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A Lei estabelece como critérios e princípios do processo do JECrim a oralidade, a informalidade, a economia processual, a celeridade, objetivando a reparação dos danos sofrido pela vítima e a aplicação de penas não privativa de liberdade. Com relação ao JECrim estabelece os procedimentos resumidos abaixo:
a) Quando a autoridade policial receber a denuncia de infrações que se enquadrem nos crimes de menor potencial ofensivo deve registrar a ocorrência através de um Termo Circunstanciado que será encaminhado ao JECrim. Este documento é mais simples e não implica na instauração de um inquérito, como nos casos de outros crimes.
b) Vítima e autor/a dos fatos, acompanhados/as de seus advogados/as, passarão por audiência preliminar no JECrim, onde deve estar presente o representante do Ministério Público. Nesta audiência o Juiz esclarecerá as partes envolvidas sobre a possibilidade de que seja feita uma conciliação, que em termos jurídicos é chamada de “composição dos danos”, e que sua aceitação implica em uma pena não restritiva de liberdade.
c) Não havendo composição dos danos (conciliação) a vítima poderá exercer seu direito à representação verbal. Mesmo não desejando fazer a representação neste momento, a vítima poderá fazê-lo dentro de um prazo de seis meses.
d) Havendo representação, o Ministério Público pode propor ao/a autor/a dos fatos a “transação penal”, ou seja, a substituição da pena restritiva de liberdade por multa. Porém, a transação penal só pode ser oferecida:
· Àquele/a autor/a que já não tenha sido condenado/a a pena restritiva de liberdade.
· Que já não tenha se beneficiado por pena de multa e ou restritiva, num prazo de cinco anos.
Será ainda, levado em consideração:
· Os antecedentes, a conduta social e a personalidade do/a autor/a dos fatos e ainda se as circunstancias da ocorrência não exigem a aplicação da pena restritiva de liberdade;
· Aceita a transação penal , esta será submetida a apreciação do/a Juiz/a;
· Não estando presente o/a autor/a dos fatos na audiência preliminar, ou “pela não ocorrência da transação penal”, O Ministério Público deverá oferecer, imediatamente, a denuncia oral. (caso não haja a necessidade de se fazer diligencias)
· Se oferecida a denuncia, será marcado dia e hora para audiência de instrução e julgamento.
O artigo 89 da Lei 9.099/95 estabelece a suspensão condicional do processo para os casos de crimes em que a pena prevista seja inferior a um ano. O Ministério Público poderá propor a suspensão do processo por dois a quatro anos, mediante comprometimento do acusado a cumprir determinadas condições:
a) Reparação, se possível, do dano causado
b) Proibição de freqüentar determinados lugares.
c) Proibição de se ausentar da comarca onde reside, sem autorização prévia do Juiz.
d) Comparecimento mensal ao juízo, para informar sobre suas atividade[24].
e) Entre outras condições que o Juiz julgar necessárias.
Caso estas condições não sejam cumpridas, ou o acusado cometendo outra infração ou crime, será revogada a suspensão do processo.
1.6 Esquema da Dinâmica dos Procedimentos da Lei 9.099/95 1.7 Reflexões críticas sobre os juizados especiais criminaisPara atender o clamor da sociedade por uma justiça mais célere são criados os JECrims – assim, o art. 98, inciso I da Constituição Federal prevê a criação dos Juizados Especiais Criminais.
Segundo Coutinho[25](2005) embora a criação dos JECrims fosse uma promessa de modernização e democratização do processo penal brasileiro, não foram feitas discussões profundas o suficiente para que se efetivasse uma “construção sólida”, carecendo assim, de uma base teórica sólida.
Para este autor a falta de uma definição clara sobre o que seriam as infrações de menor potencial ofensivo da Lei 9,099/95, que também careceu das devidas discussões, se constitui num grande problema, pois, ao contrário do que se pretendia – a descriminalização e a despenalização – acabou por “ressuscitar” um mundo de “infrações bagatelares” já quase esquecidas.
Há aqui que se fazer uma reflexão sobre o que o autor considera por “infrações bagatelares”. Bagatelares para quem? Um conflito, que num primeiro momento nos parece de pouca relevância, pode tomar dimensões e desencadear conseqüências imprevistas e de grandes proporções.
Conforme Wunderlich (2005), não há sociedade sem conflitos – estes entendidos como “uma forma de interação entre indivíduos, grupos, organizações e coletividades que implica choques para o acesso e a distribuição de recursos escassos” [26]. - Porém, nem todo conflito requer uma solução via instituição, assim as ciências criminais selecionam alguns conflitos, que são tratados como conduta desviante, sento então, enquadrados como infração penal.
A fim de responder a estes conflitos, se faz necessário o intercambio entre os saberes profissionais, ou seja, uma transdisciplinariedade que permite um novo olhar sobre a realidade. Segundo o autor “É importante salientar a necessidade da construção de uma visão transdisciplinar do direito penal. O Direito não está divorciado das demais ciências e, na busca do saber científico, é fundamental esta compreensão. [...]” (Wunderlich, 2005, p.19).
Outra crítica levantada por Coutinho (2005) aos JECrims, diz respeito as suas condições materiais, que são precária, com raras exceções, e ainda com relação a falta de preparação adequada daqueles que integram o quadro funcional destes órgãos, a começar pelos próprios juízes que se vem as voltas a um volumoso número de processos.
Assim, este modelo estaria se mostrando ineficiente, tomando por ideologia a “tolerância zero”, adotada nos Estados Unidos da América.
No entanto, há que se perguntar ainda, “tolerância zero” diante de que? Para quem? Wunderlich acredita que quando um conflito chega à justiça deve ser solucionado sem que se perca de vista as garantias e direitos previstos na Constituição, sejam os direitos das vítimas ou dos/as autores/as dos fatos. Não é possível que em nome de uma “tolerância zero”, se coloque a “defesa social” acima dos direitos e garantias individuais.
De acordo com Coutinho (2005), tem ocorrido em audiências grande pressão para que as partes aceitem a transação penal; de “conciliadores decidindo de fato”; sem falar no despreparo destes para efetivamente fazerem a conciliação e ainda na falta de critérios, ao se oferecer ou receber as denuncias, sendo estas, muitas vezes, oferecidas como represarias pela não-aceitação da transação penal.
Esta situação é certamente vivenciada no JECrim de Cuiabá. Em entrevista a um jovem encaminhado ao NUPS pelo Juizado, este se mostrou contrariado com a decisão do juiz e com a possibilidade de ser encaminhado aos Alcoólicos Anônimos – AA. e ao CAPS - Centro de Atenção Psicossocial para tratamento e acompanhamento para dependentes químicos, pois, segundo ele, nunca fizera uso de entorpecentes. Relatou que fora abordado pela polícia em companhia de um “colega” que portava uma trouxinha de pasta base, sendo então encaminhados ao JECrim depois de lavrado o Termo Circunstanciado na delegacia. Segundo este jovem, de nada adiantou alegar inocência e nem mesmo o fato de não ter sido encontrado nenhum entorpecente em seu poder teve relevância para a autoridade policial ou perante o Juiz, que juntamente com seu advogado de “defesa” o aconselharam a assinar a transação penal, se submetendo à medida sócio-terapêutica , sob risco de “se complicar ainda mais”. Segundo estes detentores do saber/poder, submeter-se às medidas sócio-educativas seria um “mal menor”.
