Os Brejos Serranos – Microrregião de Esperança e do Brejo. Área cristalina, marcada pelos esporões do maciço da Borborema e Escarpas Orientais do Maciço da Borborema. As médias altimétricas começam a aumentar nessa direção, ultrapassando a cota dos 300m, até atingir altitudes médias de 600m. Os ventos úmidos do sudeste, interferem diretamente nas condições climáticas locais, passando a existir mais umidade, e em função da altitude, nota-se uma queda de temperaturas (de 22ºC a 25ºC) aumento dos índices pluviométricos, e as chamadas chuvas orográficas (de 1.000 a 2.000 mm. ao ano).25 A vegetação local é marcada por matas latifoliada perenifólia úmidas e de altitude, matas serranas e vegetação agreste. Este ambiente já foi quase que totalmente degradado, restando apenas algumas "ilhas de mata serrana". Os solos locais são considerados de boa fertilidade, com destaque para os lateríticos, podisólicos, de terra roxa similar, e bruno não cálcicos. Com os elevados indíces pluviomêtricos e base pedológica satisfatória, essa se tornou uma das mais importantes regiões de produção agrícola do Estado da Paraíba. De Engenhos e Usinas de Cana-de-açúcar, passando pela produção de algodão, sisal, fumo e até mesmo café, os Brejos Serranos foram beneficiados até com uma Universidade de Agronomia e escolas agrícolas mantidas pelo governo federal.
De acordo com (GALLIZA, 1993:70), a Paraíba exportou do Brejo, em 1916, mais de 131 mil quilos de café, produto de primeira, que fortalecia importante aristocracia rural endinheirada. Por volta de 1921, uma praga conhecida como vermelho (cericicus parahybensis), que não foi controlada e em menos de uma década enfraqueceu a economia cafeeira no Estado. Vejam que o modelo de desenvolvimento de monoculturas substitutas das florestas úmidas locais não se sustentaram implicando em falta de conhecimento e estragos para o meio ambiente e para a sociedade. (Ibid.:71).
Outra importante atividade que se desenvolveu nos Brejos Serranos foi a pecuária bovina, caprina/ovina, eqüina, asna e muar. Esta atividade selecionou importantes trechos como áreas de pastagens, nativas e solos agricultáveis para a plantação de capim e nas zonas mais agrestes palmatória (Opuntia palmadora).
A Borborema e o Sertão26 – O planalto da Borborema, Setor cristalino do maciço da Borborema,.
Demarcado pelo Curimataú, Cariris do paraíba, e Cariris de Princesa. Esta área é conhecida nacionalmente como triângulo mais seco do Brasil (Cabaceiras/Cariri, Barra de Santa Rosa/Curimataú e Seridó riograndense). O Sertão como sendo marcado pelo Seridó, Baixo Sertão de Piranhas e alto Sertão, destaque para microrregiões de Catolé do Rocha, Cajazeiras, Sousa, Patos, Piancó, Itaporanga, Serra do Teixira. A região é marcada pela predominância do clima Bsh e Aw’: Semi-árido (segundo W. Koppen ) quente seco, e seme-úmido nas áreas de serras e depressões, com chuvas de verão, e temperaturas médias anuais superiores a 24ºC. Durante o período de 75 anos, as medições pluviométricas registraram taxas: mínimas de 138,0mm; média de 391,2mm e máximas de 1.035mm distribuídas irregularmente, ocasionando estação seca que pode atingir 11(onze) meses. Existem anos que o período de estiagem ultrapassa os 12 meses do ano.
O Ambiente Geológico da área, corresponde as rochas formadas pelo Complexo Gnaissico- Migmatítico(PEgn), Pré-Cambriano, oriundas de rochas metamórficas compostas por quartzo, feldspatos, microclina, anortita, albite e biotita. O ambiente pedológico, caracteriza-se pela variedade de solos presentes, oriundos do complexo cristalino, derivados de diversos tipos de rochas, ocorrem os Bruno Não Cálcicos, Litossolos, Regossolos Eutróficos e os Solonetz Solodizados. Merecem destaque também os Solos Aluviais Eutróficos, normalmente encontrados em pequenos vales e as Rochas Granitóides, que normalmente originam os Regossolos Eutróficos.
Os solos Solonetz Solodizados típicos do relevo plano, normalmente com teores elevados de sódio, o que contribui bastante para o processo de sodicidade e salinidade dos reservatórios de água ali existentes, afetando o desenvolvimento agrícola. Os Litossolos, predominantes, caracterizam-se por serem rasos, pouco profundos, e moderadamente ácidos, proveniente de rochas cristalinas, do Pré-Cambriano. São comuns alguns Afloramentos de Rochas nas encostas a sotavento onde estão inseridos. Os solos pedregosos e rasos, só conseguem mostrar uma caatinga espaçada ou rala.
A área faz parte da Superfície ora elevada e aplainada do Maciço da Borborema. situada entre vales, serras e maciços residuais; ora da depressão sertaneja, que vem sofrendo um grande processo de dissecação causada pela predominante erosão física, lenta e gradual.
As cotas altimétricas atingem níveis entre 500m à 600m, onde domina o centro-norte, correspondendo a superfície elevada dos cariris relacionando-se com uma estrutura dominantemente cristalina que compõe o Escudo Pré-Cambriano do Nordeste Brasileiro (CARVALHO, 1982:34).
Este nível altimétrico vai lentamente apresentando uma declividade que inclina-se na direção sul, indo de encontro com o vale do Paraíba, que segundo Carvalho, pode atingir altitudes médias de 400 a 500m.
Tem-se que no conjunto, a espacialidade apresenta suaves e arredondas colinas, além de talvergues rasos e dissecados. As porções sertanejas, são marcadas chapadas e pela Depressão do Rio do peixe. As superfícies aplainadas constituem áreas relativamente baixas (250 a 230 m) e colinas suaves, conhecidas como pediplanos sertanejos. Toda essa área foi modelada em rochas cristalinas do período pré-cambriano, ou seja uma das fases mais antigas de origem do planeta. Apesar do local estar sendo constantemente transformado pela ação das bacias hidrográficas do Sertão: bacia do Rio do Peixe, Bacia do Piancó – Piranhas. No alto sertão, podemos encontrar micro ambientes semelhantes a brejos, com uma certa subúmidade. Na depressão sertanejo podemos encontrar morros residuais, chamados de inselbergs, ou blocos de rochas, ondulados e montanhosos que se diferenciam na paisagem.
A medida que nos orientamos para a microrregião de Teixeira e Princesa Isabel, notamos uma seqüência de elevações que encontram-se entre os 700 e 1.000 metros, com algumas cristas e serras com morros residuais. Essa Região é identificada como Escarpamento Oriental da Borborema. Um verdadeiro divisor topográfico entre a depressão do Cariri e a depressão sertaneja. Isso reforça a idéia de diversidade morfológica da área em estudo.
A Vegetação: no semi-árido paraibano, acompanha a gênese do clima e solo que se relacionam entre si. A descrição fisiográfica da vegetação comporta a caracterização típica deste ambiente. Implantada nos terrenos cristalinos, a vegetação do tipo caatinga, apresenta aspectos distintos de porte arbóreo abustivo que se distribuem gradativamente em toda zona seca da região.
A caatinga apresenta porte variável, de caráter xerófilo, com grande quantidade de plantas típicas de terrenos com escassez de água, que a transforma em plantas secas, algumas sem folhagem, espinhosas, tipo bromeliáceas e cactáceas.
As variações inseridas na caatinga, são determinadas por fatores vitais tais como: baixo índice pluviométrico, temperaturas elevadas durante a estação seca, principalmente por provocar aridez e incapacitação do solo, pois sendo predominantemente raso, pedregoso ou com afloramentos cristalinos, inviabilizam a absorção da água. Na caatinga hiperxerófila, o solo é quase que totalmente desprovido de vegetação, que por ser pouco profundo, o processo de escorrência é maior que a infiltração, o que torna o solo desprovido de águas armazenadas no lençol freático ou de superfície (rios e açudes). Baseado neste contexto, a vegetação acaatingada é atingida com maior intensidade.
As espécies mais encontradas nesse ambiente são: a catingueira (Caesalpinia pyramidalis), o marmeleiro(Croton sp), o pinhão (Jatrophasp), as bromeliáceas, as cactáceas, além de vários outros arbustos e árvores de médio porte.
Entre o Cariri e o Sertão paraibano, encontra-se o nível altimétrico de Teixeira (serras e Maciços cristalinos elevados). Com cotas superiores a 900 metros, com destaque para o Pico do Jabre no Município de Matureia, que atinge 1.090m, sendo o ponto mais alto do Estado da Paraíba. Nessas áreas mais elevadas, aparece uma vegetação típicas de matas serranas, que em função da altitude, modifica as condições micro - ambientais, com menores temperaturas e maior umidade atmosférica. A vegetação tipo arbóreo com espécies como: Tatajuba (phora tincteria), jurema (mimosa sp.), praiva (simaruba amara), entre outras.
