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Em relação à pesquisa para a construção desse trabalho de conclusão de curso, iniciou-se com a organização e seleção de dados em um acervo particular que conta com o projeto original de "Adeus aos lixões", atas de reuniões de seus idealizadores e fotos, entre outros documentos. Logo após, foram realizadas entrevistas com Eliane Bacchieri Duarte (uma das idealizadoras do projeto) e Mara Núbia de Oliveira (secretária do meio ambiente da cidade do Rio Grande), seguindo-se pela escrita que contou com uma orientação sistemática.
Entre as bases teóricas utilizadas devemos destacar a História Ambiental, que nos traz a importância da relação homem-natureza na elaboração do conhecimento histórico, proporcionando uma construção cultural consciente, quebrando assim paradigmas educacionais socialmente consagrados e defendendo novos conceitos de fonte e tempo. Assim sendo, nessa perspectiva o ambiente torna-se um espelho de nossa história e nossa ação dentro desse, um vestígio. Contudo, nessa vertente não são desprezados outros tipos de fonte, pois a variedade de fontes também é pertinente no estudo das relações entre as sociedades e seus ambientes, assim como a interdisciplinaridade[2]
A metodologia utilizada será, primeiramente, a análise documental, que se inicia a partir da seleção de materiais, ou seja, documentos que venham a corroborar com o assunto pesquisado. Vencida essa etapa, a partir da coleta das informações, o pesquisador pode desenvolver a percepção do evento estudado e pode ser conduzido pelas fontes a resultados da pesquisa.
Também é utilizada a análise de conteúdo que parte da mensagem, mas considera as condições contextuais de seus produtores e assenta-se na concepção crítica e dinâmica da linguagem, objetivando interpretar o sentido que um indivíduo atribui às mensagens.
Minayo enfatiza que a análise de conteúdo visa verificar hipóteses e descobrir o que está por trás de cada conteúdo manifesto. Ou seja, o que está escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e simbolicamente explicitado sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto, seja ele explícito ou latente.
No que tange a análise e a interpretação dos conteúdos obtidos, segundo Campos, o pesquisador deve primeiramente explorar o material, ler o conteúdo.
Assim que selecionado, o conteúdo deve ser analisado e se começar às leituras de todo o material, com o objetivo de apreender e organizar de forma não estruturada aspectos importantes para as próximas fases da análise. Logo após, o pesquisador deve tentar assimilar de maneira global as idéias principais e os seus significados, selecionando as unidades de análise posteriormente. No prisma dos estudos qualitativos, o pesquisador deve ser orientado pelas questões de pesquisa que necessitam ser respondidas. Segundo Campos, freqüentemente as unidades de análises incluem palavras, sentenças, frases, parágrafos ou um texto completo de entrevistas, diários ou livros.
Como último passo, se deve realizar o processo de categorização e sub-categorização. Segundo Campos, esses processos podem ser definidos como uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero. Logo, podemos definir as categorias como grandes enunciados que abarcam um número variável de temas (segundo seu grau de relevância dentro da proposta) que podem através de sua análise, exprimir significados e elaborações importantes que atendam aos objetivos de estudo e criem novos conhecimentos, proporcionando uma visão agregadora sobre os temas almejados.
Discorrendo ainda sobre a metodologia utilizada, não podemos esquecer da história oral que possibilita compreender, construir e reconstruir a história a partir de relatos individuais e coletivos.
A história oral caracteriza-se como um método de coleta de dados que implica uma percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e cujo processo histórico não está acabado. Tal metodologia garante um sentido social a vida dos depoentes, que passam a entender a sequência histórica e a sentirem-se parte do contexto em que vivem. A utilização da história oral também se constitui como uma alternativa aos relatos oficiais, pois promove uma interpretação de que todos os cidadãos são parte do mesmo processo, dando ênfase a questão do cotidiano e da vida coletiva de gerações que vivem no presente.[3]
A história oral é resultado do avanço da tecnologia, pois se utiliza de meios eletrônicos como gravador, computador, vídeo e outros. Dessa maneira, podendo ser definida como uma forma de captação de experiências de pessoas dispostas a falar sobre aspectos de sua vida. Assim, a partir da história oral, conseguimos enxergar no entrevistado um colaborador, visto que se estabelece uma relação de afinidades entre as partes. Logo, o entrevistador deixa de ser um mero observador da experiência alheia, para se comprometer com o trabalho de maneira mais sensível e conjunta.[4]
É ainda necessário mencionar que nesse trabalho, no que tange a história oral, os trechos das entrevistas utilizados, foram transcritos da maneira o mais próxima possível da gravação. Isso porque, como menciona Daniel Prado, a manutenção do discurso tal como é proferido é mais um dado para apreender o clima da entrevista e as especificidades dos estilos de cada entrevistado, reproduzindo assim sua reconstrução histórica sobre o tema.
Assim sendo, é importante salientar que o objetivo dessa articulista é destacar, prestar a devida reflexão a uma preciosa e grande luta pela consciência socioambiental de nossa história. Além disso, é pretendido instigar a analise e consciência de quem lê acerca da questão dos resíduos sólidos, da necessidade de uma coleta seletiva diferenciada e da urgência por mudanças.
Dado o exposto, para entendimento do leitor começaremos com uma discussão sobre a base deste trabalho: A História Ambiental. Desse modo, apresentarei as relações e a construção historiografia em que acredito, a partir de um campo de possibilidades mais abrangente, que inclua e utilize para sua efetivação a indissociabilidade entre o homem e o ambiente que o cerca.
Logo após, será apresentado o histórico do programa "Adeus aos lixões, começando com a apresentação do panorama socioambiental da cidade do Rio Grande na época, até a implantação efetiva do programa e seus impactos e uma pequena abordagem sobre a atualidade local. Por ultimo, apresentarei minhas considerações onde discutiremos a importância da relação "ensino -pesquisa- extensão" dentro das universidades, do incentivo a uma educação ambiental transformadora e de programas que envolvam a comunidade local e a academia.
Assim, esse trabalho pretende contribuir para a agregação de valores e novas idéias para quem lê, estimulando questionamentos e novas formas de vivências cotidianas. Além disso, busca-se valorizar experiências já realizadas e enriquecer a gama de produções da História Ambiental, aumentando o número indivíduos que não apenas esperam, mais contribuem dia-após-dia para uma melhoria no ambiente e na qualidade de vida.
Como base teórica preponderante deste trabalho, a História Ambiental deve ser o primeiro aspecto a ser destacado. Escolha pautada na sua característica de uma nova história, abrangente, inclusiva e crítica.
É importante lembrar que antigamente a História era enfaticamente voltada para a política e o Estado Nacional. Esperava-se dessa forma, que o historiador investigasse as mancomunações de presidentes e primeiros-ministros, a tramitação de leis, as disputas pelo poder, os corpos legislativos e as negociações dos diplomatas.
Esta velha história, tão cheia de certezas, na verdade não era tão antiga assim, tinha apenas cem anos de idade, no máximo duzentos. Ela emergiu juntamente com o poder e a influência do Estado nacional e alcançou um máximo de aceitação no século XIX e início do século XX. Freqüentemente seus praticantes eram homens com fortes sentimentos nacionalistas, levados por motivações patrióticas a reconstituir a ascensão dos seus respectivos países, a formação de lideranças políticas dentro deles, e as rivalidades com outros estados, na busca de riqueza e poder. (WORSTER, 1991, pág.199)
Contudo, algum tempo depois esse conceito de história apresentado por Worster, centralizado no âmbito político, começou a enfraquecer. Os acontecimentos mundiais decorriam para um rumo global, democrático, o que acarretou dúvidas e reflexões. Os historiadores começaram a perder um pouco a certeza de que o passado tivesse sido integralmente controlado ou representado por poucos e grandes homens ocupantes de cargos do poder nacional.
Assim sendo, começaram-se os estudos pautados também nos indivíduos anteriormente esquecidos: Os cidadãos comuns; que possuem histórias, pensamentos e cultura. Tais fatos acarretaram uma "reconceituação" da história, sendo construída a partir desse momento também "de baixo para cima". [5]
Precisamos descer, ir mais fundo, diziam eles, até atingirmos as camadas ocultas da classe, do gênero, da raça e da casta. Aí encontraríamos o que realmente deu forma às camadas superficiais da política. Agora chega um novo grupo de reformadores, os historiadores ambientais, que insistem em dizer que teremos de ir ainda mais fundo até encontrarmos a própria terra entendida como um agente e uma presença na história. Aí descobriremos forças ainda mais fundamentais atuando sobre o tempo. E para apreciar essas forças, devemos de vez em quando deixar os parlamentos, as salas de parto e as fábricas, abrir todas as portas e vagar pelos campos e florestas, ao ar livre. Chegou a hora de comprarmos um par de sapatos resistentes para caminhadas, e não poderemos evitar sujá-los com a lama dos caminhos.
(WORSTER, 1991, pág.199)
Como afirma Worster no trecho acima, com o fomento das discussões sobre a inclusão de novos sujeitos e abordagens dentro da história. Esses foram surgindo os primeiros historiadores ambientais, que defendiam a importância do meio ambiente, da natureza, e da terra, dentro da historiografia. Outra critica que era bastante forte, referia-se a importância do historiador realizar um trabalho de campo, procurar vestígios e analisa-los empiricamente, não se pautando unicamente em discussões de cunho comum e se limitando a pesquisas em documentos e arquivos.
