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SUCEN - Superintendência de Controle de Endemias
TEEP - Tetraetilpirofosfato
TOXCEN - Centro de Atendimento Toxicológico do Espírito Santo
O Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxico do mundo. E dentro deste contexto, está o inseticida malation que é amplamente utilizado no combate às inúmeras pragas na agricultura, no combate a insetos nas residências, na saúde pública e nas indústrias (RAMOS & FILHO, 2004; DELGADO, 2006).
O malation é um composto químico tóxico pertencente à classe dos organofosforados que tem como mecanismo agir no organismo inibindo a acetilcolinesterase (AChE) que é uma enzima que hidrolisa a acetilcolina. A presença continuada da acetilcolina nas terminações nervosas interfere no mecanismo de transmissão neural ocasionando diversos efeitos neurotóxicos. Dentre os efeitos estão: convulsões, tontura, cefaléia, anorexia, vômito, diarréia, distúrbios cardiorrespiratórios e coma (PÓVOA et al, 1997; RODRIGUEZ et al, 2003).
Estudos demonstram ainda, que o malation tem potencial capacidade de alterar o ciclo celular e produzir distorções em nível de replicação do DNA Celular, aberrações cromossômicas e associam-se sua ação a diversas patologias como o câncer, Arteriosclerose, Parkinson, Alzheimer, malformações congênitas, infertilidade e esterilidade (PÓVOA et al, 1997; RODRIGUEZ et al, 2003).
O consumo de malation no Brasil, no período compreendido entre 1991 e 2001, passou de 1.850 para 7.627 toneladas cúbicas devido às políticas governamentais para a agricultura e hoje, como resultado de uma vasta utilização indiscriminada em vários ambientes, torna o malation um dos organofosforados que mais causa intoxicações (DELGADO, 2006).
Esses dados, juntamente, com a inexistência de uma política de controle e fiscalização das vendas e uso dos agrotóxicos, o limitado registro de intoxicação por malation no Brasil, a carência de conscientização e informação da população e dos trabalhadores quanto ao uso correto dos agrotóxicos, o deficiente conhecimento da extensão da carga química de exposição ocupacional (RAMOS & FILHO, 2004; DELGADO, 2006; FARIA et al, 2007) e a importância do conhecimento, pelo enfermeiro, dos efeitos nocivos do inseticida malation decorrente do uso indiscriminado dessa substância, torna relevante esse tema.
Entretanto, evidencia-se uma limitada publicação específica e estudos atuais sobre o inseticida malation. Frente a essa escassez, foi preciso incluir e contextualizar informações sobre os agrotóxicos de modo geral para servir de embasamento. A partir daí, percebe-se que a construção deste trabalho é desafiadora e inovadora.
Do mesmo modo, verifica-se a escassez de estudos disponível sobre as ações do enfermeiro frente à exposição e intoxicação por agrotóxicos e mais raro ainda, quando particulariza-se essas ações no uso indiscriminado do inseticida malation. Sendo assim, dentro da necessidade de construção do trabalho sob uma metodologia cientifica, foi necessário constantemente buscar e correlacionar bibliografias sobre as atribuições do enfermeiro na Saúde Pública e na Saúde do Trabalhador.
A motivação para o estudo foi o incidente ocorrido no Posto de Saúde de Carapina no município da Serra – ES. Conforme Espírito Santo (2001) e Santos (2001), no período entre janeiro e maio de 1996, foi realizado, pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), uma série de controle de pragas com o inseticida malation em todos os ambientes de trabalho do posto de saúde. As aplicações do inseticida sempre ocorriam de madrugada, poucas horas antes do início das atividades dos funcionários, sem qualquer alerta às pessoas que ali trabalhavam e aos pacientes atendidos. Como resultado, os funcionários e pacientes passaram a reclamar do odor insuportável e constante e vários profissionais, inclusive enfermeiros, foram intoxicados, resultando em agravos à saúde.
Em junho de 1997 a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) emitiu um laudo técnico confirmando a contaminação generalizada dos funcionários (ESPÍRITO SANTO, 2001). Entretanto, não foram obtidos maiores esclarecimentos sobre o episódio, pois, de acordo com os coordenadores do Centro de Atendimento Toxicológico do Espírito Santo (TOXCEN), os dados são confidenciais.
Considera-se que esse incidente, ocorrido no próprio ambiente de trabalho do enfermeiro, poderia ter sido evitado se a equipe de enfermagem estivesse preparada e atenta para identificar o risco de intoxicação nessa circunstância.
Portanto, reconhecendo o enfermeiro como educador e interventor permanente através do estudo de Silveira (2001), são abordados neste trabalho as ações preventivas e investigativas da enfermagem na exposição e intoxicação por inseticida malation.
2.1 OBJETIVO GERAL
Descrever os danos causados à saúde humana devido ao uso indiscriminado do inseticida malation.
2.2 OBJETIVO ESPECÍFICO
Prevenir os danos causados à saúde humana decorrente do uso indiscriminado do inseticida malation através das ações de enfermagem.
Esta investigação constitui-se de uma pesquisa bibliográfica, com abordagem qualitativa que visa fornecer conhecimento aprofundado sobre os danos a saúde humana causados pelo uso indiscriminado do inseticida malation.
Entende-se que uma abordagem bibliográfica e qualitativa proporciona uma valorização das percepções quanto às manifestações clínicas decorrentes do uso indiscriminado do inseticida malation, revela a problemática da grande incidência de casos de intoxicação no Brasil, a falta de um controle eficaz sobre a venda e uso deste produto e a ausência de registros sobre intoxicações por malation. E, não menos importante, permite demonstrar a importância da ação do enfermeiro na promoção da saúde nesse processo.
Sendo assim, foi preciso partir em busca de uma literatura especializada: publicações de artigos científicos, livros, manuais e protocolos publicados por instituições públicas redigidos em língua portuguesa, espanhola e inglesa. Essa literatura está disponibilizada na web, principalmente na biblioteca virtual da BIREME e do Scielo, na biblioteca da Universidade Federal do Espírito Santo, na Faculdade Novo Milênio, no acervo do Centro de Atendimento Toxicológico do Espírito Santo (TOXCEN/ES) e em acervos particulares.
A partir dessa seleção iniciamos a leitura aprofundada que resultou nessa compilação bibliográfica que está dividido em partes que incluem: classificações dos agrotóxicos, principais grupos expostos aos agrotóxicos, tipos de intoxicação, normas e medidas ocupacionais para prevenção e controle de intoxicações por agrotóxico, ações preventivas do enfermeiro frente à exposição e intoxicação por malation, características e apresentação do produto malation, manifestações clínicas por exposição ao malation e tratamento das intoxicações.
Pode-se afirmar que a metodologia foi construída a partir do pensamento e conhecimento que se tem sobre o tema. E que esse método se consolidou ao longo da realização, aprofundamento e conclusão do trabalho.
4.1 DEFINIÇÃO
De acordo com a Lei Federal nº 7802, de 11/07/89 e regulamentada pelo Decreto nº 4074, de 04/01/2002, definem-se agrotóxicos como sendo (BRASIL, 1989):
Produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento.
Não estão incluídos nessa definição, os medicamentos, vacinas, antibióticos de uso humano ou veterinário, fertilizantes e químicos administrados a animais para estimular crescimento ou modificar comportamento reprodutivo (MENDES, 2005; OPAS, 1997).
Para serem vendidos ou expostos à venda (Figura 1) em todo o território brasileiro os agrotóxicos devem ter embalagens, rótulo e bula que atendam as especificações e dizeres aprovados pelos órgãos federais dos setores da agricultura, da saúde e do meio ambiente (BRASIL, 2005).
Figura 1 - Diversos produtos agrotóxicos à venda.
Fonte: Os autores.
Entre outras informações, o produto deve conter no rótulo a classificação toxicológica, instruções de uso, possíveis efeitos prejudiciais sobre a saúde do homem, precauções para evitar danos, instruções para casos de acidente, incluindo sintomas de alarme, primeiros socorros e antídotos (BRASIL, 1989).
No Brasil, para aquisição de agrotóxicos, é obrigatório que haja receituário agronômico[1]entretanto, o que se vê muitas vezes, é a venda livre de produtos altamente tóxicos em muitos locais, resultando assim, em uso abusivo, numa falta de cuidados em desconhecimento sobre os perigos desses produtos e conseqüentemente, numerosos casos de intoxicações, muitas vezes fatais (MENDES, 2005).