O recurso natural - água, evidenciada pelas suas características próprias, ocupa lugar prioritário a sobrevivência da vida na terra. Mas essa região localiza-se na zona de maior índice de aridez, onde os regimes de precipitações e temperaturas são por devido irregulares, apresentando baixas precipitações e pluviosidade média de 400 a 600 mm/a, mas a perda dessa água por evaporação e evapotranspiração é de 1400mm3.
Os rios da região são predominantemente temporários, de regimes intermitentes, padrão de drenagem do tipo retangular e dentrítico. Destacamos no Planalto da Borborema os rios principais como: Rio Paraíba, Rio Sucuru, Rio Monteiro, Rio Curimataú. Devido aos sais minerais das rochas locais, a água dos mesmos possui um elevado teor de salinidade e sodicidade, sendo problema comum também na água dos reservatórios e poços artesianos. No Sertão, os seguintes rios: Rio do Peixe, Rio Piancó, Rio Piranhas, Rio Espinharas, Rio Saburgi e Rio Seridó. Todos apresentando –se como temporários e fundamentais para o sistema de açudagem e irrigação.
A trinta anos atrás, o armazenamento d’água se dava nas formas de cacimbas e barreiros. Estes foram sendo substituídos por açudes de médio e grande porte, como é o caso do Açude de Boqueirão e o Açude Sumé, construídos com financiamentos Públicos Federais, via Frentes de Emergência Contra a Seca. Muitos dos reservatórios construídos encontram-se em propriedades particulares, tornando a água em um bem privado, numa região onde ela é fundamental para a sobrevivência de toda a população.
A população urbana recebe o abastecimento d’água de Açudes, localizados nas proximidades dos perímetros urbanos ou as vezes com quilômetros de distância, mas os teores de salinidade da água são muito elevados, em muitos casos, não sendo indicada para o consumo humano. Indicação que não é respeitada, pois é a água que se tem.
Essa falta d’água, ou a sua baixa qualidade, representam uma diminuição expressiva da qualidade de vida na região. Nos períodos de estiagem prolongada até os açudes de grande porte baixam seus volumes d’água, enquantos que os barreiros e pequenos açudes, secam totalmente. Os principais açudes da Paraíba são:
Aç. Coremas/Mãe D’água, Aç. Boqueirão, Aç. Avidos, Aç. São Gonsalo, Aç. Sumé, Aç. Taperoá, Aç.
Solidade, Aç. Acauã, Aç. Araçagi, além de dezenas de outros açudes pequenos que se espalham por todo o Sertão e Borborema. Ora em terras públicas, ora em propriedades privadas.
Quanto a vegetação, houve uma substituição das áreas anteriormente ocupadas por caatinga do tipo densa, pela caatinga espaçada e rala, observando-se um menor crescimento no porte da vegetação, dando um teor de formações menos fechadas.
Isto se explica pelo fato de que esta região vem sendo historicamente ocupada por algumas produções agrícolas como o milho, a mandioca, o feijão, o algodão, o sisal e os pastos de palma forrageira..
Especialmente o sisal ou agave, e o algodão arbóreo e herbáceo que até os anos 70 e 80, ocupava grandes áreas cultivadas, representando a base da balança comercial desta área, com uma produção média em torno de 300t de fibras e de colton por ano, foram sendo abandonadas pelos produtores, pois este produto perdeu sua importância econômica, especialmente com o aperfeiçoamento das fibras sintéticas, e no caso do algodão, pelo menor preço praticado em outras regiões do Brasil e do mundo, e pela extensão da "praga do bicudo", que provocou a destruição da produção algodoeira em quase todo o Nordeste brasileiro.
Pode-se observar que, o setor primário, representa a base das economias municipais. Culturas como: milho, e feijão, produtos de importância impar para o mercado regional e subsistência, não representam muito em nível de produção local. Pode-se afirmar que o agave e o algodão, a partir de meados dos anos 80, perderam sua importância econômica, sendo substituídos pela palma forrageira e a algaroba, alimento para os rebanhos bovinos e caprinos, tradicional atividade, que ao lado da agricultura compõe a base econômica da área.
Com a perda de importância econômica do sisal e algodão, as áreas foram sendo tomadas pela vegetação abustiva, que foi formando capoeiras27 e recompondo um cenário de caatinga espaçada. Vale ressaltar também que a produção de sisal ocupava as áreas de solos mais férteis, o que permite uma recomposição mais acelerada da caatinga espaçada. Um exemplo disso, é a catingueira (Caesalpinia pyramidalis), que por apresentar maior porte e frondagem, permite um maior adensamento vegetal em áreas que anteriormente apresentavam-se como ralas ou de cultura do sisal. A medida que andei por estas áreas, pude encontrar alguns pés de agave que se misturam com a vegetação de caatinga, incorporado-se a paisagem, testemunhando que já foram abundantes em décadas passadas. Mais o comum é encontrarmos grandes plantações de palma forrageira em substituição ao agave..
Outro tipo de atividade importante nessa região, é a cultura de vazante, geralmente nas margens dos rios e açudes, com plantações de cebola, alho, pimentão e tomate, além da batata doce, mandioca, milho, feijão e pastagem.
A pecuária passou de certa forma a comandar o espaço da produção, exigindo dos seus criadores uma maior dedicação de terras para o cultivo de pastagens, como plantio da palma, algaroba e nas zonas de baixio capim buffel e elefante. Foram alternativas encontradas para substituir o restolho do sisal.
Um centro de pesquisa da EMEPA, vem desenvolvendo estudos para o uso economicamente viável do espaço, especialmente com novas técnicas de utilização das (palma forrageira, algaroba e capim), rações para obter melhor qualidade de criação de caprinos. Que, a partir do cruzamento com várias raças importadas de países europeus, segundo os técnicos, o trabalho vem apresentando resultados positivos e em breve a região poderá ser modelo de exploração desse tipo de cultura.
Pode-se abrir um parágrafo para dizer que, no caso da algaroba, que tinha duas funções: servir de alimento para o gado e reflorestamento para as áreas de caatinga rala. Esta ocupou várias áreas, provocando a degradação da caatinga e o desequilíbrio ecológico local, uma vez que substituiu-se a diversidade vegetal por uma monocultura em uma região ambientalmente fragilizada pelas condições naturais. Estes dados confirmam que os municípios dessa área, recebem uma grande carga da ação sócio - econômica, tanto na zona rural como urbana. Daí a necessidade de uma pesquisa que se proponha aprofundar um pouco mais essa relação da sociedade, sua cultura e relações com a natureza.
Em linhas gerais a base econômica do Estado vincula-se principalmente a agricultura. A cana-deaçúcar, mandioca, milho, feijão, Algodão arbóreo e algodão herbáceo. A Paraíba produz também: sisal, fumo, inhame, acerola, laranja, arroz, batata doce e inglesa, pimentão, tomate, etc. Atualmente vem desenvolvendo importante atividade de fruticultura e hortaliças organânicas nos Municípios de Lagoa Seca e Alagoa Nova.
Com apoio do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Lagoa Seca, Pastoral da Terra, As-PTAS (Assessoria e Serviços a Projeto da Agricultura Alternativa) e Articulação semi-árido. Organizações Não-Governamentais que prestam assessoria na área. Sem esquecer também do trabalho de técnicos da EMEPA/PB.
Pecuária: bovinos, suínos, ovinos, eqüinos, caprinos, aves. Estas são práticas econômicas pecuaristas de maior destaque especialmente para as regiões do Agreste, Borborema e Sertão.
Mineração: calcário, tantalita, barita, scheelita, bentonita, água mineral, e outros. A área de maior exploração mineral localiza-se no Sertão do Seridó, mas em todo o Estado podemos encontrar riquezas minerais que estão sendo exploradas, a exemplo do calcário que é extraído em João Pessoa e Alhandra.
Indústria: alimentícia, têxtil, açúcar e álcool, beneficiamento do sisal, calçados, couro, cimento, têxtil, ceramista, etc. As indústrias que atuam no Estado, concentram-se basicamente nas cidades da Grande João Pessoa e Campina Grande. A população economicamente ativa concentra-se predominantemente nos setores primário e terciário, mais de 85%; enquanto que o setor secundário concentra menos de 15% dos trabalhadores. Segundo dados do Ministério da Fazenda e Tesouro Nacional. Mesmo existindo um contigente de população marcantemente na zona urbana, as pequenas e médias cidades não apresentam desempenho industrial satisfátório, o que impede um melhor desempenho deste setor no Estado. Para se ter uma idéia, mais de dois milhões de paraibanos estão concentrados nas mesorregiões do Agreste, Borborema e Sertão, com um quase que exclusivo destaque para Campina Grande como polo industrial destas áreas. Mesmo assim, notamos uma tímida atividade industrial em cidades como Patos, Souza e Cajazeiras, cidades interioranas com ativida secundária local e de pequeno porte. A indústria de pequeno porte existente nestes municípios é uma das poucas alternativas de produção e trabalho. Cidades como Guarabira e Itabaiana, possuem vários exemplos destas idústrias.