Todavia, a idéia realmente de uma história ambiental começou a surgir na década de 1970, à medida que se sucediam conferências sobre a crise global e cresciam os movimentos ambientalistas entre os cidadãos de vários países.[6] Em outras palavras, ela nasceu numa época de reavaliação e reforma cultural, em escala mundial.
A história não foi a única disciplina afetada por essa maré montante de preocupação pública: o trabalho acadêmico nas áreas de direito, filosofia, economia, sociologia e outros foi igualmente sensível a esse movimento. Muito tempo depois que o interesse popular pelos temas ambientais chegou ao máximo e começou a decair, conforme as questões se tornavam cada vez mais complicadas, sem soluções fáceis, o interesse acadêmico continuou a crescer e a assumir uma sofisticação cada vez maior. (WORSTER, 1991, pág.201)
A história ambiental nasceu, portanto, de um objetivo moral, tendo por trás fones compromissos políticos. No entanto, à medida que amadureceu, transformou-se também num empreendimento acadêmico que não tinha uma simples ou única agenda moral ou política para promover. Seu objetivo principal se tornou aprofundar o nosso entendimento de como os seres humanos foram, através dos tempos afetados pelo seu ambiente natural e inversamente, como eles afetaram esse ambiente e com que resultados.
No que tange aos seus temas de abordagem, podemos afirmar que esse novo "ramo" de estudos históricos consegue reunir os temas mais antigos com os mais recentes dentro da historiografia contemporânea, como epidemias, clima, calamidades naturais, origem urbana, industrial e etc..
Em outras palavras, podemos ratificar que a História Ambiental relaciona homem e natureza, interligando suas interfaces e expondo-os como mecanismos interdependentes. Idéia que contrapõe conceitos de senso comum, pois muitos pesquisadores ainda não percebem o meio natural como uma valiosa fonte historiográfica. Isso porque, grande parcela da sociedade classifica como categorias distintas o ambiente natural e o social.
Desse modo, o "ambiente natural" equivaleria a habitat de animais, lugares de preservação ecológica, ou de um amplo espaço verde e longínquo da espécie humana, algumas vezes mantido por essa a distância.
Já o "ambiente social", seria o cenário no qual os humanos interagem uns com os outros na ausência da natureza, ficando, portanto excluídos. Excluído também, fica o ambiente construído ou fabricado, aquele conjunto de elementos feitos pelos homens e que podem ser tão onipresente a ponto de formarem em torno deles uma espécie de "segunda natureza".
Em suma, a História Ambiental liga os pontos de um abstrato panorama, tornado o homem um ser participativo e critico frente ao seu espaço e ensina esse a utilizá-lo para interpretar sua realidade passada e as necessidades futuras.
Todas essas características tornam necessário a essa área de estudo a relação com outras ciências, principalmente as naturais. Isso porque é necessário começar com a reconstrução de paisagens do passado, verificando como eram e como funcionavam antes que as sociedades humanas as penetrassem e modificassem.
Entre essas ciências naturais, aquela que merece um destaque especial é a Ecologia, que investiga as interações entre os organismos e entre estes e o ambiente físico. Através da Ecologia muitas pessoas estão sendo levadas a questionar o seu trabalho, o seu consumo, o seu lazer, a sua saúde, os seus relacionamentos e a sua visão de mundo.
Por influencia ainda dessa ciência, valores filosóficos de unidade da vida e integração homem/natureza, presentes em várias culturas tradicionais da humanidade, estão renascendo numa linguagem prática e acessível para o homem moderno. Fatores que fomentam questões cruciais e decisivas para o futuro histórico da nossa espécie. [7]
Alguns pesquisadores se impressionaram tanto com esse fato que dizem praticar não a história ambiental, mas a "história ecológica" ou a "ecologia histórica" (WORSTER, 1991, pág.203).
Igualmente importante, torna-se destacar a questão da cultura material e suas implicações para a organização social e sua interação com o ambiente natural. A História Ambiental tem um grande interesse em examinar essas mudanças voluntárias ou forçadas, nos modos de subsistências e as suas implicações para as pessoas e a terra.
Assim, para interpretar com maior intensidade esses elementos os historiadores ambientais buscaram estreitar laços com os antropólogos. Essa fusão gerou o enriquecimento sobre as reflexões acerca da relação entre História, natureza e sociedade.
Os modos de produção são um desfile interminável de estratégias, tão complexas nas suas taxonomias como a miríade de espécies de insetos que prosperam nas copas os peixes coloridos nadando em tomo de um recife de coral. Em temos gerais, podemos falar dos modos de produção como caça e coleta, agricultura e moderno capitalismo industrial. Mas esse é apenas um esboço cru de qualquer taxonomia completa. ( WORSTER, 1991, pág.209)
Como é expresso no trecho acima, embora os modos de produção tenham um papel essencial nessa analise historiográfica, sua abordagem em nada é oriunda de uma visão simplista. O historiador ambiental estuda os modos de produção a partir de uma cognição da história, ecologia e economia. Seu intuito é descobrir que papel a natureza teve na moldagem dos métodos produtivos e, inversamente, que impactos esses métodos tiveram na natureza.
Este é o diálogo imemorial entre ecologia e economia. Embora derivando das mesmas raízes etimológicas, as duas palavras vieram a denotar duas esferas distintas, e por um bom motivo: nem todos os modos econômicos são ecologicamente sustentáveis. Alguns duram séculos, até milênios, enquanto outros aparecem rapidamente e somem como fracassos adaptativos. E, em última instância, ao longo do tempo, nenhum modo se adaptou perfeitamente ao seu ambiente. Caso contrário, teria havido pouca margem para a história. (WORSTER, 199, pág.211)
Como afirma Worster, até o momento não existiu nenhum modo de produção aplicado que tenha entrado em pleno equilíbrio com o meio. Tais conflitos são o cerce da discussão histórica ambiental.
O conceito de natureza também para o homem é outra discussão costumeira nesse campo. Isso porque os indivíduos usam a palavra "natureza" em diversas situações, proporcionando-lhe uma gama de significados culturalmente adquiridos.
A história ambiental deve incluir no seu programa o estudo de aspectos de estética e ética, mito e folclore, literatura e paisagismo, ciência e religião, deve ir a toda parte onde a mente humana esteve as voltas com o significado da natureza. Para o historiador, o objetivo principal deve ser descobrir como uma cultura inteira, e não apenas indivíduos excepcionais dentro dela, percebeu e avaliou a natureza. [8]
O último desafio refere-se ao papel desses historiadores de examinar as ideias como agentes ecológicos. Voltamos assim à questão das escolhas que as pessoas fazem nos seus ambientes específicos. É de conhecimento geral que grandes decisões referentes a esses meios são tomadas muitas vezes por governantes ou poucos homens com grandes poderes. Contudo, não se pode esquecer das decisões cotidianas, pessoais em relação a essa temática que são tomadas pelos sujeitos em seu dia-a-dia.
Ainda não estudamos bem ou com freqüência suficiente a implementação das idéias nesses microorganismos. Tal fato nos estimula a tentar entender a mentalidade e as motivações do homem comum, que pode ser elucidado pelo homem do campo, pelo trabalhador urbano, enfim por qualquer individuo que não detenha em suas mãos um poder forte e unitário perante a sociedade.
Todos esses aspectos apresentados até aqui, nos denotam as diferenciações da História Ambiental e a complexidade e riqueza de suas especificidades. No entanto, tais informações para quem está tendo o primeiro contato com a temática podem parecer muito distantes de nossa realidade. Por isso, julgo essencial abordar o desenvolvimento desse campo da história no Brasil.
Em nosso país, os "declarados" articulistas da História Ambiental são muito recentes. No entanto, é possível afirmar que nas décadas anteriores tivemos historiadores, cientistas sociais e ensaístas sensíveis às relações históricas entre sociedade e meio natural. A seguir, menciono a análise de alguns deles arrolada pelo historiador José Augusto Drummond e a relevância, segundo o autor, dessas obras para estudos mais propriamente acadêmicos de história ambiental.
O historiador Sérgio Buarque de Holanda, principalmente em Monções (1990) e em O Extremo Oeste (1986), segundo Drummond, trata com desenvoltura de variáveis ambientais como flora, fauna, topografia, solos, navegabilidade de rios, meios de transporte, disponibilidade de alimentos etc. Assim o autor afirma que são perceptíveis, por exemplo, as suas observações sobre a eficácia bélica de dois grupos nativos dotados de adaptações culturais ao ambiente: os guaicurus (o "gentio cavaleiro"), que dominaram o cavalo introduzido pelos europeus, e os paiaguá, exímios canoeiros.
