5. Informação Ambiental: novas linguagens e globalidade
Belarmino Mariano Neto
"não existe sujeitos, nem subjetividades fora da história e da linguagem, fora da cultura das relações de poder" (SILVA, Tomaz Tadeu da. 2000:12).
Fiz a opção em trabalhar com o debate sobre a teoria dos sistemas. Relacionei ao tema a tecnociência, globalização e informação. busquei relacionar nesse primeiro momento apenas aspectos que dizem respeito a sociedade e a natureza transformada, fazendo um paralelo entre os sistemas agrícolas modernos (complexos agro-industriais) e a chamada agricultura familiar ecológica em meio aos pressupostos da linguagem e da informação, do meio ambiente e do desenvolvimento. A questão do desenvolvimento a qualquer custo, do desenvolvimento sustentável e suas contradições. Estes elementos são os princípios norteares de minha pesquisa em nível de doutorado. Apenas me ative ao aspecto da chamada informação ambiental enquanto idéia de banalidade da linguagem e do discurso ecológico atual.
Uma das bases teóricas desse trabalho é o livro de LÉVY, Pierre, Cibercultura, um material que discute com profundidade toda a experiência humana da era digital chegando a atribuir ao humano de hoje uma condição virtual de ser. Uma temática que envolve a ciência, tecnologia e o humano enquanto um ser plugado nas novas tecnologias do mundo micro-eletrônico em escala local, regional e global.
Sei dos riscos que estou correndo na tentativa de produzir este texto sobre uma temática tão atual e tão recheada de contradições, um experimento de profundas dúvidas e incertezas em relação ao científico, tecnológico e sócio-cultural nos dias atuais, em meio aos elementos de representação e subjetividade dos novos paradigmas do conhecimento social.
Começo questionando: Até que ponto o debate sobre a pós-modernidade já foi superado? A linguagem é de fato a grande marca da pós-pós-modernidade? Até que ponto a globalização é uma realidade científica que se enquadra na teoria de sistemas ou uma produção ideológica do sistema de poder12? Como entender a teoria de sistema em meio aos sistemas técnicos, informacionais e aos sistemas filosóficos, sociais e culturais? Não pretendo responder estas questões, até porque as reflexões ainda são por demais "verdosas", aqui, quero apenas acrescentar a elas mais elementos de dúvidas ao debate, pois entendo que minhas lentes de alcance são constantemente ofuscadas pelo universo da subjetividade latente em toda a ciência da atualidade.
Outro aspecto dos questionamentos é o pouco tempo do curso, o que me pede um amadurecimento posterior das reflexões feitas no calor dos debates.
O atual estágio de profundos avanços tecnológicos e aceleração contemporânea no campo da informação (cibernética, informática e eletrônica)13 seguidos pela dinâmica das relações sociais em escala mundial são os eixos temáticos que me alimentam de preocupações em querer entender melhor esse rico estágio de incertezas do humano, muito recheado de representações e discursos divergentes.
Estou entre a metáfora do liqüidificador e a pós-modernidade como sendo esse grande liqüidificador.
Assim vejo que na idéia de globalidade componho-me, decomponho-me e recomponho-me em fractais de uma totalidade com-nexa e des-com-nexa, em meio a unicidade e a totalizante fragmentação liquidificante do lugar e do não-lugar, das pessoas e das não-pessoas, enquanto indivíduos, comunidades e sociedades. Sejam secretas, anônimas, virtuais ou simplesmente tribais. No conceito mais atual de tribo, gueto e linguagens que o mundo da informação e lingüística nem sempre conseguem decifrar com facilidade, mas que já são identificadas como comunidades virtuais. Expressões, impressões e revelações com sentidos que nem mesmo estas palavras conseguem dizer. O universo de informações que foi sendo aprendido, apreendido e compreendido no convívio, nos contatos e re-viver dos relatos e experiências lidas ou de fato experimentadas em meu cotidiano foram fundamentais para o que reflito agora.
Um filme sem roteiro prévio e definido se desenrola dentro de mim. Meu caderno de capa preta e páginas numeradas vai ficando repleto de aspas (" ") e fragmentos plurais do dizer e do pensar. Um texto descom- nexo, apenas um pré-texto para este texto que não deixa de ser também um pretexto de minhas apreensões.
Como a temática é muito instigante, me sinto um pouco no "olho de um furacão"14, mesmo sabendo que esse debate todo sobre pós-modernidade em meio ao lido, é extremamente introdutório de outras profundidades a posteriori. Sem esquecer de um rebuscar da importância em trabalhar a lingüistica, hermenêutica e a informação para a construção da subjetividade, o que me deixa de olhos "esbugalhados" (arregalados), mesmo sabendo que olhos são pontos de vistas, imagens do olhar ou espiar, visão reflexiva da exterioridade interior, para além do simples olhar, seja do olho d’água ou do olho do furacão. Esse olhar pósmoderno como um olhar de decisão provisória e em infinitas direções.
Nesse jogo de palavras o brilho solar engravida a lua em fases meio cheias, meio nuas, enquanto minha identidade vai sendo propositadamente perdida, roubada, des-encontrada em sua digital e imagem fotográfica, agora colorida pelo artifício da tecnologia.
