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Quanto à advertência, o juiz designa-se audiência específica para tanto, nos moldes da audiência admonitória de concessão de sursis, para que, formalmente, o réu seja advertido (avisado, censurado levemente) sobre os efeitos negativos da droga em relação à sua saúde e à de terceiros.
No que tange à prestação de serviços à comunidade, respeitam-se as regras gerais estabelecidas no Código Penal (art. 46), observadas as peculiaridades trazidas por esta Lei.
2.19 Competência
O Código de Processo Penal Brasileiro (Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941), em seu Título V, dispõe sobre a Competência Jurisdicional. O artigo 69 do mesmo diploma legal, traz o rol de competências, senão vejamos:
Art. 69. Determinará a competência jurisdicional:
I – o lugar da infração;
II – o domicílio ou residência do réu;
III – a natureza da infração;
IV – a distribuição;
V – a conexão ou continência;
VI – a prevenção;
VII – a prerrogativa de função.
Adentrando-se ao tema discutido no presente trabalho, a competência cogitada aqui será a proclamada no inciso III, do artigo 69, do Código de Processo Penal Brasileiro, isto é, competência em razão da natureza da infração penal.
O crime definido no artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006, difere do crime previsto no artigo 33 da mesma Lei, exatamente em face da finalidade específica do agente (consumo pessoal).
Para Guilherme de Souza Nucci (2010, p.343),
não se trata de infração de menor potencial ofensivo, mas de ínfimo potencial ofensivo. Além da possibilidade de transação penal (art. 48, §5º, Lei nº. 11.343/2006), não se imporá prisão em flagrante (art. 48, §2º, Lei nº. 11.343/2006) e, ao final, poderá ser aplicada simples advertência.
Com efeito, fazendo-se uma interpretação sistemática, percebe-se que se trata de infração de menor potencial ofensivo, logo, cabe ao Juizado Especial Criminal a conciliação, o julgamento e a execução da respectiva infração, nos termos do artigo 60, caput, da Lei nº. 9.099/1995 e artigo 98, I, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Assim, vejamos o que dispõem os respectivos diplomas:
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; [...].
Nesse prisma, NUCCI (2010, p.346) destaca trecho de julgado onde se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
O crime de uso de entorpecente para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006, é de menor potencial ofensivo, o que determina a competência do Juizado Especial.[2]
Assim, pode-se concluir que apesar do tipo penal previsto no artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006 tratar-se de infração sui generis em nada alterou sua competência, devendo todo infrator dessa norma ser submetido à jurisdição do Juizado Especial Criminal do local onde ocorrera a infração penal.
2.20 Retroatividade da nova Lei
O professor NUCCI (2010, p.346) destaca trecho de julgado onde se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
Por força do princípio constitucional da retroatividade da norma penal mais benéfica, deve-se afastar a aplicação de pena privativa de liberdade aos condenados por posse de entorpecente para consumo próprio – art. 16 da Lei nº. 6.368/76.[3]
Ademais, a sucessão de leis penais (ou conflito de leis penais no tempo) rege-se por dois princípios básicos: 1) irretroatividade da lei penal nova mais severa; 2) retroatividade da lei penal nova mais benéfica (a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu – art. 5º, XL, da CF).
Com efeito, o crime de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28, Lei nº. 11.343/2006) tem perfil evidentemente favorável, em comparação com o delito anteriormente previsto no art. 16 da Lei nº. 6.368/76. Portanto, entrando em vigor a nova lei, todos os condenados com base no antigo art. 16, que estejam eventualmente presos, devem ser imediatamente libertados, substituindo-se a pena privativa de liberdade pelas novas punições previstas no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006.
2.21 Semear, cultivar ou colher plantas tóxicas para consumo pessoal (art. 28, §1º, da Lei nº. 11.343/2006)
Este tipo, inserido no contexto do art. 28, aplicando-se ao usuário de drogas, supre falha constante da Lei nº. 6.368/76. O §1º do art. 28 expressamente prevê a conduta de semear, cultivar ou colher plantas tóxicas "para consumo pessoal". Esse requisito subjetivo especial (essa intenção especial) do agente delimita essa infração da prevista no art. 33, §1º, II. Uma coisa é semear, cultivar ou colher plantas tóxicas para o consumo pessoal, outra para tráfico.
