e execução de serviços, seja ele doméstico, no campo ou na mineração" (OLIVEIRA, 2013, p.03).

A exploração da mão de obra da raça de cor, com o respectivo comércio, durou até o século XIX, com a intervenção da Inglaterra. Este país, hegemônico à época, alimentava grande interesse para o fim do processo escravocrata, uma vez que a mão de obra escrava era uma grande concorrente aos produtos ingleses, fabricados em massa, em razão da Revolução Industrial (OLIVEIRA, 2013).

Mesmo diante da significância econômica do trabalho realizado pelos escravos importados da África, direitos mínimos não eram reconhecidos, ainda menos os que prestavam serviços no lar, que, aos olhos dos exploradores da mão de obra, não acrescentava valor algum, aos seus interesses econômicos.

O continente, descoberto no século XIV d. C, não era uma terra inabitada, pois tinha uma população local e bastante ativa, denominadas de índios, que foram submetidos ao processo de domesticação, para ter suas forças de trabalho exploradas, em prol dos colonizadores que chegavam sedentos, por novas fontes de lucro e enriquecimento.

Desse modo, os nativos passaram a compor, conjuntamente com os negros, o rol de prestadores de serviços, em regime de submissão exclusiva, sem garantias mínimas, tanto nas funções campesinas e na construção civil, bem como no âmbito doméstico.

Notadamente, o tratamento dispensado ao empregado doméstico sofreu mudanças, com até mesmo valorização social dessa categoria; mas, não se registra o reconhecimento da dignidade da pessoa humana a esses servidores, que por advirem de estamento social, tido como inferior, sempre ficou à margem da evolução social e moral, desprendida das demais categorias trabalhista do ocidente.

a. Empregado doméstico no Brasil

No período colonial, era muito comum a presença de negros e índios no desempenho das atividades urbanas e rurais, tais como: artesanato, agricultura, pecuária e também no trabalho doméstico.

Não há um marco histórico que se possa definir como o início da atividade profissional doméstica no Brasil. Ao ser evidente, apenas, que a mesma deriva do período da escravidão. (ALBQUERQUE, 2012)

Desde o Brasil Colônia a atividade doméstica era entendida como trabalho escravo, desempenhada por crianças, homens e mulheres negra, servindo ao Senhor de Engenho, ou latifundiário.

As funções desempenhadas eram diversas, uma vez que eram cozinheiros, pajens, amas de leite, jardineiro, mucamas que cuidavam dos filhos dos senhores, serviam à mesa, transmitiam recados, recebiam as visitas, entre outras funções, que lhes fossem designadas.

Para cumprir com todas as funções delegadas, os trabalhadores domésticos cumpriam jornada acima de 18 horas diárias, quase que inexistindo tempo para outros aspectos da vida, como lazer, diversão, entretenimento e aperfeiçoamento das habilidades cognitivas (ALBUQUERQUE, 2012).

Assim, as pessoas que desempenhavam o labor doméstico pertenciam à família com baixa ou nenhuma condição financeira, que trabalhavam para sobreviver às intempéries da vida, que era cheia de limitações.

A alimentação dos prestadores de serviços na casa dos senhores; provinha do aproveitamento dos restos de comidas, sendo-lhe cedida uma cama, muitas vezes de vara, para as poucas horas de descanso, em aposento destinado a guarda de tralha, e coisas velhas.

Quanto ao recebimento de remuneração, não se registrava uma contrapartida periódica, que retribuísse o valor acrescentado, ganhando raramente valores irrisórios. Não podiam ficar parados, nem mesmo por doenças.

No tocante ao descanso, esses eram tão raros que nem se podia contar com essa possibilidade, nem mesmo para ver os familiares, a não ser em casos estremos de doenças ou morte.

As mulheres, mesmo sendo acolhidas sofriam discriminação, principalmente pela cor, vez que eram negras, embora seus serviços fossem indispensáveis à vida de seus senhores.

As atividades desempenhadas não se limitavam às tarefas domésticas, desempenhando funções na esfera pessoal e social. Essas guerreiras eram totalmente subordinadas aos seus senhores, obrigadas a suportar as explorações que lhes fossem designadas, inclusive servir de objeto sexual, para o seu senhor e filhos.

Para serem mantidas nos lares, tinham sua vida privada limitada, sendo vedada a possibilidade de terem filhos e de interagirem com grupos religiosos, frequentar escolas e alguma coisa mais. Mulheres, sem dúvidas sofridas, maltratadas e completamente exploradas em uma sociedade patriarcal e escravocrata (ALBUQUERQUE, 2012).

Trata-se, portanto, de um período primitivo no aspecto do respeito à pessoa humana, no qual o princípio da dignidade da pessoa simples parecia não vigorar na interpretação das normas e costumes regentes; pois, os direitos e garantias não chegavam ao doméstico, que vivia e vive, ainda, fora do convívio social, sem reconhecimento isonômico, pela própria Carta Magna.

Homens, mulheres e crianças eram subordinados, realizando trabalho forçado, sem condição alguma de lutar por uma vida mais digna, vez que aquele trabalho, ainda que degradante, era a única fonte de manutenção de vida, única forma de sobrevivência. (ALBUQUERQUE, 2012)

Devido à inexistência de lutas para valorizar tão sofrida parcela da sociedade, inexistiu regulamentação, que proporcionasse mudanças significativas.

Para sorte e evolução, sempre se encontra na história, revoltosos com a realidade apresentada e vivenciada, o que possibilita lutas por melhorias, em busca de alcançar novos patamares.

Nos dias hodiernos, a atividade doméstica é essencial nas casas de família, porém, ainda se vislumbra a discriminação social. Na maioria das vezes é desempenhada por mulheres negras, pobres e com baixo grau de escolaridade e informação, razão pela qual vivem muitas vezes à margem da formalização do trabalho, impossibilitando a proteção trabalhista e previdenciária.

Para melhor elucidação, compete registrar que, em 2011, havia 7 milhões de pessoas na atividade doméstica. Desse total, 95% eram mulheres e destas, apenas 30% trabalhavam com carteira assinada, o que denotava um descaso com uma categoria tão essencial, uma vez que o direito à formalização do contrato de emprego foi uma garantia advinda desde 1973, através do Decreto 71.885/73, que regulamenta a Lei do Empregado Doméstico (Lei n. 5.859/72) (ALBUQUERQUE, 2012).

Os direitos e garantias do empregado doméstico foi uma conquista lenta, e insuficiente para igualá-los aos demais trabalhadores, uma vez que nem todos os direitos reconhecidos aos demais trabalhadores foram aplicados a essa categoria.

Com o passar do tempo, os prestadores de serviço doméstico, não eram exclusivamente a negros e índios, diferentemente do período colonial. Nos dias atuais, encontram-se muitas pessoas de cor branca, trabalhando como domésticas. O trabalho não tem mais a conotação pejorativa de inferioridade, mas sim de dignificação, apesar de existir ainda discriminação. O labor é fonte de sustento e manutenção de famílias, sendo um prestígio social.