Sem identidade me sinto engolido pelas digitais dos códigos de barras em branco e preto e cartões magnéticos multicoloridos que alimentam sonhos da era digital, que estava na digital de minha identidade roubada. Sem digital, mas com a íris dos olhos digitalizada e lida pelo caixa-rápido 24 horas da esquina, sinto o tempo ritmado pela pós-modernidade marcando meu corpo com seu lazer/flesh em arco e flecha a flechar a íris do meu olhar de arco-íris.
Enquanto busco um amadurecimento de minhas sementes nos esconderijos profundos da alma, também busco um viver mais tranqüilamente o sentido e o dizer as coisas. Mas, a velocidade supersônica e seus pacotes tecnológicos ignoram minha razão inocente, dizendo que não ando apenas HERECTUS. Vivo o estágio do andar sentado e em alta velocidade, sobre duas rodas, quatro rodas, ou sobre asas. Ando sentado, me deslocado em tempo real pela net world (sistema htt// e www) com capacidade para resolução de milhares de problemas que levariam muito tempo e que necessitariam do deslocamento físico em muito espaço. Estes pacotes tecnológicos me deixam perplexo, fascinado, encantado e apreensivo diante de um mundo virtual de informações com imagem, som e texto em uma velocidade tempo-real com direito a incursões de terceira dimensão. Um desafio para um olhar ainda centrado no ato de ver com as mãos do tocar, que apalpam o objeto observado. O Agora é um tocar digital recheado de virtualidades tão reais e objetivos quanto a subjetividade da lingüistica.
Este é o tempo e o lugar da GLOBALIDADE, em que o contemporâneo ou o pósmoderno nesse debate representa uma longa transição para o que estou nomeando de IDADE GLOBAL ou GLOBALIDADE. Este presente-presente da era informacional que requer da linguagem novos significados e alegorias. Talvez o que (FOUCAULT: ),( DELEUZE: ), (PIERRE LEVY: ), (BOAVENTURA: ), (CASTELLS: ), (LEVI STRAUSS: ), (LAYTARD: ), entre outros, levantaram em suas interpretações e nos sentidos que deram as coisas, as palavras, símbolos, signos, significados, imagens representadas ou contextualizadas pela filosofia da diferença e pela forma de dize-la.
Não é intenção criar ou continuar com uma classificação, mas, apenas dizer que em meio aos diferentes e aceitos sistemas, organizações, redes, associações e sociedades como ordem aceitas pela ciência e pela sociedade, sinto um certo delinear de global-idade ou idade global, da chamada contempone-idade e ou pós-modern-idade; da modern-idade e ou idade moderna; da medieval-idade e ou idade medieval; da antiguidade e ou idade antiga, bem como dos estágios mais distantes do desenrolar das sociedades humanas em diferentes espaços e tempos. Não significa que esteja querendo voltar ao essencialismo e ao revelacionismo da mitologia do encantamento. Ou melhor, não estou querendo voltar para lugar nenhum ou tempo sem linearidade, mas apenas sentir e refletir sobre este presente-presente que se afutura a cada instante em sistemas cada vez, mais complexos. Sistemas que fogem da lógica dual (metade deus, metade diabo), que questiona a exata medida das coisas e da vida num único espaço/tempo provisório. Um Ciberespaço (LÉVY, 2000:31).
A vida cotidiana vai sendo vivida aos bilhões nos quatro cantos do planeta, em meio a tudo isso, estou a tentar compreender os fios que tecem a subjetividade humana, e também suspeitar de sua existência e de sua importância para estes dias. As contradições e embaraços marcam este estágio em que o natural e o artificial permeiam os seres, sujeitos ou não de uma condição humana de ser. A humanidade em questão se alimenta de alimentos geneticamente modificados. Híbridos e clones são cada vez mais comuns em nosso presente-presente que se afutura enquanto me choco com a totalidade do verbo que se faz e desfaz em cada palavra, ato ou pensar.
A natureza do humano já é máquina em diferentes estágios de desenvolvimento e agora de evolução. O organismo humano e todo o ambiente no qual ele estar envolvido se reveste de elementos artificiais ao ponto de não se identificar mais dicotomias do ser e do não ser.
A experiência dos implantes, transplantes, enxertos, próteses e órgãos artificiais engendram uma geração de seres em estados artificiais que colocam em xeque a originalidade ou naturalidade do humano15. Estas são algumas das preocupações apresentadas por (DONNA, in.: TADEU, 2000:131) em seu tratado sobre ciborgue. Estes elementos vão para além da ciência e tecnologia, para além da biologia e da máquina e se encontram com a própria lógica do divino no humano e os valores éticos da sociedade.
Do pó nuclear a engenharia genética; dos híbridos aos clonados. Estes paradoxos estão todos conectados ao chamado ciberespaço e a cibercultura16 controladas por um rigoroso sistema de informações e capitais que seguem a lógica do simulacro a nos encantar apenas pela maçã, esquecendo a árvore do conhecimento. É o que DONNA, 2000:133) identifica como C-3 (Comando-controle-comunicação-inteligência). Elementos conectados a teoria da linguagem, do controle e suas contradições identitárias como construção social e política da linguagem.