Dois requisitos são fixados para a aplicação desta nova figura típica: a) haver o intuito de uso próprio; b) ser pequena a quantidade de droga produzida. Nesse ponto, o legislador merece elogios. Não se pode equiparar uma plantação de vários alqueires de maconha (v.g.) com o cultivo ou colheita de um pé desta planta. Fatos distintos merecem tratamentos diferenciados.
2.22 Pequena quantidade quando da análise do §1º, do artigo 28, da Lei nº. 11.343/2006
A configuração do crime sob análise exige, além do requisito subjetivo especial "para seu consumo pessoal", que as plantas sejam destinadas "à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica". A pequena quantidade é requisito normativo do tipo porque exige juízo de valor do juiz, isto é, cabe ao juiz valorar essa elementar do tipo, levando em conta, dentre outros fatores, a quantidade de droga que a planta pode gerar, a quantidade de plantas etc.
2.23 Consumo pessoal ou tráfico?
Para distinguir o crime de tráfico ilícito de entorpecentes do simples porte para uso nunca foi tarefa fácil e continuará a ser árdua atribuição do magistrado.
Sobre essa distinção, aduz Guilherme de Sousa Nucci (2010, p.349):
Se a redação de cada tipo penal fosse devidamente aprimorada seria desnecessária a previsão feita no art. 28, §2º. Enquanto isso não ocorre, é fundamental que se verifique, para a correta tipificação da conduta, os elementos pertinentes à natureza da droga, sua quantidade, avaliando local, condições gerais, circunstâncias envolvendo a ação e a prisão, bem como a conduta e os antecedentes do agente. A inovação ficou por conta da introdução da seguinte expressão: "circunstâncias sociais e pessoais" do agente. Naturalmente, espera-se que , com isso, não se faça um juízo de valoração ligado às condições econômicas de alguém.
O professor Luiz Flávio Gomes também traz seu posicionamento (2011, p. 172):
Há dois sistemas legais para se decidir sobre se o agente (que está envolvido com a posse ou porte de droga) é usuário ou traficante: (a) sistema da quantificação legal (fixa-se, nesse caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse limite legal não há que se falar em tráfico); (b) sistema de reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o correto enquadramento típico). A última palavra é a judicial, de qualquer modo, é certo que a autoridade policial (quando o fato chega ao seu conhecimento) deve fazer a distinção entre o usuário e o traficante.
É fato notório a adoção do segundo critério pela lei brasileira (sistema do reconhecimento judicial ou policial). Cabe ao magistrado ou ao delegado reconhecer se a droga encontrada era para destinação pessoal ou para tráfico. Para isso a lei estabeleceu uma série enorme de critérios, que serão discriminados abaixo, portanto, tem-se que os dados são objetivos.
2.24 Critérios para se descobrir se a droga se destina a consumo pessoal
A nova Lei estabeleceu uma série de critérios para descobrir se a droga destina-se (ou não) a consumo pessoal. São eles: natureza e quantidade da substância apreendida, local e condições em que se desenvolveu a ação, circunstâncias sociais e pessoais, bem como a conduta e os antecedentes do agente (Art. 28, §2º, da Lei nº 11.343/06).
Em outros vocábulos, são relevantes: o objeto material do delito (natureza e quantidade da droga), o desvalor da ação (local e condições em que ela se desenvolveu) assim como o próprio agente do fato (suas circunstâncias sociais e pessoais, conduta e antecedentes).
2.25 Duração máxima das medidas alternativas do artigo 28, da Lei nº. 11.343/2006
Salvo o caso de reincidência, as medidas alternativas do art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, temporalmente mensuráveis (prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo), não podem ser aplicadas por tempo superior a cinco (5) meses (Art. 28, §3º, da Lei nº. 11.343/06). Assim, percebe-se que o juiz conta com uma margem de atuação: a pena máxima e de cinco meses (logo, pode a medida ser fixada em um mês, dois meses etc).