O território cultural como ambiente das afetividades
O território cultural da Paraíba segue a mesma lógica de todo o Sertão nordestino. Caracterizado por uma forte diversidade de tempo, formas e movimentos, construídos em todos os sentidos, dando aos que aqui vivem e aos que por aqui passam os pilares da arte, ciência e mística de ser nordestino.
A coragem dos vaqueiros no aboiar pela caatinga de jurema e xiquexique, com chapéu de couro, perneira e gibão. Este é um tom que dá o forte dos sons humanos na caatinga, são os improvisos dos repentistas em desafios, emboladores de coco e cantadores de viola, com a ligeira, o mourão, as incelências, tiranas e modas de louvação, tirando da alma a arte da vida para perpetuar a sabedoria popular e os desafios de cantar as coisas da calma, da alma e da alegria. Um estilo musical que identifica a cultura regional.
Geralmente contam histórias tristes, de secas castigantes, exaltam a bravura do vaqueiro, aspectos da paisagem e muitos outros símbolos que são alimentados pelo inconsciente coletivo.
Carne seca pilada no pilão, farinha e rapadura são alguns alimentos transportados na bruaca28 do vaqueiro. As manifestações culturais sempre preocupadas com os destinos dessa terra e dessa gente. Os folhetos da literatura de cordel contando histórias fantásticas de algum acontecimento ou figura do folclore regional, são peças vendidas nas feiras livres, ao lado de abanos, candeeiros, chocalhos, selas, balaios e tantas outras alegorias desse misto cultural.
A pecuária é um dos principais contornadores da cultura dessa região. O boi, o vaqueiro e seus adereços de trabalho podem ser identificados nas diferentes manifestações folclóricas. A vaquejada, momento em que o cavalo, o vaqueiro e o boi bravo animam a festa, é onde o vaqueiro precisa mostrar sua destreza, força, valentia e habilidade para, pela calda, derrubar o boi no limite da marca do cercado.
Este território da Cultura é mergulhado pela religiosidade, em que a arquitetura sacra serve de palco para missas, novenas, terços, ladainhas e promessas. Nos terreiros, festas de padroeiras que embalam o sagrado e o profano em festas como o São João, São Pedro, Santo Antônio, todas embaladas pela sanfona, triângulo, zabumba, e uma fogueira acesa, fazendo do forró de pé de serra uma das principais manifestações de alegria e festa, comemoração de boas colheitas e esperança de dias melhores. Ao lado disso tudo, temos a rezadeira e suas plantas que curam, os beatos conselheiros e o mito do cangaço, a espingarda, o bisaco de chumbo e espoleta, presentes fortemente na imaginação e na história dos homens que fazem as terras semiáridas do Nordeste, renascer em cada apresentação de xaxado29.
As comidas de milho e mandioca registram os remanescentes indígenas, originando mungunzá, pé de moleque, cuscuz, bolo de milho, tapioca, bejú, além de outras comidas como: jerimum, umbuzada, feijão macaça, arroz da terra e baião de dois30. A carne de bode e a buchada; a carne de sol; o queijo de coalho e de manteiga; o doce de leite, manteiga da terra, a coalhada com farinha de milho, e a rapadura. São sabores e cores que marcam fortemente a cultura regional em seu tempero, ritmos, e sons, um jeito especial que reforça ainda mais a afetividade e a identidade dessa gente. São valores que o homem carrega na alma, tornando-o diferente e com identidade própria, forjada na grande mistura cultural de cada dia.
"João Pessoa Cidade Velha": Seu Traçado e suas Funções
Pensar a cidade velha, passa por ter que acompanhar suas ruelas, becos e ladeiras, além de seus armazéns, sobrados e casarios que dão toda uma originalidade ao lugar. Esta porção da Cidade de João Pessoa, ainda traz marcada na paisagem um traçado com profunda espontaneidade, mesmo tendo sofrido intervenções fortes a partir dos anos vinte ( 20 ), com administradores como B. Rohan31, que foi um dos primeiros e principais interventores na modernização da cidade de João Pessoa. A cidade saiu do Oeste Para Leste, em função do rio Sanhauá, tendo suas primeiras ruas tortuosas e acabando em sítios com algumas proeminentes casas das famílias importantes. B. Rohan, enquanto urbanista, providencia mudanças significativas para a cidade no sentido de orientar a direção das ruas e avenidas, dando ao lugar um traçado mais organizado.
Os elementos que mais marcaram a organização de João Pessoa, foram no começo deste século, as mudanças no sistema de transportes, que antes era predominantemente burros e carroças, passando para o bonde a burro e posteriormente o bonde elétrico. Esse sistema de transporte pede o alargamento de algumas vias, escavação para implantar trilhos, alinhamento das avenidas e em alguns casos a demolição de algumas edificações como igrejas, prédios públicos e casarios de particulares.
O parque religioso já havia se estabelecido na porção mais alta da cidade, juntamente com a administração pública do Estado e algumas atividades culturais. (Catedral de N. S. das Neves, Mosteiros de São Francisco, São Bento, São Pedro e diversas igrejas).
O Varadouro que se expandia para além do Porto do Capim, é bastante marcado por estas mudanças, e por ter sido berço das primeiras ruas, vai pouco a pouco se definindo como porção de funcionalidade comercial/residencial. Ruas como Maciel Pinheiro, Cardoso Vieira, Aristides Lobos e vários becos dos entornos, vão assumindo essa função.
Na atualidade, todo o sistema de transportes do município converge para o Varadouro que tem em seu território: a Estação Ferroviária, o Terminal Rodoviário e a Rodoviária Estadual; funciona na área um comércio especializado em material elétrico, construção, autopeças, pesca/caça e ferragens. Enquanto que as lojas de tecidos/confecções, calçados, óticas, alimentos, etc., deslocaram-se para as áreas que foram se modernizando com o crescimento da cidade.
O Centro histórico de João Pessoa possui todo um conjunto arquitetônico e paisagístico que mostram os diferentes momentos de construção desse espaço. Um traçado urbano ainda bastante conservado nas suas formas e direções originais; uma cidade que nasce as margens do Rio Sanhauá e cresce na direção de um baixo planalto, ampliando seu berço nascedouro a medida dos "negócios" locais e ultramarinos. Uma urbes com mais de 418 anos de história, comporta em seu um território diferentes momentos do poder: religioso, comercial, industrial, cultural e habitacional. Daí o interesse em olhar geograficamente para esta porção da velha João Pessoa e nela fitar mais detidamente a atenção na porção Sudoeste da cidade antiga (no Varadouro)32, para entendermos como se construiu este espaço de rio, ferrovia, armazéns, indústrias e "moradas dos vivos e dos mortos"33.
A palavra "VARADOURO", apresenta grande diversidade de significados, tais como: "canal que liga um lago com um rio; canal aberto com rapidez, e que permite a passagem de um rio para outro em, curtíssimo tempo, a fim de se evitarem os acidentes do curso; lugar onde um grupo de pessoas se reúnem para descansar e conversar"34.
Comparando esses significados com a realidade da área de estudo, entendo que tem tudo a ver com o que diz Aurélio Buarque de Holanda, só que para o caso da capital paraibana, um lugar recheado de cicatrizes históricas, onde o físico é apenas a base para o desenrolar de muitas relações sociais, econômicas e culturais.
O Varadouro é o espaço que dar toda a fundamentação da cidade. Foi a partir daí que ergueram-se as primeiras fortificações35, as primeiras feitorias, os primeiros traçados para o futuro urbano e as primeiras casas com seus senhores. Um povoado que nasce em um baixo tabuleiro e as margens de um rio, assim como a maioria dos lugares que serviam como ponto de apoio para a pilhagem dos colonizadores europeus no Novo Mundo.
Filipéia, Frederica, Parahyba, uma cidade com muitos nomes, e nesse vai e vem de mudanças era apenas o Varadouro quem comandava toda a vida dos que faziam este lugar. A cidade da Parahyba, no início do século XX, hoje João Pessoa, passou por profundas transformações. Expandiu-se na direção Leste, e Sul, organizou a sua crescente população em bairros e conjuntos habitacionais, expandiu o seu comércio para além do Varadouro e chegou até o mar por terra e de certa forma deu as costas para seu berço de origem. Um Espaço esquecido nas suas funções passadas, presentes em suas ruínas, seus cortiços e favelas.