Apesar de ainda haver inferioridade em relação aos direitos não concedidos aos domésticos, vigora no Brasil o princípio da igualdade trazido pela Carta Magna, onde o trabalho exercido pela mulher passou a ser visto por outra ótica, uma vez que nos dias atuais deveriam ser tratadas com igualdade, sem discriminação de raça, cor e religião. Assim, ao contrário do período colonial, têm a liberdade de constituir família, sem serem impedidas por seu empregador. (ALBUQUERQUE, 2012)

Não vigora mais a regra milenar do homem como provedor do lar e a mulher como a responsável pela família e educação dos filhos; hoje, ambos têm o direito de correr em busca de seus objetivos, e conquistar seu espaço no mercado de trabalho.

Em decorrência dessa conquista significativa, o número de mulheres no mercado de trabalho vem aumentando, o que gera a demanda por empregadas domésticas, haja vista que para desempenhar as atribuições da lida diária passam o dia fora do seu lar, gerando a necessidade de ter alguém em casa para cuidar, limpar e organizar a residência. Desse modo, hoje, mais do que no pretérito, o serviço doméstico é essencial. (ALBUQUERQUE, 2012).

Com o passar do tempo, os domésticos passaram a fazer exigências. Em decorrência disso, muitas famílias estão buscando babás em outros países, como Bolívia e Paraguai. A dificuldade de contratação no Brasil decorre das exigências devidas; pois, na maioria das vezes, no ato da entrevista já informam a impossibilidade de dormirem no emprego, ou então de trabalhar no fim de semana, ou em período noturno. (ALBUQUERQUE, 2012)

Essas transformações têm ocorrido, em decorrência da facilitação que os jovens estão encontrando para se qualificarem profissionalmente, buscando uma educação mais eficiente e almejando uma condição de vida melhor.

Assim, o Brasil inevitavelmente se direciona para a mesma situação de países de primeiro mundo, nos quais as empregadas do lar, são cada vez mais raras e valorizadas.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em maio de 2011 elaborou estudo e pesquisa sobre o atual cenário das empregadas domésticas no Brasil, chegando à conclusão de que nos últimos 10 anos, o percentual das empregadas domésticas que laboram com a carteira assinadas está aumentando cada vez mais, passou de 23,7% para 26,3%. (ALBUQUERQUE, 2012).

Diante da importância social do trabalho doméstico e da não observância ou regulamentação de direitos trabalhistas nestas relações, hoje pugna-se pelo desenvolvimento do labor doméstico, em consonância com as diretrizes legais, para que as partes dessa relação trabalhista tenham benefícios recíprocos.

Além do mais, outro ponto que se destaca no estudo da atividade doméstica no Brasil, refere-se à idade das trabalhadoras. Nos dias atuais, pessoas com idade mais elevada tem desempenhado o labor doméstico. Tal fato se destaca em razão do recuo do jovem, para exercer tal atividade.

Com as políticas públicas adotadas, que beneficiam e habilitam os jovens para as atividades diversas, a atividade doméstica vai minorar rapidamente.

De todos os trabalhadores, o empregado doméstico foi o único a ingressar no terceiro milênio da era moderna, sem possuir regulamentação em sua jornada de trabalho, exercendo atividade laboral por tempo ilimitado, sem direito a hora extra, nem adicional noturno.

Ainda, não tinha organização sindical, nem negociação coletiva, e por isso não constituía uma categoria econômica. Essa defasagem fez com que os interessados em melhorias buscassem seus direitos de forma individual.

Em suma, as coisas vêm melhorando para essa categoria, em decorrência das novas conquistas alcançadas.

CONCEPÇAO DE EMPREGADO DOMÉSTICO

Para melhor entendimento do assunto proposto e maior elucidação, se faz necessário buscar entender o conceito de empregado doméstico e seu efeito no mundo jurídico, na definição e reconhecimento de vínculos e direitos dessa categoria.

A Lei 5.859/72, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico e dá outras providências; em seu art. 1º conceitua empregado doméstico como sendo "aquele que presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou família, no âmbito residencial". (BRASIL, 1972)

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) dispõe que "considera-se empregado doméstico aquele maior de 18 anos que presta serviço de natureza contínua (frequente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas".[1] Dos conceitos expostos, depreendem-se dois elementos essenciais diferenciadores do empregado doméstico às demais categorias, são eles: serviço prestado à pessoa ou família, e finalidade não lucrativa.

É pacífico o entendimento doutrinário acerca do conceito de serviço de natureza contínua, que são os nãoeventuais ou esporádicos. Assim, para ser considerado empregado doméstico deve está presente a periodicidade.

Quanto à finalidade não lucrativa, depreende-se o entendimento de que o patrão não deve tirar benefício do serviço prestado pelo doméstico, ou qualquer outro benefício que possa gerar valor no mercado, sob pena de converter o doméstico em empregado celetista.

Compete registrar que o âmbito doméstico não se restringe a mera área interna do lar; mas, também suas imediações, tais como o jardim, o quintal, automóveis, lanchas, aviões particulares de lazer ou passeio, guarda de quarteirão e enfermeiro (ANDRADE, 1997).

Ademais, frise-se que pessoa jurídica não pode figurar no polo passivo do contrato de prestação de serviço doméstico, ou seja, não pode ser empregada doméstica.

O MTE em sua página on-line dispõe que podem integrar a categoria de doméstico o empregado, cozinheiro, governanta, babá, lavadeira, faxineiro, vigia, motorista particular, jardineiro, acompanhante de idosos, e etc. Ressaltou, ainda, que o caseiro também é considerado trabalhador doméstico, desde que o sítio ou local onde exerce sua função não possua finalidade lucrativa.

Diante do exposto, nota-se que se enquadra na categoria de empregado doméstico toda pessoa física que presta serviço à pessoa ou a família no âmbito doméstico, sem finalidade lucrativa, recebendo em contrapartida valor acordado com o empregador, não podendo ser menor que o salário mínimo vigente, nos termos da Carta Magna.

Notadamente o conceito restringe a prestação de serviço ao âmbito doméstico. Mas, o que presta serviço de limpeza de um escritório de advocacia; por exemplo, não teria sua relação regida pelas normas aplicadas ao empregado doméstico?

Pelo princípio da isonomia deve-se dispensar tratamento igualitário aos que desenvolvem funções equivalentes, devendo inserir nesse conceito os demais prestadores de serviços, equiparados a domésticos.

Mesmo os conceitos sendo restritivos, deve-se olhar o tema com maturidade, para que a isonomia material possa ser adequada aos casos que se apresentam no dia a dia, requerendo meditação e flexibilidade, a fim de garantir benefícios, tanto ao empregado como ao empregador.

a. Empregado doméstico versus diarista

Com o escopo de evitar vínculo empregatício, muitas pessoas ou família acabam por contratar uma trabalhadora autônoma ou diarista, nomenclatura esta, usada pela maioria das pessoas, para executar os afazeres domésticos.

O conceito jurídico do diarista está esculpido na legislação previdenciária, através do Decreto n. 3.048/99, em seu inciso VI do parágrafo 15 do artigo 9º, definindo-a como trabalhador autônomo, nos seguintes termos: "aquele que presta serviço de natureza não contínua, por conta própria, a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, sem fins lucrativos".

Embora nos dias hodiernos seja frequente a contratação de diaristas, não há conhecimento suficiente do contratante que o leve a diferir as situações que podem ou não gerar vínculo empregatício.