2.26 Reincidência
O conceito de reincidência é trazido pelo próprio Código Penal em seus artigos 63 e 64. Reincidente, como se sabe, é quem pratica nova infração depois de ter sido condenado definitivamente por outro fato precedente.
Todavia, a palavra reincidência utilizada no § 4º, da nova Lei de Drogas, não tem correlação com o sentido técnico do Código Penal. Significa, tão somente, reincidir (incidir novamente) na infração do artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006 (ou seja: ser surpreendido novamente como usuário). Trata-se da reincidência específica, isto é, o sujeito foi previamente condenado definitivamente pelo art. 28 (ou pelo antigo art. 16 da lei nº. 6.368/76), ou aceitou transação penal por este fato, e depois vem a praticar alguma conduta contemplada no mesmo artigo 28 da Lei nº. 11343/2006. Para ele as penas do art. 28 serão aplicadas pelo prazo máximo de dez meses, nos termos do §4º, do mencionado dispositivo.
2.27 Medidas temporalmente mensuráveis
No caput do art. 28 a Lei contempla três medidas alternativas: advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo. Duas são temporalmente mensuráveis (as duas últimas). A primeira se afasta dessa possibilidade.
2.28 A medida de prestação de serviços à comunidade
Proclama Guilherme de Souza Nucci (2010, p.347):
A prestação de serviços à comunidade respeitam-se as regras gerais estabelecidas no Código Penal (art.46), observadas as peculiaridades trazidas pela Lei nº. 11.343/2006. Constitui pena totalmente independente, com prazo próprio, variando de um dia a cinco meses (o art. 28, §3º, desta Lei fixou o máximo; o mínimo advém da impossibilidade de haver pena em horas, conforme art. 11 do CP).
Na Lei nº. 11.343/2006, a prestação de serviços à comunidade deve voltar-se, preferencialmente, a programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados, sem fins lucrativos, que se destinem, fundamentalmente, à prevenção ao consumo e à recuperação do usuário e dependente de drogas.
Na Lei nº. 11.343/2006, a prestação de serviço à comunidade, quando não cumprida, sujeitará o sentenciado à admoestação verbal e/ou à aplicação de uma multa.
Na Lei nº. 11.343/2006, as penas prescrevem em dois anos.
A prestação de serviços à comunidade, no direito repressivo brasileiro, conta com múltipla natureza jurídica. Ora é condição necessária de algum instituto (do sursis, p.ex.), ora é pena substitutiva (CP, art.46), ora é condição da suspensão condicional do processo (art. 89, da Lei nº. 9.099/95) etc. No caso do art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, a prestação de serviços à comunidade aparece como "medida alternativa" (ou mais precisamente: medida educativa alternativa), daí mais motivos para afirma-se tratar de infração penal "sui generis".
2.29 Recusa injustificada
O descumprimento justificado da medida não autoriza a incidência das consequências previstas no §6º. A Lei é clara: somente a recusa injustificada é que permite a imposição sucessiva de admoestação verbal e multa. Por recusa injustificada deve se entender tanto a situação do agente que nem sequer iniciou o cumprimento da medida como o que a iniciou e depois a abandonou sem prestar esclarecimentos.
2.30 Poder ou dever do juiz?
A Lei diz que o juiz "poderá" submeter esse agente a duas consequências sucessivas. Não se trata, entretanto, de um poder, sim, de um dever. Ou, em outras palavras, num "poder-dever". Caso o agente venha a descumprir o que ficou acordado, não conta o juiz com a discricionariedade de submeter ou não o agente às sanções do artigo 28, §6º, da Lei nº 11.343/06: a norma é impositiva, logo, compete ao juiz cumprir o que a lei determina.
2.31 Tratamento especializado
O tratamento especializado (ressalvados os arts. 45 e 47 da Lei nº. 11.343/2006, que contemplam o inimputável e o semi-imputável) não aparece, na nova Lei de Drogas, como sanção a ser imposta ao usuário, posto que o tratamento deve ser oferecido ao infrator e, somente a este cabe aceitá-lo ou não. Se o infrator não concorda, a chance de sucesso é praticamente nula. Daí surge a discussão da chamada "Justiça terapêutica" (que tem no tratamento compulsório uma das suas linhas de atuação).