A este jovem, e a outros/as que passam por situação semelhante, estaria sendo negado o direito constitucional de defesa e da presunção de inocência diante da ausência de provas que os/as incriminem.
Daí a importância do NUPS e de seus profissionais, principalmente do Serviço Social, comprometidos/as com o projeto ético político da profissão, na garantia dos direitos de seus usuários. Este/a profissional, apoderado/a de sua autonomia, pode e deve se interar destes fatos e tomar providências para minimizar, senão sanar, estes “equívocos”. No referido caso, o primeiro passo tomado foi o encaminhamento do jovem a uma avaliação toxicológica, para que, se comprovada a ausência do uso de substância entorpecente, seja fechado e encaminhado ao juiz, um relatório, esclarecendo os fatos e alegando a inadequação deste ao tratamento “proposto”.
Wunderlich (2005), assim como Coutinho (2005), faz críticas a Lei 9.099/95, pois esta fora lançada pronta e não construída a partir de discussões sérias, tendo entrado em vigor em sessenta dias após sua publicação. Segundo sua concepção tanto a Lei 9.099/95, quanto a Lei 10.259/01, precisariam ter sido alvo de muitas discussões, por exemplo no tocante ao que deveria ser considerada “infrações de menor potencial ofensivo”, que a Lei 10.259/01 dilatou de um ano para dois.
Destaca ainda, após sua participação na comissão Especial para Avaliação dos Juizados Especiais Criminais, do Ministério da Justiça em 2002, uma realidade que certamente tem reflexo no Juizado Especial Criminal de Cuiabá. Entre estas:
a) Conciliações impostas às partes;
b) Propostas de transação penal sem que haja justa causa para oferecimento de denuncia ou queixa crime;
c) Propostas de transação penal sem qualquer individualização ou obediência à realidade sócio-econômica do autor dos fatos;
d) Audiências preliminares sem a presença de advogado, sem vítima, sem o representante do ministério público e até sem juiz;
e) A falta de preparo dos conciliadores e dos juízes para cumprir com esse papel, pois não têm formação transdisciplinar capaz de fundamentá-los teórica e metodologicamente para as conciliações.
Wunderlich concorda com Miranda Coutinho ao afirmar que contravenções que estavam desaparecidas foram “ressuscitadas”, aumentando assim, o número de procedimentos nas prateleiras dos juizados, sem desafogar o número de processos das Varas Criminais Comuns, pois os JECrims acabam se incumbindo dos procedimentos que se amontoavam nas delegacias aguardando inquérito policial, e que normalmente acabavam sendo arquivadas pela própria polícia.
Cabem aqui algumas reflexões sobre o pensamento destes autores. Se por um lado a afirmação anterior é verdadeira, por outro, há que se considerar que o arquivamento destes procedimentos não era uma solução satisfatória, pelo menos não para as partes envolvidas no conflito. Conflitos estes, como já afirmamos, considerados por Miranda Coutinho como “bagatelares”.
Bem sabemos que muitos desses conflitos considerados pelas autoridades policiais como sendo de menor significância, como os que envolvem “brigas de vizinhos”, entre “marido e mulher”, entre tantos outros, acabam resultando em assassinatos que estampam a mídia todos os dias. Portanto é um risco minimizar um conflito, esperando que este se resolva sozinho, ou seja, sem a intervenção dos mecanismos da justiça.
A Constituição Federal preconiza justiça para todos, independentemente da raça, etnia, orientação sexual e gênero, assim, as autoridades policiais não podem e não têm competência para eleger quais os conflitos devem ou não ser levados perante a justiça. Esta é uma decisão que cabe às partes envolvidas, que são sujeitos de direito, sejam vítimas ou autores dos fatos, devendo ser tratados como tal.
Outro problema evidenciado por Wunderlich (2005) diz respeito a super valorização da vítima, pois como a polícia é obrigada a encaminhar todos os Termos Circunstanciados aos Juizados Especiais Criminais, sem necessidade de inquérito policial, a vítima acaba se munindo de grande poder, podendo usá-lo de forma abusiva ou mesmo vingativa, nem sempre relatando a verdade dos fatos.
Esta deficiência – a falta de uma averiguação concreta sobre a realidade dos fatos relatados em geral pela vítima – fica evidente no cotidiano do Juizado Especial Criminal de Cuiabá.
Wunderlich releva ainda como problema cotidiano dos juizados a ausência da vítima em audiência, o que via de regra é um impedimento para o objetivo central das audiências: o consenso.
Em alguns estados, para dar solução a este problema, se criou o mecanismo da “desistência tácita”, assim, se a vítima não comparecer a audiência, considera-se que tenha desistido da representação, portanto o processo é arquivado. No entanto este mecanismo acaba implicando em novo problema, pois se a vítima for impedida por motivos de força maior de comparecer à audiência, terá arquivado o procedimento a revelia de sua vontade.
Uma importante consideração feita pelo autor, diz respeito a violência contra a mulher e a “ausência estatal no pós-conflito”. Um problema que vinha se repetindo nos juizados era a insatisfação das mulheres, vítimas da violência de seus esposos ou companheiros, com o
andamento dado aos seus conflitos, reproduzindo-se um sentimento de impunidade, pois em geral a única sanção imposta aos agressores era a doação de cestas básicas, que como já afirmado, penaliza a mulher duplamente na maioria dos casos. Porém, no JECrim de Cuiabá este procedimento já havia sido minimizado, sendo os homens agressores encaminhados para os Grupos de Homens, tratamento para dependência de álcool e outras drogas, que em geral potencializa a violência e tratamento psico-terapêuticos.
No entanto, a preocupação com a ineficiência dos Juizados Especiais Criminais na solução da violência de gênero toma novos rumos a partir da promulgação da nova lei sancionada pelo Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva - Lei Maria da Penha, nº 11.340/2006 - que combate a violência doméstica e de gênero, retirando este delito da relação dos crimes considerados de menor potencial ofensivo, criando mecanismos para reprimir a violência doméstica e familiar contra a mulher, delibera sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, prevê medidas de prevenção da violência, assim como de proteção e assistência integral à mulher e ainda, a proibição da aplicação de penas como o pagamento de cestas básicas.
Entre as medidas de proteção que o juiz pode tomar, sem a necessidade de um processo civil ou judicial, a partir da promulgação da Lei Maria da Penha estão:
· O afastamento imediato do agressor do domicílio e de outros lugares de convivência com a mulher agredida, garantindo a permanência da mulher no seu ambiente familiar, comunitário e de trabalho;
· Suspender ou restringir o porte e a posse de armas;
· Fixar limite mínimo de distância entre a mulher, seus filhos e o agressor;
· Restringir ou suspender visitas aos dependentes menores em casos de risco de homicídio.