Ao buscar o serviço de uma diarista, almeja-se economizar gastos com encargos sociais, férias, décimo terceiro salário e outras garantias, já consagradas ao empregado doméstico, bem como a facilidade de romper a prestação de serviço de forma imediata e direta. (PANTALEAO, 2013).

Porém, os interessados nos serviços de uma diarista, não dão conta de que a relação existente nem sempre configura um vínculo de prestação de serviço autônomo, ensejando na maioria das vezes, vínculo empregatício com todos os encargos previsto em lei, em razão do princípio da primazia dos fatos.

Para que se evitem constrangimentos futuros, e demandas judiciais para o reconhecimento de vínculos empregatício, faz-se necessário ter em evidência que o simples fato da prestação de serviço, ser realizado em uma quantidade de dias ou horas semanais, não ser suficiente para deferir uma diarista como uma empregada doméstica.

Compete, por oportuno ressaltar que o termo diarista não contempla apenas a faxineira e passadeira, abrange também o jardineiro, babás, cozinheiras, tratadores de piscinas, cuidadores e acompanhantes de doentes ou idosos, bem como as que cobrem as férias das empregadas domésticas.

Para melhor entendimento, compete reafirmar que empregado doméstico é aquele definido em pela Lei 5.859/72, em seu artigo 1º, que o define nos seguintes termos: "aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa às pessoas ou família".

Para fins comparativos, faz-se necessário elucidar que a CLT, em seu artigo 3º, define empregado como toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (PANTALEAO, 2013).

Conforme investigado em tópico próprio, pode ser considerado empregado doméstico o jardineiro, a cozinheira, o vigilante residencial, o motorista, a arrumadeira e alguns outros mais.

Por sua vez, o trabalhador autônomo é todo aquele que exerce sua atividade profissional sem vínculo empregatício, por conta própria, assumindo os riscos pelo seu labor. Desempenham seu serviço de forma não habitual, nem eventual. Tal profissional dirige, organiza e executa seus afazeres sem qualquer subordinação, sendo, por assim dizer, patrão de si.

Consideram-se trabalhadores autônomos o médico, o advogado, o professor particular, o contabilista, bem como a diarista e alguns outros mais.

Analisando a legislação, contata-se que o empregado doméstico é um prestador de serviço especial, que pode ser identificado e caracterizado pelos seguintes elementos: pessoalidade, onerosidade, continuidade e subordinação.

A pessoalidade advém da exclusividade da prestação de serviço pelo próprio empregado. A onerosidade denota a obrigatoriedade do empregador em restituí-lo pelo serviço prestado. A continuidade é caracterizada pela prestação do labor em forma contínua, não eventual. E, por último, que diferencia do servidor autônomo, a subordinação, que denota que o empregador conduz a execução do serviço, determinando, por exemplo, o modo de execução do serviço, os horários a serem cumpridos.

Daí as seguintes perguntas: em que categoria se encontra o diarista? É um empregado doméstico ou um servidor autônomo?

Iremos encontrar a resposta analisando a relação e a forma de prestação de serviço que a diarista presta ao seu contratante.

Nos tribunais, as principais questões que vem sendo discutidas, no tocante a categoria de diarista, são os conceitos de finalidade não lucrativa e natureza contínua.

Continuidade ou natureza contínua não se relaciona necessariamente com o trabalho diário, mas tão somente com o que é sucessivo.

Embora haja opiniões em sentido contrário no tocante ao entendimento de haver ou não distinção entre a continuidade, expressa pela lei dos empregados domésticos e a não eventualidade, expressa pela CLT, ao definir o empregado, a natureza não eventual se define pela relação entre o trabalho prestado e a atividade da empresa. (PANTALEAO, 2013)

Nesse contexto, não havendo fixação de dia para execução dos serviços, pode-se entender o tratamento de um trabalhador diarista autônomo, em razão da inexistência de subordinação jurídica, e não em face da ausência de continuidade.

De outra banda, se uma diarista for contratada a prestar serviços duas ou três vezes por semana, por imposição do contratante, denota-se, mesmo que a prestação seja de forma intercalada, mas contínua, existir subordinação jurídica, o que caracteriza a relação de emprego doméstico.

Nessa esteira, a diarista que comparece algumas vezes por semana para ajudar o empregador a fazer sucos, para vender em eventos em fins de semana, é considerada empregada. No mesmo sentido, o caseiro rural que cultiva alimentos para troca ou venda, por haver finalidade lucrativa, existe, portanto, relação de emprego.

Além das duas questões tratadas (subordinação e continuidade), outras podem nortear o reconhecimento de emprego doméstico da diarista. Uma delas é o fato do recebimento de valores em contraprestação ao serviço prestado, ser pago em data fixada.

Por se tratar de um serviço autônomo, o ideal seria o pagamento ser realizado ao final de cada jornada de trabalho realizado, vez que, por não possuir vínculo, a diarista poderá decidir não mais prestar serviço ao contratante, sem qualquer obrigação formal de avisar com antecedência sua saída, ou cumprir aviso prévio.

Em resumo, para que a diarista não seja enquadrada como empregada doméstica o contratante não poderá estipular quantos dias da semana será prestado o serviço, nem quais dias, estipular carga horária ou jornada, muito menos haver subordinação, devendo os honorários serem pagos no término diário, de cada serviço prestado.

Nessa esteira, cabe ao contratante apenas definir qual o serviço a ser prestado e a diarista que vai executar; porém, a forma como será realizado, as habilidades aplicadas, o decurso temporal que irá usar; se vai contratar terceiro para o feito, competirá ao trabalhador autônomo. (PANTALEAO, 2013)

b. Definição de Diarista nos Tribunais

A grande maioria dos Tribunais do Trabalho considera mensalista aquele que trabalha mais de dois dias por semana. Já para outros, porém, são necessários mais de três.

O número de trabalhadores que prestam serviços em inúmeras residências, quase dobrou em dez anos. No ano de 2001, era 1 milhão, em 2011, alcançaram-se 2 milhões dos 6,7 milhões de domésticos do País, ou o equivalente a 30% da categoria (SORANO, 2013). Não há informação acerca da formalidade desses contratos, aos quais se referem os números; mas, pelo alto índice, subtende-se tratar de contratos tantos formais como informais.

O avanço registrado tende a aumentar com o advento da EC 72/2013, em razão dos encargos financeiros que serão custeados pelos empregadores.

Constata-se que o Legislador, até os dias hodiernos, não definiu com exatidão o doméstico, uma vez que o conceito legal dado pela Lei 5.859/72 não permite distingui-lo do diarista. Em razão disso, diante de divergências entre quem contrata e quem é contratado, no tocante à natureza do vínculo, resta recorrer ao Poder Jurisdicional. Nos processos que envolve essa celeuma, o número de dias trabalhados por semana tende a ser fundamental, para diferenciar uma faxineira de uma doméstica, com direito a contrato de trabalho. (SORANO, 2013)

Porém, a justiça também não chegou a um entendimento pacífico sobre a definição de diarista. Muito embora a posição majoritária no Tribunal Superior do Trabalho (TST) – última instância trabalhista – seja a de que é diarista quem desempenha serviço dois ou três dias por semana, apesar de não ter editado nenhuma súmula sobre o tema.