2.32 Tratamento ambulatorial
A preferência deve recair sobre o tratamento ambulatorial, que não implica internação do sujeito. Há duas formas de tratamento: internação e ambulatorial. Esta última caracteriza pela não internação. O indivíduo comparece ao local indicado nos dias assinalados. O tratamento ambulatorial não influência no âmbito da Justiça Criminal.
2.33 Outras questões controvertidas relacionadas com o artigo 28, da Lei nº. 11.343/2006
O doutrinador Renato Marcão (2010. p.53) critica a palavra "drogas" utilizada pelo artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006. E assim aduz:
O legislador ao fazer a opção pela palavra no plural deu margem a que se defendam o seguinte raciocínio: a interpretação há de ser restritiva, logo, passou-se a exigir que as figuras tenham relação com mais de um tipo de droga; do contrário, a figura é atípica.
Sobre a tipicidade do porte de drogas para consumo pessoal, Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho (2008. p.50) lembram que, "tendo em vista a menção do art. 28 às condutas de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, o "uso" de droga em si é atípico".
Nessa esteira aduz o professor Luiz Flávio Gomes (2011, p.181):
A conduta de mero uso da droga é típica em face da nova Lei? Em regra, o agente que faz uso da droga anteriormente a adquire ou traz consigo. Assim, se o agente está consumindo a droga e é flagrado em situação na qual é possível constatar a materialidade delitiva, haverá crime, não na modalidade "usar", que é atípica, mas porque o agente a tem consigo.
Sobre o assunto, Amaury Silva (2008. p.137) entende que pela teoria da tipicidade conglobante facilmente se afasta o caráter típico do "uso" de drogas:
O fato será atípico se praticado de acordo com a lei e regulamento que regerem a matéria das drogas no país, como é traduzido pelo próprio tipo legal através dos seus elementos normativos; mas também, haverá tipicidade conglobante, se a correlação da proibição em tela não resistir ao contexto da ordem normativo como um todo. Essa perspectiva cria forte argumento em favor da tese da impossibilidade de criminalização das condutas ligadas ao uso próprio, em consideração ao direito à liberdade de expressão, pensamento e inviolabilidade à intimidade e vida privada, trazidos na Constituição Federal – art. 5º, incisos IV, IX e X.
Com relação à aferição do consumo pessoal, Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues (2007. p.44) criticam, com acerto, o fato de os antecedentes do autor ser um dos critérios determinantes para aferir o consumo pessoal (art. 28, §2º, da Lei nº. 11.343/2006):
Censura ao modo de ser: repudia-se que a legislação persista em apontar os antecedentes do agente como um critério para formar a convicção do juiz, pois tal se apoia em fundamentos do direito penal do autor, de cunho autoritário e incompatível com a dignidade da pessoa humana e com o princípio da culpabilidade. Mesmo que seja explorado o critério dos antecedentes, somente se houver condenação penal irrecorrível em fato ligados ao tráfico de drogas é que os antecedentes podem servir de indicador contrário ao consumo e, mesmo assim, desde que haja coerência com os demais elementos de informações colhidos.
Destarte, percebe-se que a infração sui generis trazida pelo artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006, dar às autoridades policial e judicial, a discricionariedade para, de acordo com o caso concreto, averiguar se a conduta do agente que é pego com drogas se amolda ao porte para consumo ou ao porte para o tráfico. Outra discussão surge em relação à atipicidade do delito previsto no artigo 28 da mencionada lei. Todavia, têm-se entendido pelos tribunais a aplicação perfeita do princípio de insignificância nesse crime de perigo abstrato, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conforme mencionaremos no capítulo seguinte.
3.1 Drogas e princípios da insignificância (ou da bagatela): atipicidade material/conglobante do fato
A posse de droga para consumo pessoal transformou-se numa infração sui generis (art. 28, da Lei nº. 11.343/2006, posto que não comina pena de prisão). Ao crime de posse de droga para consumo pessoal se aplica, isolada ou cumulativamente, inúmeras medidas alternativas, sendo elas: a advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.