A Lei estabelece, ainda, a efetivação de ações integradas dos órgãos públicos estaduais, municipais e federais e não-governamentais, visando a prevenção da violência contra a mulher, entre elas:
“[...] a promoção de estudos e pesquisas em relação às causas, conseqüências e freqüência desse tipo de violência; o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família para coibir os papéis estereotipados que legitimem a violência doméstica; entre outras” (AGENDE).
Segundo a sócio-fundadora e membro do Conselho Diretor da AGENDE[27] e a advogada Elizabeth Garcez: "Ao tirar esse tipo de crime do Juizado Especial Criminal (JECRIM), os juízes poderão dar decisões criminais e cíveis, sem que a mulher precise aguardar um processo longo e desgastante", abrindo-se assim, uma possibilidade de se acabar com a sensação de impunidade que sempre fez parte do senso comum machista fortemente presente em nossa sociedade.
CAPÍTULO IINa concepção de Minayo:
Toda construção teórica é um sistema cujas vigas mestras estão representadas pelos conceitos. Os conceitos são as unidades de significação que definem a forma e o conteúdo de uma teoria. Podemos considerá-los como operações mentais que refletem certo ponto de vista a respeito da realidade, pois focalizam determinados aspectos dos fenômenos, hierarquizando-os. Desta forma eles se tornam um caminho de ordenação da realidade, de olhar os fatos e as relações, e ao mesmo tempo um caminho de criação. (2004: p. 92)
Para se possa dar conta da realidade sobre a qual se pretende fazer uma análise reflexiva, é preciso que as categorias a serem trabalhadas estejam bem definidas. Assim, para que o problema aqui apresentado possa ser desvelado, trazendo novos conhecimentos acerca da freqüência ao A.A. como medida sócio educativa do JECrim na superação à violência contra a mulher, serão trabalhadas as categorias: Álcool e Alcoolismo, Alcoólicos Anônimos, violência, violência contra a mulher
2.1 Álcool e AlcoolismoSegundo Antônio Escohotado[28], registros arqueólogos revelam que o consumo de bebidas alcoólicas data de mais de oito mil anos. Desde a Pré - história, mais precisamente no período Neolítico, que compreende aproximadamente 26.000 a.C. até por volta de 5.000a.C - quando os homens tornaram-se agricultores, pastores e sedentários - começa-se a produzir bebidas alcoólicas como resultado da fermentação natural de raízes, frutas e cereais.*Os celtas, gregos, romanos, egípcios e babilônios registraram de alguma forma o consumo e a produção de bebidas alcoólicas. Papiros do Egito Antigo revelam as etapas de fabricação de vinho e cerveja. Documentos que datam de 22000 a.C mostram que mulheres em fase de aleitamento eram incentivadas a consumirem cerveja. Destilarias egípcias datam de 6.000 anos.
No século XII, com a descoberta do processo de destilação pelos árabes, tornou possível a produção de bebidas com maior teor alcoólico, sendo comercializada por toda Europa. É a partir do século XVII que o comércio e o consumo dos destilados se expande, atingindo seu ápice a partir do século XIX.
O álcool sempre representou diferentes papeis ao longo da história, tanto em âmbito social como religioso. Antigas civilizações realizavam cultos que vinculavam o vinho à deuses, como Dionísio da Grécia e Baco de Roma, vinculando o consumo de álcool e religião. O álcool foi ainda utilizado como facilitador das relações interpessoais por diversas civilizações, e ainda hoje, é usado como meio de promover a socialização, esta compreendida segundo Boaventura de Sousa Santos:
[…] um processo de aprendizagem através do qual nos tornamos pessoas e membros de uma dada sociedade. Ele é vital, tanto para os indivíduos, como para a sociedade. É através dela que se procede a transmissão da cultura e se faz a aprendizagem de papéis, expectativas e estatutos sociais. Ao mesmo tempo em que, os indivíduos interiorizam as normas e os valores sociais, reforçam-nos o que contribui para a coesão da sociedade (Boaventura. In Oliveira et.al., 2001, p. 141).
Assim sendo, o ato de beber tem um valor simbólico que ultrapassa a dimensão gastronômica, alcançando uma dimensão social. Enquanto o ato de beber é condenável culturalmente para as mulheres, desde muito cedo homens são incentivados a beber, sendo este ato vinculado à virilidade.
No século XXI, o álcool é consumido por em larga escala – de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 1961 e 2000 o consumo de bebidas alcoólicas cresceu 154,8% per capita. Na Europa este consumo representa o dobro da média mundial, aumentando também a incidência de doenças relacionadas ao álcool, pois, 6,3% de todas as causas de morte na região européia estão relacionadas ao uso de álcool.
O Brasil, nesta pesquisa, figura entre os 25 países do mundo que mais aumentaram o consumo de álcool no mundo.
Levantamento[29] realizado em 2001, pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas – CEBRID nas 107 maiores cidades do país, revelou que 68,7% da população já consumiram bebidas alcoólicas durante a vida.. Um dado importante demonstrado por esta pesquisa é que 48,3% dos da população entre 12 e 17 anos já consumiram bebida alcoólica. Quanto à dependência do álcool, a pesquisa revela que 11,2% daqueles que consomem bebidas alcoólicas são dependentes do álcool.
Estes números expõem um avanço expressivo no processo de dependência do álcool na população de todo o mundo.
O alcoolismo é considerado uma doença caracterizada pela dependência de álcool, ou seja, pelo uso excessivo e continuado de álcool, e por todas as conseqüências decorrentes desse uso, podendo estas conseqüências, ser relacionadas à saúde física e mental do usuário que pode ser acometido de diversas doenças como a cirrose, ou mesmo relacionadas ao social, pois o uso excessivo do álcool pode desencadear dificuldades de relacionamento com membros da família ou com a rede de amigos, a perda de emprego, etc.
O elevado índice de violência no Brasil, constantemente veiculado na mídia, em geral tem estreita relação com a dependência ou uso abusivo[30]do álcool.
2.2 Alcoólicos AnônimosA historia da Instituição Alcoólicos Anônimos se confunde com a história de seus fundadores. Trata-se de uma história de luta, de erros e acertos, mas sobretudo uma história de perseverança que ganhou o mundo.
Seu fundador, Bill Wilson, americano, veterano de guerra, cursou faculdade de direito, sem, no entanto, ter exercido a profissão. Depois de várias tentativas de se estabelecer no mercado de trabalho, em 1926, Bill é bem sucedido como corretor de ações, ganhando muito dinheiro e status.
O consumo excessivo de bebida alcoólica era freqüente em seu dia a dia. Embora já trouxesse problemas em seu relacionamento conjugal, neste período ainda não chegava a afetar seus negócios. No entanto, com crise de 1929, a bolsa de valores quebra e os preços das ações despencam, levando a falência milhares de bancos, indústrias e empresas rurais. Bill Wilians faliu juntamente com milhares de americanos.
Sem o reconhecimento e poder conquistado, Bill Wilians se entrega a bebida, enveredando pelo caminho do alcoolismo, o que prejudicaria sua carreira profissional. Mesmo após a crise, Bill não consegue se restabelecer profissionalmente.
A partir daí, sua história se resume em grandes bebedeiras e tentativas fracassadas de recuperação, tanto financeira, como do alcoolismo.