Em outra face, a maioria dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) sintoniza a um posicionamento mais ou menos pacífico sobre a caracterização do trabalhador, como diarista ou mensalista. Dos vinte e quatro tribunais, nove comungam com o entendimento de que quem trabalha três, ou pelo menos mais de dois dias na semana para um mesmo patrão, tende a ser considerado mensalista. Dessa forma, se o empregador não registrar esse contratado, é enorme a chance de que seja obrigado a fazê-lo diante do Poder Judiciário, realizando o pagamento de todas as verbas trabalhistas. (SORANO, 2013).

Nas oito Unidades da Federação (UF) cobertas por esses nove TRTs[2]havia, em 2011, cerca de 894 mil domésticos que trabalhavam para mais de um patrão, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). (SORANO, 2013).

Entretanto, em seis Unidades da Federação só é mensalista quem trabalha mais de três dias, ou mais da metade da semana, são eles: Distrito Federal, Tocantins, Rio de Janeiro, Acre, Rondônia e Goiás. Neles, no ano de 2011, viviam cerca de 16% dos empregados domésticos, que trabalhavam para mais de um patrão, que corresponde ao número de 322,2 mil pessoas. (SORANO, 2013).

O Tribunal do Rio de Janeiro é o único do país a ter uma súmula sobre o assunto, editada em 2011, a qual orienta que o trabalho doméstico prestado até três vezes por semana, não enseja configuração do vínculo empregatício. Os demais tribunais têm apenas entendimentos majoritários ou tendências. (SORANO, 2013).

Existe doutrinador que, baseado no absurdo, defenda que deve haver trabalho todos os dias da semana, por várias semanas, para caracterizar o liame empregatício doméstico. (SORANO, 2013).

Outros afirmam que gera vínculo mais de quatro dias de trabalho por semana. Há, para a alegria de muitos e evolução do sistema, aqueles menos radicais que advogam no sentido de que o trabalho por mais de três dias semanais equipara-se a trabalho contínuo.

Nesta esteira, surgiu a necessidade do TRT da 1ª Região (RJ) de uniformizar sua jurisprudência.

Não é simples diferencia o diarista do empregado doméstico. A dificuldade em diferenciar mensalista e diarista decorre da própria lei das domésticas (5.859/72), que em vez de falar em não eventualidade, como requisito para vínculo empregatício, a exemplo dos trabalhadores celetistas, fala-se em continuidade. (SORANO, 2013).

O Diretor do Fórum Trabalhista de Brasília, o Juiz Antônio Umberto, acredita ser essa nomenclatura obscura, um artifício. No entender desse magistrado, se você pega um professor universitário que dê aula para duas turmas todo sábado, ou um médico que dê plantão semanal, ninguém vai ter dúvida de que ele é um empregado. Assim, expressa que a diferença entre as duas categorias (empregado doméstico e diarista) é um resquício de preconceito histórico, que acaba repercutindo na jurisprudência, inclusive do TST. (SORANO, 2013).

Para o Juiz, ao aprovar a nova Lei das doméstica, o Congresso perdeu a oportunidade de definir exatamente a figura do diarista, e acabou por criar, mais uma vez, tipos diferentes de trabalhadores com diferentes direitos.

Portando, expressa que anteriormente à Lei do empregado doméstico, o diarista estava no mesmo patamar que os domésticos, de precariedade e poucos direitos; no entanto, agora os domésticos praticamente conquistaram uma cidadania trabalhista, e os diaristas foram esquecidos.

Para esperança dessa nova categoria, que tende a crescer, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 7.279/2010 que define diarista como aquele que trabalha, no máximo, dois dias por semana. O referido projeto já foi aprovado pelo Senado em 2010; no entanto, desde então, está parado na Câmara dos deputados, sem previsão de continuar a tramitar.

Segundo a assessoria da Relatora da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a Deputada Iriny Lopes (PT-ES), o texto ainda terá de voltar à Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) antes de receber um parecer da CCJ. (SORANO, 2013).

Compete registrar que em 13 Estados da Federação, a Justiça do Trabalho tem coberto, ainda que parcialmente, essa indefinição legal; porém, nos outros dez – Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Amapá, Paraná, Amazonas, Roraima, Maranhão, Alagoas e Mato Grosso do Sul – não há qualquer entendimento majoritário, acerca do assunto. (SERANO, 2013).

Listam-se alguns casos julgados, que leva a confirmar a divergência na jurisprudência:

DOMÉSTICA - DIARISTA - RELAÇAO DE EMPREGO – NAO CONFIGURAÇAO - O serviço de lavadeira e passadeira, executado no âmbito familiar, por uma ou duas vezes por semana, não gera vínculo empregatício de natureza doméstica, por faltar elemento essencial à sua configuração, a "subordinação". (Ac. TRT/3ª Região, processo RO/6985/94, Rel. Juíza Deoclécia Amorelli Dias, pub. MG 13.08.1994).

LAVADEIRA/PASSADEIRA. DIARISTA - Não é tutelada pela Lei 5859/72 a trabalhadora que, ainda que três vezes por semana, sem vinculação a horário, presta serviços acumulados de lavagem e passagem de roupas em âmbito residencial, porque deflui, daí, que a natureza do labor carece de continuidade, requisito substancial para tipificar o trabalho doméstico, a teor do artigo 1º, da mencionada lei. (Ac. TRT/3ª Região, processo RO/5013/94, Rel. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, pub. MG 17.06.1994).

DOMÉSTICO - LAVADEIRA - DIARISTA - A Lei 5859 de 1972, que dispõe sobre a profissão de empregado doméstico, conceitua-o como "aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas". Verifica-se que um dos pressupostos do conceito de empregado doméstico é a continuidade, inconfundível com a não eventualidade exigida, como elemento da relação jurídica advinda do contrato de emprego firmado entre empregado e empregador, regido pela CLT. Continuidade pressupõe ausência de interrupção (cf. Aurélio Buarque de Holanda - Novo Dicionário da Língua Portuguesa - 2ª ed.), enquanto a não eventualidade vincula-se com o serviço que se insere nos fins normais da atividade da empresa. "Não é o tempo em si que desloca a prestação de trabalho de efetivo para eventual, mas o próprio nexo da prestação desenvolvida pelo trabalhador, com a atividade da empresa" (cf. Ribeiro de Vilhena, Paulo Emílio, RELAÇAO DE EMPREGO: SUPOSTOS, AUTONOMIA E EVENTUALIDADE). Logo, se o tempo não descaracteriza a "não eventualidade", o mesmo não se poderá dizer ao tocante à continuidade, por provocar ele a interrupção. Desta forma, não é doméstica a lavadeira de residência, que lá comparece em alguns dias da semana, por faltar na relação jurídica o elemento continuidade. (Ac. TRT/3ª Região, processo RO/11229/92, Rel. Juíza Alice Monteiro de Barros, pub. MG 16.07.1993).