No entanto, quando se trata de posse ínfima de droga, pequeníssima, o correto não é fazer incidir qualquer uma das sanções alternativas descritas na infração penal, mas sim, aplicar o princípio da insignificância, que é causa de exclusão da tipicidade conglobante do fato.
Nesse contexto aduz o professor Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 345):
Em função da dignidade da pessoa humana, não é cabível qualquer punição, na órbita penal, implicando em sanção, por mínima que seja, se o bem jurídico tutelado não for realmente lesado. A quantidade ínfima de entorpecente não proporciona nem sequer a tipificação da infração prevista no art. 28. Logo, alteramos a nossa anterior posição e passamos a admitir o princípio da insignificância para o portador de írrita quantidade de droga.
Com precisão, o Superior Tribunal de Justiça manifestou sobre o assunto:
Entorpecente. Quantidade ínfima. Atipicidade. O crime, além da conduta, reclama um resultado no sentido de causar dano ou perigo ao bem jurídico (...); a quantidade ínfima informada na denúncia não projeta o perigo reclamado".[4] Sempre "é importante demonstrar-se que a substância tinha a possibilidade para afetar ao bem jurídico tutelado. [5]
Penal. Entorpecentes. Princípio da insignificância. - sendo ínfima a pequena quantidade de droga encontrada em poder do réu, o fato não tem repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da insignificância - habeas corpus concedido. [6]
Outrossim, é de grande valia ressaltar que o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo a aplicabilidade do princípio da insignificância no tocante ao crime previsto no art. 290, do Código Penal Militar:
Crime militar. Posse e uso de substância entorpecente. Art. 290, cc. art. 59, ambos do CPM. Maconha. Posse de pequena quantidade (8,24 gramas). Princípio da insignificância. Aplicação aos delitos militares. Absolvição decretada. HC concedido para esse fim, vencida a Min. ELLEN GRACIE, rel. originária. Precedentes (HC nº 92.961, 87.478, 90.125 e 94.678, Rel. Min. EROS GRAU). Não constitui crime militar a posse de ínfima quantidade de substância entorpecente por militar, a quem aproveita o princípio da insignificância.[7] (grifo nosso).
Nessa mesma esteira, manifesta o professor NUCCI (2010, p. 346):
Crime militar e bagatela: defendíamos não fosse aplicável o princípio da insignificância, no contexto militar, em face da especial legislação que rege a corporação. O Código Penal Militar, igualmente lei especial, não teria sido afetado pela Lei de Drogas. Nesse prisma, STF: (HC 91.759-MG, 1ª. T., rel. Menezes Direito, 09.10.2007, v.u.). Entretanto, melhor refletindo, tendo por base a Constituição Federal, cujo baluarte do Estado Democrático de Direito é o princípio da dignidade da pessoa humana, não se deve estabelecer esse nível de desigualdade no contexto penal. Se ao civil torna-se aplicável o princípio da insignificância, parece-nos viável, também em sede militar, considerar a intervenção mínima. Não se descura da disciplina necessária no âmbito militar, mas seja ela aplicável, juntamente com a sanção indispensável, no contexto administrativo, porém, não no cenário penal.
Nesse raciocínio, faz mister uma interpretação sistemática no sentido que, se, mesmo no Direito Penal Militar, que deve ser aplicado com mais aspereza o princípio da insignificância, o Supremo Tribunal Federal reconhece a sua aplicabilidade ao crime de porte de entorpecente para consumo pessoal, com mais conveniência e alvedrio pode aplicar ao art. 28, da Lei nº. 11.343/2006.
Observa-se que a tipificação das condutas definidas no art. 290, do Código Penal Militar, é análoga àquelas contidas no art. 28, da Lei nº. 11.343/2006. Lado outro, as penas abstratas previstas nos tipos penais são bastante diferentes, tendo em vista que no Diploma Penal Militar tal conduta é apenada com pena de reclusão de até 5 (cinco) anos, enquanto o art. 28, da Lei de Drogas, prevê somente medidas educativas. Assim vejamos:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Art. 290. Receber, preparar, produzir, vender, fornecer, ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, ainda que para uso próprio, guardar, ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente, ou que determine dependência física ou psíquica, em lugar sujeito à administração militar, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão, até cinco anos
Desse modo, seria uma afronta ao princípio constitucional da isonomia a não aplicabilidade do princípio da insignificância no contexto do art. 28, da Lei nº. 11.343/2006, tendo em vista o brocardo jurídico "quem pode o mais, pode o menos". Isto é, se a uma infração cuja pena abstrata é de até cinco anos de reclusão é aplicável o princípio da insignificância, não haveria razão não aplicar este mesmo princípio a uma infração que prevê como sanção apenas medidas educativas.