Da linguagem banal a informação ambiental
A partir de agora, centralizarei meu texto nos elementos da informação ambiental como uma das marcas do atual estágio de globalidade pelo qual passa e vive o humano em seu presente. A idéia é relacionar a linguagem como elemento envolvente dos sistemas de informações e da própria ciência que até certo ponto se torna refém do discurso e da representação. A informação ambiental como banalidade do discurso é uma tentativa de conectar os limiares da pós-modernidade com a super informação, seus veículos em rede e todo o emaranhado de contradições do presente-presente.
Início, meio e fim. Estou aqui diante de três coisas. Tendo que começar a dizer sobre um tema que vem se tornando cada vez mais banal; no meio de um verdadeiro bombardeio de informações sobre a importância de preservar a natureza e muito preocupado com o fim de tudo isso, pois enquanto as pessoas falam ou discutem o meio ambiente, muitos estão com o cigarro aceso ou acabaram de jogar o papel do bombom pela janela.
Vivo o paradoxo da pós-modernidade em que a linguagem, a informação ou o discurso ocupam o centro da ciência. A linguagem é a ponte na criação das relações. A teia com os outros mundos e o espaço do dizer e da produção cultural. A informação passou a ser o elemento de maior importância para o mundo contemporâneo. Um mundo visual que produz a consciência da sensibilidade, o conhecimento dos primórdios e as imagens construídas pela vida de cada pessoa.
A linguagem constrói ciência, (des)constrói o censo de verdade ou de realidade alimentando idéias e utopias. A linguagem cria condições, quebra fronteiras e desafia a constante idéia de ponto final. A capacidade cultural e tecnológica de dizer, de falar, de escrever, de informar e de estabelecer conexões intervencionando a lógica do tempo e do espaço, abrindo portas para a tele-distância na arte da idéia do humano como sendo um programa de palavras ditas, não ditas e por dizer, imagens e representações ensaiadas em cada ato do cotidiano.
"Se a espécie humana ainda precisa de uma alavanca para modificar o mundo. Modificar, não. Para salvar o mundo, ela já reencontrou. Essa ferramenta, usada e demonstrada com competência pelos cinco mil jornalistas que fizeram a cobertura da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, em Johannesburgo, na África do Sul, tem um novo nome: informação ambiental". (Cf. FIRMINO, Hiram. Pp. 06:2002).
A grande questão é: até que ponto a totalidade da informação ambiental tem surtido algum efeito real nas atitudes humanas, em seus Estados, Governos, Sociedades e Empresas? Sem sombra de dúvidas, a informação ambiental foi totalmente democratizada. Internet, televisão, vídeos, rádios, revistas, jornais, folhetos, etc. São produzidos diariamente com temas que estão relacionados com o meio ambiente e sua preservação.
Já são mais de 6,8 bilhões de seres humanos, e de um jeito ou do outro a informação ambiental chega até as pessoas. A questão é em que condições de vida está a grande maioria da sociedade humana para transformar informação em prática cotidiana para preservar o meio.
"A tirania da informação e do dinheiro são apresentadas como pilares de uma situação em que o progresso técnico é aproveitado por um pequeno número de atores globais em seu benefício exclusivo". (SANTOS, 2001:38)
Assim, o discurso do sustentável se torna insustentável para a grande maioria das pessoas aparentemente inseridas na globalização do planeta.
Mas, até que ponto as pessoas se importam com estas questões a ponto de mudarem de atitudes? É claro que a consciência não se faz num dia, mas no dia da consciência de cada um e estas são questões relevantes para o momento pelo qual passa a humanidade.
Estou percebendo que o problema não é de (cons)ciência - conhecimento. A questão maior é que existe uma poluição da informação em todos os sentidos. A massificação da informação ambiental é acompanhada de uma massificação ainda maior do consumismo. Ao lado de uma informação do tipo defenda a natureza, são produzidas dezenas de informações sobre compre, compre, compre, consuma, consuma, consuma, compre, consuma, compre, consuma, compre. A sociedade de mercado monopolista e de consumismo a qualquer preço já descobriu as marcas ecológicas, que geralmente também são dezenas de vezes mais caras. Já existe nos supermercados, seções inteiras de produtos ecologicamente corretos: café ecológico, açúcar demerário e mascavo, açúcar orgânico claro, arroz integral e ecológico, verduras orgânicas e sem agrotóxicos, etc. Estas marcas disputam espaço com os ligthes, dietéticos, transgênicos, enlatados, estabilizados, e todas as "marcas envenenadas e turbinadas" do mercado tecnológico dos alimentos.
Se as pessoas continuarem pensando globalmente, mas não fizerem nada localmente, enquanto indivíduo, comunidade, cidadão e nação, o fim não será surpresa. A situação do planeta é de alto risco, mas as práticas da superprodução capitalista despreocupada dos efeitos sobre o meio ambiente me deixa perplexo, impotente de qualquer ação efetiva contra este estado e velocidade destrutiva.
A aparente ação de muitas empresas é que estão investindo em defesa do meio ambiente, principalmente empresas com elevado nível de poluição. Fazendo uma meia culpa. Mas no geral continuam com suas atividades a todo vapor. Ou seja, não basta um programa paliativo. É preciso de uma radical mudança de atitudes. Uma sociedade ecológica, uma humanidade ecológica precisa ser pensada e praticada em todos os sentidos. Mas o que será esta tal sociedade e humanidade ecológica? Será só mais um emaranhado de palavras típicas da pós-modernidade? Até que ponto os alimentos e agrotóxicos combinam? O humano avançará ao ponto de dispensar o ar, alimento e água? Ou terá que criar as condições para garantir a natureza dessa necessidade básica do ser vivo.