Em sentido contrário, admitindo-se a relação de emprego: RELAÇAO DE EMPREGO - LAVADEIRA DIARISTA - Considera-se doméstica a lavadeira diarista que presta serviços domiciliares, recebendo salário-dia. A expressão "serviços contínuos" a que se refere o Art. 1º, da Lei 5859/72, não exclui o trabalho intercalado, no correr da semana. (Ac. TRT/3ª Região, processo RO/16589/94, Rel. Juiz Álfio Amaury dos Santos, pub. MG 07.03.1995).[3]

Diante da jurisprudência diversificada, nota-se que não há consenso entre os Tribunais Superiores quanto a diferenciação entre empregado doméstico e diarista, cabendo ao interprete de cada unidade federativa observar os julgados dos seus Tribunais.

RELAÇAO AFETIVA DO EMPREGADO DOMÉSTICO COM O PATRAO

As relações que se observa nessa modalidade de trabalho possuem características próprias; contudo, o ambiente de trabalho doméstico é também o ambiente de intimidade dos patrões. Desse modo, não é fácil separar o aspecto profissional, do pessoal nessa relação; pois, essa situação de simbiose é natural para ambos, que compõem a dinâmica de trabalho e compartilhamento de intimidade. (BRITO, 2013)

Os patrões requerem do doméstico o cuidado à sua residência, ao modo como se fosse em seu próprio lar, alegando pertencer também ao empregado a casa, na qual presta seus serviços. Em contrapartida, e de forma paradoxal, afirmam em muitos momentos, que a casa na qual prestam o serviço, não lhe pertence, ainda que lá resida no trabalho.

Notadamente, observa-se uma grande ambiguidade, dando a essa relação certo grau de intimidade e distanciamento ao mesmo tempo. Talvez por tratar-se de vínculo de interação entre sujeitos sociais, que não apenas comportam encargos da prestação de serviço, mas que vão além, englobando sentimento e integração típicas na esfera pessoal.

Registra-se na experiência dessa categoria, maior interação entre a patroa e a empregada, em razão da formação sociocultural da sociedade brasileira, uma vez que o papel da mulher, sempre esteve ligado ao de zeladora do lar, competente e responsável pelo fluir das atividades domésticas.

Essa relação do gênero feminino, marcar presença mais acentuada no âmbito do labor doméstico, é resultado da desigualdade de gênero na distribuição das responsabilidades familiares e domésticas, derivadas da formação cultural do país. Desse modo, poucos serão os homens que desempenham o serviço doméstico tradicional, em razão da construção histórica que atribuiu essas funções ao gênero feminino.

Em razão da sintonia de gênero, a intimidade na relação patroa-empregada reverbera no aspecto profissional dessa relação, levando à flexibilização de cláusulas contratuais típicas na relação trabalhista, tais como: a negociação de pagamentos extraordinários, a prestação de outros serviços não dispostos em contrato. Além disso, agrupam práticas sociais típicas de parentesco próximo ou amizades valiosas, como as trocas de informações da vida alheia (fofoca) entre as mulheres, concessão de carinho, e atenção aos pupilos do lar, denotando com maior evidência, a existência de uma forte carga de afetividade.

Assim, é evidente que a realização das funções da doméstica está envolta de sentimentos, que acabam por desfigurar o sentido convencional que se atribui ao trabalho, como mera produção de mercadoria, ou serviço econômico.

Talvez a raiz desse alto grau de intimidade existente esteja ligado aos fatos sociais, registrados na literatura histórica, que informa que os patrões assumiam com grande frequência, a função simbólica de pais, uma vez que as mulheres pobres se locomoviam de um sistema de proteção (sua família) para outro, ao deixar aos cuidados dos pais, e passavam a ser responsabilidade dos patrões. (BRITO, 2013).

Dessa relação surgia o sentimento de gratidão, em razão da oportunidade ofertada, uma vez que uma pessoa de um estamento social desprestigiado seria inserido em outro meio, com maior requinte e habilidades reconhecidas na sociedade, maior grau de cultura e conhecimento.

Uma vez que os patrões assumiam a responsabilidade pelas suas empregadas, inevitavelmente desenvolviam afeto, gerando tratamento mais afetivo que mecânico.

Os tempos mudaram, e na atualidade registra-se a decadência dessas formas de proteção quase familiar, fato esse resultante da queda do número de empregadas, residindo na casa dos patrões, em razão de novas conquistas. No entanto, permanecem as práticas paternalistas, uma vez que o empregador procede com compras de medicamento em constância de doenças, doa móveis e roupas, permitem atrasos, para orientar que o empregado cuide de interesse próprio, como deixar os filhos na escola, ou nas faltas em caso de doenças. (BRITO, 2013).

As práticas embasadas na união advinda do sentimento que envolve esses dois personagens, da relação trabalhista são positivas, pois situações dessa natureza não teriam espaço em uma grande empresa, em razão do fator da impessoalidade que caracteriza a relação trabalhista de produção. (BRITO, 2013).

Nessa esteira, pode-se registrar que o doméstico desfruta de algumas vantagens, em razão da intimidade, seja através de presentes recebidos, ou pequenos furtos, concessão de alimentos sem desconto nos rendimentos, tendo proveito significativo na prestação de serviço, devolvendo, em contrapartida, um comportamento servil, prestígio e amizade, tratando-se, portanto, de uma troca social, costumeiramente aceita e praticada naturalmente.

A interatividade da doméstica é de um nível tão acentuado que é evidente, em muitos casos, a vinculação afetiva dos pupilos serem mais fortes a ela, do que aos pais. Tal fenômeno ocorre pelo fato das crianças passarem mais tempo em companhia da zeladora do lar. Com isso, os genitores se tornam desconhecedores dos hábitos dos próprios filhos, tornando-se incapazes para estimulá-los, no sentido que melhor os conduza ao aprimoramento. Diante desse grau de influência, é de extrema importância ter em seu lar, alguém com uma relação além do formalismo trabalhista, e dotado de boa conduta.

Ao observar os recintos domésticos, podem-se registrar fatos interessantes, que reforçam a existência da união do empregado, com as crianças dos patrões. Registram-se crianças, que só conseguem dormir na companhia da babá, que só se alimentam de certas receitas vinculadas à cozinheira, que se disciplina e mantém os bons modos, com a orientação da doméstica e sob sua presença, denotando a natureza extra-profissional dessa prestadora de serviços.

Essa relação não é constituída apenas de harmonia, constatando-se a existência de contradições e ambiguidades nessa dinâmica, de relação empregatícia e familiar, existente em um mesmo ambiente. Notam-se no recinto doméstico, momentos de valoração do empregado, em outros; porém, sua figura é diminuída pelos membros da família para qual presta serviços, impondo sua hierarquia e definindo os limites, para deixar claras as funções dos membros e dos prestadores de serviços.

Muitas vezes, o empregador não sabe nem mesmo o seu papel na relação empregatícia, deixando confuso o empregado, que desconhece o campo que pode atuar, sem saber se determinada função compete ao patrão ou ao empregado.

Diante desse conflito de papeis, pode-se intuir a existência de dúvida acerca da delimitação dos papeis e das funções, como se houvesse a necessidade de realizar a pergunta: qual é o meu lugar, e qual é o seu lugar aqui?

Mesmo diante do despreparo do patrão, em desconhecer os seus próprios deveres, há a típica sobreposição do patrão. Desse modo, pode-se notar que as limitações entre a vida pessoal e profissional são demarcadas pela hierarquia, realçando o distanciamento social existente, apesar da ligação afetiva evidente.