3.2. Descriminalização "formal" da posse de droga para consumo pessoal
O §2º do artigo 48 da Lei nº 11.343/2006, dispõe que tratando-se de conduta prevista no artigo 28, do mesmo diploma legal, não se imporá prisão em flagrante.
Por meio do aludido dispositivo, percebe-se claramente que houve o abandono da pena de prisão, isto é, a posse de droga para consumo pessoal não está mais sujeita a pena de prisão por expressa vedação legal. Doravante será sancionada com penas alternativas, que serão impostas pelos Juizados Criminais.
Por força do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, a infração penal prevista no artigo 28 da atual Lei de Drogas passou-se a denominar "infração sui generis", ante uma interpretação sistemática, posto que, se as penas cominadas para a posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar em "crime" ou nem "contravenção penal".
Nesse mesmo sentido é audacioso o entendimento do professor Luiz Flávio Gomes (2011, p.157):
O art. 28, consequentemente, contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria, que não se confunde nem com o crime nem com a contravenção penal).
Essa infração sui generis pertence ao (clássico) Direito Penal. Não se trata de direito administrativo porque as novas penas alternativas devem ser aplicadas por juiz (dos Juizados Criminais), com todas as garantias inerentes ao devido processo consensual.
Destarte, a posição do professor Luiz Flávio Gomes, embora polêmica, merece o devido acatamento por todos, se meditarmos por meio de uma interpretação sistêmica, eis que, nesse caso, deve o exegeta analisar o disposto no art. 28 da Lei nº. 11.343/2006, no sistema no qual ele está contido, e não de forma isolada. Interpreta-se com os olhos voltados para o todo, e não apenas para as partes ou norma especial do dispositivo.
Para a abordagem deste tema, foi utilizada uma metodologia baseada em fundamentação teórica, sendo realizada pesquisa de leis, livros e jurisprudência que tratam sobre o tema em questão.
Outrossim, foram utilizadas técnicas de leitura analítica, baseando-nos na análise dos princípios norteadores do direito penal, e em específico o princípio da insignificância, bem como sua aplicabilidade no contexto do artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006.
Assim, diante da atualidade em que vivemos, bem como da mudança radical na nova Lei de Drogas que gerou, na prática, a aplicação do instituto penal novatio legis in mellius, isto é, a libertação de todos aqueles indivíduos que se encontrassem preso em razão do artigo 16 da antiga Lei de Entorpecentes, em virtude da nova lei beneficiadora, entende-se ser aplicável o princípio da insignificância no porte de drogas para consumo pessoal, não se cogitando para tanto sobre a aplicação do respectivo princípio para um crime de perigo abstrato, uma vez que por questões sistemáticas, seria inviável a vedação deste princípio.
Com efeito, tendo em vista a complexidade do tema, houve-se necessidade da Corte Maior se manifestar sobre o assunto, decidindo, em crime análogo, porém de maior rigidez, sobre a aplicação do princípio da insignificância e, daí em diante, abriu-se precedente para que vários magistrados e tribunais concluíam-se pelo reconhecimento da tipicidade conglobante ou material ao delito previsto no artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006.
Destarte, entende-se ser cabível a aplicação do princípio da insignificância no contexto do artigo 28 da Nova Lei de Drogas, pelos seguintes fatos:
Primeiro, porque através de uma análise jurídica empreendedora, pode-se perceber que o judiciário não consta com seu ius puniendi de forma completa, posto que por expressa vedação legal constante no artigo 48, §2º, da referida Lei, não há mais pena privativa de liberdade.