4.2 CLASSIFICAÇÃO
Existem no Brasil, mais de 300 princípios ativos, cerca de 572 produtos técnicos e 1.079 agrotóxicos formulados no mercado brasileiro para o uso na agricultura, domissanitários e na saúde pública. Tornando assim, útil a classificação destes produtos (OPAS, 1997; SUCEN, 2000; MENDES, 2005; BRASIL, 2006).
E segundo SUCEN (2000), a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) do Ministério da Saúde e a Secretaria de Defesa Vegetal (SDV) do Ministério da Agricultura são os órgãos responsáveis por regular e fiscalizar a distribuição e comercialização desses produtos.
4.2.1 Classificação quanto às pragas que atuam
4.2.1.1 Inseticidas
São substâncias que possuem a ação de combater insetos e são divididos em quatro grupos distintos, conforme característica química: organofosforados, carbamatos, organoclorados e piretróides (OPAS, 1997; ITHO, 2002; MENDES, 2005; SANTOS et al, 2007).
4.2.1.2 Fungicidas
Como o próprio nome sugere, são agrotóxicos que combatem fungos. Atualmente há diversos fungicidas disponíveis no mercado. Os principais grupos são: etileno-bis-ditiocarbonatos, trifenil estânico, hexaclorobenzeno, compostos mercuriais e O-etil-S, S-difenilditiofosfato (LARINI, 1997; OPAS, 1997).
4.2.1.3 Herbicidas
Combatem ervas daninhas. Nas últimas duas décadas, este grupo tem tido uma utilização crescente na agricultura. Seus principais representantes são: paraguat, glifosato, pentacloofenol, derivados do ácido fenoxiacético e dinitrofenóis (OPAS, 1997).
4.2.1.4 Outros grupos importantes (LARINI, 1997; SUCEN, 2000):
- Rodenticidas (dicumarínicos): utilizados no combate a roedores.
- Acaricidas: ação de combate a ácaros diversos.
- Nematicidas: ação de combate a nematóides.
- Moluscicidas: ação de combate a moluscos, basicamente contra o caramujo da esquistossomose.
- Fundigantes: ação de combate a insetos, bactérias, fosfetos metálicos (fosfina) e brometo de metila.
- Escorpionicidas: utilizado no combate aos escorpiões.
- Vampiricidas: ação de combate aos morcegos.
4.2.2 Classificação quanto à toxicidade do agrotóxico
Esta classificação é feita a partir do poder tóxico que o agrotóxico possui. É uma classificação importante, pois permite determinar a toxicidade de um produto, do ponto de vista de seus efeitos agudos. No Brasil, o Ministério da Saúde é responsável por essa classificação (OPAS, 1997).
A verdade é que todas as substâncias químicas podem ser tóxicas que são determinadas pela dose que é absorvida ou que, de qualquer modo, são introduzidas no organismo (MENDES, 2005).
A Tabela 1 apresenta os diferentes grupos de perigo das substâncias químicas, a dose letal de 50% (DL50[2]comparando-as com as doses mortais, aproximadas, para o homem (OPAS, 1997).
Tabela 1 – Classificação toxicológica dos agrotóxicos segundo a DL50.
GRUPOS |
DL50 (MG/Kg) |
DOSES CAPAZES DE MATAR UMA PESSOA ADULTA |
||||
Extremamente tóxicos |
= 5 |
1 pitada – algumas gotas |
||||
Altamente tóxicos |
5-50 |
1 colher de chá – algumas gotas |
||||
Medianamente tóxicos |
50 –500 |
1 colher de chá – 2 colheres de sopa |
||||
Pouco tóxicos |
500-5000 |
2 colheres de sopa – 1 copo |
||||
Muito pouco tóxicos |
5000 ou + |
1 copo – 1 litro |
Fonte: OPAS (1997).
De acordo com OPAS (1997) por lei, todos os produtos agrotóxicos devem apresentar nos rótulos uma faixa colorida indicando sua classe toxicológica (Figura 2).
Figura 2 -Classe toxicológica e cor da faixa no rótulo de produto agrotóxico.
Fonte: Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF).
Vale salientar que a classificação toxicológica reflete essencialmente a toxicidade aguda e não indica os riscos de doenças de evolução prolongada como, por exemplo, câncer, neuropatias, hepatopatias e problemas respiratórios crônicos (FARIA et al, 2007).
5.1 USO DOMICILIAR
O Ministério da Saúde autoriza que alguns inseticidas possam ser empregados nas residências, no peridomicílio, como jardins e quintais. Estes produtos apresentam toxicidade relativamente baixa, principalmente nas diluições em que são permitidos (MENDES, 2005).
Entretanto, como resultado de uma fiscalização deficiente, ocorre a venda indiscriminada de produtos altamente tóxicos licenciados apenas para uso agrícola em supermercados e em lojas ou até mesmo, por ambulantes em vias públicas. Sem contar a existência de contrabando que possibilita a entrada e venda de produtos já proibidos ou nunca licenciados (MENDES, 2005; BRASIL, 2006).
5.2 USO EM SAÚDE PÚBLICA
O Ministério da Saúde e a Organização Mundial em Saúde (OMS) são as instituições responsáveis pela avaliação e aprovação dos agrotóxicos que são empregados na saúde pública. Esses produtos são utilizados para controlar ou erradicar vetores e hospedeiros transmissores de diversas enfermidades, como por exemplo, Dengue, Malária e Doença de Chagas (SUCEN, 2000; MENDES, 2005; LIMA et al, 2007).
De acordo com Lima (2007), os organofosforados, carbamatos, piretróides e organoclorados são alguns dos grupos químicos de inseticidas utilizados em campanhas de saúde pública. Sendo que o Diclorodifenil Tricloroetano (DDT), apesar de seu comprovado acúmulo nos tecidos orgânicos e seu potencial efeito cancerígeno em animais de laboratório, ainda é permitido nos programas de controle vetorial.
No estado de São Paulo, por exemplo, os principais ingredientes ativos usados na saúde pública são: fenitrotion, malation, temefos, cipermetrina, deltametrina, Bacillus thuingiensis, pertencente ao grupo biológico dos agrotóxicos, e o sal de niclosamida etanolamina, usado no combate aos moluscos (SUCEN, 2000).
5.3 USO AGROPECUÁRIO
No Brasil, o consumo de agrotóxico no período compreendido entre 1990 e 2001, passou de 1.850 para 7.627 toneladas cúbicas. Esse dado reflete a intensidade de consumo de agrotóxicos principalmente na agropecuária para o combate e prevenção de pragas. Tal necessidade é atribuída à homogeneização do ambiente, o que transforma muitos predadores naturais em pragas (BRASIL, 2006; DELGADO, 2006).
Há uma diversidade de agrotóxicos sendo usados na agricultura. Esses agrotóxicos são registrados e licenciados pelo Ministério da Agricultura e avaliados pelo Ministério da Saúde, quanto à toxicidade para o homem e pelo Instituto Brasileiro para o Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) quantos aos aspectos ambientais (MENDES, 2005).
Conforme TOXCEN (2001) predominaram, no período de 1992 a 2001, intoxicações humanas por produtos de uso agrícola (72,5%) em relação aos usos domésticos (27,5%) (Tabela 2).
Tabela 2 – Casos registrados de intoxicações humanas por agrotóxicos.
AGENTE |
TOTAL |
% |
|
Agrotóxico de uso agrícola |
2145 |
72,5 |
|
Agrotóxico de uso doméstico |
815 |
27,5 |
|
TOTAL |
2960 |
100 |
Fonte: TOXCEN (2001).
Além disso, os agrotóxicos são utilizados na construção e manutenção de estradas, tratamentos de madeiras para a construção e indústrias moveleiras. Enfim, os usos dos agrotóxicos excedem muito aquilo que comumente se reconhece (BRASIL, 2006).
Uma das principais formas de exposição aos inseticidas ocorre no trabalho. Entre os grupos de profissionais que têm contato com os agrotóxicos, destacam-se os trabalhadores da agricultura e pecuária, da saúde pública, de empresas de controle de pragas, de transporte, comércio e produção de agrotóxicos (RAMOS & FILHO, 2004; BRASIL, 2006).
6.1 TRABALHADORES DA AGROPECUÁRIA
Os trabalhadores da agricultura (Figura 3) e pecuária representam o grupo mais exposto aos agrotóxicos. No plantio, roçado, colheitas, nos cuidados com os animais, no preparo e manipulação do agrotóxico, no armazenamento inadequado e no aproveitamento das embalagens vazias ficam em contato direto com o toxicante (MELO et al, 1985; RAMOS & FILHO, 2004).