A área do Porto do Capim, parte da "velha João Pessoa", é composta de vários galpões do século XVII ao XIX que encontram-se bastante deteriorados pelo tempo e maus cuidados. Nestes armazéns funcionam várias madeireras, depósitos, arquivos públicos, bordeis, residências e comércio, sendo que alguns encontram-se desocupados.
O lugar onde foi criado o Porto do Capim é uma área de mangues que foi sendo aterrada a medida que o porto foi sendo construído. Este foi o principal ponto para estruturação da cidade que surgia a sua volta.
Depois de sua desativação, no começo do século, boa parte do local, em especial as margens do Rio Sanhauá foi recuperando sua vegetação. Só que, com o crescimento populacional da cidade de João Pessoa, em especial nos anos 80, a área de mangue foi sendo ocupada por uma população de baixa renda, que juntamente com alguns pescadores que já viviam no lugar, passaram a formar uma favela bastante expressiva, principalmente nas terras que antes eram áreas de marinha.
No Estado da Paraíba, extensas áreas de mangues que estão sendo progressivamente ocupadas por submoradias, do tipo cortiços, palafitas ou favelas. Nas Cidades de João Pessoa e Bayeux, vários exemplos dessas moradias que se fixaram às margens dos Rios Sanhauá e Mandacaru.
No tocante às suas características gerais percebe-se que a área não difere muito do restante do país, havendo um predomínio da população muito pobre, marcante presença de desempregados e ou subempregados, várias crianças e adolescentes fora da escola, e todos vivendo em um ambiente onde a lama e o mal cheiro disputam espaço com os casebres de taipa ou madeira, telha ou palha, cubículos com uma arquitetura rudimentar e que não supre as necessidades das famílias. Os principais motivos que levaram esta população a se instalar nesta área foram os problemas habitacionais que passaram a existir no Brasil, e também por falta de trabalho e ou terra para trabalhar. Assim, os primeiros moradores foram ocupando a área vindos principalmente da zona rural das mesorregiões do Estado da Paraíba.
Quanto a utilização feita do mangue pela população residente, percebe-se que a mesma atualmente utiliza-se do mangue, fazendo uso deste para retirada de crustáceos quando falta outro "tipo de mistura" expressão usada pelos moradores locais. Eles alegaram que o mangue está dando muito pouca pesca, e as vezes passam o dia inteiro na maré o que trazem para casa mal dá prá comer. "É como se os caranguejos e os peixes tivessem diminuindo". Segundo informações de alguns moradores mais antigos se faz uso da madeira existente para a construção de suas moradias, apesar de muitas já terem sido transformadas gradativamente de taipa para alvenaria.
A maioria das famílias deposita o lixo no próprio mangue, onde plástico, borrachas, latas, restos de calçados, vidros, etc., contrastam com a lama e a pouca vegetação presente na área. Esse quadro somado a subhabitação, becos e ruelas esburacadas e seus moradores com olhares tristes, formam uma imagem meio surrealista, onde homem e natureza se confrontam para alimentar um sistema desumano e ante natural, pautado não na valorização do coletivo, mas no jogo de interesses do capital e seu mercado de desigualdades.
Entendem-se que a porção antiga da cidade tem muitas importâncias sociais, econômicas e culturais e que estas precisam ser despertadas com maior vigor em sua população para que esse lugar (RE)VIVA e se faça história viva aos olhos dos moradores e forasteiros que chegam com suas máquinas fotográficas e suas alegrias de turistas, que se não mais voltarem com certeza falaram para outros que cedo ou tarde virão para o desfrute de nossas belezas e história recontada em suas ruelas, igrejas, casarios e casarões. Um espaço não de escombros, mas de satisfação para todos os que fazem uma João Pessoa "cidade de se viver".
De forma global, essa área precisa passar por um processo de revitalização. Entendendo-se por revitalização, não apenas a recuperação de edificações importantes, mas revitar no sentido de resgatar memória, história e imaginário para uma vida cultural plena e constante. Para tal é preciso transformar muitos espaços hoje ociosos em casas de cultura tipo: música, museu, poesia, teatro, plásticas, casas de Shows, cinemas, lojas de conveniência, escolas de dança, bibliotecas, artesanatos, alimentos típicos da região e muito mais. Um espaço de uso coletivo, onde comércio, serviços e culturas se misturem, assim como se misturam os diferentes tempos de construção desse lugar. Recuperar o patrimônio deteriorado pelo tempo e descuidados públicos e privados, permitir que as fachadas reapareçam e que sejam recuperadas para essa nova idade da cidade, pois seremos o que os nossos velhos podem nos ensinar.
A grande importância do Centro Histórico pessoense, encontra-se antes do mais em seu traçado urbano, pois por ele converge quase todo o sistema de circulação da cidade de João Pessoa.
Mesmo tendo crescido na direção Sul e Oriental. Em função do comércio especializado, dos serviços públicos e da funcionalidade de seu traçado, João Pessoa Antiga é um marco ou passagem obrigatória na dinâmica da cidade moderna que vem se construindo nessas ultimas décadas. Seu Centro Histórico consegue convergir um dos mais importantes aspectos de organização de um espaço urbano: o espaço da circulação.
Tanto de entrada como de saída para o Estado e outras regiões, como do fluxo interno, cidade velha, bairros, conjuntos habitacionais e ou cidades circunvizinhas.
Zona costeira da Paraíba: uma idéia de Região Litorânea
O mar é terra liberta: não tem patrão nem cerca e ninguém é obrigado a ninguém"...(mestre cacau, pescador de Cabedelo. In.: MALDONADO, 1986:58)
Quando escolhi estudar a estreita faixa de terra da Paraíba, que fica nos entornos do mar, tentando identificar sua ocupação e uso, me pautei no grande cenário formado de terra, água, ar e fogo de um sol aqui tropical, biótica e abiótica interagidas. Um ambiente feito também de homens, com pensamentos, sentimentos e vontades no construir de um viver, um trabalhar e um morar.
Com base na classificação geomorfológica do Estado da Paraíba, feito pela professora Maria Gelza R. F de Carvalho, tem-se que esta autora identifica a área em estudo como fazendo parte do Setor Oriental Úmido do território paraibano, destacando-se as Formações Recifais, a Baixada Litorânea, e as planícies aluviais. No estudo concentra-se com maior afinco, a porção continental, sua composição ambiental e os processos de ocupação sócio-econômica.
A heterogeneidade oferecida por formas diversas de relevo, como praias, dunas, planícies de restinga e mangues, homogeneizam a unidade geomorfológica identificada como baixada litorânea(...). São Terrenos sedimentares baixos, entre 0 e 10 metros, no geral, formação recente (Quartenário), a partir de processos marinhos, fluvio-marinhos e eólicos que continuam recebendo a interferência, direta ou indireta dos mesmos(...). a área é caracterizada no geral, por praias estreitas que formam pequenas enseadas, interrompidas pelo avanço do Baixo Planalto e pelos estuários dos rios conseqüentes que demandam o Atlântico(...) À altura de João Pessoa, no estuário do Paraíba, observa-se uma extensa área quase retilínea, formada pela planície de restinga, que de Cabedelo até as proximidades da praia de Manaíra, em João Pessoa, atinge cerca de 15 quilômetros(...).Na ponta de Lucena,mais ao sul do Miriri, ocorrem dunas móveis(...). Na barra de Mamanguape, as dunas ocorrem em dois alinhamentos(...), aparecendo mais Vegetação rala de praia, (gramíneaformações fixas e semi-fixa, com altura média de 10 -12 metros(...). A vegetação rala de praia (gramínea, salsa, pinheirinho, e outras ervas), que deixa grande parte do terreno exposto; esses terrenos são constituídos por areias quartzozas, de granulação média a fina(...). Na face interior, a vegetação é ainda rala, com trechos exíguos de vegetação arbustiva (CARVALHO, 1982:21-23)
Todo este quadro ‘pintado’ pela professora (CARVALHO:1982) é um grande exemplo para os interessados estabelecer um olhar geográfico sobre esse meio ambiente nos dias atuais.
O Espaço geográfico, na maioria das vezes subordinado aos interesses do capital, molda, ao longo do tempo, diferentes paisagens, sendo o habitat um dos elementos mais marcante de cada lugar. Este congrega uma diversificada composição de formas desiguais, diferentes e complexas, em que as relações interfaceadas da sociedade humana com a natureza, representam a fisionomia das condições sócioeconômicas e ambientais das diferentes construções e, ou ocupações desse espaço. Assim, a 'Terra de mar é como terra de índio: é do pescador' (pescador autônomo do litoral fluminense (MALDONADO, 1986:56).
O "habitat humano" das praias, entendido como "locus" de trabalho, de moradia, de lazer, (vida), tem na sua contextualização tempo/espacial diferenciadas dinâmicas, exercitadas segundo os agentes sociais que interagem nesse ambiente.