Assim esses nativos teriam afetado as rotas terrestres e fluviais dos paulistas em demanda do interior e influenciaram os padrões de ocupação européia. Fatos que nos remetem a uma latente discussão sobre a relação dos indivíduos com o meio. Holanda, segundo Drummond, focaliza também as tecnologias européias, principalmente as agrícolas, e a sua incapacidade de sustentar os colonos, sem ajuda dos alimentos produzidos pelos nativos, trabalhando dessa forma a relação dos modos de produção com o ambiente e os sujeitos.[9]
Já em relação ao sociólogo Gilberto Freyre, Drummond ressalta que esse produziu na década de 1930 um livro intitulado Nordeste (1985), cujos quatro capítulos iniciais são verdadeiros ensaios de história ambiental. Para o autor, embora não aprofunde os aspectos de ciência natural, Freyre mostra como as expectativas, os valores e os atos dos portugueses produziram efeitos predatórios no quadro natural do chamado Nordeste úmido. Examina as relações dos portugueses com os nativos, a terra, a flora, a fauna e a água, e produz um diagnóstico de destruição ambiental nada favorável aos senhores de engenho. [10]
Nessa perspectiva, para Drummond, o geógrafo Aziz Ab"Saber tem uma percepção altamente apurada da história das interações entre os quadros naturais e as sociedades humanas. É possível ressaltar, segundo o autor, que entre muitas outras produções suas, os pequenos textos inseridos nos dois primeiros volumes da História geral da civilização brasileira (Holanda, 1985 e 1989), onde aponta cuidadosamente quais os usos e as potencialidades que as terras e águas brasileiras ofereciam para nativos, escravos africanos e colonos europeus.
Para o historiador ambiental, o geógrafo destaca as dificuldades que estes últimos tiveram por causa da "tropicalidade" de quase todo o território brasileiro. A obra de Alberto Ribeiro "Lamego", possivelmente um engenheiro civil, é outro exemplo citado do estudo conjunto e histórico da "terra" e do "homem". O autor focaliza as terras fluminenses, numa série de livros com títulos ambientalmente específicos (brejo, restinga, baía de Guanabara e serra) e que cobrem todos os ecossistemas pré-europeus do estado. Ele parte da geologia e geomorfologia, passando pela hidrografia, solos e clima, mostrando quais atividades humanas eram mais propícias para cada ecossistema.
Ratifico que, segundo Drummond, a história, especificamente social e econômica, que ele deriva de suas observações ecológicas peca por simplismo e por um regionalismo pouco relevante. Ainda assim, o conjunto da sua obra resulta de um ambicioso projeto de estudo histórico das interações entre meio ambiente e sociedades humanas, projeto esse em tudo similar ao de uma história ambiental. [11]
Entre os chamados "ensaístas", especialmente Euclides da Cunha (1986) e Oliveira Vianna (1987), o historiador ambiental encontra exemplos de abordagens mais unilaterais, contudo ainda influentes, das relações entre natureza e sociedade. Cunha e Vianna, bem à moda dos determinismos biológicos e geográficos do fim do século XIX, enfatizam as restrições criadas pelos ecossistemas e paisagens, mas raramente se ocupam de como as sociedades humanas modificam mesmo os ambientes mais hostis para os seus fins.
Em outras palavras, para Drummond, eles se concentram na dimensão daquilo que o meio natural "faz" com os humanos, e deixam de lado o que as "leituras" humanas do meio natural podem representar em termos de ação cultural de modificação do meio natural. Ambos escreveram obras relativamente amplas, focalizando várias regiões: Rio de Janeiro, Nordeste e Amazônia (Cunha), Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul (Vianna).[12]
Como último exemplo o historiador ambiental cita Alberto Torres, outro "ensaísta", que em pequeno texto do início do século (1990), caracterizou eloqüentemente a economia brasileira como uma consumidora voraz e imprevidente de recursos naturais. Embora bem informado sobre o que ocorria na Europa e nos EUA em termos de "uso racional de recursos naturais", Torres se limita a denúncias e apelos. Essa obra parece ter exercido alguma influência nos primórdios da legislação ambiental brasileira, o que nos elucida sua importância.
Outra abordagem, para Drummond, interessante sobre a História Ambiental pode ser realizada a partir das coleções relativamente vasta de relatos de viagens do século XIX e XX produzidos por viajantes, diplomatas, militares e naturalistas estrangeiros. Uma parte importante desses relatos foi publicado na coleção Brasiliana, da falida Editora Nacional, e vem sendo reeditada desde a década de 1970 pela Editora Itatiaia, numa coleção chamada Reconquista do Brasil.
Nessa perspectiva temos os textos já bastante conhecidos de Saint-Hillaire, Spix e Martius, Burton, Bates, Agassiz, Wallace, Conde d'Eu, e muitos outros não tão conhecidos. Além disso, as seções de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e de vários Institutos Históricos e Geográficos contam com inúmeros relatos e crônicas de viagem inéditos, alguns deles pertinentes aos séculos XVII e XVIII. Saliento que Drummond afirma que essas são fontes privilegiadas para os historiadores ambientais, e o Brasil, pela sua tropicalidade e pela diversidade dos seus ecossistemas, atraiu e continua a atrair centenas de viajantes e cientistas estrangeiros oriundos de países temperados, treinados para observar paisagens e aspectos da natureza. [13]
Retomando o que foi citado anteriormente, lembramos que em nosso país recentemente podemos contar com autores que tratam de forma clara e aberta, especificamente, sobre a História Ambiental. Entre esses, o primeiro que aqui saliento é José Augusto Drummond, Bacharel em Ciências Sociais, e Ph.D. em Land Resources, pela University of Wisconsin, Madison (EUA), referência e um dos pioneiros nos estudos de História Ambiental no Brasil.
Em uma analise particular, destaco aqui o artigo "História Ambiental: Temas, fontes e linhas de pesquisa", que é uma construção introdutória, porém extremamente agregadora por esmiuçar as possibilidades de fontes e metodologias do campo da história ambiental.
O artigo examina as origens e a situação da história ambiental, tal como entendida nos Estados Unidos e em outros países de língua inglesa. São avaliados os problemas encontrados pelas ciências sociais em incluir variáveis ou aspectos ambientais em seu campo de pesquisa legitimado. Algumas características das pesquisas e de textos produzidos pela história ambiental são descritos. O artigo também menciona outras disciplinas científicas intimamente relacionadas a esse novo campo e proporciona informações sobre o periódico "Environmental Review". Em seguida, oferece pequenos sumários dos principais livros sobre história ambiental publicados nos últimos vinte anos, encerrando com uma avaliação de como a história ambiental pode contribuir para um melhor entendimento da história e da sociedade brasileiras.
Paralelamente, a Drummond devemos citar José Augusto Pádua e Regina Horta, ambos historiadores e também pioneiros na disseminação da história ambiental em nosso país.
No que tange as obras desses autores destaco aqui "História & Natureza" de Regina Horta e "Um sopro de destruição" de José Augusto Pádua. História & Natureza é uma livro que discute o surgimento e as perspectivas da chamada História Ambiental, que, dedicada ao estudo das relações entre os homens e o meio natural, emerge no seio da crise ambiental contemporânea. É interessante ressaltar que a autora enfatiza a abordagem da história ambiental pelos autores clássicos, anteriormente citados, e aponta diferentes posturas do homem frente ao meio natural ao longo de sua temporalidade, o que nos instiga a refletir sobre o cenário emergente.
Quanto ao livro "Um sopro de Destruição" podemos destacar sua importância devido o estudo do pensamento político brasileiro entre 1786 e 1888, última centúria do regime de trabalho escravo na América portuguesa e no Império do Brasil. A obra nos instiga a questionar como o pensamento político brasileiro tratou a destruição da natureza ou como a crítica ambiental deixa entrever em alguns momentos.
Assim sendo, o que aqui deve ser mencionado nesse momento é que além das produções dos historiadores ambientais aqui citados anteriormente, outras estão surgindo cotidianamente pela urgência e coerência dessa vertente da História que demonstra que o trabalho do historiador não deve ser apenas de constituir fatos, mas de analisar criticamente a construção socioambiental de sua temporalidade.
Esse capítulo versará sobre as informações e especificidades contidas no projeto original de "Adeus aos Lixões",[14] para a compreensão das intenções e abrangências contidas nesses escritos.
Pois bem, a estória que vão puder contar, daqui a algum tempo, é que, aqui em nossa cidade, começou-se a mudar a cabeça das pessoas, através de um processo de conscientização, exatamente no dia mundial do meio ambiente, no ano de 1989. (OLIVEIRA, 1996, pág.57)
Como foi exposto na citação de Artur Oliveira, autor do projeto, "Adeus aos Lixões" foi criado em maio de 1989. A iniciativa desse projeto foi oriunda da análise de docentes da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) sobre a realidade de desleixo com o meio, falta de consciência socioambiental da população e necessidade de uma coleta seletiva na cidade do Rio Grande.
Primeiramente, é importante salientar que na época da elaboração de "Adeus aos Lixões" o serviço de limpeza pública da cidade, através da Secretária Municipal dos Serviços Urbanos, utilizava-se de um lixão situado no Bolaxa (próximo a praia do Cassino) para o destino final do lixo urbano.
Anteriormente ao lixão do Bolaxa, eram utilizados dois lixões na cidade do Rio Grande, situados em áreas privadas do bairro Carreiros, para o despejo do lixo recolhido diariamente. Esses locais estavam situados próximos a Laguna dos Patos e as condições sanitárias não eram as apropriadas, havendo o aproveitamento dos resíduos orgânicos do local para a alimentação de animais como porcos e gado bovino. Acontecimentos que acarretaram na posterior interdição desses lixões pelo DMA/SSMA. [15]
O lixão do Bolaxa, por ser construído em área privada, possuía um tempo incerto para sua utilização. Além disso, a questão ambiental não era uma preocupação para os órgãos públicos dirigentes e nem para os habitantes da cidade que pouco, ou nada, faziam sobre a precariedade do local e dos serviços.