As intoxicações vão desde sintomas leves, como sudorese, náusea, mal estar e sialorréia até intoxicações graves, principalmente nos trabalhadores que fazem as pulverizações nas plantações e trabalham na colheita e poda. Esse quadro é agravado pelo baixo nível socioeconômico e cultural da maioria dos trabalhadores (MELO et al, 1985; RAMOS & FILHO, 2004, RIBEIRO & MELLA, 2007).
Figura 3 - Trabalhador da agricultura sem EPI.
Fonte: Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
É preciso destacar que a maioria da população da zona rural está exposta aos agrotóxicos, seja diretamente porque trabalha com eles, seja indiretamente porque trabalha ou reside em áreas onde estes produtos são usados. Este quadro, somado ao pouco preparo dos aplicadores e a falta de informações que deveriam ser dadas pelos engenheiros-agrônomos ou pelos capatazes, chefes ou fazendeiros resultam em um grande número de casos de intoxicação em meio rural (MENDES, 2005).
6.2 TRABALHADORES DA SAÚDE PÚBLICA
Os trabalhadores sanitaristas que realizam a aplicação de inseticidas, nos programas de saúde pública (Figura 4), para o controle ou combate de vetores e hospedeiros intermediários de agentes causadores de doenças e também no combate de animais peçonhentos e roedores, continuamente ficam expostos aos produtos cuja toxicidade vai de muito pouco a medianamente tóxico (SUCEN, 2000; RAMOS & FILHO, 2004; LIMA, 2007).
Esses trabalhadores podem absorver o produto pela via dérmica e área, principalmente entre aqueles que realizam pulverização. Os riscos de intoxicação estão principalmente na falta de equipamentos de proteção individual (EPI) ou desconhecimento da forma correta de manipulação do agrotóxico (LIMA, 2007).
Figura 4 - Trabalhadores realizando controle de vetores na saúde pública.
Fonte: Globo.
Lima (2007) cita que no estado de Pernambuco, foi realizado um estudo com trabalhadores sanitaristas expostos a OF e piretróides, com objetivo de avaliar as alterações auditivas periféricas. O estudo revelou que, entre os trabalhadores expostos somente aos inseticidas, havia 63,8% com alterações auditivas.
Esse resultado indica que a aplicação de agrotóxicos em lugares públicos deva ser realizada por uma equipe especializada, treinada e supervisionada, pois apresenta riscos não somente para os aplicadores como também, para a população (MENDES, 2005; LIMA, 2007).
6.3 OUTROS PROFISSIONAIS
Outros profissionais que freqüentemente são acometidos por intoxicações agudas são os das firmas do controle de pragas e de transporte e comércio dos agrotóxicos Esses últimos, ficam expostos aos agrotóxicos durante a manipulação e manuseio dos produtos. (RAMOS & FILHO, 2004).
Com relação aos trabalhadores de indústrias de formulação de agrotóxicos, estes têm contato direto com a formulação do agrotóxico, entretanto, os casos de intoxicação aguda nestes grupos são raros devido ao controle maior no ambiente de trabalho. Por outro lado, as intoxicações crônicas são os grandes riscos que correm (RAMOS & FILHO, 2004).
A equipe de saúde, inclusive a enfermagem, que faz o atendimento emergencial e intensivo do paciente intoxicado, também é um grupo de risco à intoxicação principalmente quando realiza procedimentos de descontaminação do paciente (ITHO, 2002).
Além da exposição ocupacional, Filla & Vestena (2008) consideram que a população geral também constitui um grupo exposto aos efeitos nocivos de produtos agrotóxicos sob a forma de exposição intencional ou acidental, incluindo ingestão de resíduos contidos nos alimentos.
7.1 NOTIFICAÇÕES
No Brasil, devem ser notificados os casos suspeitos de efeitos nocivos à saúde humana decorrentes de exposição aos agrotóxicos. Essa notificação deve ser registrada pelo setor de Vigilância em Saúde ou nas Unidades de Saúde do município. O instrumento de notificação é o Sinan-NET (Figura 5) - um sistema informatizado que considera de forma conjunta as intoxicações exógenas, ou seja, não é específico para as intoxicações por agrotóxicos. É composto pelas fichas de notificação (ANEXO A) e de investigação de intoxicação por agrotóxico (ANEXO B) (POSSAMAI, 2005; BRASIL, 2006; BRASIL, 2007).
Figura 5: Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan-NET.
Fonte: Brasil (2007).
A enfermagem tem papel importante na notificação e contribui ativamente no registro epidemiológico de intoxicação no Brasil. Além de estimular à população a notificar, realiza visitas a locais em que ocorreram intoxicações, notifica os casos à vigilância e identifica a notificação através de esclarecimentos sobre a importância e objetivos, para outros profissionais da saúde, pacientes e população em geral, revisa as fichas de notificação dos pacientes atendidos, avaliando os dados coletados e a qualidade do atendimento prestado, codificando-as para informatização e compilação estatística (FONSECA, 1996; KAWAMOTO et al, 1995).
7.2 EPIDEMIOLOGIA
Os registros de casos de intoxicações por agrotóxicos no Brasil ainda são limitados porque não há notificação compulsória. Porém, os dados sobre intoxicações, disponíveis nos centros de controle, existentes na maioria dos estados, permitem avaliar a gravidade deste problema. Estes dados são repassados à Fundação Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro) que publica um relatório anual com a consolidação dessas informações (RAMOS & FILHO, 2004; MENDES, 2005).
É importante salientar que esses dados representam apenas uma pequena parte das intoxicações ocorridas no país. A grande maioria dos casos leves não é reportada e os casos mais graves, tratados em hospitais, também não costumam ser notificados. De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS, estima-se que para cada caso de intoxicação notificado existam 50 outros não notificados (ITHO, 2002; MENDES, 2005).
Além disso, quando ocorre a procura por registros precisos de intoxicação por inseticida malation, verifica-se que não há, nos sistemas oficiais de registros, números de casos referidos a uma única sustância, somente há registros englobando todas as intoxicações ocorridas por organofosforados e/ou outros produtos agrupados sob o termo agrotóxico (BRASIL, 2006).
Para Brasil (2006), o fato de os trabalhadores não registrarem dados referentes à freqüência, dose e tempo de exposição, torna mais limitado os registros e a análise de risco por exposição. Nestas condições, dados como número de aplicações por mês, número de horas de aplicação por dia, mês e ano, assim como dose empregada, produtos utilizados etc. não são sistematicamente registrados.
Para agravar o quadro, a maioria das pequenas propriedades rurais realiza misturas de produtos, com características químicas e toxicológicas distintas, cujos efeitos para a saúde são pouco conhecidos pela ciência (BRASIL, 2006).
Segundo TOXCEN (2006) foram registrados, somente em 2006, 663 casos de intoxicação humana por agrotóxicos de uso agrícola e domiciliar ocorridos somente no Estado do Espírito Santo. Isso significa 13% de todas as notificações. Dentre essas, foram registrados um total de 20 óbitos decorrentes do uso dos agrotóxicos.
Já os dados estatísticos dos Centros de Toxicologia de Belo Horizonte, Campinas, Florianópolis, Ribeirão Preto, Londrina e Maringá mostram que de 495 casos de intoxicações ocupacionais, cerca de 34,9% foram devidos a organofosforados; de 622 casos de tentativas de suicídio, 38,1% resultaram do uso de compostos deste grupo; de 38 casos de óbitos, 44,7% foram devidos a organofosforados. Esses dados constatam que os compostos organofosforados são responsáveis pela maioria das intoxicações por agrotóxicos no país (UNICAMP/ANDEF/SINDAG, 1994 apud CAVALIERE 1996).
Somente no Estado de Santa Catarina, foram registrados 186 casos de intoxicação por agrotóxico, no ano de 2004. Desses, 149 dos casos, ou seja, 80% correspondem à intoxicação por organofosforados, resultando em seis óbitos (POSSAMAI, 2005 apud INCA, 2005).
No âmbito nacional, o SINITOX (2003) registrou no Brasil, no ano de 2003, 14.064 notificações referentes a casos intoxicação humana por agrotóxicos de uso agrícola, uso doméstico e produtos veterinários e raticidas.
De acordo com o TOXCEN (2001), dos 172 casos de óbitos por intoxicação ocorridos entre 1999 e 2001, 93 casos foram decorrentes do uso de agrotóxicos na agricultura e em domicilio (Tabela 3).