Fazendo uma analogia a partir da "casa" dos pescadores. Posso ter uma idéia de "casa" do tamanho do mar, uma casa com redes de peixes e sonhos livres. Mas quando trato com a casa de paredes, percebo que esta é um dos menores espaços geográficos, regionalizada em suas dependências físicas, é indispensável ao viver. Seja ela de alvenaria, de taipa ou palha, a moradia é um dos primeiros pontos para se localizar concretamente o espaço, pois são estes fragmentos um dos formadores do ambiente da sociedade.
O espaço do mar, em contato com o continente, não quer conseguir definir um limite de "paredes concretas", pois no avançar e recuar das marés, abrem-se perspectivas para um grande lar, com alimento farto, precisando apenas de uma combinação com o trabalho, no qual, a natureza dita apenas as leis temporais, e ao nativo a arte de se fazer pescador, morador do mar, íntima relação de produção e de liberdade.
A orla marítima sempre impressionou os diferentes grupos humanos que viveram e vivem em seu entorno. Essa grandiosa massa líquida que foge ao alcance da vista e que aos pés, vai consumindo as encostas e transformando o "concreto" em fino pó de areia, tanto fascina como amedronta em seu (des)conhecido. Um além mar em cujo vasto horizonte navegam sonhos e pesadelos.
Foi a partir das grandes navegações (século XVI) e descoberta de novos continentes que os laços humanos com o oceano foram se estreitando.36. Inicialmente visto como espaço de circulação, este atraí para sua orla ou zona costeira a fixação de uma sociedade mercadora, completamente interdependente nos mais diferentes pontos, onde o produto abastece mercados e movimenta capitais, criando também relações cada vez mais complexas entre os humanos em sociedade.
Paralela a esta forma de ocupação, tem-se que outros pequenos mundos de homens se estabeleceram na congregação de viver do mar, com a simples e livre pretensão de se fazer habitante, associando um produzir em terra com um bailar de pequenas embarcações a cata de "sonhos" do tamanho de peixes e a medida de seus pescadores. Uma satisfação, que no dizer do Sr. Cacau, um mar 'como terra liberta'.
É assim que a zona costeira da Paraíba se incorpora a este circuito, passando a ser território de disputa e conquista por diferentes povos e interesses. Um vasto território com terra e mar de sobra. Mas foi o capital mercantil europeu quem conseguiu hegemonizar este espaço37, fazendo uso do mesmo em diferentes proporções e tempos, criando feições as mais diversas.
De forma mais concreta, as áreas estuarinas foram as primeiras porções ocupadas para um uso econômico de interesse exterior. A bacia hidrográfica por cumprir o papel de via de acesso e as várzeas por permitir o uso agrícola de seus solos férteis. Daí, ter-se registrado na história, que foram nas várzeas dos Rios Paraíba e Mamanguape, nas quais, primeiro desenvolveu-se uma ocupação econômica de fato, tendo na monocultura da cana-de-açúcar seu principal componente.
Nas encostas dos vales, um pouco distante da costa se construíram os berços originais de ocupação urbana (João Pessoa e Mamanguape), característica que na Paraíba, se tem como bastante diferenciada de cidades como Recife, Salvador, ou Fortaleza. espaço de mesma matriz histórica, formadas quase que a beira mar.
A zona costeira só foi ocupada nas desembocaduras, muito mais como fortificação, garantia das conquistas (Reis Magos/RN, Santa Catarina/PB, Itamaracá/PE), e base para pilhagem das mercadorias a serem transportadas para a metrópole. Logo, vastas áreas de mar aberto e encostas, ficaram anos intocadas de forma mais marcante, onde a natureza e suas forças continuavam moldando uma arte abstrata, despreocupada e sem tempo para acabar.
Foi nesse ambiente ‘desocupado,’ áreas de estirâncio e estuários, que um pequeno e isolado grupo de humanos iniciou uma história de vida e trabalho livre, com grande possibilidade de fartura alimentar que a vida do mar e das marés proporcionam aos que se arriscam nesse viver. Assim os primeiros habitantes foram se construindo enquanto pescadores de um espaço de viver livre e simples, onde as amarras do sistema colonial não conseguiram força.
Este espaço no dizer de (MADRUGA:1992), fazendo uma alusão as ocupações nativas, e formação de comunidades de pescadores, diz que, este passa a ser 'um território de liberdade, onde a clandestinidade, aliada a idéia de terra de ninguém, atraí para estes pontos os fugitivos do sistema escravista colonial, liberdade forjada a partir do medo e da repulsa'.
São portanto, em sua origem, pessoas que tem outra cultura em relação ao conflito do trabalho do cérebro e o trabalho das mãos.
Estão muito mais para uma sujeição aos fenômenos e forças da natureza do que para a sujeição a outros homens (MADRUGA, 1992:57)
O "habitat" para estes pescadores não era apenas a caiçara de palha de coco, mas o seu trabalho no mar, seus rastros deixados na areia e possibilidade de um viver sem patrão.
Madruga diz ainda, que "as praias construíram um ambiente isolado, pois o sistema colonial não tinha interesse em abrir caminhos fora dos portos, por medo de contrabando". Esse aspecto vai contribuir para uma ocupação nativa com base econômica extrativa de modo familiar, não atrelada ao sistema colonial.
Esse território de vastidões naturais alimenta um viver livre, onde terra e mar se conjugam, eliminando qualquer idéia de propriedade.
O sistema capitalista, de princípio eminentemente privatista, ampliando seu raio de influência sobre estas áreas, já a partir de finais do século XIX, inicia uma ação exploratória com base no lucro, pressionando e abrindo focos de tensão sobre os nativos povos do mar. Estes sempre visto pelo sistema "como preguiçosos e indolentes"(MADRUGA, 1992:61-63).
A zona costeira e o mar nestas últimas décadas vem sendo alvo de ambição econômica e lucro fácil, nunca vistos na história da humanidade. Mar e praia, ignorados pela sociedade medieval, passam na atualidade a alimentar uma sede de lucro crescente. A natureza vista como receptáculo de riquezas a serem exploradas e vendidas, as paisagens naturais disputadas para serem transformadas em espaços de aluguel e as áreas dos entornos das praias sendo vistas como os pedaços de terra mais caros do "lugar". A mercadorização da natureza em elevados graus é um dos estágios mais avançados dos mercadores, vendendo até a idéia de liberdade, construídas no cotidiano dos homens do mar e suas famílias. Assim nascem as casas de veraneio, e estranhos ao lugar vão pouco a pouco ocupando áreas cada vez maiores, quebrando o antigo ritmo da natureza e famílias nativas das praias.
Na Paraíba, João Pessoa é o primeiro território a manifestar tais processos, quebrando o ritmo do cotidiano dos pescadores. As praias de Tambaú, Bessa, Camboinha, e Poço, registram os primeiros sítios ou granjas com casas para veraneio da alta sociedade Paraibana.
Para finalizar essa moldura verde composta das praias, onde os paraibanos veraneiam, e que envolve a cidade, do sul ao norte, debruço-me na simbólica varanda das evocações para rever aquêle cortejo que empolgou os meus olhos de adolescente, em um verão, na praia tão querida, berço de bravos e velhos pescadores, das gerações desaparecidas dos monteiros e costas. O trem que partiu da ‘Cruz do Peixe’, lá na cidade, às seis e meia da tarde, chegara apinhando de ‘demoiselles’ e cavaleiros. Era a fina flor da sociedade de então, conjuntamente a diversos músicos do Batalhão de Segurança que, adrende convidados se dirigiram para a residência do Cel. Antônio Lyra. Ali, iria realizar-se o baile de máscaras, oferecido à elite da capital paraibana, por aquêle cavaleiro e o Major Eduardo Fernandes em comemoração pela entrada do novo ano da graça de 1907 (RODRIGUEZ, 1961:273).
A memória de (RODRIGUEZ:1961), em Roteiro Sentimental de uma cidade, demonstra que as áreas de praia só começaram a ser vistas como espaços de descanso e lazer, em fins do século XIX e início do século XX. Lendo alguns capítulos dessa obra, percebe-se que os sítios ou granjas que foram se instalando ao longo da estirância costeira, serviam apenas para o veraneio, onde diferentemente dos pescadores nativos que viviam efetivamente este lugar, os ‘novos’ ocupantes de temporadas viam na pesca um esporte e no mar, uma água que cura doenças e uma brisa que limpa os pulmões. A busca de um homem saudável e livre dos seus atributos cotidianos atraí para o mar os abastados da cidade, criando com isso uma segunda referência de habitat e o status de poderio econômico, pois as praias de então eram locais nativos e qualquer ocupação, demandava custo bastante elevado, além do difícil acesso ao local. A beira mar e sua paisagem natural passa a alimentar a imaginação de poetas, as telas de alguns pintores e o coração dos apaixonados, que embalados por histórias de pescadores ou navegadores do alto mar, aos poucos estabelece sentimentos topofílicos pela praia e sua idéia de liberdade em vastidão.