A exploração abusiva dos recursos naturais coloca a humanidade diante de uma natureza fúnebre. A natureza como ambiente dos lugares estragados, a natureza como um depósito de lixo a céu aberto. (MARIANO NETO, 2000:73).
A informação ambiental é uma prática que começa a ser espacializada pela mídia a partir da reunião do Clube de Roma, anos 70, primeiro passo para a percepção de que os recursos naturais não são renováveis, e que a super exploração dos recursos renováveis coloca em risco a vida na Terra. Desse encontro tira-se o documento que aponta para o Crescimento Zero. Em que os países ricos alertam o mundo para os problemas ambientais globais, causados pela sociedade urbano-industrial e crescente dinâmica demográfica dos países subdesenvolvidos, colocando em risco o desenvolvimento econômico e o meio ambiente, especialmente para as nações com dependência tecnológica e atraso econômico que propagam "o desenvolvimento a qualquer custo" (Brodhag, 1997:49-55).
Em 1972, a Organização das Nações Unidas - ONU, convoca a Conferência de Estocolmo (Suécia), que marcou a mundialização das questões ecológicas. (Sene & Moreira, J. C. 1998:407) Nessa "Declaração do Ambiente", são perpassados os primeiros acordes para as preocupações com o desenvolvimento sustentável, com um forte apelo aos direitos fundamentais do homem - vida, liberdade e igualdade de condições em um ambiente racionalmente protegido, em que o desenvolvimento deve ser planejado pelo Estado no sentido de melhorar o ambiente em benefício das populações; fazer uma gestão dos recursos, preservar e melhorar o ambiente, assegurando às gerações atuais e vindouras uma melhor qualidade de vida.
Foram aprovados 26 princípios gerais e pouca ação por parte dos diferentes países. O importante é que Estocolmo marcou a visão ecológica global, tendo sido, de fato, uma conferência de caráter planetário.
Na seqüência, acontece à Rio 92, (Brasil) Conferência Internacional da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com a presença de 106 chefes de Estados ou representantes e mais de 35 mil pessoas. Este encontro resultou na "Agenda 21", com quarenta capítulos, 800 páginas, muitas sugestões e poucos compromissos firmes. Pois este documento não fixou objetivos, estimativas, custos, nem modalidades. Estes são os fios invisíveis que manipulam as contradições de uma política ecológica mundial. As ONGs e outros se contrapuseram ao encontro patrocinado pela ONU, mas o que prevaleceu foram as decisões do G-7 (o grupo dos sete países mais ricos)17 e suas instituições financeiras. Os crimes ecológicos e o modelo de desenvolvimento continuam, apesar do compromisso das nações em gradualmente diminuir tais crimes (Brodhag, 1997:61). O desperdício da sociedade de consumo forma esse novo caldo de cultura, que não é total, mas fragmentado nos indivíduos de cada canto do mundo como em um processo sem fim. Incorporadores de valores, rugosidades, sentidos e ritmos do existir.
Se a Rio 92 deixou claro que a natureza é finita, limitada e que funciona dentro de um sistema interdependente e que precisa do princípio do equilíbrio, pergunto o que de fato os governos, empresas e sociedade civil fizeram para reverter a velocidade de suas práticas econômicas anti-ecológicas? Já se passou uma década da Rio-92. Naquele período vários ecologistas apontavam para esta situação de descaso com o meio ambiente. (FREIRE:1992) divulgou um manifesto intitulado a FARSA ECOLÓGICA.
A ECO-92, Encontro Ecológico paralelo ao Rio-92, foi fortemente criticado como divisionismo de radicais, mesmo assim e com a participação de ONG,s e outras entidades políticas e ambientais, produziram uma versão crítica ao encontro oficial das Nações Unidas.
Do dia 26 de agosto a 04 de setembro de 2002, em Johannsburgo, na África do Sul, foi realizada a Rio + 10. Uma Reunião da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável. Reuniu mais de 160 chefes de estados, 45 mil delegados e 7 mil ONG’s representantes de 185 países.18 Em nível de representação internacional, essa foi sem dúvidas a maior conferencia mundial sobre o tema.
Hoje entendo porque a Rio+10 foi um fracasso frustrante. Não só a Rio+10. Mais o Protocolo de Kyoto, e outros foruns menores promovidos pela ONU.
A guerra Anglo-americana contra o Iraque e o descompromisso do Governo Bush e dos seus colaboradores em relação ao meio ambiente são os melhores exemplos de desrespeito a tudo que é natural e humano. Isto é, as potências que controlam o mundo, usam o discurso para justificar seus interesses, mas não efetivam uma preocupação sustentável para a humanidade e para o planeta.