Tabela 3 – Óbitos registrados de intoxicação humana segundo agente tóxico.
AGENTE |
Nº CASOS |
|
Medicamentos |
36 |
|
Agrotóxico-Agrícola |
88 |
|
Agrotóxico-Domiciliar |
5 |
|
Produto veterinário |
1 |
|
Raticidas |
2 |
|
Domissanitários |
4 |
|
Produto químico |
4 |
|
Droga Abuso |
2 |
|
Plantas |
4 |
|
Animais peçonhento-escorpião |
5 |
|
Outros animais peçonhentos |
11 |
|
Desconhecido |
10 |
|
TOTAL |
172 |
Fonte: TOXCEN (2001).
A Tabela 4 apresenta uma visão dos números casos de intoxicação por agrotóxicos ocorridos em diversas circunstâncias no Brasil em 2003 (FARIA et al, 2007):
Tabela 4 – Intoxicação por agrotóxicos em diversas circunstâncias em âmbito nacional.
INTOXICAÇÕES POR AGROTÓXICOS |
SINITOX BR 2003 |
% |
|
Total de casos |
14064 |
100% |
|
Circunstâncias: Acidental Ocupacional Tentativa de suicídio Outras/ ignorada |
5354 2196 5706 808 |
38,1% 15,6% 40,6% 5,8% |
|
Proporção de agrotóxicos/ total de intoxicações |
|
17,0% |
|
Coeficiente/ 100.000 |
8,0 |
|
Fonte: Dados adaptados de Faria et al (2007).
7.3 CENTROS DE CONTROLE DE INTOXICAÇÃO
Os Centros de Controle de Intoxicação (CCIs) são centros que realizam atendimento de pessoas que sofreram intoxicações agudas e crônicas, de origem acidental, ocupacional ou por suicídio (FONSECA, 1996; RIBEIRO & MELLA, 2007).
Há cerca de 32 CCIs distribuídos pelo Brasil e são formados por equipes multiprofissionais, como médicos e enfermeiros (RIBEIRO & MELLA, 2007). O Estado do Espírito Santo conta com o Centro de Atendimento Toxicológico (TOXCEN) instalado no Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória localizado no município de Vitória (ITHO, 2001).
Segundo Fonseca (1996) no Brasil a participação da enfermagem nos CCIs ainda é pouco representada, ao contrário de outros países aonde o enfermeiro chega ser o principal profissional atuante e especializado.
Para ter uma visão da potencialidade do trabalho da enfermagem nos CCIs, pode-se citar algumas das muitas funções deste profissional no Centro de Controle de Intoxicação da UNICAMP (FONSECA, 1996): presta assistência de enfermagem especializada em toxicologia, realiza visitas aos pacientes internados por intoxicações, realiza visitas a locais em que ocorreram intoxicações, avaliando o risco envolvido e sugerindo mudanças para prevenir novas ocorrências, realiza e revisa as fichas de notificação dos pacientes atendidos, administração de reuniões, cursos e palestras referentes à intoxicação em geral e, juntamente com a equipe e outros órgãos, elabora projetos de monitoramento biológico e clínico de trabalhadores expostos a determinados riscos (FONSECA, 1996).
Os agrotóxicos são considerados agentes tóxicos por apresentarem diferentes graus de toxicidade produzindo uma resposta prejudicial ao organismo (SUCEN, 2000).
A alteração no estado de saúde do individuo por exposição ao agrotóxico vai depender da característica química, toxicidade e quantidade do produto, a concentração ambiental, o tempo e freqüência da exposição, a via de absorção e sensibilidade do organismo exposto (SUCEN, 2000; FUNASA, 2001; BRASIL; 2006).
Em contato com o homem, podem ser absorvidos através da via dérmica, gastrintestinal e respiratória, acarretando diversos sinais e sintomas específicos de intoxicação aguda, subaguda e crônica que poderão se manifestar de forma leve, moderada ou grave (PASSAMAI, 2005; INCA, 2006; RIBEIRO & MELLA, 2007).
8.1 INTOXICAÇÃO AGUDA
Na intoxicação aguda por agrotóxico ocorre o aparecimento de diversos sinais e sintomas (Tabela 5), que se apresentam de forma súbita, alguns minutos ou algumas horas após intensa exposição. Essa exposição pode ocorrer de forma leve, moderada ou grave (BRASIL, 2006; RIBEIRO & MELLA, 2007).
Tabela 5 – Classificação do tipo de intoxicação aguda por agrotóxico.
TIPO DE INTOXICAÇÃO AGUDA |
QUADRO CLÍNICO |
||
Aguda leve |
Cefaléia, irritação, cutâneo-mucosa, dermatite de contato irritativa ou por hipersensibilização, náusea e discreta tontura.
|
||
Aguda Moderada |
Cefaléia intensa, náusea, vômito, cólicas abdominais, tontura mais intensa, fraqueza generalizada, parestesia, dispnéia, salivação e sudorese aumentada.
|
||
Aguda Grave |
Miose, hipotensão, arritmias cardíacas, insuficiência respiratória, edema agudo de pulmão, pneumonite química, convulsões, alterações da consciência, choque, coma, podendo evoluir para óbito. |
Fonte: Silva et al (2006).
8.2 INTOXICAÇÃO SUBAGUDA
A intoxicação subaguda ocorre por exposição moderada ou pequena a produtos altamente tóxicos e tem evolução sintomática lenta. Os sinais costumam ser subjetivos e vagos, como: cefaléia, fraqueza, mal-estar e dores abdominais (RIBEIRO & MELLA, 2007; FILLA & VESTENA, 2008).
8.3 INTOXICAÇÃO CRÔNICA
Na intoxicação crônica os efeitos na saúde humana têm surgimento tardio (meses ou anos) e surgem no decorrer de repetidas exposições a produtos tóxicos ou múltiplos produtos, acarretando danos irreversíveis. Como resultado, os quadros clínicos são indefinidos, levando a uma maior dificuldade de ser realizar um diagnóstico, de se estabelecer causa e efeito além de ocasionar tratamentos equivocados. (RAMOS & FILHO, 2004; BRASIL, 2006; FILLA & VESTENA, 2008).
A dificuldade de se estabelecer um diagnóstico se torna ainda maior quando analisamos a situação do trabalhador rural brasileiro. Este, freqüentemente se expõe a diversos produtos, por longos períodos, resultando em quadros sintomatológicos combinados, mais ou menos específicos que se confundem com outras doenças comuns em nosso meio (OPAS, 1997; RIBEIRO & MELLA, 2007).
Tanto RAMOS & FILHO (2004) quanto Brasil (2006) descrevem que intoxicação crônica pode atingir vários órgãos e sistemas e pode ocasionar diversas patologias reversíveis e irreversíveis (Tabela 6).
Tabela 6 – Patologias ocasionadas por intoxicações crônicas de acordo com tipo de exposição ao agrotóxico.
TIPO DE EXPOSIÇÃO AO AGROTÓXICO |
PATOLOGIAS |
||
Exposição única ou por curto período |
Paresia e paralisia reversível, ação neurotôxica retardada irreversível, Pancitopenia e distúrbios neuropsicológicos. |
||
Exposição continuada por longo período |
Lesão cerebral irreversível, tumores malignos, atrofia testicular, esterilidade masculina, alterações neurocomportamentais, Neurites periféricas, Dermatites de contato, atrofia de catarata, atrofia de nervo óptico, Lesbes hepáticas, etc. |
Fonte: OPAS (1997).
Para Mendes (2005) e Itho (2002) as causas mais freqüentes das intoxicações agudas são:
- Falta de informações e orientações adequadas sobre os perigos decorrentes do uso dos agrotóxicos.
- Falta de acesso às informações de prevenção.
- A venda e uso não controlado dos produtos altamente tóxicos.
- A ineficiente fiscalização no controle das vendas e utilização dos agrotóxicos.
- O não cumprimento das medidas higiênicas fundamentais como, por exemplo, lavar as mãos e o rosto antes de comer, beber ou fumar.
- Falta do equipamento de proteção individual (EPI).
- Falhas nos equipamentos.
- Condições orgânicas adversas: exposições repetidas; intoxicações subclínicas, deficiência renal; irritação cutânea, insuficiência hepática, anemia, exaustão, alimentação hipoprotéica e desnutrição.
- A atividade perigosa sendo realizada por indivíduos menores de idade.
- Condições climáticas e topográficas desfavoráveis para aplicação do produto.
- Manipulação e/ou aplicação de produtos altamente tóxicos e concentrados sem precauções de segurança.