Em 1933 Bil é internado pela primeira vez no Towns Hospital de Nova York, conceituada instituição dedicada à reabilitação física e mental de alcoólicos, que eram vistos como vagabundos e responsabilizado por sua fraqueza de caráter. O alcoolismo era encarado como pecado, como um desvio de comportamento.
É neste hospital que Bill conhece o Dr. Silkworth[31], que havia formulado a teoria de que o alcoolismo era uma espécie de “alergia”. Defendia que a ação do álcool sobre os alcoólicos crônicos era uma reação alérgica, que o fenômeno da compulsão se limitava a essas pessoas que nunca poderiam usar o álcool de forma segura. Enfim, o Dr. Silkworth, não relacionava o alcoolismo a falta de vontade, nem a um defeito moral, mas o tratava como uma doença, que assim como outras, necessitava de mais do que força de vontade para ser superada.
Esta foi a primeira vez que Bill Wilians realmente acreditou que pudesse superar sua dependência do álcool, porém não foi a última. Apesar de suas esperanças e esforços voltou a beber e a internar-se ainda algumas vezes antes de conseguir afastar-se da bebida alcoólica definitivamente. Assim, em 1934, Bill já estava entregue a bebida novamente, quando reencontrou um ex-companheiro de bebedeira, Sr. Ebby T.
Ebby, para surpresa de Bill, havia deixado de beber, graças a seu engajamento ao “Grupo Oxford” – movimento evangélico ecumênico, constituída por pessoas não alcoólicas e orientado por rigorosos princípios religiosos: honestidade absoluta, pureza absoluta, desprendimento absoluto e amor absoluto. Bil foi conhecer as reuniões realizadas pelo Grupo Oxford, e embora, tivesse se sentido tocado pela mensagem transmitida pelo grupo, não resistiu ao apelo da bebida.
Em 1934, revoltado consigo mesmo por ter voltado a beber, Bill se interna novamente o Towns Hospital. Foi quando ocorreu um episódio que mudaria o rumo de sua vida para sempre. Decepcionado, desesperado por livrar-se do vício, Bill entrega-se a Deus mesmo sem acreditar nele, implorando para Ele Revela-se.
Para que se possa entender realmente o que se passou e o que sentiu Bill neste momento, se faz necessário reproduzir suas palavras, citada na obra “Levar Adiante”:
O quarto foi subitamente inundado por uma Liz indescritivelmente branca. Fui arrebatado por um êxtase que escapa a qualquer descrição. Toda a alegria que eu jamais sentira era pálida em comparação. A luz, o êxtase – não tive consciência de mais nada durante algum tempo(Citado de Levar Adiante, p. 130, com autorização de A.A. Word Services, Inc.).
Depois desta experiência Bill Wilson nunca mais voltou a beber dedicando o resto de sua vida a manter sua própria sobriedade e a ajudar a outros alcoólicos. Bill passou a acreditar que alcoólicos como ele deveriam passar por uma experiência espiritual como a que experimentara para poder afastarem-se do vício. Assim, passou a pensar em estratégias para recuperar outros alcoólicos.
Em 1935 Bill Wilson conhece o Dr. Bob, também alcoólico e médico da cidade de Akron – EUA. O médico deixa de beber após longas conversas com Bill, e juntos fundam o grupo que viria a tornar-se os Alcoólicos Anônimos como o conhecemos hoje. Inicialmente seu programa de recuperação manteve estreito vínculo com o Grupo Oxford, no entanto, em 1937, devido ao aumento de alcoólicos em busca de recuperação e da divergência de pensamento entre Bill e os dirigentes do Grupo Oxford - entre elas a crença de que o alcoolismo era uma doença e não uma falha moral - o A.A. se desvincula do Grupo Oxford, mantendo, no entanto, seu caráter religioso, só que orientado sob novos moldes.
Já não se esperava alcançar honestidade, pureza, desprendimento e amor absoluto. Os AAs perceberam que o adjetivo “absoluto”, por ser impossível de ser alcançado acabava afastando ou desmotivando seus membros. Os princípios da tolerância e do amor passaram a ser mais enfatizados enquanto prática necessária após a separação do Grupo Oxford.
Na verdade Dr. Bob foi a primeira pessoa que Bill conseguira recuperar realmente. Enfim, depois de tantas tentativas, Bill percebera que a melhor maneira de se manter sóbrio era conversando com outro alcoólico, tentando ajudá-lo a parar de beber. Assim seu programa de recuperação consistia em ajudar ao próximo que estivesse em situação igual a sua.
Apesar das dificuldades financeiras e do baixo índice de recuperação dos alcoólicos, Bill não desistiu de sua empreitada. Em 1937, após muita persistência, Bill e Bob contabilizam 20 casos de alcoólicos que conseguiam se manterem sóbrios. A notícia das recuperações se expandia. Um alcoólico atraia a outros que buscavam recuperação. O sucesso do programa desenvolvido por Bill atravessou as fronteiras da cidade de Nova York e Akron, alcançando todo o EUA para então ganhar o mundo, levando a esperança da recuperação a milhares de famílias angustiadas. Alcoólicos e não alcoólicos se uniam no intento de levar a recuperação para todos que a desejassem.
Em 1946 são formuladas as Doze Tradições que viriam orientar ações dos grupos de Alcoólicos Anônimos – A.A., com o propósito de padronizar e unificar atitudes, costumes e funções que atendessem aos objetivos da irmandade, a despeito das diferenças legais e culturais. As Doze tradições[32]que norteiam os grupos de A.A. são:
1. Nosso bem-estar comum deve estar em primeiro lugar; a reabilitação individual depende da unidade de A.A.
Esta tradição tem como propósito manter a existência da irmandade, que depende da obediência a princípios espirituais e da observância do bem-estar comum do grupo. Diante da necessidade de desenvolver um trabalho conjunto, a unidade é o objetivo principal desta tradição.
2. Somente uma autoridade preside, em última análise, o nosso propósito comum - um Deus amantíssimo que Se manifesta em nossa consciência coletiva. Nossos líderes são apenas servidores de confiança; não têm poderes para governar.
Cada grupo elege seus servidores, que no entanto não têm poder sobre os outros membros. Os cargos geralmente são transferidos a cada seis meses. Os dirigentes devem se lembrar de que seu serviço é voltado para o bem comum. “Os líderes não governam; eles servem apenas”.
3. Para ser membro de A.A., o único requisito é o desejo de parar de beber.
Inicialmente os grupos de A.A. colocavam regras para a filiação de seus membros, no entanto a experiência mostrou que essas regras eram decorrentes do medo e excludentes. A maioria dos membros que ingressaram na irmandade nos seus primórdios teria ficado de fora se tivessem de atender aos requisitos que foram sendo impostos no decorrer de sua existência. Assim, as regras foram colocadas de lado, dando oportunidade de recuperação a todos que desejassem.
4. Cada Grupo deve ser autônomo, salvo em assuntos que digam respeito a outros Grupos ou a A.A. em seu conjunto.
Cada grupo de A.A. é autônomo e tem liberdade para adotar seus próprios costumes quanto a dinâmica de suas reuniões. No entanto esta liberdade implica em responsabilidade, nenhum grupo pode tomar decisões que possam colocar em risco a unidade e a sobrevivência do Alcoólicos Anônimos.