Pode-se encontra registro da afirmação da hierarquia na estrutura do ambiente destinado aos empregados, que permite refletir sobre a sua real posição na estrutura doméstica. Com isso, verifica-se o distanciamento da figura do empregado-patrão com o emprego da desconfiança, de ameaças, da fiscalização exagerada da limpeza, de limites e imposições à conduta da empregada, e mecanização ritualística no cotidiano doméstico. (BRITO, 2013).

A relação entre empregado doméstico e patrão possui uma dinâmica que se forja no cotidiano em que intimidade e distanciamento variam, de acordo com a configuração familiar, criando e recriando suas relações na estrutura social. (BRITO, 2013).

LEGISLAÇAO APLICADA AO EMPREGADO DOMÉSTICO

O movimento abolicionista chegou ao Brasil, na segunda metade do século XIX, possibilitando o serviço doméstico assalariado; no entanto, o que ocorreu foi a permanência de mulheres negras e ex-escravas, que continuavam desempenhando as mesmas funções em troca de moradia e alimento.

Ao observar a história do empregado doméstico no Brasil, constata-se que a classe dos empregados domésticos não tinha uma legislação própria. Assim, aplicava-se a eles o que se referia aos contratos de locação de serviços, que regia os demais trabalhadores, conforme previstos no Código Civil de 1916[4]

Em 1923 houve a promulgação do decreto nº 16.107, o qual passou a regulamentar de maneira específica os serviços dos domésticos, determinando quais seriam os trabalhos desempenhados.

Tal preceito normativo, sendo o primeiro a tratar do assunto, relacionava as atividades tidas como domésticas e não fazia distinção entre serviços prestados no âmbito residencial e a hotéis, restaurantes ou casas de pasto, bares pensões, escritórios ou consultórios, todos mencionados expressamente. (ANDRADE, 1997).

Em 1941 surge o Decreto-Lei 3.078 que versou sobre a prestação de serviços no âmbito doméstico mediante contrapartida de cunho financeiro, sendo-lhe garantidos alguns direitos, tais como: aviso prévio de oito dias, depois de um período de prova de seis meses, o direito de recisão do contrato, em caso de atentado a sua honra ou integridade física, moral, salarial ou falta de ambiente higiênico de alimentação e habitação, passando a garantir, portanto, melhores condições no âmbito do trabalho. (REIS, 2013).

Porém, tal decreto não teve efetividade em razão da falta de regulamentação (NOGUEIRA, 2013), quando o seu texto não integrou a CLT.

Não bastasse a discriminação social, surge o Decreto-Lei nº 5.452, em 1943, que estabelecia a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, dispondo em seu artigo 7º, alínea "a" o seguinte:

Art. 7º. Os preceitos constantes da presente consolidação, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado em contrário, não se aplicam:

a) aos empregados doméstico, assim considerados, de um modo geral, os que prestam serviços de natureza não econômica à pessoa ou à família, no âmbito residencial.[5] (grifos nosso)

Notadamente, enquanto os empregados em geral estavam protegidos pela CLT, com regras específicas, as relações do empregado doméstico continuaram a ser regidas pelo Código Civil de 1916. (NOGUEIRA, 2013).

Apenas em 1972, com a promulgação da Lei 5.859, que regulou, de maneira tímida, a atividade de empregado doméstico no ordenamento pátrio, esta classe de trabalhadores teve alguns direitos reconhecidos. A norma em comento trouxe em seu artigo 1º o seguinte conceito: "ao empregado, doméstico assim considerado, aquele que presta serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas [...]".

A Lei 5.859 concedeu a essa categoria três prerrogativas básicas: férias anuais, carteira de trabalho, benefícios e serviços previdenciários.

Pode parecer uma conquista insignificante em relação aos direitos reconhecidos aos demais trabalhadores, mas foi um grande avanço, pois saber que haveria um período para visitar os entes queridos, para sair da rotina pesada e repetitiva, alimentava a alma e fazia almejar novas conquistas.

Talvez, em razão da pouca educação, os benefícios e serviços previdenciários não pareciam significativos, embora essencial para garantir remuneração em momentos de impossibilidade de manter o sustento da família do empregado, bem como garantir uma velhice mais digna, com remuneração que lhe garantisse o mínimo.

Com o advento da Constituição Cidadã, em 1988, alguns dos direitos sociais reconhecidos aos trabalhadores em geral foram estendidos aos empregados domésticos, conforme demonstra o parágrafo único do art. 7º desse diploma revolucionário, senão veja:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua integração à previdência social. (BRASIL, 2013, on-line, grifo nosso)

Desse modo, os empregados domésticos adquiriram outros direitos, além dos já conquistados com a Lei 5.859/72, são eles: salário mínimo, irredutibilidade do salário, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas, licença paternidade, aviso prévio proporcional e à Previdência Social. (ANDRADE, 1997).

No último 2 de abril de 2013, o Poder Legislativo, através do Congresso Nacional, promulgou a Proposta de Emenda Constitucional n. 66/2012, denominada PEC do trabalhador doméstico, que resultou na Emenda Constitucional (EC) n. 72/2013.

O objetivo desse texto constitucional foi emendar o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal, aumentado o universo de direitos dispensados aos trabalhadores domésticos.

Com essa inovação, bastante significativa, o parágrafo único do artigo 7º, da Carta Magna, sofreu mais uma alteração redacional, ficando com o seguinte texto:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.

Portanto, antes da promulgação da Emenda Constitucional n. 72/2013, os trabalhadores domésticos tinham reconhecido apenas os direitos expostos nos seguintes incisos:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX – licença paternidade, nos termos fixados em lei;

XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; e

XXIV – aposentadoria.

A partir da Emenda Constitucional 72/2013, foram ampliados os direitos dos domésticos, que então passaram a ter reconhecidos mais direitos, contidos nos seguintes incisos:

I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III - fundo de garantia do tempo de serviço;

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX – licença paternidade, nos termos fixados em lei;

XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; e

XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIV – aposentadoria.

XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; e

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

Frente à modificação constitucional, várias dúvidas surgiram, passando desde a celeuma em torno da inaplicabilidade imediata de alguns dos direitos reconhecidos, até a questão do controle da jornada do trabalho. (ROCHA, 2013).

a. Convenção 189, da OIT

Em junho de 2011, foi aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Convenção nº 189, em Genebra, com o objetivo de conceder ao doméstico os mesmos direitos e garantias dispensados aos demais trabalhadores.

A adoção da Convenção 189 foi considerada um sinal político importante, promove em diversos países a adoção de novas legislações sobre trabalho doméstico, e também fomenta os debates sobre suas condições laborais. A norma coloca os domésticos no mesmo plano de todos os outros trabalhadores, reconhecendo-lhes o direito a uma remuneração mínima e o acesso à segurança social, além de um disciplinado horário com um dia de folga semanal. Prevê ainda que eles possam constituir um sindicato para defesa coletiva de seus direitos, e assegura à categoria a possibilidade de ter acesso aos tribunais ou outros mecanismos para resoluções de negociações. (CONTRACS, 2013, p. 01).

O governo brasileiro, demonstrando interesse pelo assunto, afirmou que se a referida convenção fosse ratificada, faria parte do Tratado Internacional.