Para o Greenpeace, o Rio + 10 pode ter sido a 2ª chance. Será que existirá uma terceira, quarta, quinta chance? Com esse capitalismo turbinado, os impactos locais, regionais, nacionais e globais já estão totalmente sistematizados. O pequeno Rio de minha cidade estar cheio de pneus pirelle, farestone, garrafas pet de coca-cola, latas de óleo da Texaco, Shell e todas as grandes marcas, mundiais. O Rio 92, dez anos depois, encontra-se mais poluído, mais violento, mais pobre. A África 92, dez anos depois, apresenta uma situação bem pior. O Rio+10 é a pura constatação de que a agenda 21 foi mais gasto de papel, energia e utopias de um mundo ambientalmente viável, socialmente justo e economicamente sustentável.
Para concluir esse quase manifesto, deixo aqui registrado a denúncia de que no Brasil já existe uma nova indústria parecida com aquela da seca. É a "Indústria Ambiental". Os recursos para salvar os rios, as florestas, os animais, a quase uma década aparecerecem nas placas dos governos federal/estadual e local, mas o ambiente continua degradado. Entidades estão sendo criadas para defender o meio ambiente com recursos estrangeiros, mas muitas são escritórios para carrear recursos para fins ilícitos e de particulares. Tanto os problemas ambientais, quanto as questões sociais, estão na mira de uma verdadeira indústria de manipulação das vontades e anseios de um humano enquanto senhor do seu destino.
Cultural da Pobreza Submundializada
Miséria é miséria em qualquer quanto. Riquezas são diferentes. A fome está em toda parte. (...) Índio, mulato, preto, branco. (...) A morte não causa mais espanto (...) Cores, raças, castas. Riquezas são diferentes. (Arnaldo Antunes/Sérgio Brito/Paulo Miklos, Titãs, BMG/Ariola, São Paulo, 1992)
Este texto objetiva relacionar idéias sobre a cultura da pobreza e a pobreza propriamente dita. Neste sentido, uso os escritos de Lewis (1969)19, A Cultura da Pobreza. E Mueller (1997)20 em um artigo que trata da Degradação da Pobreza no Brasil. Além de variados exemplos pertinentes ao tema, para substanciar a visão de pobreza enquanto uma condição social com viés físico ou material, e cultural. Sendo representado nos dias atuais como parâmetro para uma cidadania incompleta, cada vez mais banalizada pela experiência de humanos descartáveis, descapitalizados e empobrecidos em todos os sentidos do existir.
Antes de enveredar pelos conceitos de Cultura da Pobreza, propostos por Lewis, ou pela degradação da pobreza de Mueller, enfatizarei alguns cultuadores da pobreza como padres, poetas e pintores. Isto é, aqueles que vivem da cultura da pobreza e que geralmente não vivem na pobreza ou em sua cultura.
Os "irmãos" por fazerem seus votos de pobreza em uma visão do Cristo Primitivo, defensor de um reino em que os pobres seriam os bem aventurados. Pois para o cristianismo, seria "mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, de que um rico entrar no reino do céu". A crítica aqui não é mera degradação das ações verdadeiramente franciscanas, pois tenho o maior respeito por todo e qualquer trabalho pelos excluídos. No entanto, muita gente banaliza o ato de caridade, sem de fato se preocupar com ações diretas para mudanças radicais no seio da sociedade em que a grande maioria é pobre, descapitalizada e negada de desenvolvimento pleno.
Os poetas quando falam dos moribundos que perambulam pelas calçadas da vida, ou quando se alimentam com as folhas de repolho podres do chão do mercado central. Ou quando escrevem sobre camas de papelão nos quartos de calçadas das grandes lojas de departamento que embalam os sonhos de cola dos meninos e meninas de rua.
Os pintores que povoam suas telas com uma geografia dos miseráveis, expressões de desconcerto do olhar, crianças barrigudas e casebres de taipa enquadrados e fixos, seguem expostos pelas ruas avenidas dos mais recônditos lugares.
O jans saído das fábricas e oficinas carregados de graça e fuligem em corpos operários, ganharam as ruas e passarelas da moda mundial. A cultura da pobreza lida pelo rústico e pela simplicidade do não ter, do despossuir. O sonho de casamentos e amores impossíveis entre protagonistas ricos e pobres são os motivos de vasta literatura em que os tramas, tragédias e comédias parecem enquadrados pelos sonhos dos pobres encarcerados em seu real e pela "fome dos meninos que têm fome"21.
Lewis (1969), conceitua a Cultura da pobreza como sendo tanto uma adaptação quanto uma reação dos pobres a sua posição marginal numa sociedade estratificada em classes, altamente individualista, capitalista. Representa um esforço para enfrentar os sentimentos de desesperança e desespero que se desenvolvem quando verificam a impossibilidade de alcançar êxito de acordo com os valores e objetivos da sociedade envolvente.
Nesse contexto, a estrutura lógica da cultura da pobreza parte do modo de vida de parte da sociedade, onde suas características se materializam em diferentes momentos históricos, emergindo com maior força na sociedade moderna, na qual, a idéia de pobreza e a natureza da pobreza toma maior corpo físico.
Tanto do ponto de vista de indivíduos, como de famílias, passando por regiões e países. A cultura da pobreza assume perfil espacial ou territorial, influenciada pelas condições de classe, valores e atitudes que os pobres assumem tanto individualmente como coletivamente. Essa pobreza enquanto privação e dificuldades materiais vai se transformando em um modo de vida a ser transmitido pela sociedade e pela família.