5. Cada Grupo é animado de um único propósito primordial - o de transmitir sua mensagem ao alcoólico que ainda sofre.
Cada grupo deve ter sempre em mente o propósito primordial de sua existência – unidos pela responsabilidade comum, deve levar a um alcoólico que sofre a mensagem de que pode se recuperar em A.A.. Estando sempre, atentos para não tomar decisões que fujam a este propósito e coloquem em risco a sobrevivência e a unidade da irmandade.
6. Nenhum Grupo de A.A. deverá jamais sancionar, financiar ou emprestar o nome de A.A. a qualquer sociedade parecida ou empreendimento alheio à Irmandade, a fim de que problemas de dinheiro, propriedade e prestígio não nos afastem de nosso propósito primordial.
A experiência provou que os grupos não podem envolver o nome de A.A. em empreendimentos externos. Estes sempre envolvem dinheiro e correlação de poderes que podem por em risco a existência do grupo ou do A.A. como um todo.
7. Todos os Grupos de A.A. deverão ser absolutamente auto-suficientes, rejeitando quaisquer doações de fora.
Desde sua origem, o alcoólicos Anônimos enfrentaram dificuldades em manter a estrutura necessária a seu funcionamento, no entanto a experiência ao longo das décadas provaram que a responsabilidade de sustentar a sede de A.A. é de seus membros. Pois, doação de recursos por parte de instituições privadas ou governamentais ou mesmo de um indivíduo pode significar “compra de influencias”.
8.Alcoólicos Anônimos deverá manter-se sempre não-profissional, embora nossos centros de serviços possam contratar funcionários especializados.
Os membros de A.A. não são profissionalizados, ao recepcionar um alcoólico, conduzir uma reunião, fazer palestras, etc. o faz a partir de sua experiência de vida, no intento de ajudar ao outro e a si mesmo. Não recebe por esse trabalho. No entanto, devido a grande dimensão dessa instituição, ela não poderia funcionar sem profissionais especializados, por exemplo, nos serviços administrativos do Escritório de Serviços Gerais[33]. O trabalho do Décimo Segundo Passo[34]nunca é pago. São pagos apenas os trabalhadores dos serviços administrativos necessários para o funcionamento dos A.As.
9. A.A. jamais deverá organizar-se como tal; podemos, porém, criar juntas ou comitês de serviço diretamente responsáveis perante aqueles a quem prestam serviços.
O A.A. não pode se constituir numa instituição prestadora de serviços profissionais de recuperação a alcoólicos, no entanto, necessita se organizar de forma a cumprir com seu objetivo, que é o de colocar a sobriedade ao alcance de todos que a desejarem. Para tanto se organiza através do General Services Office – GSO[35], em Juntas de Serviços Gerais[36], Comitês de grupo[37], e em Conferência de Serviços Gerais[38]. A finalidade desta tradição é a de impedir que Grupos de A.As. se envolvam em questões diversas de seu verdadeiro objetivo.
10. Alcoólicos Anônimos não opina sobre questões alheias à Irmandade; portanto, A.A. jamais deverá aparecer em controvérsias públicas.
A.A. não toma partido em nenhuma controvérsia pública a fim de manter sua unidade. Esta unidade é primordial para o tratamento do alcoólico e para a sobrevivência da irmandade.
11. Nossas relações com o público baseiam-se na atração em vez da promoção; cabe-nos sempre preservar o anonimato pessoal na imprensa, no rádio e em filmes.
Manter uma boa relação com o público é importantes para A.A., contudo esta publicidade deve estar voltada para os princípios de A.A.e não para seus membros. O anonimato primordial para a contenção da ambição pessoal.
12. O anonimato é o alicerce espiritual das nossas Tradições, lembrando-nos sempre da necessidade de colocar os princípios acima das personalidades.
Manter o anonimato para o A.A. é uma expressão de humildade e atende a necessidade de colocar os princípios de A.A. acima das personalidades.
Em 1938 Bill Wilian formula os Doze Passos, que se constituem nos princípios de todo o processo de recuperação do A.A. São a essência deste programa. Sendo que, o Primeiro passo é toda a base deste processo – a admissão da impotência perante o álcool.
A admissão desta absoluta impotência e o reconhecimento de que esta impotência somente poderá ser remediada pela ação de um “poder superior”, é indispensável para que um alcoólico possa realmente se recuperar.
Os Doze Passos de Alcoólicos Anônimos são:
1. Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.
Há uma estreita relação entre humildade e sobriedade, portanto, a admissão da impotência é o primeiro passo para a libertação de um alcoólico.
2. Viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos a sanidade.
O A.A. não tem vínculo com nenhuma instituição religiosa, não exige crença em nenhuma religião, apenas espera que o alcoólico tenha uma mente aberta e que admita a existência de uma força que lhe é superior.
3. Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.
A disposição é a chave para a independência e auto-suficiência se constitui num perigo. Assim é preciso muito esforço pessoal e uma harmonização com Deus para se tornar independente do vício. No entanto, Deus aqui é aceito na forma como cada indivíduo ou credo religioso possa concebê-lo. Este passo foi importante para a expansão do A.A. em outros países, cuja cultura e religião concebem Deus de formas diferenciadas.
4. Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.
Este passo trata-se de um esforço o auto-conhecimento. Para o reconhecimento de qualidades positivas ou não do indivíduo. O que o ajuda a se relacionar melhor consigo e com o outro.
5. Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.
Este é um passo necessário para o alcance da paz de espírito e da sobriedade, e para a aceitação de si mesmo como um alcoólico.
6. Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.
O Sexto Passo é necessário para o crescimento espiritual e para o abandono da rebeldia que afasta um alcoólico de Deus e da sobriedade.
7. Humildemente, rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.
O alcoólico deve “esvaziar-se” de seu ego. Deve transformar o fracasso e a miséria em humildade.
8. Fizemos uma relação de todas as pessoas a quem tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.
Este passo, assim como o nono e o décimo, tratam das relações pessoais. Fala da importância de se aprender viver com o outro, e da necessidade de se aprender a perdoar e de reparar o mal feito aos outros.
9. Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.
Trata da necessidade de prudência e descrição prudência. Da necessidade de arcar com as conseqüências do passado e da responsabilidade com o bem-estar dos outros.
10. Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.
O inventário pessoal deve ser constante, é ele que permite que se atinja o equilíbrio pessoal e que se aceite e corrija os próprios defeitos. O rancor, os ressentimentos, o ciúme, a inveja, a auto-piedade, o orgulho ferido, etc. são sentimentos que levam ao vício.
11. Procuramos, através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que O concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós, e forças para realizar essa vontade.
A meditação e a oração são as principais vias para um Poder Superior e ao equilíbrio emocional indispensável à recuperação de um alcoólico.
12. Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a esses Passos, procuramos transmitir essa mensagem aos alcoólicos e praticar esses princípios em todas as nossas atividades.
Aquele que recebe a graça de se manter sóbrio, através do programa dos Doze Passos, precisa levar essa mensagem adiante. Ajudando outros alcoólicos a se recuperar, mantém-se a própria sobriedade.