Aos poucos, a zona costeira, de "terra de ninguém", começa a ter maior valor econômico e a compra ou venda de sítios, granjas ou lotes, ampliam o uso local, obrigando intervenções do poder público na construção de infra-estrutura básica, como abertura de vias, transporte, saneamento, eletrificação, etc. Estes elementos atraem os primeiros postos de comércio.
Surge uma nova demanda de uso destes espaços, antes lugar de pescadores, passando pela intervenção dos veranistas, ampliando-se com os banhistas de fins de semana e completando o ciclo, mais recentemente com o turismo, a partir dos paraibanos de outros municípios, dos Estados vizinhos e até turistas estrangeiros.
As zonas de praia passam a funcionar como balneários, e melhorada sua infra-estrutura básica, criaram-se as possibilidades para que muitos veranistas de temporadas transforamacem este espaço de segunda morada, em moradia fixa. Estas condições vitalizaram uma valorização econômica para o uso da terra, nas proximidades da praia. Os especuladores imobiliários e a rede hoteleira, os principais agentes de controle da terra, que marcam quase um século de especulação, incluíndo-se nesse "pacote" a idéia de compra do lazer à porta, a propriedade de partes do mar e o "status" de desfrutar da liberdade de caminhar na "areia branca", vislumbrar o nascer do sol e dar evasão aos sonhos do infinito, levados até a linha do horizonte, ao som de uma melodia afinada pelo "vento que balança as palhas dos coqueiros e encrespa as ondas do mar".
Para (MADRUGA:1992), essa zona litorânea se constituí como uma instância congregada a partir de três elementos típicos do atual estágio de ocupação dessa área. Ou seja, a partir da natureza, da sociedade e economia, tem-se a Litoralização: interface do processo de industrialização, urbanização e turismo38.
Forças que não hesitam em instalar as bases de ocupação indiscriminada em ambientes naturais ou nativos o quanto forem necessárias ao seu implemento.
O processo de industrialização do mundo, se dá quase que completamente, em áreas próximas ao mar. A ocupação urbana mundial, raras exceções se deu principalmente próximo as áreas portuárias.
Este novo fenômeno de busca turística ou aventureira por praias desabitadas, livres dos grandes aglomerados, com paisagens exóticas e nativas, faz do nosso tempo uma construção de verdadeiras minas/mercados, abertos aos investimentos de capital nessa nova fatia de mercado.
João Pessoa, não foge à regra, pois sua ocupação mais recente vem sendo impactada por estes três fatores, incitando a uma supervalorização destas áreas, aliada a um processo de ocupação não muito planejada e desrespeitosa aos antigos moradores nativos, causando verdadeiras "desordens" ambientais e sócio-culturais, além de econômicas.
O caso dos pescadores de Tambaú, trabalhados por Verônica de Jesus em sua monografia de conclusão do curso de Bacharelado em Geografia, demonstra bem esse processo, pois identifica que as Vilas de Pescadores, próximas ao mar, base do trabalho dessas famílias, agora encontram-se afastadas e formam verdadeiras "ilhas de ocupação tradicional", com casebres de taipa, palha ou alvenaria, completamente segregados e imprensados pelas grandes mansões e edifícios modernos. Um exemplo foi a construção do Hotel Tambaú39, na beira da praia, em contato direto com o mar. Seguindo o Hotel, criou-se um paredão para a construção de um calçadão que se estende por grande parte da orla, indo até a praia de Manaíra. Esse calçadão foi feito no ponto de contato do estirâncio, local onde as marés de ressaca quebram violentamente.
Isto impede o fluxo natural da água, que com certeza irá desfechar sua força em outros pontos da costa. Além do mais, a aperência estética não é muito agradável aos olhos dos mais sensíveis para com as agressões ao meio ambiente.
Pensar o tema "habitat" na orla marítima, sem levar em conta as suas contradições sócio-culturais e histórico-econômicas, em uma perspectiva geográfica não é algo fácil, pois corre-se o risco de se enveredar para outras abordagens. Para Capuano Scarlato, deve-se partir da realidade empírica, que na esfera do cotidiano vislumbra a presença do espaço vivido como elemento de profunda importância. Ele alerta para que não se perda de vista a globalização, pois o habitat é uma necessidade básica da condição humana, existencial tanto no campo como na cidade.
A moradia é um direito natural dos homens. Ela responde a uma necessidade psicológica e de segurança. É quase sempre o lugar do refúgio. Todos esses elementos não podemos dizer que são somente de natureza geográfica. São condições de viver. O ser vivo, animal, tem sua sobrevivência no nicho. A casa pode ser também considerada 'o nicho do homem (SCARLATO, 1993:123).
A casa representa um aspecto do "habitat", este não é apenas "locus" do morar, muito mais que isso, é identidade, estética, estilo, trabalho, vida. Parafraseando Milton Santos, As casas, as ruas e as cidades, testemunham rugas do trabalho social. uma natureza nova, bordada pelas mãos humanas, em suas múltiplas relações sócio-ambientais.
A orla marítima dos nossos tempos, tornou-se palco para grandes investimentos financeiros, controlada por agências imobiliárias que segregam sócio-espacialmente as dinâmicas desses lugares.
Se a partir dos anos 60, se intensifica a ocupação da zona praieira de João Pessoa, a partir dos anos 70 outras áreas mais ao Sul e Norte da faixa costeira do Estado, começaram a receber aquelas influências.
Praias tipicamente nativas, com comunidades de pescadores que viviam da pesca, do coco e de pequena agricultura, vão lentamente vendo seu habitat sendo ocupado por casas de veraneio e pessoas estranhas ao lugar. Junto com eles, novos hábitos, novos costumes, choques culturais e impactos ambientais os mais diversos; como: desmatamento, poluição de mananciais ou fontes naturais de água, ocupação caótica do espaço e em áreas não apropriadas, além de crescente presença do comércio de bebidas alcóolicas, drogas e estimulo à prostituição.
Na década de 70(...) a baixada litorânea cresce muito rápido e deixa progressivamente de ser lugar de segunda moradia, para ser ocupada por residências fixas(...). Os estrangeiros e turistas de outros e Estados deslumbram-se com a ainda fácil possibilidade de morar numa praia (...) houve assim uma mudança cultural, de estas praias não serem caracterizadas como de ‘veraneio’, função esta hoje transportada para a ‘praia do poder’, Camboinha em Cabedelo (MADRUGA, 1992:pasan).
Esta crescente ocupação de áreas anteriormente "desocupadas", criam algumas melhorias infraestruturais para o lugar, tais como: abertura de melhores vias de acesso, circulação maior de transportes que permitem contato com os centros maiores, eletrificação e em alguns casos saneamento, que de certa forma beneficiam os antigos habitantes. Mas as características negativas são bem maiores. Nos últimos anos, a descaracterização sócio ambiental das praias nativas, juntamente com atividades massificadoras, tipo carnaval, "carnaval fora de época40" e outras atividades, como forma de atrair turistas, intensificam a quebra dos antigos ritmos e aumenta sobremaneira os níveis de poluição desses ambientes.
O mais marcante nesse processo é a dinâmica da paisagem, que com tantas intervenções sócioeconômicas, muda completamente a fisionomia. Se antes estas praias atraiam pela sua beleza natural, com muito verde, coqueirais, estirâncias de praia que se ligam com falésias e pequenos córregos ou maceiós, que completando-se com o mar representavam uma paisagem exótica e deslumbrante, com a crescente e desenfreada ocupação, destróem este potencial paradisíaco.
Praias como Pitimbu, Coqueirinho, Tabatinga, Jacumã, e Penha no Litoral Sul, bem como: Intermares Camboinha, Poço, Lucena, Praia de Campina, Baia da Traição no Litoral Norte, são importantes exemplos desse quadro "acima pintado".
Nestes lugares, em diferentes níveis, ocorrem choques sócio-culturais e econômicos estabelecidos entre nativos e veranistas de temporadas, aliados a banhistas de caravanas, e os impactos ambientais provocados com essa ocupação sem planejamento, comprometem sobremaneira este habitat. O turismo puramente comercial vem sendo intensificado de forma mais ampla, criando diferenças ainda maiores.
Os especuladores imobiliários e proprietários dessas zonas, constróem loteamentos em áreas que na maioria das vezes encontram-se incompletas de infra-estrutura, em muitos casos, em terras de marinha (dunas, manguezais, estirância de praia, estuários), muitas vezes acobertados pelos poderes públicos locais ou estaduais, setores onde estes grupos exercem bastante influência.
Um exemplo de desrespeito ao habitat dos pescadores e ao meio ambiente, pode-se notar já no início do século, expresso nesta frase:
A decadência do Bessa data desde que retificaram o curso do Jaguaribe, em 1922; a partir de então êle não desagua na barra, que sem a devida correnteza se tornou um dos maiores focos de quantos anófeles existem no norte do Brasil (RODRIGUES, 1962: 272).