- Pilotos agrícolas que efetuam as operações de carga e descarga dos aviões e que voam sem respeitarem os requisitos de segurança.
- Contaminação de alimentos por estarem armazenados ou expostos à venda no mesmo local.
- Venda parcelada de agrotóxicos, em embalagens inadequadas.
- Transporte de embalagens de agrotóxicos e de alimentos em um mesmo veículo.
9.1 MEDIDAS GERAIS DE PREVENÇÃO
A entrada do trabalhador em qualquer entidade que envolva o manuseio de agrotóxico exige que este faça exame médico pré-admissional e se submeta aos exames de saúde periódicos. Em caso de contato com os inseticidas organofosforados, efetuar o exame de dosagem periódica da colinesterase sanguínea no mínimo, semestralmente e dependendo do resultado, o trabalhador deve ser afastado temporariamente ou definitivamente da atividade (LIMA, 2007).
É necessário assegurar que a formulação tóxica contenha embalagem, rótulo e bula ou folheto de acordo com a Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989: apresente grau de toxicidade, simbologia de perigo, pictograma (diagrama ilustrado de figura), medidas de proteção necessárias, dosagem estipulada e demais dados de ordem toxicológica (SUCEN, 2000; MENDES, 2005).
Além de o produto conter informações relevantes na embalagem, é imprescindível que o profissional tenha um nível de instrução que o permita ler e compreender as informações sobre a manipulação correta do agrotóxico e medidas de segurança para não ficar suscetível aos riscos de acidentes (RIBEIRO & MELLA, 2007), pois como defendem Filla & Vestena (2008), o nível educacional é um fator socioeconômico importante para a redução de contaminação por agrotóxicos.
Para a segurança, tanto do aplicador como de toda a comunidade, é importante usar os agrotóxicos onde e quando absolutamente necessários, fazer a adequada seleção do produto para praga que se quer controlar e efetuar cálculo correto da mistura a ser aplicada. Não contaminar as águas, os alimentos, nem os utensílios de cozinha e não permitir que animais domésticos, curiosos, pessoas doentes, idosos e gestantes permaneçam nos locais de preparo e aplicação de agrotóxicos. Obedecer à compra de produtos de extrema e altamente perigosos apenas com receita agronômica (SUCEN, 2000; MENDES, 2005,).
Ao manusear o agrotóxico, utilizar corretamente o EPI (Figura 6), conforme estado físico e indicação do produto utilizado: calça e camisa de mangas compridas, avental, capa impermeável, botas, luvas, chapéu impermeável, máscara, óculos protetores e respiradores com filtro adequado. Não aplicar o produto nas horas mais quentes do dia, trabalhar longe do fogo, não aplicar contra o vento e na presença de ventos fortes. Nunca desentupir bicos, orifícios e válvulas dos equipamentos com a boca e nunca tocar o rosto ou qualquer parte da pele com as mãos ou luvas sujas (FUNASA, 2001; GARCIA, 2005; INCA, 2006).
Figura 6 - Trabalhador de controle de vetores com EPI.
Fonte: Os autores.
Em hipótese alguma o aplicador deve comer, fumar e beber durante as aplicações. No caso dos inseticidas OF e carbamatos, a interação de bebida alcoólica com estes compostos pode acarretar em uma queda acentuada no valor da colinesterase sanguínea aumentando o risco de intoxicação aguda (SUCEN, 2000; GARCIA, 2005; INCA, 2006).
Deve-se obedecer a limitação da jornada diária de trabalho: o número das horas diárias trabalhadas com formulações tóxicas deve ser inversamente proporcional ao grau de toxicidade do produto; isto é, quanto mais perigosa a formulação, menos número de horas diárias de possível contato, a fim de evitar que o teor absorvido, mesmo por via cutânea e alcance uma concentração letal no organismo humano (MENDES, 2005).
Após o manuseio do produto, imediatamente retirar as roupas de proteção e tomar banho com água corrente e sabão em pedra (alcalino). Não se esquecer de efetuar a lavagem das roupas de proteção separadamente de outras roupas não contaminadas (GARCIA, 2005; INCA, 2006).
Os agrotóxicos devem ser mantidos unicamente em recipientes fechados. Nunca deixar recipientes ou embalagens com praguicidas em local acessível a crianças ou animais domésticos. Jamais reutilizá-las para armazenar alimentos ou água (Figura 7) e as embalagens vazias4 devem ser encaminhadas aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridas, observando as instruções de rótulos e bula (MENDES, 2005; INCA, 2006).
Figura 7 - Criança bebendo água em embalagem de agrotóxico.
Fonte: Portalms.
É importante salientar, que a maneira mais eficaz de prevenção de acidentes por agrotóxicos seria reduzir, ou até mesmo, eliminar o uso destes compostos. Uma alternativa seria a utilização de produtos menos tóxicos ou a adoção de métodos alternativos não químicos que geram menor impacto negativo para a saúde e o meio ambiente (DOMINGUES et al, 2004; GARCIA, 2005).
9.2 NORMAS E MEDIDAS PARA PREVENÇÃO DOS ACIDENTES NAS INDÚSTRIAS DE AGROTÓXICOS
Segundo Mendes (2005) as medidas preventivas nas indústrias de agrotóxicos são as seguintes:
- Conscientizar os diretores das firmas e os coordenadores dos serviços para os problemas toxicológicos dos agrotóxicos e a importância da adoção das medidas e normas de segurança, como o uso do EPI.
- Facilitar o banho diário e que as roupas sejam trocadas e lavadas diariamente.
- Estimular as reuniões freqüentes das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAS), formadas pelos próprios operários.
- Manter atendimento de profissionais de saúde em instalação adequada para as medidas de primeiros socorros em caso de acidentes.
- Estabelecer contato com hospital mais próximo para atendimento rápido nos casos de acidente.
9.3 NORMAS E MEDIDAS PARA PREVENÇÃO DOS ACIDENTES NAS LAVOURAS, NA SAÚDE PÚBLICA E NAS FIRMAS DE CONTROLE DE PRAGAS
É importante conscientizar os agropecuários, o pessoal das cooperativas agrícolas, os gestores públicos e os empresários do ramo de controle de pragas para os problemas toxicológicos dos agrotóxicos, da necessidade de manter instalações adequadas para atendimento de pronto-socorro e contato facilitado com o centro de intoxicação da localidade e hospital mais próximo (MENDES, 2005).
Mendes (2005) lembra ainda, que na agricultura deve-se observar rigorosamente o período de segurança para reentrada de agrotóxico nas culturas tratadas, usar o produto recomendado na dosagem indicada, durante a aplicação não respirar os pós, vapores ou névoas; não pulverizar contra o vento e nem ao lado de outros pulverizadores.
No controle de vetores, as aplicações de agrotóxico, com bomba motorizada, devem ser cessadas quando a viatura estiver parada no trânsito, próximo aos estabelecimentos de comércio de gênero alimentícios, estação de tratamento de água, prontos-socorros, hospitais, asilos, creches, locais de grande aglomeração de pessoas ou sempre que a velocidade da viatura for menor que o limite estabelecido (SUCEN, 2000; FUNASA 2001).
Obedecer às precauções na preparação do produto: abrir com cuidado e não furar as embalagens para retirar o produto. Se o produto estiver sem rótulo, não cheirar o produto e nem provar. Preparar o produto em locais isolados, bem iluminados, frescos e ventilados, de preferência ao ar livre (GARCIA, 2005).
Obedecer às precauções na aplicação do produto: a aplicação de agrotóxico deve ser realizada apenas por pessoas capacitadas e treinadas. Comunicar sempre, à pessoa responsável pelo local tratado, o tipo de agrotóxico em uso e as precauções que devem ser adotadas em relação ao mesmo (SUCEN, 2000).
Atentar para os equipamentos de aplicação (Figura 8): antes de iniciar o trabalho, verificar as condições dos equipamentos. Não utilizar equipamentos com defeitos, em mau estado de funcionamento. Na manutenção dos aparelhos de aplicação, torna-se necessário proceder a lavagem rotineira dos mesmos (SUCEN, 2000; GARCIA, 2005).
Figura 8-Equipamentos de aplicação de agrotóxicos.
Fonte: Os autores.