È possível detectar na fonte, até mesmo, péssimas condições de acesso a esse lixão, pois no projeto original há relatos que os caminhões compactadores iam frequentemente para manutenções corretivas, devido às más possibilidades de acesso ao local onde os resíduos eram despejados. Nota-se ainda que o difícil tráfego no interior do lixão tornava a situação das frotas de compactadores bastante agravada, deteriorada, o que gerava grandes custos.
Tais fatos nos levam a um contexto de caos e prejuízos ambientais e sociais, visto que, nenhum trabalho de consciência ambiental era realizado na cidade do Rio Grande e a população encaminhava um grande, e nada seleto, número de resíduos sólidos para o lixão.
É importante lembrar que a geração crescente de resíduos sólidos constitui um grave problema socioambiental, que resulta dos padrões insustentáveis de produção e consumo e gera impactos ambientais e de saúde pública.
Entre os impactos socioambientais decorrentes da disposição inadequada dos resíduos sólidos podemos destacar: a degradação do solo; o comprometimento dos corpos d"água e mananciais; a contribuição para a poluição do ar; a proliferação de vetores de importância sanitária nos centros urbanos; e a catação de lixo em condições insalubres nos logradouros públicos e nas áreas de disposição final. (RIBEIRO, 2009, pág.29)
O impacto dos resíduos sólidos domiciliares na saúde pública pode advir da disposição inadequada, que promove a proliferação de vetores causadores de doenças e da grande variabilidade da sua composição, que pode incluir substancias tóxicas, tais como metais pesados e microorganismos patogênicos, com risco de transmissão de doenças infecciosas e degenerativas. (RIBEIRO, 2009, pág30)
Entre as soluções encontradas, atualmente, o aterro sanitário é a mais disseminada. Isso porque o aterro é construído em um espaço específico destinado à deposição final de resíduos sólidos gerados pela atividade humana. Nele são dispostos resíduos domésticos, comerciais e outros, que são posteriormente tratados. Além disso, os aterros são hoje a opção mais viável, economicamente, para os órgão públicos.
Entre as características da estrutura do aterro, é interessante destacar aquelas que elucidam a pertinência de sua utilização.
Primeiramente a sua base deve ser constituída por um sistema de drenagem de efluentes líquidos percolados (chorume)[16]. Acima, deve existir uma camada impermeável de polietileno de alta densidade - PEAD[17]sobre uma camada de solo compactado para evitar o vazamento de material líquido para o solo, evitando assim a contaminação de lençóis freáticos. Posteriormente, o chorume deverá ser tratado e "reinserido" ao aterro causando assim uma menor poluição ao meio ambiente.
Seu interior deve possuir um sistema de drenagem de gases que possibilite a coleta do biogás[18]que é formado pela decomposição dos resíduos. Este efluente deve ser queimado ou beneficiado. Estes gases podem ser queimados na atmosfera ou aproveitados para geração de energia. No caso de países em desenvolvimento, como o Brasil, a utilização do biogás pode ter como recompensa financeira a compensação por créditos de carbono, conforme previsto no Protocolo de Quioto.[19]
A cobertura é constituída por um sistema de drenagem de águas pluviais, que não permita a infiltração de águas de chuva para o interior do aterro. No Brasil, usa-se normalmente uma camada de argila.
Um aterro sanitário deve também possuir um sistema de monitoramento ambiental (topográfico e hidrogeológico) e pátio de estocagem de materiais.
Quando atinge o limite de capacidade de armazenagem, esse deve ser alvo de um processo de monitorização especifico, e se reunidas as condições, pode albergar um espaço verde ou mesmo um parque de lazer, eliminando assim o efeito estético negativo.
Existem critérios de distância mínima de um aterro sanitário e um curso de água, uma região populosa e assim por diante. No Brasil, recomenda-se que a distância mínima de um aterro sanitário para um curso de água deve ser de 400m.
No entanto, o mais importante é ressaltar que o aterro para ter efetivamente uma vida útil longa, que é necessária e sempre almejada, precisa que para esse espaço sejam destinados apenas os resíduos orgânicos, que possuem maior e rápida decomposição. O que só poderá ser realizado com a participação concreta dos indivíduos com a coleta seletiva.
Coleta seletiva de lixo é um processo que consiste na separação e recolhimento dos resíduos descartados por empresas e pessoas. Desta forma, os materiais que podem ser reciclados (plástico, papel, metal e vidro) são separados do lixo orgânico (restos de carne, frutas, verduras e outros alimentos). Este último tipo de lixo pode ser usado para a fabricação de adubos orgânicos ou descartado em aterros sanitários.
E nesse panorama é que "Adeus aos lixões" demonstra toda sua importância, visto que, estabeleceu uma luta pela consciência ambiental e adesão a coleta seletiva em nossa cidade.
Assim, inicialmente, pensou-se em uma forma de atuação especifica com a finalidade de levar a população uma maneira de se integrar no processo de mudança, na concepção de uma relação mais próxima entre a limpeza pública, o meio Ambiente e a sociedade.
Segundo a fonte primária, a primeira etapa cogitada foi atingir as escolas municipais. Dessa forma, foram mapeados estabelecimentos de ensino, para posteriormente visitá-los em sua totalidade, integrando-os no processo educativo.
O projeto previa que na duração de dez semanas, seriam atingidas 10 escolas, sendo que, a cada semana deveriam ser oferecidas a essas instituições de ensino oportunidades de participarem de forma ativa nos processos de aprendizagem e avaliação.
Na primeira semana, seria visitada uma escola, onde seriam proferidas palestras nos turnos que os professores pudessem participar. Essas palestras versariam sobre a problemática dos resíduos em Rio Grande e a viabilidade econômica do reaproveitamento e da reciclagem, através da separação do material reciclável na origem. Nessa oportunidade seriam traçadas as relações entre os resíduos e o meio ambiente.
Planejado também, estava instituir o "Dia do Lixo". Esse seria um determinado dia da semana que deveria ficar consagrado por marcar a realização, em uma determinada escola, de palestras dirigidas por educadores. Além disso, seria realizada uma coleta seletiva, pela Secretaria Municipal dos Serviços Urbanos, dos resíduos previamente separados e encaminhados para o estabelecimento de ensino.
O material seria recolhido pela secretária Municipal dos serviços Urbanos seria conduzido para o espaço destinado a separação por tipo de material, onde também será feita a avaliação do que foi arrecadado.
Entre as finalidades do projeto podemos salientar a caracterização dos hábitos de populações com atividades semelhantes, a observação dos diferentes comportamentos e resposta no processo de conscientização, a caracterização do lixo em diferentes camadas sociais, a facilitação do processo de realimentação de informações e metodologia adequada para as diversas comunidades, a identificação de interesses particulares setoriados, com zoneamento sanitário e a homogeneidade de comunicação. (Parágrafo retirado do projeto original de "Adeus aos Lixões")
Como comentado na citação acima, o procedimento a ser adotado nessa campanha de educação, teria como importância fundamental a definição e avaliação de um universo homogêneo de caráter socioeconômico.
É interessante lembrar ainda, que os objetivos do projeto se dividiam em quatro setores, sendo eles: Educativos, ecológicos, sanitários, sociais, econômicos e legais.
No que tange os objetivos educativos, devemos lembrar que se pretendia criar hábitos da separação de lixo reciclável e lixo orgânico em embalagens diferentes, propiciando, num primeiro momento, o recolhimento monitorado do material capaz de ser comercializado in natura.
Através da ação dos alunos, nos estabelecimentos de ensino visitados, deverão ser atingidas as comunidades homogêneas próximas. A população participaria como observadora das atividades dos alunos e adquiriria os hábitos da separação, devido a necessidade do atendimento de uma tarefa escolar.
Os objetivos ecológicos e sanitários estão pautados nos índices que apontavam que a separação de lixo reciclável de uma comunidade acarreta em uma diminuição de 60% do volume total de lixo, fazendo com que, na primeira fase, já se observe uma redução significativa do lixo a ser removido por veículos compactadores.
Em razão disso o meio ambiente passaria, progressivamente, a receber menor quantidade de resíduos não biodegradáveis.
Com o avanço da temática, a população já estaria em algum tempo apta também a reutilizar os resíduos orgânicos. O que possibilitaria a adoção, por parte da Secretária Municipal de serviços urbanos, de pátios de compostagem, capazes de transformar os resíduos em adubo orgânico. O adubo orgânico servira como reconstituinte de solos podendo ser utilizado em hortas, jardins e praças, conforme a origem do material arrecadado.
Os objetivos sociais pautam-se sobre a questão dos catadores individuais[20]que mexiam, rasgavam e espalhavam os resíduos domésticos dispostos na frente das residências.