O programa de recuperação de Alcoólicos Anônimos alcançou o mundo, estando hoje em mais de 150 países com cerca de 2 milhões de membros em recuperação, espalhados em 100 mil Grupos. No Brasil, existem aproximadamente 6 mil grupos em funcionamento e cerca de 90 mil membros[39], segundo calculo realizado em janeiro de 1998.
Os Alcoólicos Anônimos chega a Cuiabá em 15 de Julho de 1973, através de Eloy T., alcoolista e membro de Alcoólicos Anônimos.
Há convite da Dra. Leila Francisca Eloy profere uma palestra no Rotary Clube de Cuiabá sobre o tema “alcoolismo”. Logo Eloy organiza reuniões de A.As. no Hospital Adauto Botelho, com a anuência do diretor desta instituição, o Dr. Waldemir Olavarria de Pinho.
Nesse período a Dr. Maria José Costa, assistente social da LBA – Legião Brasileira de Assistência, após tomar conhecimento do trabalho desenvolvido por Eloy T., solicita ajuda para um funcionário daquele órgão. A partir deste encontro a assistente social coloca a disposição de Eloy T. uma sala nas dependências da LBA para que se formasse o primeiro grupo de A.A., que recebeu o nome de Grupo Cuiabá. Este grupo que começa com a presença de Eloy, Ana Maria e de Calazans, o funcionário da LBA, realiza sua primeira reunião no dia doze de Setembro.
Eloy passa a divulgar a irmandade A.A. através de um programa popular, direcionado às donas-de-casa, na radio Difusora Bom Jesus de Cuiabá, que tinha a sua frente a Dra. Aurora Chaves, e de palestras ministrada no Rotary Club, etc.
Esta divulgação deu grande visibilidade à irmandade, que entre altos e baixos, consegue se firmar como entidade promissora na recuperação de alcoólicos. Em 1975 é criado o primeiro Órgão de Serviços de Mato Grosso, inicialmente funciona no escritório particular de Eloy, localizado na Galeria G.G., no centro de Cuiabá.
Em 1977, se estabelece numa sala alugada, sendo denominado Central de Serviços de Alcoólicos Anônimos de Mato Grosso- CENSAA-MT, ocasião em que a mão mato-grossense de Alcoólicos Anônimos adquiriu personalidade jurídica.
Apesar das dificuldades de comunicação as cidades, Várzea Grande, Poconé, Cáceres, Rondonópolis, Barra do Garças, Sinop, Jaciara, Alto Araguaia e Alto Garças, instalam grupos que interligam-se com a Central de Serviços na capital. A partir daí, A.A. conquista todo o Mato Grosso, a exemplo do que ocorreu no resto do mundo.
2.3 ViolênciaPartindo da definição de violência dada por Michaud[40](1989), se faz necessário entender o fenômeno da violência e suas imbricações:
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais (1989, p. 11).
A violência tem sido muitas vezes encarada como um fenômeno inerente ao ser humano, como algo natural. Dentro desta ótica, pode-se recorrer a Thomas Hobbes, para o qual, o homem é governado por suas paixões e tem o direito de conquistar tudo o que deseja. Sendo naturalmente egoísta, o homem possui um desejo irrequieto de poder. Como todos os homens têm este mesmo direito e desejo de poder, vivem em um estado de guerra onde a violência se generaliza. Para poder sobreviver, por puro instinto de conservação da própria vida, o homem busca viver em sociedade, buscando a paz por meio de um contrato social tácito, através do qual elegem um soberano portador de uma autoridade inquestionável, para que este possa assegurar a paz interna e a defesa comum.
Tendo este conceito como referencial, podemos considerar que a violência hoje estabelecida na sociedade trata-se de uma quebra deste contrato, de uma confirmação do estado de natureza antevisto por Thomas Hobbes. Quando o soberano – o Estado – quebra este contrato não cumprindo seu papel protetor, o homem volta ao seu estado natural, que é essencialmente violento.
No entanto, esta conclusão seria muito reducionista, pois, não se pode creditar a natureza humana toda a responsabilidade pela violência. Se o homem fosse em essência violento, como explicar que uns são menos violentos que outros, e ainda, como explicar que alguns nos pareça, por sua docilidade, “naturalmente bons?”
Para Jean-Jacques Rousseau, ao contrário de Hobbes, a natureza do homem não é violenta. A violência seria conseqüência da vida em sociedade, que promove a competição entre os homens, os conduzindo ao conflito. O homem em seu estado de natureza não tinha consciência do “teu” e do “meu”, tudo era de todos. Assim sendo, o egoísmo, a vaidade e a ambição eram sentimentos inexistentes. É só a partir da propriedade privada que o homem desenvolve em si o egoísmo e a ambição, o desejo de ser e ter mais que outros. Quando é criada a propriedade privada os mais fortes passam a dominar os mais fracos, uns passam a trabalhar para outros, desencadeando uma estrutura marcada pela escravidão e pela miséria, onde uns vivem sob o poder de outros.
O Estado, na perspectiva de Rousseau, ao invés de promover a paz como deseja Hobbes, acaba por ameaçá-la, pois promove as desigualdades, privilegia a diferença entre ricos e pobres, poderosos e fracos, etc.
Partindo desta perspectiva o homem seria essencialmente bom e a violência fruto do meio, desencadeada pela desigualdade. Porém, ainda seria muito simplista afirmar que a desigualdade é a causa da violência, pois verificamos que mesmo nas classes abastadas, a violência se manifesta movida pela ambição desenfreada, pelo desejo de poder, por mágoas reprimidas, pela paixão, pelo uso desenfreado de substancias psicoativa, por doenças mentais, entre outros fatores.
Roger Dadoun[41](1998) analisa a violência pelo mesmo viés da naturalização. Em sua concepção o “homo violens” é fruto da violência presente desde sua gênese. Para esse autor, o homem é “fundamentalmente, primordialmente, um ser de violência, homo violens” (1998, p. 101). Sendo a própria história da humanidade marcada pela violência expressa em extermínios, genocídios, terrorismo, entre outros.
De acordo com este autor violência é reação a uma ação violenta. Assim, a violência é uma reação a outra que a antecedente, como o domínio político, exploração econômica, opressão social e aprimeira violência vivida pelo ser humano seria seu próprio nascimento - quando o indivíduo é expulso do meio intra-uterino, quente e protetor, para o meio exterior, que lhe é estranho, e cheio de necessidades - ao que ele chama de violência ontológica.
Ao homem, criado à imagem e semelhança de Deus, é dada a ordem de dominar e subjugar os peixes domar, as aves do céu. A única ocasião em que a violência parece esquivar-se é no descanso sabático. A não-violência associa-se, pois, à interrupção ou suspensão de toda atividade (Rego, 2004).
Dadoun (1998) refere-se à violência como motora de toda a atividade, deste modo, sua ausência culminaria na inércia, partindo da definição do termo violência defendido por Michaud:
O termo violência vem do latim violentia que deriva da raiz vis, significando força, vigor, potência, emprego da força física. ‘Mais profundamente, a palavra vis significa a força em ação, o recurso de um corpo para exercer sua força e, portanto a potência, o valor, a força vital (Michaud, 1989, p. 8, apud REGO).