Pensar na origem da cultura da pobreza e não conseguir data-la, mas a lógica aponta para os primeiros passos da história de exclusão, escravidão e submissão de povos ao longo das civilizações.
Na atualidade, posso pensar nos Astecas do Novo México e nos negros de algum morro do Rio de Janeiro e lhes colocar tão distantes e tão próximos, pois ambos estão inseridos no contexto histórico da Cultura da pobreza. Pois foram submetidos aos choques culturais do início da modernidade. Um tempo tão presente que em menos de quinhentos anos globalizou a pobreza e condicionou homens, mulheres e crianças a condição sub-humana de alienação material e intelectual.
A quebra dos modelos tradicionais de organização social, pautados na comunhão, na solidariedade e no coletivismo, são condições favoráveis a instituição da cultura da pobreza. Estas são as funções dos ritmos acelerados de modernização. Nessa quebra se processa, o florescer da cultura da pobreza como uma subcultura da sociedade.
O mudo social desajustado, cria relações de dominação do homem pelo homem. Estes são os pré requisitos mínimos para uma forte carga política e ideológica das experiências humanas. Contextualizar então, as condições de segregação, violência, fome, subdesenvolvimento e exploração como molas propulsoras da cultura da pobreza. Os pobres vão em meio a sua realidade, incutindo geração após geração, um forte sentimento de marginalidade, de desamparo, de dependência, de inferioridade, de infortúnio e falta de aspirações.
No contexto Brasileiro, noto uma acentuada presença da cultura da pobreza, produzida legitimamente pelo modelo de desenvolvimento adotado neste país. Para entender a cultura da pobreza e sua materialização no Brasil, a partir do texto de Mueller (1997), que tratar da degradação da pobreza, especialmente nas cinco últimas décadas, faz uma crítica ao estilo de desenvolvimento adotado e como a ecologia social e econômica pode apontar soluções para as questões sócio-ambientais em relação as camadas pobres da sociedade brasileira.
O autor ao identificar o modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, como sendo desigual, busca em alguns indicadores sócio-ambientas os argumentos que justificam a degradação dos pobres.
Os maiores problemas da pobreza no Brasil da atualidade, estão na concentração urbana dos pobres, na degradação sanitária, na desigual distribuição da renda e no baixo padrão de consumo dos pobres.
O Brasil a partir dos anos cinqüenta, começou a viver um surto de modernização (industrialização, urbanização e crescimento econômico). Na verdade, esse modelo foi limitado e concentrado em áreas do Centro - Sul do país, gerando uma concentração urbana da pobreza nessa região, a medida que desconcentrava a pobreza nacional de regiões históricas como o Nordeste. A pobreza migratória representou um forte fluxo demográfico que em menos de trinta anos(1950/1980) reverteu completamente a distribuição geográfica da população rural para urbana em condições típicas de pobreza quase que absoluta.
A partir dos anos 70 a modernização da sociedade atinge o campo. Esse momento será marcado pelo CAI’s (complexo agro-industrial). Identificado como modernização conservadora da agricultura, na qual, máquinas, ferramentas e produtos da indústria são produzidos para ampliar a produção agrícola. Modernização conservadora, pois não alterou a estrutura fundiária do país, que pela falta de uma reforma agrária nacional, favoreceu um forte deslocamentos de pessoas pobres do campo para os grandes e médios centros urbanos do país.
A migração rural - urbana em nosso país, gerou diferentes instalações da pobreza nos grandes centros urbanos, onde a submoradia, as deficiências sanitárias e os prejuízos ambientas são alguns dos aspectos da cultura da pobreza no Brasil.
Este estilo de desenvolvimento desigual, gerou uma urbanização da pobreza, com grades aglomerados populacionais, onde os bolsões de miseráveis são territorialmente expressivos. Pobres espremidos em áreas de riscos que na maioria das vezes são ilegais perante o poder público, não assistindo estas áreas de uma infra estrutura básica (água encanada, instalações sanitárias, eletrificação, saúde, educação, etc.). Quando o poder público oferece alguns destes serviços, certifica a área como espaço do sobreviver dos pobres. Ato aparentemente humanitário que sustenta os pobres aos seus miseráveis espaços de favelas, cortiços ou palafitas.
Os assentamentos de pobres, são áreas ambientalmente frágeis e fora do zoneamento urbano. Em função das mínimas condições de instalação, com: elevados riscos de desabamento, sujeitas as enchentes, sem estrutura sanitária, pequenos espaços para famílias numerosas e as vezes agregadas, com acústica desapropriada para os altos ruídos, sem condições para se contrapor as variações de temperatura e vulnerável a sujeira, aos ratos, baratas e diversos tipos de doenças infecto-contagiosas são comuns nestes ambientes, claro que não são exclusivas destes ambientes, mais aí é uma agravante a mais.
Este é um quadro pintado pela realidade dos grandes centros urbanos do país. Áreas como a Grande São Paulo e Rio de Janeiro, Salvador, Recife e todas as outras grandes e médias cidades brasileiras. São comuns as favelas, mocambos e palafitas em áreas de encostas, morros, no limites de movimentadas rodovias ou em baixo das redes de alta tensão elétrica. Nos ambientes rurais, as cidades pequenas e médias cercadas de campo por todos os lados, também estão recheadas de pobres em seus bolsões periféricos. Pobres com menos oportunidades que nos grandes centros urbanos vivem sem terra para trabalhar e sem emprego urbano, a amarga condição do ser pobre.