Se o desvio do curso do Jaguaribe no começo do século, apresentou sérios problemas ambientais para as populações locais; imaginem nos dias atuais, quando o antigo leito do mesmo vem sendo ocupado por construções de edifícios, estacionamentos de Shopping, aterrado por restos de construção e muito mais.
Quando a lei é clara em afirmar que leitos ou antigos leitos de estuários e marés, são terras de marinha. Outro elemento grave é que grande quantidade de lixo e detritos são depositados nesse rio. Esses poluentes são transportados para as praias, sujando ou contaminando a água e seus animais; na dinâmica costeira, o mar avança ou recua, necessitando sempre que sua linha de ação esteja livre, e os estuários costeiros representam verdadeiras artérias de atuação do mar. Quando ocupadas com diversas construções, o mar responde provocando alguns destroços para o homem. Um exemplo é nas invernadas, com as enchentes e no antigo leito, a deposição de água, que ficando empoçada, ou parada, atrai mau cheiro e cria condições para o desenvolvimento de insetos transmissores de doenças. O mar e sua força de maré, encontrando suas artérias entupidas por construções ou detritos, reage avançando sobre outras áreas ou mesmo ou locais ocupados humanamente. Muitos são os casos de casas demolidas pelas ondas. Muitos proprietários, tentando evitar as perdas, tentam fazer diques de pedras. Estes procedimentos, tanto de construção particular como dos quebramares enfeiam a orla e quebram a paisagem natural; casas construídas em áreas de dunas, restingas, ou falésias, descaracterizam completamente estas paisagens.
Na atualidade, o mar vem avançando sobre a praia de Formosa/Cabedelo, os elementos causadores desse fato, podem ser entendidos como a quebra da corrente natural do Jaguaribe e também o paredão construído em Tambaú/Manaíra, aliados a fatores mais globais de intervenção, causando desequilíbrios na natureza. Para Contornar a situação e diminuir o prejuízos de alguns proprietários, que construíram suas casas em área de dinâmica costeira, o poder público assume fazer um muro de contenção das ondas, ato antinatural, de muito mau gosto estético e que com certeza afetará essa dinâmica, causando problemas em outros pontos da costa litorânea.
Para as pessoas comuns, estes aspectos podem até nem serem notados, daí chamar a atenção dos geógrafos para as questões do olhar, do enxergar e do "desenxergar"41. Enxergar vai além do simples olhar, é a visão clínica dos que fazem geografia, no que tange as transformações sócio-ambientais por exemplo: da orla marítima; "desenxergar" seria, vendo, um edifício e/ou outras construções nas encostas, imaginarr este ambiente sem esses elementos artificiais e recompor ilusoriamente uma paisagem, para então sair do campo da ilusão e tentar a partir da recomposição obtida, propor uma gestão conseqüente no uso sócio- ambiental desse espaço.
A orla marítima de João Pessoa é diferente da maioria das capitais dos Estados nordestinos, que se construíram a beira mar. A orla pessoense só foi sendo ocupada de forma efetiva a partir dos anos 50, nas ultimas décadas, as forças que dominam este espaço (especuladores imobiliários, redes hoteleiras e proprietários desses lotes), só pensam no lucro fácil e rápido, construindo um espaço de concreto pesado que foge completamente a harmonia com a natureza. Assim vem sendo também com a maioria das praias do Estado.
O caso do Bessa, é um dos mais marcantes. Esta praia teve a sua ocupação intensificada a partir dos anos 70. Antes era uma praia composta por algumas casas de veraneio em estilo mais rústico, com boa plantação de coqueiros, granjas e sítios, com muitos cajueiros e arbustos nativos bastante integrados ao habitat humano-ambiental.
Com o loteamento de vários terrenos, várias casas de veraneio foram sendo construídas, anos depois, uma sucessão edifícios foram ocupando a orla. A área foi atraindo grande quantidade de atividades comerciais e uma aeroclube foi construído.
Na tentativa de firmar o domínio holandês no norte do Brasil, Van Schkoppe recebeu ordem de completar por terra o cêrco da Fortaleza de Cabedelo. Sondando a costa encontrou uma enseada com boa profundidade para os seus navios, mais ainda: uma barra de rio doce. Era o Jaguaribe, que naquela época corria perene para o mar(...). Na orla praeira, que fica ao lado da citada barra, a gramínia do cômoro se emaranhava às aroeiras irmanadas com os imbés, alongando-se aos recortes da mata(...). O português Antônio Bessa ainda não havia se instalado naquele Eden do Nordeste(...).
Por bons serviços prestados a el-rei, obteve uma sesmaria e fundou então Antônio Bessa o seu pôsto de Pesca(...). O tempo corria, e com êle o consumo das velhas aroeiras nas tinturas das armadinhas das pescas. Agora em volta da casa, já não era o mato bravio que encontrara; cheio de natural orgulho contemplava a vasta clareira, que o machado cortara, tangido pelos seus braços vigorosos(...). Foi ali que plantou o seu coqueiral. (RODRÍGUEZ, 1962:270).
O roteiro sentimental de uma cidade, proposto por Walfredo Rodríguez, é fantástico no detalhamento da paisagem do Bessa de outrora. Obras como estas me faz parar para reflexões sérias acerca do processo de ocupação que a Paraíba vem se permitindo fazer. Vejo o quanto a propriedade privada da terra permite aos seus "donos" verdadeiros massacres da natureza.
Nas últimas décadas, a expansão urbana de João Pessoa e Cabedelo levaram um número cada vez mais crescente de pessoas a se fixarem na praia, muitos proprietários que tinham uma casa para veraneio de férias, feriados ou finais de semana (segunda residência), passaram a transformar estas casas de praia em residência fixa. Este movimento transformou uma bela praia, antes nativa, em um verdadeiro amontoado de blocos de concreto; apartamentos, residências, hotéis e postos comerciais. Muitas áreas aterradas, asfaltadas ou calçadas, passaram a impedir o fluxo natural das águas, a vegetação foi fortemente agredida, descaracterizando-se quase que por completa. Nos períodos de inverno, o bairro forma vários alagadiços, que misturados com o lixo produzido pelos moradores e comércios locais, atraem diversos tipos de doenças, insetos transmissores e dificuldade de tráfego. Estes esquemas de ocupação não ecológica da orla marítima paraibana, dificultam um processo de litoralização conseqüente. E estando ainda em andamento, poderá provocar uma viragem ecológica42 de proporções maiores que as já registradas.
Outro caso interessante para estudo, é a praia de Jacumã, um dos mais marcantes do Estado. Esta praia teve a sua ocupação intensificada a partir dos anos 80. Antes era uma comunidade de pescadores bastante integrados com seu habitat humano-ambiental. Com o loteamento de vários terrenos próximos a vila de pescadores. Várias casas de veraneio foram sendo construídas, anos depois, uma sucessão edifícios caixões foram ocupando a orla de Jacumã. A área é hoje um território fora dos padrões arquitetônicos de uma bela praia.
Os pescadores foram pouco a pouco tendo que mudar sua vila e passaram a morar a mais de um quilometro da beira mar. Outro aspecto que enfeia este perímetro urbano é uma grande e desorganizada quantidade de barracos e bares que atendem os banhistas que freqüentam este balneário. A falta de água para uso, queda de energia elétrica e muito lixo espalhado, são alguns dos principais problemas, especialmente nos finais de semana e feriados prolongados, épocas de maior fluxo. As outras praias acima citadas não fogem ao esquema de ocupação turística meramente comercial que vem se intensificando por toda a orla marítima paraibana.
Verdadeiros santuários ecológicos como: Barra de Camaratuba, Coqueirinho, Tabatinga e Tambaba, são os mais novos espaços de apropriação irracional.
Praias que antes eram caminhos das famílias de pescadores, como é o caso de Barra do Abiaí, Grau e Praia de Tambaba43, tornam-se espaços privados de manifestações culturais artificialmente forjadas pelos que vendem o público por privado, numa idéia de liberdade, mercadorização de um espaço que era produto pertencente aos nativos, mais que agora, só "forasteiros" podem consumir, impedindo complemente o direito de usufruto, ou o simples ir e vir das pessoas que não se adequarem aquele ambiente.
A idéia de ‘artificialmente forjado’, é alusivo ao nudismo de Tambaba, e na forma como é planejada a praia de naturismo. Um ambiente anteriormente público que agora só é permitido aos que se submetem a um conjunto de leis e normas, que de certa forma, impedem comportamentos verdadeiramente naturais. Com um agravante, controle de um território, anteriormente pertencente aos que nele viviam. Ou seja, de terra de pescador, logo ‘terra de ninguém’, ‘terra liberta’. Para uma terra onde se vende a liberdade aprisionada por um nú que esconde-se por trás de pedras, falésias e mar. Uma liberdade onde o libido é constantemente reprimido, assim como no Éden dos cristãos, onde o lascivo será expulso a qualquer momento.
