A Argentina está na mídia. No início do ano de 2010, chegaram aos meios de comunicação notícias sobre a instabilidade política e econômica, o confronto entre o Governo Federal e o Banco Central sobre o destino das reservas para pagamento de dívidas; a desclassificação dos arquivos da ditadura, que permite a apreciação de documentos que descrevem o período mais sangrento da história contemporânea do país. E, mais recentemente, a reabertura da questão das Ilhas Malvinas com a Grã Bretanha.
O modelo de governo adotado pela Presidente Cristina Kirchner, com base na ideologia peronista, vem sofrendo golpes que põem em discussão não somente suas propostas, mas, principalmente, a utilização do "adjetivo" peronista para justificar suas medidas.
Certo é que o peronismo da década de 40 naquele país em nada se assemelha ao preconizado pelo Partido Justicialista[1]Mas a sua simples utilização nos leva a questionar o que foi aquele regime, quais eram suas origens e como tal, se utilizando de medidas arbitrárias e autoritárias, colocou as massas do seu lado, destruindo a oposição, afastando os inimigos, sempre com a aura de perfeição e ideal para aquele lugar, naquele momento.
A questão social é tida por muitos como fator principal para surgimento e consolidação do regime no país. As teorias que tratam do assunto[2]são quase unânimes ao mencionarem o confronto ideológico entre as duas Argentinas, uma rural e outra industrial. E mais, a classe trabalhadora urbana dividida entre os "novos" e os "velhos", ou seja, os recém chegados do campo em busca de oportunidades nas grandes cidades e aqueles, já consolidados nas indústrias, composta, principalmente, de imigrantes europeus.
A questão sindical, embasada na pulverização da organização sindical apoiada por Perón também merece destaque para justificar a legitimação do regime.
A singularidade do regime peronista, acusado de fascista, populista[3]e autoritário, o tornou numa experiência única na história. O diferencial foi a ruptura com as elites, na contramão de outros países latino americanos, sua cumplicidade com as classes operárias e organizações sindicais e seu distanciamento, quase afronta, do imperialismo americano. E mais, a propaganda ostensiva, revelada no apelo personalíssimo do chefe da nação e sua esposa (Eva Perón), nos discursos voltados para as classes operárias, e o material produzido pela gráfica oficial do governo.
Será ressaltada a adesão das massas ao regime, a posição das forças militares, a rejeição das elites, e, finalmente, a Igreja, que durante muito tempo foi a sua maior aliada, e que, agonizando o governo, já incomodada com a idolatria prestada ao casal, declara sua hostilidade diante das medidas adotadas, principalmente depois da proibição da educação religiosa nas escolas primárias e da proposta de liberação legal do divórcio.
Finalmente, cumpre salientar a importância da propaganda para o regime, além do já citado culto ao mito, transformando o casal em ícone, aliando Perón e Eva às figuras de "pai e mãe" da nação e dos trabalhadores, respectivamente, sempre aliado ao antiliberalismo declarado e à valorização do nacional. A questão do mito e o sistema da dádiva[4]estão presentes no inconsciente da produção propagandística que assolou o imaginário argentino da década de 1940.
A análise da propaganda peronista procura apontar os aspectos da cooptação multitudinária, amparada pelo tipo ideal weberiano de construção de uma "Nova Argentina", um governo forte, receptivo pelas massas, justo e seguro.
O Peronismo de hoje é mais que uma simples lembrança: é uma força política sustentada pela mitologia construída nos anos 40 do século XX, que influencia até hoje, a ponto de grupos conservadores, ligados, ainda, à mitificação do casal, hostilizar Madonna ao ser indicada para interpretar Evita na película de Alan Parker. A imagem mundana de Madonna era, para tais grupos, uma afronta à santidade de Eva.
A década de 1930 foi assolada pela crise do liberalismo, provocado pela Grande Depressão, iniciada com a quebra da economia norte americana, se alastrando de forma visceral pelo resto do mundo. A brusca redução da demanda dos produtos de exportação acarreta na diminuição das receitas dos governos, haja vista o encolhimento dos impostos recolhidos por empresas exportadoras. Tal conjuntura provoca só nos anos de 1930 e 1931, mais de vinte mil demissões na Argentina. E ainda afeta a capacidade de importação com os países latino-americanos, já que estes contavam com uma flagrante redução de divisas.
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