Em outras palavras, o projeto buscava uma nova forma de inter-relacionar as necessidades de geração de trabalho e renda dos catadores com a urgência de uma coleta seletiva diferenciada. Acreditava-se que a forma mais adequada de utilizar os "catadores clandestinos" [21]era associar o esforço dessas pessoas com o serviço público, transformando uma parte da população que se encontrava em situação de vulnerabilidade socioambiental, em trabalhadores formais, protegidos por amparo legal.
Para isso, seria realizado um cadastro prévio dessas pessoas, pela Secretaria Municipal do Trabalho e Ação Social, que poderia recomendar uma forma posterior de trabalho, e agregar qualidade ao serviço de limpeza pública. Esse cadastro poderia ser ampliado de forma conveniente e criado um contingente organizado, como cooperativas ou ações de organizadoras de Associação de moradores, dos interessados em trabalhar na atividade de limpeza pública.
Do ponto de vista econômico, ao fim a que se destina o trabalho da coleta diferenciada, lixo é dinheiro. Portanto, é recurso financeiro público e assim deve ser considerado. (Parágrafo retirado do projeto original de "Adeus aos Lixões".)
Como é exposto no parágrafo acima, o projeto também se preocupava com a questão econômica, tanto no que tange a redução de custos públicos desnecessários, quanto os lucros que a sociedade como um todo poderia advir.
Um exemplo dessa afirmação que pode ser exposto é a questão dos compactadores, pois com a coleta diferenciada, a coleta de 60% do lixo, poderia ser feita por caminhões comuns, com custo mais barato de investimento. Conforme o direcionamento dos trabalhadores, a coleta de material reciclável poderia ser realizada, com ação interna de alguns bairros, por pequenos veículos, diminuindo em muito a demanda por compactadores.
Por outro lado, a comercialização do material reciclável permitiria a auferição de receita, no primeiro momento, para a incrementação do processo educativo e a prazo mais longo, na própria melhoria das condições de recolhimento por parte da Secretária Municipal dos Serviços Urbanos, além de financiar a mão de obra empregada para tal fim.
Legalmente, deveriam também ser providenciados dispositivos que assegurassem a destinação adequada aos interesses do setor competente, daqueles resíduos, eventualmente retirados por outras pessoas.
Por conseguinte, tendo exposto os objetivos, passamos aos recursos humanos e materiais necessários para sua aplicação.
Os recursos humanos podem ser divididos em: Educadores, encarregados da coleta e os encarregados da triagem. Os educadores consistiriam em um grupo de dez profissionais responsáveis pela apresentação nas escolas, de palestras que expliquem como e por que se deve preparar o lixo para ser reciclado. Paralelamente, outros dois educadores iriam a cada uma das escolas, conforme o cronograma da Secretária Municipal de Educação e Cultura, transmitindo a idéia do "Dia do Lixo".
A responsabilidade do acompanhamento dessas tarefas seria do autor do projeto, Artur de Oliveira, que executaria essa função sem custos ao serviço público.
Por outro lado, os encarregados da coleta ficariam sob responsabilidade da Secretaria Municipal dos Serviços urbanos e deveriam desenvolver um trabalho articulado, conforme a programação das palestras. O trabalho inicial dar-se-ia uma vez por semana, acumulando no roteiro, aqueles estabelecimentos já visitados pelos educadores, sempre no "Dia do Lixo".
Para a fase inicial do projeto (consistida nas primeiras dez escolas) seriam necessários um motorista e dois recolhedores de lixo (do quadro público já existente), sem custos adicionais.
Os encarregados da triagem seriam três pessoas que, sem custo adicional, permaneceriam sob responsabilidade da Secretaria Municipal dos Serviços Urbanos e após treinamento, separariam o material em um lugar especifico, por tipo, preparando dessa forma a sua posterior comercialização.
Em relação aos recursos materiais, podem ser arrolados como essenciais os seguintes: Transporte, acondicionamento e segurança, sendo importante ressaltar que todos esses recursos deveriam ficar a cargo da Secretaria Municipal dos Serviços Urbanos para a utilização no projeto.
No que tange o transporte, seria necessário um caminhão capaz de transportar até cinco toneladas, sendo utilizado progressivamente, portanto com uma demanda bastante pequena e somente um dia por semana (o "Dia do Lixo").
Dispensáveis no inicio do projeto, contudo interessante com o avanço de seus feitos, são as prensas manuais ou hidráulicas, capazes de produzir fardos de papel, papelão e latas, já que com a finalidade de aperfeiçoar o espaço de armazenamento e preparar o lixo reciclável para a comercialização. O custo do material seria compensado pelo resultado da comercialização do material reciclado.
Por segurança, o pessoal que iria lidar com a coleta, triagem e acondicionamento do lixo reciclável deveria trabalha com "EPIs" [22]como luvas, macacão e botas adequadas. Esse material seria providenciado pela Secretaria Municipal dos Serviços Urbanos.
Além disso, para as instalações, seria necessário um galpão para armazenamento do material triado, onde haja energia elétrica para a possível utilização de prensas hidráulicas. Acrescenta-se, que para papel e papelão, deve haver abrigo para evitar chuvas e ventos.
Como estratégia de ação, lembramos que o projeto deveria ser amplamente divulgado nos veículos de comunicação, explicando nesse processo os objetivos iniciais e finais do que está sendo construído. O "Dia do Lixo" dessa forma adquiriria a "atenção popular", antes mesmo de os trabalhos iniciarem.
Entre as precauções para efetivação dos resultados está exposta no projeto a preparação prévia das comunidades atingidas pelas diversas etapas do projeto para a mudança nos hábitos relativos a separação do lixo. Outro cuidado encontrado no documento está relacionado aos contatos com as escolas, que deveriam ser feitos de forma a não haver dúvidas no engajamento à campanha desenvolvida.
A execução do projeto dar-se-ia primeiramente com o contato das escolas escolhidas. Logo após, no estabelecimento e enquadramento de um cronograma que previsse data para o início dos trabalhos, os dias para o treinamento do pessoal da triagem, a definição de todos os recursos (cada um com sua incumbência), a primeira palestra, coleta e as datas para as posteriores repetições dessas atividades.
O projeto encerra com sua futura avaliação, que seria feita com base nos resultados obtidos. Assim, seria considerada a receptividade das escolas, o nível de entendimento dos alunos, a relação de lixo coletado e do número de alunos que foram trabalhados, os recursos obtidos com a comercialização, a relação dos resíduos com a situação socioeconômica da comunidade, a possibilidade de extrapolação para a comunidade envolvida e os métodos aplicados. [23]
Dado o exposto, o projeto aqui apresentado pretendia começar um processo de conscientização socioambiental, enfatizando sua ação na proposta de uma efetiva coleta seletiva com inclusão social.
Sua importância e destaque pautam-se não tão somente pela inclusão no pioneirismo da discussão e trabalho com a temática, como também pela transformação socioambiental acarretada em seu processo. Os resultados que elucidam esse panorama serão expostos a seguir.
3.1 Impactos
No que tange a prática efetivada do projeto, apresentarei aqui, por meio da análise de conteúdo de atas, ofícios, documentos diversos e também pela História oral[24]um aparato de alguns destaques dentro do que foi realizado.
É preciso salientar, que o projeto "Adeus aos Lixões" foi, primeiramente, apresentado a Universidade Federal do Rio Grande-FURG no ano de 1989, pelo seu autor, Artur Santos Dias de Oliveira. Contudo, inicialmente, o projeto não foi aprovado pela instituição, segundo Eliane Duarte, pelo receio do envolvimento com uma problemática tão nova.[25]
Porém, sendo esse um ano de eleições municipais, houve interesse pela proposta, em termos de campanha, pelo integrante do Partido dos trabalhadores, Dirceu Lopes. Na perspectiva de ter aplicada a ideia, o autor, Artur Dias de Oliveira, permitiu que o projeto fosse incorporado a campanha do candidato Paulo Vidal, do Partido dos Trabalhadores. [26]
(...) e aí.. ganhou! O Vidal, né? E o Dirceu ficou como secretário dos serviços urbanos. Assim, em 5 de julho do ano seguinte começou o projeto.[27] (DUARTE, Eliane)
Como foi exposto na fala da entrevistada, somente a partir da vitória do prefeito Vidal e da posse, enquanto secretário dos serviços urbanos, de Dirceu Lopes, que o projeto "Adeus aos Lixões" pode ser iniciado.
As primeiras ações da equipe do projeto se centraram na divulgação de "Adeus aos Lixões", através de escolas, e no "dia do lixo".
O "Dia do lixo" era realizado por uma equipe interdisciplinar[28]que se locomovia até determinada escola e que, chegando ao local, dividiam-se entre algumas turmas, para vinte minutos de palestras sobre as problemáticas suscitadas no projeto. Além disso, a equipe tinha a função de lançar a proposta aos discentes de levarem todas as quintas-feiras resíduos sólidos recicláveis para a escola, para o recolhimento pelo órgão publico municipal.
Então a gente fazia assim, a gente ia uma turma no colégio e cada um entrava em uma sala de aula e tinha que fazer no máximo 20 minutos de palestra naquela sala.. Aí a gente falava toda aquela idéia do projeto, de separar em casa, o porque separar, o que levar, e que era para trazer, que a prefeitura ia recolher, e isso foi acontecendo... (DUARTE, Eliane)
Dessa forma, como mencionado no trecho acima, o "Dia do Lixo" foi realizado em diversas escolas[29]abrangendo, segundo Eliane Duarte, todas as escolas da cidade.