Podemos dizer que, o mar ainda é um espaço coletivo e de pensamentos livres. Mas a exclusão social de consumo e direitos sobre esta porção do território paraibano, é cada vez maior. Criando-se em alguns momentos e pontos da orla, territórios de diferentes classes sociais. Como é o caso da Praia da Penha, freqüentada muito mais por pessoas de poder aquisitivo baixo, além de outros muitos exemplos opostos que espalham-se por diversas praias da Paraíba. Uma litoralização que se faz imagem e semelhança do sistema que a criou.
Outras Fontes:
ANAIS 1º Simpósio Brasileiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Semi-árido. Mossoró: URRN, RN, 03 a 06 de junho de 1997.
ATLAS GEOGRÁFICO DO ESTADO DA PARAÍBA. João Pessoa: GRAFSET, 1985.
CARTAS TOPOGRÁFICAS DA SUDENE. Picuí: 1972.
CEPA - PB. Zoneamento Agropecuário de Estado da Paraíba. Relatório Técnico do Governo do Estado da Paraíba. João Pessoa: UFPB, 1978.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Senado Federal. Brasília: 1988.
FIBGE. Censos Agropecuários e Demográficos Paraíba em de várias décadas.
SEMINÁRIO SOBRE O SEMI-ÁRIDO. CENTRAC/CEPFS/DETR/PATAC/PROPAC. João Pessoa: de 18 a 20 de junho de 1993.
Gráfica São Paulo, Guarabira – Paraíba – Brasil. 2003
Copyright by Belarmino Mariano Neto, 2003
Mariano Neto, Belarmino
S86p - 1ª ed.
Geografia: Textos, Contextos e Pretextos para o Planejamento Ambiental/
Belarmino Mariano Neto. – 1ª ed. – Guarabira/Pb: Gráfica São Paulo, 2003.
Fotografia da capa: Belarmino Mariano Neto. (Imagens do Sr. Zé Biato e dona Belinha, Na porta da casa de taipa, construída em 1925, no Sítio Vertente, Vale do Rio do Peixe, Alto Sertão Paraibano, município de Triunfo, fronteira com o Ceará e o Rio Grande do Norte.
Diagramação: Marcondes Souza da Costa.
Contatos: belogeo[arroba]yahoo.com.br ou (83) 255-0678, Rua Cel. Arthur Américo Cantalice, 45- Bancários (conj. dos Professores), João Pessoa/PB. Cep. 58051-100.
1. Professor Adj-4 do Centro de Humanidades da UEPB. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. UFPB. Doutorando em Sociologia pela UFPB/UFCG. Coordenador do TERRA - Grupo de Pesquisas Rurais e Ambientais/CNPq e Organizador do "OLHO" Coletivo de Estudos sobre Essencialismo e Fenomenologia.
2. Cf. SANTOS, 2001:23.
3. Avaliação de Impactos Ambientais; Estudos de Impactos Ambientais ou Relatórios de Impactos do Meio Ambiente.
4. Cf. MORAES, In.: Ratzel e a Antropogeografia, 1991: 56.
5. Cf. MARIANO NETO, 2001, 61.
6. Frase extraída de um cartaz esotérico (Gnostico) em quadro de avisos na ufpb.
7. Teo ( Deus), ítas (de Pedras). Relação homens das cavernas e pedras com o sagrado.
8. O riso é uma expressão dossentimentos também impulsionados pelo racional.
9. Brincar de toca, é o mesmo que pega, as crianças treinam sua resistência e agilidade. Começa com um único garoto(a) que tenta tocar nos outros, os que vão sendo tocados passam a formar uma corrente humana até que todos
10. Ditados populares e frases sem fontes.
11. Cf. FREYRE, A farsa ecológica, 1992.
12. Estas duas últimas questões são levantadas em minha pesquisa, não foram diretamente tratadas no seminário.
13. Como exemplos: WWW - World Wide Web e htt//: (hipertexto imagem, son, texto e comunidades virtuais).
14. Cf. expressão do Prof. Durval Muniz na palestra sobre Complexidade social e diversidade de interpretações. Do Curso Seminários Avançados de Sociologia II/UFCG, 2002.
15. Cf. Silva, Tomaz Tadeu da. 2000:14.
16. Cf. LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, editora 34, 2000.
17. Na atualidade se fala do G-8: os sete países mais desenvolvidos e a Rússia, uma potência nuclear mundial que foi aceita no clube dos países capitalistas desenvolvidos.
18. Cf. JB Ecológico, Setembro de 2002.
19. LEWIS, Oscar. La Vida: a Puerto Rican Family in the Culture of Poverty: San Juan & New York, London (Panther Books), 1969. Tradução de F. Moonem.
20. MUELLER, Charles C. Problemas Ambientais de um Estilo de Desenvolvimento: A Degradação da Pobreza no Brasil. UnB/ Brasília: Ambiente e Sociedade - Ano I - nº 1 - 2º semestre de 1997.
21. Cf. Adriana Calcanhoto, Esquadros. Senhas. São Paulo: BMG/Ariola, 1996.
22. Tentativa Norte Americana de impedir a entrada de latinos do capitalismo periférico, em seu território, fronteiras com o México.
23. Inversão térmica, típica de regiões desérticas.
24. Do Dicionário Aurélio, verbete sesmaria: [De sesma + aria.], S.f. 1. Terra inculta ou abandonada, que os reis de Portugal cediam a sesmeiros que se dispusessem a cultivá-la. 2. Antiga medida agrária, ainda hoje usada no RS, para áreas de campo de criação, equivalente a aproximadamente 6.600metros.
25. Cf. dados extraídos do Atlas Geográfico do Estado da Paraíba, Quadro Natural, 1985:22-48.
26. Ibid., 22-48.
27. Capoeira é uma categoria popular para denominar área que antes era cultivada e que não exercita-se mais a produção. Em seu lugar os abustos vão recompondo uma vegetação de pouca expressão física e diversidade.
28. Bruaca - tipo de sacola ou bolsa de couro cru para transporte de pequenos objetos e mercadorias, também conhecido como alforge.
29. Verbete: xaxado [De xá-xá-xá, onomatopéia do rumor das alpercatas arrastadas no solo.]. S. m. Bras. 1. Dança originária do alto sertão de Pernambuco e divulgada por cangaceiros até o interior da BA. É dançada "em círculo, fila indiana, um atrás do outro, sem volteio, avançando o pé direito em três e quatro movimentos laterais e puxando o esquerdo, num rápido e deslizado sapateado." (Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do Folclore Brasileiro, II, p. 786).
30. Termo usado no Nordeste brasileiro para designar o rubacão, consistindo de uma mistura do feijão macaça com o arroz da terra e carne seca.
31. Cf. os Relatórios de Presidentes de Província, material microfilmado pelo NIDHIR - Núcleo de Documentação e Informação Histórica/ UFPB.
32. O Varadouro é a área que compreende o berço de nascimento de João Pessoa, considerada como parte histórica da cidade baixa.
33. A frase é em função de na área encontrarmos o principal Cemitério da Cidade e em seus entornos várias favelas, a exemplo da Vila União, Cordão Encarnado e Porto do Capim.
34. Varadouro foi o nome escolhido para o Boletim Informativo da AGB/JP, por representar esta diversidade. Escolha de nossa comissão editorial e aprovado por inteiro.
35. Foram encontradas ruínas do primeiro forte da antiga cidade da Parahíba na revitalização da Igreja de São Pedro Gonsálves.
36. Estamos levando em conta a cultura européia, ou ocidental, que conquistou e colonizou vastas áreas do mundo.
37. Sabe-se que grupos indígenas já atuavam nessas áreas, com maior uso dos estuários.
38. Estes três fatores estão marcadamente presentes na área do Bessa/Cabedelo, com a instalação de várias indústrias, depósitos de representações comerciais, setor residencial e hoteleiro.
39. Este Hotel foi construído com verbas públicas, iniciado em 1960 e concluído em 1972, trouxe muita atração econômica e turística, mas também vários problemas de ordem ambiental, sendo uma delas ligada a questão dos esgotos.
40. Movimento tipo Micarande, Micaroa, Carnatal, etc, que mobilizam grande quantidades de pessoas levadas apenas pela idéia de diversão, invadindo algumas praias litorâneas. O carnaval fora de época é uma invenção baiana, mas já se expressa em todo o País.
41. Terminologia usada pela professora Ana Maria Marongoni no decorrer de uma palestra sobre o ensino de geografia promovido pela AGB/JP no Departamento de Geociências - UFPB.
42 . Cf. FREIRE em a Farsa Ecológica, 1992.
43. Praia oficialmente transformada em zona de nudismo na Paraíba.
Mariano Neto, Belarmino
belogeo[arroba]yahoo.com.br