Em 06 de setembro de 2013, a OIT informou que a Convenção 189 entrou em vigor. A medida é a primeira norma internacional que tem por finalidade melhorar as condições de mais de 50 milhões de pessoas empregadas no trabalho doméstico no mundo.

Diante da mobilização no Brasil, em prol da aprovação da referida convenção, havia uma grande expectativa de que o país fosse o primeiro a ratificar o tratado. No entanto, o compromisso não aconteceu. Oito países já ratificaram, dos quais a metade é da América Latina. São eles: Uruguai, Filipinas, Ilhas Maurício, Nicarágua, Bolívia, Paraguai, Itália e África do Sul.

b. Princípio de isonomia

Diante dos fatos históricos e sua evolução, constatou-se uma diferenciação gritante de tratamento legislativo e social dispensado ao empregado doméstico e o trabalhador comum, comumente denominado celetista. É evidente tratar-se de trabalhadores distintos, mas a diferenciação evidenciada parece ser desproporcional.

O Princípio da Isonomia está estampado no caput do art. 5º da Constituição Cidadã, nos seguintes termos: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade."

Nesses termos, todos os seres humanos, apesar das diferenças, por pertencerem a mesma espécie, são iguais perante a lei. (FEDATO e SILVA, 2013).

Nessa esteira, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (apud FEDATO e SILVA, 2013, p. 08) expressa que:

O Princípio da Igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Veda apenas aquelas diferenciações arbitrárias. Assim o Princípio da Igualdade no fundo comanda que só se façam distinções com critérios e objetivos e racionais adequados ao fim visado pela diferenciação.

É evidente que a finalidade do Princípio da Isonomia é tratar os iguais de forma equânime e os desiguais na medida das suas diferenças, desse modo, não parece nada proporcional impossibilitar ao empregado doméstico a proteção e gozo de direitos reconhecidos ao empregado celetista. Embora haja diferenças, não sendo aceitável uma discriminação legal e social, que prejudique essa categoria.

Assim, a promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013 é um grande avanço legal e social que afirma a Isonomia tão esperada pelo trabalhador doméstico.

EMENDA CONSTITUCIONAL N. 72/2013: SUA APLICABILIDADE

Os direitos contidos nos incisos IV, VI, VII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI, XXXIII, por sua natureza, tem aplicabilidade imediata, independendo de qualquer regulamentação infraconstitucional, por força do disposto no §1º do artigo 5º da Carta Maior, que expressa que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".

A previsão constitucional é bastante, por si só, para fazer valer de forma imediata o direito ao salário mínimo, à irredutibilidade e proteção salarial, ao décimo terceiro proporcional, à limitação da jornada de trabalho, às horas extras, às férias, à licença-maternidade, licença-paternidade, ao aviso prévio proporcional, à redução dos riscos inerentes ao trabalho, à aposentadoria, ao reconhecimento das convenções e acordos coletivos, proteção contra discriminação, e à proteção do trabalho do menor.

O que vem causando posicionamentos mais destoantes na doutrina diz respeito à aplicabilidade dos direitos previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII; pois, a Emenda Constitucional os assegura aos domésticos, com a condição de serem regulamentados. (ROCHA, 2013).

Uma parte da doutrina defende que, somente com a promulgação de norma infraconstitucional superveniente, é que os mencionados direitos produzirão eficácia, ao passo que outra parte, preconiza a aplicabilidade imediata de alguns dos citados direitos, ante a existência de regulamentação infraconstitucional suficiente. (ROCHA, 2013).

A Juíza do Trabalho, Auxiliar da 16ª Vara de Salvador/Ba, Andréa Pressas Rocha, converge com o segundo entendimento. (ROCHA, 2013).

a. Direitos de aplicação mediata

Parte dos direitos reconhecidos aos trabalhadores domésticos, os inseridos nos incisos I, II, III, XXV, XXVIII, dependem de regulamentação.

Parte dos direitos carece de legislação regulamentadora, ao passo que um outro grupo está apto a produzir efeitos imediatamente, vez que a legislação existente é suficiente. (ROCHA, 2013).

Para tanto, compete examinar se a legislação atualmente existente é suficiente para reconhecimento da imediata eficácia de tais direitos, ou se haverá necessidade de edição de norma posterior à Emenda Constitucional.

b. Salário-Família e Seguro contra Acidente de Trabalho

Os direitos ao salário-família e ao seguro contra acidentes de trabalho (incisos XII e XXVIII) dependem da edição de lei infraconstitucional, haja vista a insuficiência da regulamentação existente.

No tocante ao salário-família, a Lei n. 8.213/91 e o Decreto 3.048/99 preceituam que o referido benefício deve ser pago diretamente pela empresa, sendo que os valores das cotas devem ser pagos pela empresa e deduzidos do recolhimento das contribuições sobre a folha de salário. (ROCHA, 2013).

Como se denota, apesar da empresa fazer o pagamento, ela se compensa no momento do recolhimento das contribuições devido ao Instituto Previdenciário, pelo que se pode afirmar, que incumbe ao INSS arcar com os custos do benefício.

Para o trabalhador doméstico, haverá necessidade de regulamentação, com finalidade de delimitar a quem caberá o pagamento, se ao patrão, na modalidade compensatória, quando do recolhimento das contribuições previdenciárias, ou se diretamente pelo Órgão Previdenciário, como ocorre com o pagamento do salário-maternidade. (ROCHA, 2013).

Sem definir qual procedimento será adotado, não se poderá impor ao empregador o ônus de arcar com o pagamento do benefício, sem que se lhe assegure a respectiva compensação.

No tocante ao seguro contra acidentes de trabalho, este é hodiernamente devido pelas empresas e pelos empregadores, pessoas físicas equiparadas a empresa (art. 15 da Lei n. 8.212/91), no termos do contido nos Art. 22, II, da Lei nº 8.212/91, e no Art. 202 do Decreto nº 3.048/99, estando excluídos os domésticos.

Estar-se diante de seguro obrigatório, instituído por lei, mediante contribuição adicional a cargo do empregador doméstico, destinado à cobertura de eventos resultantes de acidentes de trabalho.

Tendo em vista a natureza tributária das contribuições previdenciárias, nos termos do §6º do Art. 195 da Constituição Federal, haverá necessidade de regulamentação legal para estabelecer a responsabilidade do empregador por esse pagamento, decidindo qual a base de incidência, ou mesmo isentando-o, com o escopo de transferir tal encargo ao Estado. (ROCHA, 2013).

DIREITOS DE APLICAÇAO IMEDIATA

O Legislador condicionou a aplicabilidade dos direitos previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII à elaboração posterior de leis.

O bom senso e a melhor exegese levam ao entendimento de que os direitos, que existe no ordenamento pátrio; normas estabelecendo condições a sua aplicabilidade, ao seu efeito, isso será imediato, não havendo necessidade de esperar regulamentação posterior, em face da eficácia imediata dos direitos fundamentais. (ROCHA, 2013).

Notadamente, o Artigo 7º da Constituição Federal está incluso no Título II, que trata dos direitos e garantias fundamentais. Diante disso, pode-se concluir que a sua eficácia é plena e sua aplicabilidade imediata, conforme dispõe o §1º do Artigo 5º da Lei Maior: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediatas".