No que tange a resposta obtida com esse trabalho, podemos enfatizar que através da História oral e da pesquisa em documentos[30]foi possível perceber uma imediata adesão da ideia pelos alunos das escolas da cidade do Rio Grande. Isso porque, houve um aumento considerável no número de resíduos sólidos durante o dia de recolhimento dos resíduos. Na perspectiva da história ambiental, podemos ratificar que esses atores sociais assumiram seus papeis de responsáveis pelas agruras e perspectivas futuras, visto que contestaram vigorosamente essa imagem de harmonização da vida social que se abriga no plano individual, pessoal e particular e que, no limite, nutre a sensação de impotência na transformação da nossa sociedade.[31]
É importante enfatizar ainda, que no projeto se previa a duração de dez semanas, em dez escolas para o "Dia do Lixo". Contudo, pela importância e resultados que comportava, a prática se estabeleceu por dois anos, até atingir todas as escolas rio-grandinas.[32]
Então em um primeiro momento começou nas escolas e aí se ampliou.. O grupo do professor Artur ampliou o trabalho para a comunidade onde essas escolas estavam inseridas, ou seja, os bairros onde as escolas estavam inseridas passaram a receber a coleta seletiva. Nessa primeira etapa, nesses bairros que a gente já citou, Lar gaúcho, Vila santinha, Salgado filho e outros. E aí, conforme ia ampliando o trabalho nas escolas, ia ampliando para o bairro , para a comunidade onde estava essa escola. Na realidade, assim, em 89 começou todo esse processo de levar essa informação as escolas e na seqüência começaram a também ser criadas associações de catadores. Assim, em 1991 veio a primeira associação a ser criada, que foi a ASCA LIXO, na seqüência veio a ASCA LIXO no cassino em 2002 e a ASTAR na Castelo branco em 2003 e a Associação Vitória, na Vila da Quinta em 2003.[33] (OLIVEIRA, Mara)
Nesse momento, conforme menciona a secretária de meio ambiente de Rio Grande, é agregador salientar um importante fruto do "Dia do Lixo" que foi a criação da primeira associação de catadores da cidade em 1991, a Associação dos Catadores e Separadores de Lixo de Rio Grande (ASCALIXO). É interessante mencionar, que ao longo dos anos, criou-se outras três: A ASCA LIXO do cassino em 2002, a ASTAR no bairro Castelo branco em 2003 e a Associação Vitória da Vila da Quinta em 2003.[34]
Eram daquela redondeza ali da Churrascaria Rios, entre Salgado filho e Navegantes.. Eles eram o pessoal daquela Associação de bairro. A gente fez palestras nos colégios e eles ficaram sabendo e se interessaram em criar uma associação (...) Em reunião de associação eles conversaram o assunto e eles se interessaram. Eles ficaram pensando: -Bah! Isso nem precisa sair daqui a gente pode cuidar do nosso lixo.. Isso foi em 89, em 91 foi fundada. (DUARTE, Eliane)
No que tange, especificamente, a ASCA LIXO, como mencionado por Eliane Duarte, após algumas palestras ministradas nas escolas da redondeza[35]o assunto da coleta seletiva e reciclagem emergiu nas reuniões de associação de bairro, do bairro Salgado Filho. Logo, não demorou muito para esses líderes comunitários procurarem os responsáveis pelo projeto "Adeus aos Lixões" com o intuito de saber mais detalhes sobre o assunto. É preciso ter claro que essa iniciativa propiciou a perfeita sintonia entre os escritos e a realidade eminente, pois o projeto previa a geração de trabalho e renda através da utilização da mão-de-obra dos catadores. Além disso, fomentou a relação entre o homem e o meio, tão discutida na história ambiental, inibindo a indiferença, a desorganização e até mesmo a hostilidade pela participação social.
Dessa forma, através de um movimento iniciado dentro da Associação, pelo seu presidente, senhor Honorino José Renon a Prefeitura cedeu um terreno e construiu um galpão, onde as atividades de separação do lixo seriam efetivadas.
Paralelamente, ao mesmo tempo em que esse cenário era construído nas escolas e redondezas, dentro da Universidad33e Federal do Rio Grande, novas conquistas também aconteciam.
Assim sendo, foi criada a Comissão Executiva do Serviço de Destinação de Resíduos que, era algo fomentado desde o ano de 1989. Essa comissão tinha a função de pesquisar, de forma quantitativa, as especificidades dos resíduos sólidos da universidade, além de orientar o recolhimento diferenciado no âmbito da FURG, traçar a política de reaproveitamento e destinação adequada e promover cursos de extensão sobre o tema. [36]
Logo, em ofício, designava-se o servidor Milton Oliveira Amado como presidente dessa comissão e Artur Santos Dias de Oliveira, Cláudio Amorim Vieira, Dinei Neves Gonçalves; Fernando Jesus Queiroz , Luiz Pinheiro Guerra, Manoel da Silva Serra, Maria Tavares Leite, Mário José Junges, Renato Botelho, Rosane Rejes, Sérgio Luiz Przybylski e Carmem Vera Freitas, para comporem a comissão.
É interessante mencionar que a comissão desde sua criação foi considerada pelos seus membros como um movimento extremamente sério e comprometido. O olhar diferenciado e a "vontade de fazer dar certo" podem ser elucidados através do pedido de licença de alguns desses servidores para se dedicarem exclusivamente as obrigações da comissão[37]
É, não! Tipo assim.. a universidade naquela época não queria envolver seu nome com uma loucura! (risadas) Mas aí a coisa começou e não deixou nunca de ser da universidade.. Por quê? Por que eu e o Artur éramos da universidade.. Não tinha o apoio institucional, mas tinha nossa presença, que era a representação da FURG! Mas mesmo assim, depois do movimento a gente fez um projeto.. não era o "Adeus aos lixões" por que esse já tinha começado, era.. Educação ambiental para coleta seletiva, uma coisa assim.. Aí que a gente começou a conseguir coisas da FURG! (DUARTE, Eliane)
Nesse ponto, é possível perceber, através do trecho acima, que a identidade de "Adeus aos Lixões" pode, e deve, ser vinculada a FURG pelas ações que os atores sociais[38]que estavam vinculados a universidade, promoveram. No entanto, é preciso que o leitor tenha claro que a prática inicial do projeto deu-se por apoio do órgão municipal. Somente, quando alguns frutos desse trabalho já eram perceptíveis que a instituição passou a apoiar a idéia da coleta seletiva e reciclagem.
Assim, os integrantes da equipe, aproveitaram essa oportunidade e escreveram um novo projeto com as mesmas idéias do "Adeus aos Lixões" para obter apoio financeiro e ideológico da FURG, que se chamava "Lixo: Educação comunitária para a coleta diferenciada."
Essa tentativa rendeu a Comissão Executiva do serviço de destinação de resíduos sólidos um galpão "multi-uso", como os integrantes da equipe o chamavam nos documentos, situado nas dependências da Superintendência de Administração e Manutenção dos Campi (SAMC) que servia tanto como posto de coleta dos resíduos, quanto para a construção de cursos e orientações sobre triagem.[39]
Dessa forma, com uma abertura maior dentro da universidade, destaco como "aproveitamento do espaço", mais uma vez, a iniciativa de Artur de Oliveira e Eliane Bacchiere Duarte. Esses, levavam constantemente para a sala de aula questões importantes sobre os resíduos sólidos, propondo paralelamente, pequenas atividades conjuntas que acabavam divulgando e elucidando, tornando empírica, a problemática.
Para nós a palavra prova tinha dois sentidos: Primeiro, saber se os alunos tinham tomado consciência dos problemas levantados e, em segundo lugar, a pontuação dos alunos pela satisfação de uma tarefa escolar. A professora Eliane Duarte, responsável pelo projeto de extensão "Lixo: Educação comunitária para coleta diferenciada" teve uma daquelas idéias que conseguem adequar a proposta ao objetivo. A questão formulada pela professora seria avaliada através da verificação, no dia da prova, se os alunos tinham ou não lixo separado, por um critério bem simples: Eles trarão o lixo limpo que separarem. Você sabe o que aconteceu? Uma verdadeira procissão de alunos transportando sacolas com lixo limpo, em direção a Universidade. (OLIVEIRA, Artur, pág.14)
Como elucidado na citação, uma pequena atitude diferenciada na prática docente pode através de uma ação, provocar uma reflexão extremamente importante. Isso porque a partir do momento que os alunos conseguem perceber próximo o problema, podem passar a pensar sobre a necessidade de uma solução e se sentirem estimulados a mudança comportamental. Em concordância com o historiador ambiental Paulo Martinez, podemos ratificar que a promoção da auto-reflexão crítica, vigorosa, sistemática e constante pode atender ao sentido socioambiental de maneira bem abrangente.
Contudo, no que tange ainda as prática educativas socioambientais, é importante salientar que as formas, costumeiramente aplicadas para divulgação, também eram utilizadas, como cartazes. Esses, na maioria das vezes solicitavam aos alunos que trouxessem seus resíduos limpos de casa para o posto de coleta da universidade.