No entanto é preciso distinguir violência de agressividade, embora essas duas categorias sejam comumente utilizadas como sinônimos. O que movimentaria o homem não seria a violência, pois como define Costa (1992:30) “Violência é o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos.” mesmo quando manifesta de forma irracional. Portanto, violência não pode ser confundida como força vital. Esta estaria muito mais imbricada na agressividade, que não implica necessariamente num desejo de destruir, trata-se de uma questão de necessidade, tem caráter instintivo, é o que impulsiona o homem à ação, a enfrentar as intempéries da vida, pode ser força criadora dependendo do desejo. Segundo Ana Lila Lejarraga[42]a “[...] agressividade, [...] é quase um equivalente da atividade ou da motilidade da força vital”. (p. 95)
Durante o III Congresso Brasileiro de Saúde, Cultura de Paz e Não Violência o prof. Jean Marie Muller[43]afirma que:
A agressividade é um esforço de afirmação de si mesmo, de seu direito como pessoa e como cidadão e do senso de justiça. Ela implica no reconhecimento de conflitos, na coragem de confrontar idéias, de reivindicar direitos e de construir justiça, não se resignando à escravidão ou à injustiça. A agressividade é, por isso, uma força positiva. Mas a violência é a perversão da agressividade. (Muller; 2006)
Arendt (1994), a partir da filosofia política, elabora seu referencial teórico sobre violência, distanciando-se do viés natural. Para esta autora, a violência possui um caráter instrumental que a diferencia do poder. Coloca essas duas categorias em posições opostas.
Para definir violência a autora distingue os conceitos de poder, força, vigor e autoridade e da própria violência, que para ela, são conceitos distintos. Em sua concepção, poder “corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto” (ARENDT, 1994, p.36), ou seja, o poder surge quando os indivíduos agem em conjunto. O poder exige consenso, na medida em que alguém só tem poder sobre “mim” a partir do “meu” consentimento. O poder do Estado só é legítimo a partir do consentimento do povo. O vigor “designa algo no singular, uma entidade individual” (1994, p.37), o conceito de força não pode ser confundido com poder ou vigor, “deveria indicar a energia liberada por movimento físicos ou sociais” (idem, p.37), conceitua autoridade como “reconhecimento inquestionável” (idem, p.37), que tem relação com a obediência e só é destruído pelo desprezo.
Arendt defende que nem violência nem o poder são processos naturais. Poder e violência mais que diferentes, são opostos. A violência só aparece quando o poder está em eminência de ser perdido, surge então como último instrumento na tentativa de sua manutenção, a violência seria uma re-ação à impotência, porém ao invés de criar o poder, acaba por destruí-lo.
O que percebemos nos dias de hoje, em que vivemos sob a ótica do neoliberalismo, é um afastamento do Estado de suas responsabilidades quanto a proteção social que é delegada ao setor privado e repassada como benefícios a população. Destarte, o estado de violência atual reflete o pensamento de Arendt. Seria então, uma reação daqueles que já não conseguem suprir suas necessidades básicas nem físicas, como a alimentação, a moradia, etc., nem a espiritual, pois sendo as almas embevecidas pela ânsia do consumir, onde a mídia nos martela, todos os dias, que para “ser” feliz precisamos “ter”, criando necessidades novas a cada instante, num momento de nossa história, onde nossos sucessos e fracassos são meros resultados de nossos esforços, aqueles que não conseguem “ser” nem “ter” reagem com violência.
E o que é pior, a sociedade cria certas necessidades e vontades na cabeça dos seus integrantes, resultado de um sistema equivocado. E as pessoas movidas por estas falsas vontades, lutam pela conquista de bens colocados, pela sociedade, como necessários a uma vida digna (Pontarolli, 2004).
Em parte estas considerações explicam porque mesmo pessoas das classes médias e altas se envolvem em atos violentos - as necessidades criadas pelo consumismo exagerado fazem com que achemos nunca ter o suficiente, sempre nos parece que o outro tem mais ou melhor, seja em relação a bens concretos – dinheiro, carro, casa, entre outros ou em relação aos bens subjetivos – amor, amizade, sucesso, poder, etc. Porém, por si só não explicam a violência em sua totalidade, pois, outros fatores estão imbricados no fenômeno da violência, entre eles, os problemas decorrentes dos aspectos biológicos.
O primeiro a desenvolver uma teoria em torno da violência e seus aspectos biológicos, segundo Dráuzio Varella[44], foi o anatomista Franz J. Gall[45], no sec. XVIII. Em resumo, sua teoria afirmava que características humanas, inclusive o comportamento anti-social, seriam reguladas por regiões específicas do cérebro.
Para Franz J. Gall, as pessoas com tendências criminosas poderiam ser identificadas por suas características físicas, pois os centros cerebrais exerciam pressão contra os ossos da cabeça, deixando neles saliências que poderiam ser vistas ou palpadas
Outro a vincular a violência aos aspectos físicos, foi Cesare Lombroso[46], um italiano especialista em antropologia criminal. Para Lombroso os tipos humanos com testa achatada e assimetria nos ossos da face, por exemplo, seriam criminosos potenciais.
Classificações como estas, serviram de fundamento pra a discriminação, especialmente em tribunais de justiça, que viam pessoas com estas características com desconfiança.
A partir de 1970, pesquisas científicas passam a investigar os aspectos biológicos da violência, no entanto, agora desvinculando o comportamento violento da herança hereditária, considerando-o como resultado de interações sutis entre os genes, as condições ambientais e as experiências vividas.
Dráuzio Varella em seu artigo, Violência: Raízes orgânicas e sociais da violência urbana, a revista Science[47], faz uma discussão sobre a bioquímica e os fatores sociais envolvidos na violência. Nesta pesquisa traça o papel do álcool na violência através de experiência desenvolvida com ratos.
Esta experiência mostrou que o rato alcoolizado passa a agir com maior violência, mudando seu comportamento natural, revelando assim, a existência de mediadores químicos envolvidos nos mecanismos que conduzem a agressividade, entre eles a serotonina[48]. Têm sido encontrados desarranjos no sistema de produção e metabolismo da serotonina em pacientes psiquiátricos, homens impulsivos e violentos e suicidas.
Estas e outras pesquisas científicas vêm demonstrar existir claro vínculo entre o aspecto biológico e a agressividade, no entanto, este não pode ser um fator olhado isoladamente, como único responsável pela violência, como um fatalismo biológico. É preciso considerar que outros fatores vão influenciar o indivíduo durante sua vida além dos aspectos biológicos.
O alcoolismo, considerado um problema de saúde pública[49], freqüentemente vem sendo apontado pela mídia como responsável pelos elevados índices de violência, em especial da violência intra-familiar, e sem dúvidas, da violência no transito. Porém, a violência, assim como não pode ser analisada unicamente pelo viés biológico, também não pode ser analisada pela ótica isolada do alcoolismo. Homens e mulheres não alcoolizadas também agridem, e ainda, pessoas mesmo sob o efeito do álcool jamais cometeriam um ato violento.