Obedecer às precauções após a aplicação: o operador e outras pessoas não devem circular por áreas já tratadas. Para embalagens de formulações líquidas, imediatamente após o esvaziamento, deverão ser mantidas voltadas para baixo, sobre a abertura do tanque do pulverizador ou sobre o vasilhame que está sendo utilizado para o preparo da calda até o esgotamento do produto da embalagem. Realizar a lavagem tríplice[3]Eventuais restos dos produtos devem ser recolhidos e o local de preparação e manuseio de agrotóxicos, materiais e EPI devem ser rigorosamente limpos após cada jornada de trabalho (SUCEN, 2000; FUNASA, 2001).
A qualidade e rapidez do atendimento de pronto socorro são determinantes na recuperação de um trabalhador intoxicado por agrotóxico. Para isso, o profissional de saúde, incluído o enfermeiro, deve estar atento para identificar uma intoxicação por esses compostos, seus efeitos nocivos à saúde humana e antídotos, indagar sobre a existência de outras enfermidades não relacionadas com os agrotóxicos e realizar um histórico ocupacional e ambiental com todos os pacientes que apresentem sinais e sintomas sugestivos (SUCEN, 2000; MENDES, 2005; BRASIL, 2006; INCA, 2006).
10.1 PRIMEIROS SOCORROS
O enfermeiro do trabalho tem, como uma das atribuições na saúde ocupacional, prestar os primeiros socorros no local de trabalho e providenciar sucessivo atendimento hospitalar. Para tanto, é imprescindível que esse profissional esteja treinado e utilize equipamentos de proteção apropriados para evitar contato com as roupas contaminadas e com vômito do paciente (CARVALHO, 2001; DOMINGUES et al, 2004)
Caso ocorra acidente é preciso avaliar a vítima para determinar se está consciente, contar com ajuda de outras pessoas e afastar curiosos. Se o intoxicado estiver consciente, acalmá-lo retirando-o para um local fresco e arejado. Se estiver em choque (pálido e com pulso rápido e fraco), afrouxar toda a roupa que estiver apertada e elevar as pernas mais alto que o corpo. Se a vítima apresentar calafrios, envolver o corpo com cobertores e se estiver vomitando, deixá-la sentada ou em decúbito lateral, para evitar a ingestão do vomito (SUCEN, 2000).
Se a vítima estiver inconsciente, não respirando, o pulso não sentido e não apresentando batimentos cardíacos, retirar, se for o caso, dentadura, alimentos, excesso de saliva ou qualquer obstrução mecânica da boca da vítima e não dar nenhum líquido para beber e jamais provocar vomito. Nesse caso, realizar imediatamente reanimação cardiopulmonar (RCP), seguindo o protocolo ABC (em inglês: airway, breathing e circulation): abertura da via respiratória, restabelecimento da respiração e em seguida, restabelecimento da circulação. (SUCEN, 2000; ARCHER et al, 2005).
10.2 REMOÇÃO DO AGENTE TÓXICO
Em caso de intoxicação dérmica e o paciente estiver consciente, retirar imediatamente o paciente do local onde ocorreu o acidente, retirar toda a roupa contaminada, tomar banho com água corrente, sabão e xampu, para remover o produto da pele e cabelos. Se os olhos foram atingido, lavá-los com água corrente abundante por cerca de 10 a 15 minutos e vestir roupas limpas. Não se deve esquecer que as roupas removidas devem ser adequadamente lavadas, enquanto vestuário de couro como calçados, devem ser descartados (DOMINGUES, et al, 2004; MENDES, 2005; RIBEIRO & MELLA, 2007).
Segundo SUCEN (2000) e Mendes (2005) caso ocorra à ingestão de agrotóxico, impedir ou retardar a absorção dos componentes tóxicos pelo organismo. Se o paciente estiver consciente, fazer com que enxágüe a boca com bastante água, mas nunca fazê-lo beber água, bebida alcoólica e nem leite (o leite tende a promover a absorção de produtos lipossolúveis pelo organismo).
Pode-se realizar indução de vômito e lavagem gástrica se a vítima estive plenamente consciente, o acidente ter ocorrido menos de uma hora da ingestão do agrotóxico e houver indicação no rótulo, bula ou folheto explicativo do produto toxicante. O vômito pode ser provocado com a introdução do dedo na garganta, ou pela ingestão de medicamento emético[4]Porém, é preciso ressaltar que embora o xarope de ipeca seja utilizado como emético desde 1950, não é mais recomendado nessa conjuntura. Em caso de dúvida, não provocar vômito, pois além da eficácia e utilidade relativamente pequenas, a relação risco/benefício é bastante elevada e até inaceitável em determinadas circunstâncias (SUCEN, 2000; DOMINGUES et al, 2004).
SUCEN (2000) atenta que nunca se deve provocar vômito em pacientes inconscientes, quando ingeriu um produto cáustico, de forte reação ácida ou alcalinidade, bem como produtos cujo solvente seja um derivado de petróleo porque tendem afetar as mucosas.
A lavagem gástrica é preferível à indução do vômito e deve ser executada nos primeiros 60 minutos após a ingestão dos produtos tóxicos. Entretanto, esse procedimento não deve ser usado como método de rotina em intoxicação (DOMINGUES et al, 2004)
Também pode-se provocar evacuação por meio de laxativos, entretanto, não administrar laxantes oleosos vegetais nos casos de intoxicações por organofosforados, carbamatos, arsenicais, paraquat e diquat (SUCEN, 2000).
Seguindo a descontaminação gastrintestinal, poderá ser administrado carvão ativado[5]na quantidade de 25 a 100 gramas para cada quilo de massa corpórea para adultos com função absorvente do agrotóxico (ITHO, 2002; DOMINGUES et al, 2004).
Se a vítima sofreu intoxicação pelo nariz, colocá-la deitada confortavelmente em local onde exista ar fresco e boa ventilação. Não há necessidade de provocar vômito (SUCEN, 2000).
10.3 CUIDADOS COMPLEMENTARES
Subseqüentemente a ocorrência de uma suspeita de intoxicação ou nos casos em que as medidas de socorros tenham sido tomadas, o paciente deve ser encaminhado à rede de saúde para receber cuidados complementares, pois, intoxicações por certos agrotóxicos podem apresentar efeitos retardados ou levar novamente a um quadro de crise aguda algumas horas depois de contornada a primeira crise (SUCEN, 2000; FUNASA, 2001; RIBEIRO & MELLA, 2007).
Também se pode recorrer aos Centros de Controle de Intoxicação (CCIs) vinculados ao Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX). Esses CCIs podem ser consultados a qualquer hora, por telefone, indicado no rótulo, caixa ou folheto do produto (SUCEN, 2000).
Antes de iniciar o tratamento, a equipe de saúde, com inclusão do enfermeiro que, diversas vezes, é o primeiro contato do paciente na instituição de saúde, deve procurar determinar quais os tóxicos responsáveis pela intoxicação, sendo então, importante levar o rótulo ou embalagem do produto para a identificação e assim, evitar tratamentos desnecessários (SUCEN, 2000; MENDES, 2005).
Segundo Domingues et al (2004) e Mendes (2005) é importante examinar a boca, língua e a garganta para verificar se houve irritação, assegurar que as vias aéreas estão desobstruídas e observar se a respiração espontânea é adequada. Em caso do paciente apresentar depressão respiratória, embotamento ou alterações neurológicas, realizar imediatamente respiração artificial e oxigenoterapia.
A oxigenoterapia é contra-indicada nas intoxicações por paraquat e diquat, por favorecer o desenvolvimento de processos tóxicos que resultam na proliferação rápida de fibroblastos na luz dos alvéolos pulmonares. Entretanto, é necessária sua aplicação antes da administração de atropina no caso de intoxicação por organofosforados e carbamatos (DOMINGUES et al, 2004).
Em geral, os tóxicos são eliminados em grande parte por via renal; por este motivo é necessário assegurar um fluxo urinário abundante, de cerca de oito litros por dia. Isto pode ser conseguido pela administração de manitol a 20% por via intravenosa lenta, utilizando-se cerca de 500ml em 24 horas. O manitol a 20% pode se adicionado a solução glicosada para administração gota a gota na veia, a fim de manter o fluxo urinário no nível desejado (MENDES, 2005).
11.1 HISTÓRICO
Hoje, historicamente, postula-se que os agrotóxicos OF tenham surgido na década de 40, mas os principais representantes desta classe foram introduzidos na década de 60 e 80 e em 1999 representavam 40% do mercado mundial de agrotóxicos (SANTOS et al, 2007).