Além disso, também foram realizadas exposições do lixo reciclado na FURG com o intuito de levar ao conhecimento da comunidade universitária os serviços prestados pela comissão e fomentar uma mobilização, afim de obter "multiplicadores" do ideário. Essas exposições ocorreram, primeiramente, no campus cidade e logo após no campus carreiros, ambas com duração de cinco dias.
Durante as exposições os discentes poderiam observar painéis, que versavam sobre cada etapa do trabalho realizado pela comissão, e diversas fotos, que explicavam a diferença entre o lixo burocrático, metálico, químico, orgânico, hospitalar e inorgânico com a tabela de preços correspondente . Além disso, recebiam sacos de lixo que continham explicações de como realizar a separação dos resíduos e uma reflexão acerca da importância e relação dos resíduos sólidos recicláveis com a preservação dos recursos naturais.[40]
Outro grande destaque no estímulo a conscientização ambiental foi o projeto "Florestar" que nasceu em 1990, durante as discussões da equipe e dos envolvidos no projeto "Adeus aos Lixões".
Ou seja, "mergulhados" nas problemáticas ambientais, a Comissão Executiva do Serviço de Destinação de Resíduos passou a perceber que podiam além de atuar na área dos resíduos sólidos, contribuir para melhoria da qualidade de vida como um todo, através de uma arborização dentro da universidade. É imprescindível lembrar que a FURG no ano de 1990 era ainda composta por alguns prédios e grandes terrenos arenosos ao redor.
O objetivo do projeto "Florestar" era criar interesses históricos e culturais pelas árvores nativas, que em sua maioria estavam em extinção, além de fertilizar as terras de baixa produtividade pela rotatividade de queda de folhas e decomposição. Tal trabalho se tornava agregador para seus envolvidos pelo plantio e preparação de nossas árvores e pela possibilidade de educar a comunidade da simbologia histórica das árvores na cultura regional. [41]
O maior fruto do projeto "florestar" foi a construção do "Clube da árvore"que podemos considerar uma fusão de um programa da Souza Cruz que ocorria desde 1982, chamado "Clube da árvore", com o projeto " Florestar". Segundo o projeto do "Clube da árvore" de 1995, apresentado a Universidade federal do Rio Grande-FURG, a empresa Souza Cruz tinha por finalidade, desde 1982 , defender a natureza[42]através da luta preventiva do plantio de árvores, sendo que em 1994 o programa haveria atingido mais de 1450 escolas, envolvendo mais de 60.000 alunos.
O interesse da equipe do projeto "Florestar" ocorreu pelo investimento empreendido pela empresa na idéia de fomentar uma consciência ecológica junto aos alunos de ensino médio e fundamental, tornando-os vetores de difusão em defesa do meio ambiente.[43]
Nessa perspectiva, seria função da equipe do projeto a fiscalização, coordenação, das ações propostas, como as orientações sobre técnicas de plantio, preparação e classificação de espécies com o apoio de técnicos da SMAIC[44]e professores das escolas municipais. Nas escolas seria montado em cada uma, cadastrada no projeto, um clube da árvore, que contaria com um kit composto de livretos, cartilhas, cartazes sobre temas ecológicos e educação ambiental, assim reflorestando posteriormente o município de Rio Grande, em princípio as áreas mais carentes.
O objetivo era que dessa forma o projeto pudesse contribuir para a consciência ecológica do município para que tenha suas raízes fortalecidas, desenvolvendo assim a educação ambiental nas escolas municipais e instigando o aprendizado sobre a diferenciação das árvores nativas e exóticas, e integrando a comunidade, como um todo e o meio ambiente. Assim, realizando um trabalho de pesquisa quanto ao desenvolvimento e adaptação das sementes plantadas.
Segundo os jornais Agora e Diário Popular, o processo de cadastramento das escolas que participariam, aconteciam através da procura das interessadas pelo cadastramento, ou seja, as escolas deveriam dirigir-se a SMEC[45]ou a coordenação do projeto (que se situava na FURG) para inscrever-se.
Devemos aqui salientar que o projeto "Clube da árvore" abrangeu diversas escolas e cumpriu seu papel disseminador da consciência ambiental. O resultado do clube na Universidade Federal do Rio Grande é notório até os dias atuais; a arborização se manteve e além de contribuir com a qualidade de vida da comunidade acadêmica, embeleza nosso cenário cotiano.
É importante lembrar aqui que a comissão de resíduos sólidos planejava realmente uma transformação, começando pela própria instituição. Assim sendo, expedia ofícios para a reitoria toda vez que considerava que um setor da universidade não estava agindo de uma forma correta frente à destinação dos resíduos produzidos.[46] Sendo interessante salientar que a principal preocupação presente nesses ofícios se referia ao lixo hospitalar que não era destinado de forma a tomar os devidos cuidados, como contaminação. Seguido da questão do lixo hospitalar, podemos destacar os cuidados com o lixo da SAMC.
Outro aspecto importante de ser salientado é a preocupação com a educação ambiental comunitária, visto que a equipe do projeto "Adeus aos lixões" considerava claro que todo esforço que não obtivesse o apoio da sociedade como um todo seria nulo.
Segundo documento interno da Comissão Executiva do Serviço de Destinação de Resíduos, existia uma constante preocupação em suas ações de desenvolver não só uma posição crítica, como uma atitude dinâmica no contexto educacional da problemática ambiental formando respaldo para os demais projetos implantados. Sendo interessante observar que o objetivo principal do projeto era implantar tratamento adequado aos resíduos gerados, a fim de evitar comprometimento do ecossistema costeiro.
Todavia, em meio a tantos acontecimentos que anteriormente foram almejados, novamente muda o cenário político local, fato que "estremece" o andamento do projeto.
Só que aí, o que aconteceu? Aconteceu que o PT brigou com o Vidal e as pessoas que eram do PT saíram do governo.. e o Dirceu Lopes saiu! Que era quem era nosso contato, nosso suporte ali na prefeitura.. Aí, bah! Nos sentimos sem pai nem mãe! O novo secretário dos serviços urbanos não aderiu a idéia! Quem aderiu foi o Bercílio Silva, que era secretário da agricultura e dentro da agricultura tava o meio ambiente, porque ainda não tinha secretaria do meio ambiente! A Mara (atual secretária do meio ambiente da cidade do Rio grande) já tava na secretaria.. Então, aí ficou sendo um projeto vinculado a secretária da agricultura e não aos serviços urbanos! Mas nós seguimos fazendo as palestras.. um monte, um monte coisa! Só que aí a prefeitura começou a não demonstrar muito interesse... (DUARTE, Eliane)
Dessa maneira, como explicitado acima, devido a conflitos políticos e mudanças no quadro administrativo municipal, o apoio passou a ser cada vez menor ao ideário do projeto. Todavia, mesmo sentindo as conseqüências dessas mudanças os atores sociais de "Adeus aos Lixões" continuaram a ministrar as palestras em escolas e passaram a divulgar a coleta seletiva da cidade, que foi algo conseguido nesse período de transição política.
Assim ó.. O projeto quando chegou pra nós, a gente ainda tinha aquela estrutura que te falei, da secretaria de agricultura, pesca e meio ambiente, então a unidade do meio ambiente, por ser uma pequena unidade dentro de uma estrutura administrativa, o pouco que se podia fazer a gente abraçou (..) Então assim, essa era realmente uma ação muito importante para o município, era uma ação extremamente importante para a questão ambiental, então a gente tinha essa visão, realmente no sentido de, realmente preservar os recursos naturais, e mais.. Naquela época nós tínhamos um fator muito negativo que era o lixão dos Carreiros, então dentro desse contexto de dar destino adequado para os resíduos e quanto menos resíduos fossem para o lixão estávamos fazendo uma leitura no sentido de dar uma ênfase para a questão ambiental no município, então realmente, tinha que se fazer o que foi feito. Até poderíamos fazer até mais, acredito que poderíamos ter feito mais, mas dentro daquele contexto, com as possibilidades que se tinha, nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, poderíamos ter feito mais se tivéssemos melhores oportunidades, mas naquela época eu acredito que se fez , o que se dava para fazer. (OLIVEIRA, Mara)
Mara Núbia de Oliveira, atual secretária de meio ambiente, que no período do projeto "Adeus aos Lixões" era diretora da unidade de meio ambiente ressalta que dentro do órgão municipal, se tinha uma percepção da importância do que estava sendo feito. Contudo, ainda não existia uma estrutura, uma base, que propiciasse as possibilidades do suporte desejado por parte da unidade de meio ambiente ao projeto.
Estando esses atores sociais inseridos nesse contexto, para a divulgação da coleta seletiva eram utilizados panfletos, algumas vezes cedidos pela FURG, outras vezes pela prefeitura. Sendo interessante ressaltar o episódio da divulgação da coleta seletiva no bairro Cassino, contado por Eliane Bacchieri Duarte.