Segundo, ao nos atentarmos que em hipótese alguma caberá pena privativa de liberdade, não convém defendermos a tese da não aplicação do princípio da insignificância por se tratar de crime de perigo abstrato, uma vez que não seria vantajoso para o Estado mover a chancela judiciária para utilizar do seu Direito Penal num delito que já trouxe expressa restrição ao poderio Estatal (Art. 48, §2º, da Lei nº. 11.343/2006), posto que o ius persequendi do Estado feriria não só os princípios basilares do direito penal comentados neste trabalho, como também os princípios da economia e celeridade processual.
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Dedico esse trabalho aos meus pais, ANCELMO MATIAS NETO e FRANCISCA SEVERINA SOARES, por todo amor e educação que me deram durante essa longa jornada da vida. Tenho consciência que minha aprovação no VI Exame Unificado da OAB se deu em razão da cumplicidade e paciência que tiveram durante todo esse tempo comigo...
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, príncipe de toda glória, por Ele ter me dado o dom da vida e proporcionado grandes acontecimentos em meu ser.
À minha adorada mãe, que sempre batalhou do meu lado, tendo, inclusive, renunciado o seu direto de viver para fortalecer-me diante dos obstáculos que houve nesse longo caminho.
Ao meu amado pai, meu velho guerreiro, que sempre me inspirou nas lutas da vida, incentivando meus estudos e me aconselhando sobre o desviar das aflições que nos arredonda na constância da vida.
À minha família, que sempre me apoiaram e acreditaram no meu sucesso acadêmico, impulsionando-me cada vez mais a lutar, de forma humana, pelos meus objetivos.
Aos meus amigos, sem citar nomes, pois seria inevitável o esquecimento de algum, seja por motivos de distância ou por outro qualquer. No momento reservando-me à citação daqueles que acompanharam de perto minha luta acadêmica e por as mesmas lutas passaram, sendo eles: Juliana de Castro, José Divino Chaves e Waldir Lopes de Almeida.
Aos meus mestres: Dr. Fábio Ladeira Amâncio, Juiz de Direito Coordenador do Juizado Especial de Uberlândia, pelos ensinamentos judiciosos; Dr. Marco Aurélio Nogueira, Promotor de Justiça do Juizado Especial Criminal de Uberlândia, pelas manhãs criminais que aperfeiçoaram meus conhecimentos jurídicos; Dr. Eduardo Henrique Lemos, Delegado da Polícia Civil Mineira, pelos ensinamentos prático-jurídicos da fase pré-processual e ao Dr. Marcus Vinicius Sousa Rosa, Advogado inscrito na OAB do Estado de Minas Gerais e Coordenador da Escola Superior de Advocacia, pelos ensinamentos jurídicos pautados na defesa dos interesses dos cidadãos.
Aos meus professores, que bastante preparados plantaram sementes de conhecimento sobre minha pessoa, fazendo com que eu aprimorasse cada vez mais meus estudos.
Por fim, àqueles que de alguma forma contribuíram para o meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.
Eclesiastes 3:1
Autor:
Antônio Franceildo Soares Matias
franceildosm[arroba]hotmail.com
ESAMC
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito da Esamc.
Orientadora: Patrícia Vieira dos Santos Fernandes.
Uberlândia 2012
[1] (Questão de Ordem no RE 430.105, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª T., DJe 26.04.2007, p. 69, RT 96, n. 863/516, v.u.).
[2] (CC 100794-MG, 3ª Sec. ,rel. Arnaldo Esteves Lima, 26.08.2009, v.u.).
[3] (HC 55.940-MG, 6ª T. rel. Og Fernandes, 07/05/2009, v.u.).
[4] Cf. decisão de 18.12.1997, relator LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJU de 06.04.1998, p. 175.
[5] Cf. decisão de 30.03.1998, relator ANSELMO SANTIAGO, DJU de 01.06.1998, p. 191.
[6] HC 17956-SP, rel. Min. Vicente Leal.
[7] HC 94583 / Ms - Mato Grosso do Sul - Relatora: Min. Ellen Gracie - Relator p/ Acórdão: Min. Cezar Peluso - Julgamento: 24/06/2008 - Órgão Julgador: Segunda Turma.
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