A aplicação industrial e comercial de compostos OF na agricultura começou com Gerhard Schrader e seus colaboradores. A equipe sintetizou aproximadamente 2.000 compostos e definiu as exigências estruturais para atividade inseticida e, conforme se soube posteriormente, para a atividade anti-ChE. Descobriram, em 1941, o inseticida ostametilpirofosforamida que foi chamado de Scharadan (GILMAN et al, 2003).
Depois desse, um grande número de inseticidas ésteres organofosforados também foram descobertos, incluindo o primeiro com práticas inseticidas chamado de Bladan, que continha tetraetilpirofosfato, ou TEEP, preparado na Alemanha em 1944. Na verdade, a síntese dos TEEP foi realizada pela primeira vez por Moschine, e então por De Clemont em 1854 e por vários outros autores, incluindo Nilén em 1930 (GILMAN et al, 2003; SANTOS et al, 2007).
O grande avanço dos inseticidas organofosforados na agricultura e de seu conhecimento científico na relação estrutura-atividade deu-se pela descoberta do composto parathion (um fosforotioato) por Gerhard Schrader em 1952, um dos compostos da série inicial que se tornou mais tarde o inseticida mais amplamente utilizado e usado até hoje. Apesar de sua toxidez relativa, outros inseticidas menos tóxicos tinham sido desenvolvidos com poucas modificações estruturais; por exemplo, clorthion, fenthion e fenitrothion. Foram desenvolvidos outros compostos importantes com toxicidade ainda baixa, como é o caso do malation (GILMAN et al, 2003; SANTOS et al, 2007).
É preciso destacar, que o grupo Shrader tinha como objetivo desenvolver OF para o combate a pragas, porém, os OF acabaram sendo usados durante a 2º Guerra Mundial contra adversários e ficaram conhecidos como "gases dos nervos" (RAMOS & FILHO, 2004).
Visando a menor toxidez, é crescente o número de pesquisas buscando a obtenção de novos agentes pesticidas, que sejam cada vez inibidores mais fracos da acetilcolinesterase (AChE) para mamíferos, como é o caso de fosforamidatos sintetizados por Hudson, em 1995 (SANTOS et al, 2007).
11.2 CONCEITOS DOS ORGANOFOSFORADOS
Segundo Larini (1997) e Santos et al (2007) e são ésteres ou tióis derivados de ácidos fosfóricos, ditionofosfóricos, tionofosfórico, pirofosfórico ou ditionopirofosfórico e possuem a estrutura química conforme a Figura 9. Os radicais R1 e R2 são grupos arilas ou alquilas que são ligados diretamente ao átomo de fósforo, formando fosfinatos, ou através de um átomo de oxigênio ou de enxofre, formando fosfatos e fosforotioatos. Em outros casos, R1 está diretamente ligado ao átomo de fósforo e R2 está ligado por um átomo de oxigênio ou de enxofre, formando fosfonatos ou tiofosfonatos.
Os átomos que podem formar ligação dupla com o fósforo podem ser oxigênio, enxofre ou selênio e o grupo L pode pertencer a uma variedade de grupos, tais como halogênios, alquila, arila ou heterocíclicos. O grupo –L, ligado através de um oxigênio ou átomo de enxofre ligado ao átomo de fósforo, é chamado de grupo de saída, que é liberado pelo átomo de fósforo quando o mesmo é hidrolisado pela fosfotriesterase (PTE), ou pela interação com o sítio da AChE (LARINI, 1997; SANTOS et al, 2007).
X= O,S e Se
R1; R2= alquil, SR,OR ou NHR
L= halogênios; alquil ou heterocíclicos
Figura 9: Representação da Estrutura química básica do inseticida organofosforado.
Fonte: Adaptado de Santos et al (2007).
Os principais motivos do amplo uso dos compostos OF, como inseticidas no controle de insetos, são devido a sua forte atividade biológica acoplada com sua baixa estabilidade na biosfera (possui uma meia-vida em plantas da ordem de 2 até 10 dias), ao baixo custo, à síntese fácil, baixa toxidez para muitos organismos tratados e acumulação limitada em organismos vivos, sendo que 80 a 90% dos compostos são eliminados após 48 h do contato (SANTOS et al, 2007).
Atuam como inseticidas e acaricidas. Podem ser absorvidos pelas vias oral, respiratória e dérmica. Tem uso amplo na agricultura e os compostos pouco tóxicos são permitidos em formulações de inseticidas para uso doméstico (MENDES, 2005).
Os inseticidas OF fazem competição com a ACh inibindo a AChE, aumentando assim, a concentração de ACh nas sinapses. Essa alta concentração de ACh ocasiona no mamífero, principalmente, lagrimejamento, salivação, sudorese, tremores e distúrbios cardiorrespiratórios decorrentes de broncoconstrição, aumento das secreções brônquicas e bradicardia, depressão do sistema nervoso central, sendo as principais causas de morbidade e mortalidade por uso do produto (CAVALIERE et al, 1996; FUNASA, 2001)
11.3 CLASSIFICAÇÃO DOS ORGANOFOSFORADOS
11.3.1 Quanto à toxidade
Conforme Possamai (2005), quanto a sua a toxicidade aguda, os OF possui a seguinte classificação (Tabela 7):
Tabela 7 – Classificação toxicológica dos organofosforados.
CLASSE |
TOXICIDADE DO ORGANOFOSFORADO |
|
Classe IA |
Extremamente perigosos |
|
Classe IB |
altamente perigosos |
|
Classe II |
Moderadamente perigosos |
|
Classe III |
pouco perigosos |
Fonte: Possamai (2005).
11.3.2 Quanto à estrutura química
11.3.2.1 Fosforados
São derivados de ácido fosfórico ou ácido pirofosfórico. Seus Representantes são (LARINI, 1997): paraoxon etílico e TEPP (Tetraetilpirofosfato).
11.3.2.2 Tiofosforados
11.3.2.2.1 Monotiofosforados
São derivados do ácido tionofosfórico. Seus representantes são: paration etílico, paration metílico, sumition, fention e diazinon (LARINI, 1997).
11.3.2.2.2 Ditiofosforados
São derivados do ácido ditionofosfórico. Seus representantes são: dimetoato, formotion, malation, ekatin, disyston e gusation (LARINI, 1997).
11.3.2.2.3 Clorofosforados
Seus representantes são: DDVP, dipterex, trition, bromophos e fenclorfós (LARINI, 1997).
12.1 IDENTIFICAÇÃO DO MALATION
O malation (0,0-dimetil S1-2-di (etoxicarbonil) etilfosfoditioato) é um inseticida tóxico pertencente à classe dos organofosforados (MELO et al, 1985), os quais, segundo Larini (1997) e Santos et al (2007): são ésteres derivados de ácidos ditionofosfórico. No caso da estrutura química do malation, há dois radicais que são grupos alquilas (duas metilas) ligados diretamente ao átomo de oxigênio e estes por sua vez, estão ligados a um átomo fósforo formando fosfatos. O grupo fosforamidato faz ligação dupla com um átomo de enxofre, o qual é liberado pelo átomo de fósforo quando o mesmo é hidrolisado pela fosfotriesterase (PTE) ou quando faz interação com o sítio da proteína (AChE). Finalmente, um grupo heterocíclico completa a ligação com o fósforo, formando a unidade química do malation (Figura 10).
Figura 10 - Representação estrutural do malation.
Fonte: Adaptado de Santos (2007).
12.2 PROPRIEDADES E APRESENTAÇÃO DO PRODUTO MALATION
O malation, Malathion (Figura 11), Malatox, Malaton, MLT, nomes comuns e comerciais do inseticida, apresenta-se líquido e de cor amarelada quando puro e quando o produto técnico apresenta 95% a 98% da substância ativa, o líquido apresenta-se marrom escuro com forte odor. Sua solubilidade na água é pequena (145 ppm a 20-25 ºC) e solúvel na maioria dos solventes orgânicos, tal como álcool, éter, cetona, hidrocarbonatos aromáticos e óleos vegetais. Sua decomposição é fácil em meio alcalino e em meio ácido. A sua taxa de hidrólise (meia-vida) em pH 7,4, numa temperatura de 37,5 C, é aproximadamente 32 horas. Um dos grandes problemas de armazenamento do malation é que ele sofre decomposição quando armazenado em condições inadequadas (PROFETA, 1983; LARINI,1997; POSSAMAI, 2005).
Figura 11 – Malathion 500 CE, exemplo de marca registrada do malation.
Fonte: Pikapau.