Desse modo, diante da expressa determinação constitucional, os direitos sociais fundamentais, dispostos nos incisos do Art. 7º da Carta Magna são suficientes para produzirem efeitos jurídicos, independentemente de edição de lei regulamentadora posterior.

No entanto, o Legislador quis condicionar a eficácia de alguns direitos à regulamentação infraconstitucional, competindo indagar se a regulamentação almejada deve ser posterior à Emenda Constitucional, ou se será aproveitada legislação vigente.

A jurista Andréa Rocha (2013) entende que os direitos que foram condicionados a gerarem efeito com regulamentação devem ter aplicabilidade imediata sempre que existir no ordenamento jurídico, legislação suficiente à plena satisfação e efetividade.

Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza a efetividade, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever ser normativo e o ser da realidade social. O intérprete constitucional deve ter o compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador. (ROCHA, 2013, p.03)

Portanto, havendo legislação infraconstitucional suficiente à atuação do direito fundamental, deve ser reconhecida a sua aplicação plena e eficácia imediata. E este é o caso dos direitos abaixo.

Inciso I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa: a regulamentação está contida no art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT);

Inciso II – seguro-desemprego: a Lei n. 5.859/72 especifica as situações em que o empregado doméstico faz jus ao seguro-desemprego;

Inciso III – fundo de garantia por tempo de serviço: a Lei n. 5.859/72 define a forma de recolhimento do FGTS devido ao empregado doméstico; neste particular, deve-se compreender que a EC, ao assegurar o direito ao FGTS, tornou obrigatório o seu recolhimento pelo empregador, ficando, assim, revogada a expressão "é facultada" constante do art. 3º-A da Lei n. 5.859/72;

Inciso IX – adicional noturno: a CLT, norma geral em matéria trabalhista, disciplina, de forma minuciosa, no art. 73, o direito ao adicional noturno, estabelecendo, inclusive, o que se deva compreender por horário noturno;

Inciso XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas: o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) estabelece, no art. 54, como dever do Estado assegurar à criança o atendimento em creche e pré-escola, e, no art. 208, prevê a possibilidade do manejo de ações judiciais, para a proteção de direitos individuais, difusos e coletivos, por ofensa aos direitos da criança de atendimento em creches e pré-escola;

Inciso XXVIII – indenização a cargo do empregador, em casos de acidente de trabalho, quando incorrer em dolo ou culpa: a responsabilidade civil do empregador por danos decorrentes do acidente de trabalho vem disciplinada no Código Civil (Arts. 186, 187 e 927 a 954).

A magistrada ressalta que "tal reconhecimento ampara-se na moderna teoria da interpretação constitucional e nos seus princípios instrumentais, dentre os quais destaca-se o Princípio da Efetividade". (ROCHA, 2013, p1).

DA CLT AOS EMPREGADOS DOMÉSTICOS COMO NORMA GERAL

Antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013 vislumbrava-se concluir que a CLT não incidia à categoria de empregados domésticos, por expressa previsão na alínea "a" do Art. 7º, sob a fundamentação da Lei 5.859/72 conter disposições suficientes, no entanto, tal interpretação parece não mais se sustentar.

Notadamente a Emenda Constitucional reconheceu aos empregados domésticos vários direitos que já eram dispensados aos trabalhadores de modo geral, que não encontram normatização na Lei do Empregado Doméstico (Lei nº 5.859), mas se encaixa em muitos dispositivos da CLT, a exemplo dos direitos ao adicional noturno, à hora extra, e ao pagamento de verbas rescisórias.

Desse modo, torna-se incompatível a interpretação que impeça a aplicação da CLT aos domésticos; assim, deve-se entender que a alínea "a" foi revogado pela EC 72/2013.

Nesse ínterim, sendo o direito expressamente reconhecido pela Carta Magna e inexistente regulamentação na legislação específica, deve o intérprete aplicar subsidiariamente a CLT, por ser norma geral trabalhista. (ROCHA, 2013).

RECONHECIMENTO DAS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO

Um avanço significativo proporcionado pela EC 72/2013 foi o de reconhecer as convenções e acordos coletivos de trabalho. (ROCHA, 2013).

O que significa em termos práticos o reconhecimento desses direitos?

ROCHA (2013) explica que, com esse reconhecimento, os sindicatos dos trabalhadores domésticos poderão celebrar convenções coletivas de trabalho com sindicatos patronais, através de negociação coletiva, ou acordos coletivos com empregadores, individual ou em grupo.

Parte da doutrina encontra obstáculo à efetivação do dispositivo em comento, sob argumento de que os empregadores domésticos não constituiriam categoria econômica, em razão do §1º do Art. 511 da CLT que disciplinou o seguinte: "A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica".

ROCHA (2013), por sua vez, pede vênia aos que pensam de forma contrária, e defende seu ponto de vista dizendo entender diante da inovação constitucional, o conceito de categoria econômica deva ser interpretado sob outra ótica, a fim de alcançar os empregados domésticos, pois só assim estará efetivando o espírito da lei.

Compete frisar que a norma que reconhece os acordos coletivos e as convenções, além de ter base constitucional, integra direito fundamental.

Desse modo, deve ser interpretada à luz dos princípios de interpretação constitucional, dentre os quais se evidencia como maior, o postulado da máxima efetividade, entendendo-se por isso que a norma constitucional deve ter o sentido que garanta maior eficácia, cabendo ao operador do direito, no caso de dúvida, proferir entendimento que reconheça maior eficácia aos direitos sociais, inseridos nos direitos fundamentais.

Para ter o verdadeiro sentido da norma, faz-se mister que o termo categoria econômica deverá compreender toda e qualquer atividade econômica, incluindo-se, portanto, a atividade doméstica, que, embora sem fins lucrativos imediatos, não deixa de ser econômica.

Em resumo, para uma melhor compreensão, é possível traçar uma analogia com as entidades filantrópicas e, sem fins lucrativos, segundo entendimento consolidado, integram categoria econômica. (ROCHA, 2013).

a. Horas extras

Sob a ótica de que a CLT é aplicável aos trabalhadores domésticos, no momento em que o direito previsto pela Carta Magna não estiver disciplinado em Lei Especial, conclui-se que as regras que norteiam a prorrogação e compensação de jornada, inseridas no Art. 59 da CLT, aplicam-se às relações de emprego doméstico. (ROCHA, 2013).

Assim, vejam os termos do Art. 59 da CLT:

Art. 59 - A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho.

Nesse diapasão, desde que haja acordo escrito e individual, o empregador e empregado poderão prevê a possibilidade de prorrogação de jornada de trabalho em até duas horas, bem como compensação. (ROCHA, 2013).

Desta forma, poderão ajustar que o trabalho desempenhado não ultrapassará 10 horas por dia, nem 44 horas por semana, desde que façam por escrito, conforme orienta a Súmula nº 85 do TST. (ROCHA, 2013).

Por oportuno, veja o que disciplina a Súmula nº 85 do TST:

Súmula nº 85 do TST

COMPENSAÇAO DE JORNADA (inserido o item V) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000)

III. O mero não atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

Partes: 1, 2, 3


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