As estimativas de 1960, feitas pelo IBGE, indicavam aproximadamente 16 milhões de pobres no Brasil. Em 1998, este número já estava na casa dos 45 milhões de pobres, amontoados em especial nos grandes centros urbanos.
A falta de assistência pública de serviços básicos é lamentável. Em muitos casos não existe água encanada e a colete de lixo nem sempre é feita, além da falta de instalações sanitárias, geram um acumulo de lixo, dejetos humanos e consumo de águas contaminadas que são os principais indicadores de doenças infectocontagiosas.
A pobreza no país é geral. Nas três últimas décadas acentuou-se mais ainda em função da grande concentração de renda e das disparidades regionais.
O crescimento econômico do Brasil, não veio acompanhado das melhorias sociais para a população de baixa renda, ficando excluída do consumo, de saúde, educação, moradia, qualificação, lazer, etc. Este modelo de desenvolvimento, concentrador e excludente, gerou disparidades regionais ainda maiores. As regiões Nordeste e Norte são áreas marcadas fortemente pela pobreza de sua população.
Nessa cultura da pobreza, observa-se uma forte cobrança dos deveres e obrigações dos pobres, que vão desde a obrigatoriedade do voto para os analfabetos até ocupação em alguma atividade (produção), mas a estes mesmos pobres, são negados os direitos e garantias mínimas. É isto que identifica-se como a cidadania incompleta, como raiz de sustentação da cultura e da degradação da pobreza, tanto em nível global, como em nível nacional, regional e local.
6. Capitalismo Maduro e Feridas no Espaço Tempo: Globalização ou Submundialização?
Belarmino Mariano Neto.
"Este é o quinto século da era planetária. A irrupção de forças obscuras e bárbaras convive com a mundialização do desejo de vida, de uma quantidade de vida superior. Os indícios de morte e vida, de uma quantidade agônica não resultam apenas de novas crises que vêm avolumar os conflitos tradicionais. É, antes, um todo que vive de ingredientes conflituais, críticos problemáticos e que encerra em si o principal dos problemas: a impotência da humanidade para se tornar humanidade"(MORIN & KERN, 1998:150)
Este capítulo se apresenta como uma narrativa objetiva de fragmentos do mundo natural e social construídos no decorrer dos últimos séculos.
Como propor o desenvolvimento sustentável, para um determinado local, sem inseri-lo em um mundo globalizado e gerido a partir da indiscriminada exploração dos recursos naturais em todas as partes? O mundo apresenta-se diante de duas forças antagônicas. O Desenvolvimento Econômico e a Preservação Ambiental. Processos como a industrialização, urbanização, crescimento demográfico e poluição disputam o espaço limitado da terra e da natureza. Áreas com pequenas potencialidades naturais são ocupadas por milhões de pessoas, despreocupadas de suas ações e reações com o meio.
Como pensar no uso racional dos recursos naturais, conservação ou preservação da natureza, sem que estes conceitos estejam relacionados com a proibição do uso da natureza pelo homem? Isto é, a capacidade de usar a natureza para satisfazer as necessidades presentes, sem comprometer os recursos naturais, para no futuro a civilização humana mundial poder desfrutar também dessa natureza. A idéia de usar a natureza com o objetivo de satisfazer às necessidade humanas não foi mudada, no entanto é preciso pensar nos que irão vir depois de nós.
A maior preocupação é se, no atual estágio de desenvolvimento da humanidade já existe algum pacto de desenvolvimento sustentável para proteção da natureza, melhoria do atual nível de vida das pessoas, especialmente dos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil.
Não querendo me colocar como estudioso do mundo total, ou intérprete do mundo contemporâneo globalizado. Mas, apenas fazer uma interpretação de fragmentos tempo/espaciais para a construção do conhecimento.
Acredito que a chamada "questão ecológica" parece ter sido incorporada como eixo fundamental para discussão de uma nova ordem mundial. E nesse contexto de divulgação das diferentes correntes ambientalistas, encaro a Ecologia Social como sendo um foco permanente do debate acerca das novas formas de estruturação da vida social e da produção que garanta a manutenção do equilíbrio com o meio ambiente, permitindo o pleno exercício da autonomia, originalidade e desenvolvimento humano. Nesse sentido, o esforço com este capítulo é estabelecer um paralelo entre a sociedade dita moderna, em seu estágio mais recente, e a exploração do meio ambiente. Daí falar da Ecologia Social como corrente ambientalista que encara os grandes problemas sócio-ecológicos não como fenômenos isolados, mais sim como os desajustes do mundo social contemporâneo.
A base de pensamento em relação ao conceito de Ecologia Social vem diretamente de Bookchin, (1991:17). Ele acredita que os problemas ecológicos só podem ser resolvidos com profunda mudança social, substituindo-se a atual sociedade por uma Sociedade Ecológica, que incorpore mudanças radicais e indispensáveis para eliminar os abusos ecológicos. Uma sociedade baseada no humanismo ecológico, que encarne uma nova racionalidade, uma nova ciência, uma nova tecnologia. "Os desequilíbrios causados no mundo natural têm sua origem nos desajustes do mundo social" (Ibid., p.19). Como defensor de uma ecologia social vê claramente que a exploração e destruição do homem pelo homem é causa da exploração e destruição da natureza.