Sabe? A gente lançou coleta seletiva no Cassino, passamos dois dias batendo de porta em porta, distribuindo panfletos.. aliás com o apoio do NEMA, até lembro muito de um rapaz que acho que foi até para o nordeste.. o Léo! Leonardo, o nome dele. Todos nós, batemos de casa em casa avisando que ia ter coleta seletiva e depois não iam buscar o lixo e as pessoas vinham reclamar para a gente. Aí é complicado, porque não tem como tu pedir para uma pessoa proteger a natureza se não tem uma resposta... (DUARTE, Eliane)
Assim sendo, o processo de divulgação permaneceu acontecendo, os envolvidos no projeto continuaram trabalhando com os movimentos ambientais do período, todos em busca de uma causa comum. Contudo, como a coleta se demonstrou insuficiente, a população da cidade do Rio Grande que apoiava, entendia a problemática dos resíduos sólidos e suas conseqüências, passou a cobrar enfaticamente dos responsáveis pelo projeto "Adeus aos Lixões" uma organização na coleta
Nessa perspectiva, Artur dos Santos Oliveira e Eliane Bacchieri passaram a se dedicarem pessoalmente, contudo de maneira informal, pelo controle e fiscalização desse um serviço, o que pode ser percebido na citação abaixo.
Chegou uma vez que, assim.. Eram dois caminhões que saiam, esse dia era a coleta nos Navegantes e no centro e eu cheguei lá no galpão da prefeitura, onde os caminhões iam sair, e nada do outro caminhão.. Só tava um na garagem.. Aí eu perguntei: -Cadê o outro caminhão? E o rapaz, o motorista, respondeu: -Ahh o outro tá sujo, tá com areia.. Aí eu disse: -Tem como lavar? O rapaz disse que tinha, e eu disse: -Então lava que eu espero! Eu fiquei meia hora no galpão da prefeitura olhando para o cara lavar o caminhão! Aí lavaram e saíram.. Mas o que eles queriam? A metade não queria trabalhar.. Se não tivesse caminhão, não precisava passar, e não tinha ninguém para mandar neles! Isso é que faltou ! Por que como ninguém controlava a gente tinha que se meter! Um absurdo! Hoje eu paro e penso: Como eu fui entrar dentro de uma garagem e mandar um cara lavar um caminhão?? (risadas) Mas era complicado, eu enlouquecia, entende? Quando eu via.. Mas era para mostrar assim, que a gente "tava" cuidando.. Por que quando a gente soube que ia ter coleta nessas zonas, eles achavam que iam fazer como quisessem.. Mas, não! Muitas vezes o Artur ia atrás de um caminhão e eu do outro..(risadas) "Pra ver, né?" (DUARTE, Eliane)
Como elucidado, os esforços para "fazer dar certo" eram imensos. No entanto pouco a pouco, a discussão sobre os resíduos sólidos foi calando-se. A coleta seletiva permaneceu durante muito tempo estagnada no exato ponto que aqui paramos de contar.[47] Quanto aos motivos? Talvez nunca sejam descobertos, talvez sejam simplesmente uma junção de fatos que se contrapunham ao ideal almejado... Na verdade, essa é uma discussão que desejo aprofundar durante minha carreira acadêmica.
Contudo o que, sem dúvida alguma podemos afirmar é que seu legado é vasto e enriquecedor a sociedade rio-grandina. Consciente disso, encerro esse capítulo com uma citação de Artur de Oliveira para reflexão do leitor.
A dificuldade maior, que se teve, foi a de responder a uma pergunta inconsciente: Se é tão bom, por que ninguém fez ainda fez? E mais uma vez o ser humano abdicava da capacidade de saber que pode criar. Em outras cidades, esta pergunta já não precisou ser feita. Alguém já efetivou a tarefa. Talvez, isso tudo, faça, um dia, parte da nossa história. (OLIVEIRA, Artur, 1996)
A ação da espécie humana, contudo, é de uma qualidade única na natureza. Pois enquanto que as modificações causadas por todos os outros seres são quase sempre assimiláveis pelos mecanismos auto-reguladores dos ecossistemas, não destruindo o equilíbrio ecológico, a ação humana possui um potencial enorme desequilibrador. (PÁDUA, 2004, pág.13)
A cidade do Rio Grande tem atualmente, em 2010, em torno de duzentos mil habitantes, por esses são produzidos anualmente uma média de quarenta e quatro mil toneladas de resíduos sólidos.[48] Há ainda, um grande aumento na produção no que tange os últimos anos.
Segundo dados cedidos pela prefeitura, em 2007, foi produzida uma média de quarenta e dois mil cento e cinco toneladas, e no ano de 2009 houve um acréscimo de aproximadamente três mil e oitocentas tonelas, ou seja quarenta e cinco novecentos e cinco toneladas de resíduos. Em 2010, fazendo uma projeção a partir do somatório da média que foi coletada até maio chagaremos ao valor de quarenta e seis mil toneladas de resíduos produzidos.
Analisando esses números, se conclui que a produção diária de resíduos entre os anos de 2007 e 2010 no município variou entre cento e dezesseis toneladas por dia em 2007 e pelas projeções pode chegar a média de cento e vinte oito toneladas por dia no fim de 2010.[49]
A lei orgânica do município, foi promulgada em 2 de abril de 1990. Seu artigo 206, institui a obrigatoriedade da coleta seletiva de lixo em toda cidade. Contudo, é preciso ressaltar que essa prática só possui êxito quando a sociedade tem interiorizada a responsabilidade social frente a problemática dos resíduos sólidos.
Analisando o que foi exposto até o momento, podemos afirmar que a cidade do Rio Grande foi uma das primeiras do país a refletir e aplicar a coleta seletiva; fomos também pioneiros na construção de cooperativas de catadores e ainda assim, vinte anos depois, esbarramos na negligencia impregnada em nossa cultura.
O lixo é matéria prima fora do lugar. A forma com que uma sociedade trata seu lixo atesta o seu grau de civilização. O tratamento do lixo doméstico, além de ser uma questão tecnológica é antes de tudo uma questão cultural (GRIPPI, 2006, pág.1)
Dessa forma, como afirma Sidney Gripp, podemos atribuir o alto índice de resíduos produzidos aos aspectos culturais da sociedade.
Tu compra um objeto no comercio e se tu tiver uma embalagem é suficiente, mas não.. já vem um,duas, três embalagens mais o pacote que tu vai levar e mais a sacolinha plástica, ou seja, cada vez se gera mais resíduos e onde vai parar esses resíduos? Tem que ter uma destinação adequada,né?
Eu costumo comentar que, por exemplo, tu vai em uma loja de perfumes aqui da cidade, aí compra um perfume. Esse perfume vem dentro de um vidro, que vem dentro de uma caixinha, que contem um papel de enfeite dentro, tudo vem dentro de um saquinho plástico, amarrado com um cordão e aí toda essa embalagem vai dentro de uma sacolinha.. E aí, tu já parou para pensar? Tu foi na loja comprar um perfume, aí tu leva três, quatro embalagens.. Mas será que tu precisa de três, quatro embalagens? Olha, a quantidade de resíduos..
E aí tu vê a importância da reflexão, de partir para o repensar.. Será que nós precisamos de tudo isso? (OLIVEIRA, MARA)
Como mencionado pela entrevistada, somos acometidos todos os dias com situações que podem acarretar reflexões. No entanto, nossa rotina é cada vez mais atribulada, temos diversas tarefas profissionais, uma vida familiar e social que implicam diversas ações. Assim, podemos perceber que não fomos acostumados a parar e analisar o meio em que estamos inseridos e suas especificidades, muito menos a refletir sobre as conseqüências de nossas atitudes cotidianas na posterioridade.
Em toda parte do mundo, a propaganda comercial de jornais, rádio, televisão e da internet incentiva as pessoas a adquirir vários produtos e a substituir os mais antigos pelos mais modernos. Relógios, brinquedos, sapatos ou eletrodomésticos logo ficam "fora de moda" e se transformam em lixo. Em todos os lugares, em maior ou menor escala, encontramos verdadeiros "cemitérios de automóveis" formados por carros abandonados por seus donos, que não encontram novos compactadores, pois a maioria deles procura sempre adquirir os últimos lançamentos do mercado. Hoje existem milhões de carros no mundo, e possivelmente o ritmo da produção de automóveis ultrapassa a taxa de natalidade. Nos dias atuais, os aparelhos eletrodomésticos em geral, como rádios, ferros elétricos, fogões e aparelhos de som, tem menor durabilidade, quebram-se facilmente e necessitam de reposição a curto prazo. Somem-se a estes os telefones celulares, que são trocados constantemente por modelos sofisticados. Estamos vivendo assim a era dos descartáveis, isto é, dos produtos que são utilizados uma única vez ou por pouco tempo e em seguida são jogados fora. (RODRIGUES, 2003, pág.10)
Como ratifica Rodrigues, estamos inseridos em um contexto onde tudo é descartável e feito para estimular o consumo. Somos costumeiramente envolvidos por propagandas que apresentam a praticidade, modernidade, beleza, e status de seus produtos. Assim, sem perceber acabamos criando novas necessidades, que algumas décadas atrás sequer existiam, como celulares e notebooks.
O problema é que aprendemos a comprar e usar esses produtos, mas ignoramos as conseqüências do destino inapropriado do que não consideramos mais "útil".
É sabido que a maior parte da população não coopera com as questões ambientais . Não pode haver conservação nem preservação ambiental sem a educação, pois esta constrói no individuo e na coletividade uma consciência e mudança de comportamento e atitudes, que visam priorizar o meio ambiente. O homem precisa dessas regras muito claras em sua consciência, pois somos predadores ambientais por excelência. (GRIPPI, 2006, pág.77)
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