Há que de se levar em consideração, na tentativa de encontrar uma explicação para a violência, o modelo de produção e acumulação capitalista, que vem contribuindo para elevação e manutenção dos índices de desemprego, do trabalho informal e da desigualdade. As medidas neoliberais, que relegam ao indivíduo a responsabilidade por seu “sucesso ou fracasso”, não conseguem reduzir este problema social, acabando mesmo, por acirrar, nos países em desenvolvimento como o Brasil, as desigualdades econômicas e sociais. * Partindo destas premissas, pode-se considerar que, associado ao fator biológico e ao fenômeno do alcoolismo como causa da violência, está a desigualdade social, a má distribuição de renda, a crise do mercado de trabalho, as dificuldades econômicas, a crise ético-política vivenciada pelo sistema capitalista, a impunidade, a corrupção, a fragilidade do sistema repressivo e a ineficácia das leis, e ainda aspectos culturais. Assim, o alcoolismo pode ser considerado uma das expressões da violência e a causa desta violência., e o álcool deve ser entendido como seu potencializador e não como determinante das ações violentas.
Enfim, a violência precisa ser entendida como um fenômeno multifacetado, que possui vários determinantes e múltiplas expressões.
2.4 Violência Contra a MulherNos últimos dias, denuncias de violências praticadas contra a mulher tem estampado alguns noticiários, principalmente após o Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva ter sancionado a Lei Maria da Penha - 11.340/2006, que combate a violência doméstica e de gênero. No entanto, a bem pouco tempo esta não seria considerada uma notícia relevante ou interessante o suficiente pelos meios de comunicação, pois sempre foi encarada como algo natural, que faz parte da vida cotidiana.
Se essa postura começa a mudar, ainda que a passos lentos, é por causa da luta de mulheres corajosas, que não se calaram ante a violência sofrida.
Segundo Teles e Melo (2003), a violência contra as mulheres tem sido vinculada ao uso do álcool e/ou outras drogas, ou à desigualdade econômica, no entanto, as autoras consideram falsa essa idéia, pois, em qualquer classe social ocorre a violência contra a mulher, assim como, nem sempre o “agressor” está alcoolizado no momento do ato violento.
A violência usada como instrumento de dominação da mulher ao longo da história, no intuito de colocá-la no “lugar” que a sociedade lhe reservou, ou seja, para obrigar que a mulher cumpra com um papel que lhe foi imposto socialmente.
Para entender esse processo e desnaturalizar a violência contra a mulher é preciso definir o que é violência contra a mulher:
Violência, em seu significado mais freqüente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano (TELES e MELO, 2003, p. 15).
Importante destacar que a violência contra a mulher tem como sua causa principal a discriminação baseada no preconceito de gênero, entendendo-se este, como preconceito voltado à mulher pelo simples fato desta “ser mulher”, como se a mulher fosse um ser inferior ao homem e como tal, não tivesse os mesmos direitos que os homens, o que se constitui numa violação dos direitos humanos da mulher e de sua cidadania.
O conceito de violência de gênero deve ser entendido como uma ralação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Ele demonstra que os papéis imposta às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçada pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos e indica que a prática desse tipo de violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas (TELES e MELO, 2003, p. 18).
Este tipo de violência, ocorre tanto nos espaços privados como nos públicos e se dá de formas diversas. Sejam elas, segundo o Art. 7º da Lei nº 11.340/2006
· Violência Física: “entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”. Segundo Ballone[50](2003), violência física pode ser entendida como o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes;
· Violência Psicológica:“entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;”
A Violência Psicológica pode ser tão ou mais prejudicial que a física. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida;
· Violência Sexual: entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
· Violência Patrimonial: entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
· Violência Moral: a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
A violência contra a mulher é reproduzida de geração a geração, não só por homens, mas como pela própria mulher, que também naturaliza “papeis de homem e de mulher” construídos e ensinados socialmente. Assim, as meninas são educadas a serem dóceis, a assumirem os cuidados da casa e dos filhos, através de brinquedos e brincadeira, enquanto meninos são educados a serem “fortes”, a não chorarem, a serem os provedores do lar e, portanto, o “chefe de família”, e como “chefe”, aprende que tem o poder sobre a mulher.
A violência contra a mulher pode ser considerada uma doença social, provocada por uma sociedade que privilegia as relações patriarcais, marcadas pela dominação do sexo masculino sobre o feminino (TELES e MELO, 2003, p. 114).
A mulher ao longo da história, devido à violência a que está submetida, perdeu sua autonomia, sua liberdade e o direito a seu próprio corpo. A suposta inferioridade da feminina, diante da superioridade masculina, é fruto da cultura patriarcal.
Ser ou Não Ser Alcoólico, Muda a Questão?
Para que pudesse fazer uma reflexão sobre a relevância dos “encaminhamentos” ao AA como um mecanismo de superação da violência contra a mulher, busquei fazer primeiramente um levantamento sobre o perfil dos usuários do NUPS e posteriormente um inventário de todos os procedimentos que envolvem este tipo de violência, no período de janeiro de 2006 a setembro do mesmo ano, mês a partir do qual foi promulgada a Lei 11.340/2006, mais conhecida por Lei Maria da Penha.
Este foi um processo difícil devido à falta de informações constantes nestes procedimentos, em não raros casos, pois nem todas as profissionais atuantes no NUPS seguem um procedimento padrão de atendimento. Ou seja, enquanto algumas priorizam a entrevista de anamnese, outras não dão a devida importância a este instrumental de grande relevância, deixando de fazer anotações que seriam de suma importância para esta e/ou outras analises. No entanto, não obstante às dificuldades encontradas, este levantamento de dados propiciou importantes constatações.
3.1 Perfil dos Usuários do NUPSEsta pesquisa constatou a grande incidência de conflitos classificados como conjugais, amoroso, ex-conjugais e familiares evidenciados na tabela abaixo. Estes números revelam a questão de gênero que se evidencia neste espaço institucional cotidianamente, pois, em geral, os conflitos familiares envolvem a correlação de forças e a desigualdade, estabelecida culturalmente ao longo da história, entre homens e mulheres.
Tabela 01: Relação entre as partes
RELAÇÃO ENTRE AS PARTES |
|
Amoroso |
12 |
Conjugal |
268 |
Desconhecido |
9 |
Ex-conjugal |
102 |
Familiar |
173 |
Vizinho/conhecido |
50 |
Não declarado |
77 |
Total de Procedimentos |
691 |
Fonte: Pesquisa Direta, 2006
Se somarmos os procedimentos em quais as relações entre as partes envolvidas estão classificadas como: amoroso; conjugal e ex-conjugal, teremos um total de 382 procedimentos que envolvem, explicitamente, a violência estabelecida entre homens e mulheres, montante que englobam mais de 50% dos casos. Se considerarmos ainda que, nos conflitos onde a relação entre as partes é classificada como “familiar”, que alcança o número de 173 procedimentos, há envolvimento de pais e filhas, mães e filhos; irmãos e irmãs, etc., revelando, portanto, implicitamente em sua maioria, a relação de gênero, então, então, estes números desvelam uma realidade alarmante.
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