Os descendentes dos romanos



  1. Introdução
  2. Do império romano
  3. A família romana
  4. As heranças grega helênica e judaica
  5. Da terminologia familiar
  6. Bibliografia

Condenado a subsistir sem história ao longo dela, separado da centelha que o engendrou por um precipício incomensurável de ignorância, eis que o Homem sequer conhece a razão de sua existência. Sua atividade favorita, no entanto, parece ser a de tentar convencer os seus semelhantes de suas tão brilhantes quanto improváveis conclusões.

Introdução

O Império Romano estendeu-se por centenas de milhares de quilômetros, cobrindo em seu apogeu uma superfície que ia do Oriente Médio à península ibérica, da Grã-Bretanha ao norte da África. Em seus vários séculos de história, conheceu mudanças de regime e de legislação. Do império à república, do alto latim ao latim cristão, das guerras púnicas à invasão da Bretanha, sua história incomensurável é tão variada quanto insólita. O povo romano e seus líderes, do qual somos em grande parte descendentes distantes, arquitetos das mudanças sofridas pelo império e perpetuador de sua cultura para os vinte séculos que seguiram a sua decadência e queda, deixou para a posteridade um legado incontestado: a sua organização comunitária e social. Do alfabeto correntemente empregado por meio mundo, ao direito romano em grande parte ainda vigente, da organização militar à da família moderna. Em quase tudo o quanto hoje vemos no "mundo ocidental" há um dedo romano.

Logo no início de nossa era até o quinto século, o império enfraqueceu-se e fragmentou-se seguidamente até conhecer o seu fim enquanto entidade. As pessoas que nele habitavam, no entanto, não deixaram de existir: seus descendentes continuaram a habitar as mesmas áreas ou migraram, continuaram a falar a língua que falavam e a organizar-se de forma semelhante, adaptando-se naturalmente sempre às novas circunstâncias encontradas.

A família romana assim se perpetuou em muitas das áreas dantes ocupadas pelo império: nas penínsulas ibérica e itálica, na Gália, Bretanha e Romênia entre outros. As nações que se desenvolveram em seguida nestes locais foram invadidas, dominadas, se expandiram, migraram, teceram reinos e impérios, e perpetuaram por sua vez sua nova cultura, resultante da mistura daquela que herdaram com os diversos incrementos recebidos ao longo da sucessão de fatos históricos notáveis aos quais foram submetidos. Estas nações neoromânicas expandiram-se ainda mais, cruzaram oceanos e estabeleceram-se a milhares de quilômetros de seus lugares de origem.

De fato, a antiga família "pagã" romana do início do império, passando pelas famílias "cristã" romana, a família hispânica, a família galo-romana, a família lusitana sob domínio visigótico, a família romena moderna até as famílias brasileira, argentina ou moçambicana, atravessou um longo período de história com algumas mudanças significativas, mas manteve de certa forma a sua estrutura essencial.

O presente trabalho se propõe a analisar e identificar a família romana em seu contexto histórico, estudando os principais elementos responsáveis por sua configuração padrão, assim como os principais elementos que a correlacionam ao nosso presente. Estes dados nos permitirão compreender a organização familiar moderna ocidental em geral, assim como a dos países de línguas neolatinas em particular. A nomenclatura do parentesco, ou seja, o fato de um indivíduo ser considerado parte de uma família ou não e em que grau, virá a ser explicada no fim do trabalho pela maneira com a qual a cultura em geral evoluiu. Concluiremos que existe uma relação entre o termo empregado para se apelidar alguém que se considera um parente e a função que este desempenha no núcleo familiar.

Para compreender a formação do núcleo familiar romano, faz-se mister conhecer os principais momentos da história geral do império, de maneira a correlacionar a história dos indivíduos com a história do grupo. Teceremos portanto em um primeiro capítulo do trabalho a história do império em linhas gerais, de sua formação, expansão, decadência e queda até a completa fragmentação, salientando os fatos históricos mais pertinentes. Localizaremos geograficamente o império e todos os países dele oriundos de maneira a cernir o mundo neoromânico no mundo não neoromânico.

As influências de outras nações pré ou pós românicas, seus adstratos e superstratos serão levados em consideração no capítulo seguinte, para que se entenda tanto a formação dos primeiros núcleos familiares romanos quanto a formação do núcleo familiar nos países de cultura neoromânica. Dentre as culturas que precederam o império e que o influenciaram, nos demoraremos um pouco mais nas heranças grega helênica e judaica. Analisaremos em seguida os efeitos do processo de cristianização do império romano em sua língua e literatura, ou seja, a sua maneira de expressar-se. Isto significa que veremos em linhas gerais um império pagão cristianizar-se por completo, gerando assim países de cultura neolatina essencialmente cristãos, e como isto se manifestou na cultura do mundo neolatino e sua organização.


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