Segundo Melo et al, (1985) e Possamai (2005), o inseticida malation é comercializado sob formas diversas: líquidos, oleosos, viscosos, pouco densos, pó seco, pó molhado, concentrado emulsionável e U.B.V. (Ultra baixo volume) de cor ou incolores, com odor variado, principalmente, odor de gambá; são empregados em variados tipos de formulações e concentrações e centenas de marcas registradas (APÊNDICE A).
12.3 FARMACOLOGIA DO MALATION
12.3.1 Mecanismo e transmissão do impulso nervoso
A transmissão sináptica química exige várias etapas e a presença da acetilcolina (ACh) que é responsável pela neurotransmissão nas fibras pré-ganglionares simpáticas e parassimpáticas, nas pós-ganglionares parassimpáticas e na placa mioneural (ITHO, 2002; LUNDY-EKMAN, 2004).
Segundo Itho (2002) e Lundy-Ekman (2004) é necessário que a ACh seja sintetizada no neurônio a partir da acetilcoenzima A e da colina, armazenada, liberada do neurônio terminal e difundida através da fenda sináptica, ligando-se a um receptor pós-sináptico, transmitindo assim, o impulso nervoso (Figura 12).
Figura 12 – Representação da transmissão sináptica.
Fonte: Os autores.
Para cessar a estimulação e restabelecer a sensibilidade do receptor a ACh precisa ser inativada continuamente e quem faz esse papel é AChE. Na superfície da AChE existe um centro ativo, que permite uma interação enzima-substrato, para inativação (inativação por hidrólise) de ACh, com formação de colina e ácido acético (LARINI, 1997; ITHO, 2002).
Em suma, a ACh liga-se a receptores na membrana pós-sináptica, permitindo íons fluir para dentro dela e a ACh é rompida pela AChE. Finalmente, colina é reutilizada pela célula pré-sináptica para produzir nova ACh (ITHO, 2002).
12.3.2 Mecanismo colinérgico do malation
O malation, como todos os compostos organofosforados, é uma substância colinérgica indireta, ou seja, é inibidora da AChE presente nas hemácias, nervos, sinapses e músculos esqueléticos e da AChE presente no fígado e no plasma (RODRÍGUES et al, 2003; POSSAMAI, 2005; RIBEIRO & MELLA, 2007).
No organismo do mamífero, ocorre a inibição da AChE (Figura 13) pela presença do tóxico em seu sítio ativo, a tornando incapaz de exercer desnaturação da ACh, ou seja, a AChE fosforizada não promove o desdobramento da ACh em colina e ácido acético e como conseqüência, ocorre o acúmulo de ACh no sítio colinérgico (LARINI, 1997; RIBEIRO & MELLA, 2007).
Figura 13 - Representação da inibição da AChE.
Fonte: Os autores.
A inibição da AChE é mais ou menos irreversível, com ligação frouxa inicial entre o OF e o sítio ativo da AChE, tornando-se, com o tempo, ligação cada vez mais forte (PROFETA, 1983; SANTOS et al, 2007). Há atuação de acetilcolina em excesso até que a atividade tissular e do sangue das colinesterases seja restabelecida por reversão medicamentosa ou regeneração de novas enzimas A regeneração é um processo lento, a AChE plasmática pode permanecer por um mês e das hemácias por cerca de dois meses, permanecendo o paciente com atividade reduzida de colinesterase, sendo, portanto, suscetível a novas exposições (PROFETA, 1983; RIBEIRO & MELO, 2007).
Desta forma, ocorre estímulo e depois depressão da transmissão, tanto parassimpática quanto pré-ganglionar, e dos tratos colinérgicos centrais, bem como das poucas transmissões colinérgicas pós-ganglionares. Com a atuação sobre as placas neuromusculares há síndrome nicotínica, e, sobre o sistema nervoso central, a síndrome neurológica (RAMOS & FILHO, 2004; POSSAMAI, 2005).
Outros efeitos podem ocorrem: desde efeito tóxico direto, como pneumonite química à alteração do metabolismo enzimático, principalmente quanto a metabolismo independem da oxidação a agentes ativos, malaoxon e paraoxon. Deve-se considerar que podem potencializar efeitos tóxicos de outras substâncias e há registro de casos, em número significativo, em que ocorrem distúrbios da coagulação (PROFETA, 1983).
12.4 MECANISMO TOXICOLÓGICO DO MALATION
De acordo com Possamai (2005) o malation, conforme a classificação da toxicidade dos organofosforados, é um inseticida de uso agrotóxico, domiciliar e sanitário da classe III (medianamente tóxico).
Quanto à dose letal do malation, para um homem adulto foram encontrados diferentes valores entre diversos autores, por exemplo, Rodriguez et al (2003) sugere 24 mg/Kg, Itho (2002) descreve 100 mg/Kg e Melo et al (1985) defende dose letal de 1.375 mg/ Kg.
De qualquer forma, quando armazenado de forma inadequada sofre biotransformação por processo enzimático, onde um átomo de enxofre é substituído por oxigênio e metaboliza compostos de elevada toxicidade, entre eles, o malaoxon e isomalation (Tabela 8). O malaoxon apresenta uma atividade anticolinesterásica superior à do malation enquanto que o isomalation, além de apresentar uma ligação P=O que condiciona uma maior inibição da AChE, é um efetivo inibidor da carboxiesterase provocando uma diminuição prejudicial da hidrólise do malation no organismo humano (PROFETA, 1983; LARINI, 1997; FUNASA, 2001; POSSAMAI, 2005).
Tabela 8 – Toxicidade aguda oral do malation e de suas impurezas.
NOME E ESTRUTURA QUÍMICA |
DL50 ORAL RATOS (mg.kg-1) |
Malation (quimicamente puro) C2H5OC(O)CH{SP(S)(OCH3)2}CH2C(O)OC2H5 |
10.700 |
Malation técnico |
1.000-2.000 |
Malaoxon C2H5OC(O)CH{SP(O)(OCH3)2}CH2C(O)OC2H5 |
158 |
Isomalation C2H5OC(O)CH{SP(O)(OCH3)}CH2C(O)OC2H5 |
113 |
0,0,S-Trimetilfosforaditioato (CH3O)2P(S)SCH3 |
638 |
0,S,S-Trimetilfosforoditioato (CH3O)2P(O)OCH3 |
26 |
0,S,S-Trimetilfosforoditioato (CH3O)2P(O)SCH3 |
60 |
Fonte: Larini (1997).
O malation, devido sua lipossolubilidade é bem absorvido pela via digestiva, respiratória, dérmica e outras vias (ITHO, 2002; RAMOS & FILHO, 2004). No composto, o solvente orgânico intensifica a absorção, e sua toxicidade está relacionada à formação de radicais livres5, ou seja, a transformação da ligação P=S (tion) em P=O (oxon) através de enzimas oxidases e citocromo P-450. Condiciona, portanto, numa maior inibição da colinesterase, provocando uma diminuição prejudicial da hidrólise do malation no organismo humano e, como conseqüência, um aumento acentuado da toxicidade do composto (POSSAMAI, 2005; DELGADO, 2006).
A absorção por via oral ocorre nas intoxicações agudas acidentais e nas tentativas por suicídio, que já registraram casos fatais. A via dérmica é a via mais comum de intoxicações ocupacionais, seguidas da via respiratória, segundo Possamai (2005).
Ocorre a distribuição do malation no corpo humano em diversos tecidos e fluidos corporais, atingindo concentrações maiores em fígado e rins. Além disso, o malation é altamente lipofílico, depositando-se por mais tempo no tecido adiposo, sendo liberado gradualmente durante vários dias após exposição. Somente uma pequena fração é absorvida pelos tecidos. O tempo de exposição é um fator determinante na absorção do malation nos tecidos biológicos (ITHO, 2002; POSSAMAI, 2005).
A eliminação do malation, nos seres humanos, ocorre principalmente por via urinária, tanto os metabólitos ativos quanto os inativos. Uma menor quantidade é eliminada nas fezes e no ar expirado. A excreção máxima ocorre em dois dias (ITHO, 2002).
Há vários fatores influem na toxicidade do malation: concentração do produto, dose, tempo e via de exposição; condições prévias de saúde do paciente (algumas doenças alteram níveis de AChE), idade (recém-nascidos e grávidas tem baixa atividade colinesterásica) desnutrição, déficit protéico eleva risco na intoxicação, etc (POSSAMAI, 2005; FARIA et al, 2007).
Com relação à duração da intoxicação, pode ser prolongada, havendo registros de casos de até 3 semanas (NAMBA6, 1970 apud PROFETA, 1983).
12.5 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS POR EXPOSIÇÃO AO MALATION
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