Talvez já tenham dito tudo sobre "os novos mundos" da atualidade, por isso corro o risco das redundâncias do já falado. Talvez me reste um conceber/relacionar e novas formas de olhar, tentando rebuscar aspectos que possam estar encobertos ou sombreados por tantas transformações recentes, buscando nessa ordem espacial a natureza e a sociedade. Significados, práticas, conflitos, contextos e ilusões desfeitas pela invenção do presente.
São muitos os riscos ao afirmar que o mundo total chegou, com essa nova fase do capitalismo simulacro, no qual, ciência e tecnologia se fundem e massificam um espaço de idéias e de concretudes esfumaçadas. Pois, no reverso, as particularidades se mostram cada vez mais fortes, testemunhando que a diversidade é a destruição do mono. A massificação vem causando um mal estar capaz de mudar radicalmente a cara do que hoje parece ordem nova. Este é um momento de retorno das teses libertárias, onde os pequenos grupos de afinidades poderão construir um grande mundo.
Para Morin (1995) estamos diante do Le paradigme perdu: la nature humaine, o que pode ser representado pela fragmentação do saber e da natureza humana. Fragmentos dispersos de um quebra-cabeça que se constrói e se desmancha sucessivamente. Uma espécie de lógica da hipercomplexidade e da auto- organização (Atlan, 1992:36-53).
Pensar a natureza, a sociedade e o século XXI no contexto da atual (des)ordem mundial, passa por uma reflexão dos comportamentos sócio-econômicos e técnico-científicos vividos pela humanidade em seus diferentes estágios de desenvolvimento.
Passa também pela compreensão das novas expressões incorporadas ao cotidiano dos povos, tais como: chips, informática, fibra ótica, softwares, multimídia, cibercultura, plugados, era digital, mercadorização generalizada, viragem ecológica, pânico ecológico, neurochips, biotecnologia, animais clonados, transgênicos, doenças do próximo milênio, complexidade, acaso, catástrofes, etc.
A mundialização da produção, da circulação e circuitos financeiros imediatos são manobrados pelo capital especulativo, que circula a uma velocidade luminar, com paradas de metrô em cada uma das bolsas de valores mundiais. Incontroláveis, transitórias e deixando marcas irreversíveis no mundo do capital produtivo.
Para Santos (1996), "a informação transforma o mundo, reduz o espaço e sintoniza os diferentes pontos em redes". Onde tempo razão e emoção se fazem natureza do espaço-técnica.
Os 500 anos de europeização do Novo Mundo, construídos pela exploração colonial, comercial e multinacional, deixaram um saldo de pobreza mundial contaminante dessa nova ordem, e que foi intensificado no pós-guerras mundiais. Com o fim da Guerra Fria, o livre comércio propagandeado pelo neoliberalismo tira do caminho da sociedade de mercado os empecilhos ideológicos e políticos de contraposição socialista ao sistema, diminuindo-se o pânico ecológico de uma explosão nuclear em cadeia, passando a sobrar espaço e tempo para as disputas mercantis.
Nestes últimos anos, os países subdesenvolvidos contraíram uma dívida externa sem precedentes. As nações desenvolvidas são também responsáveis pela dívida ecológica/social que iniciou-se com a velha história da colonização ( destruição das culturas indígenas, saque de suas riquezas naturais). Isto é, quase tudo do que existe hoje de violência, fome e subdesenvolvimento em quase todo o Hemisfério Sul do planeta, é obra de quinhentos anos de exploração de uma sociedade que se baseia no produzir para lucrar, em que o reino natural não passa de uma mera fonte de matéria-prima a ser indiscriminadamente explorada (FREIRE, 1992:25).
As duas guerras mundiais criaram fronteiras militares, ideológicas e políticas que culminaram com os programas da Guerra Fria, e ao mesmo tempo alimentaram o progresso tecnológico e econômico das grandes potências, que venderam para o mundo do século XX seus potenciais militares e técnico-científicos, além das ações imperialistas, calcadas no discurso de defesa do mundo e baseadas na agressão, subversão, terror ideológico e dominação econômica e cultural que moldaram o mundo da modernização. Um espaço contemporâneo com um grande fosso entre a riqueza e a pobreza, dentro de cada lugar onde o sistema tornouse hegemônico. Especialmente no tocante à quebra das produções tradicionais e nas periferias dos sistemas centrais.
Submundialização e culturas fragmentadas, desenraizadas do mundo natural
"Os construtores de ciborgues estavam envolvidos na tarefa de tornar realidade as idéias de Wiener. Para eles, o corpo era apenas um computador de carne, executando uma coleção de sistemas de informação que se auto-ajustavam em respostas aos outros sistemas e a seu ambiente. Caso se quisesse construir um corpo melhor, tudo que se tinha a fazer era melhorar os mecanismos de feedback ou conectar um outro sistema – um coração artificial, um onisciente olho biônico".(Kunzru, Hari, 2000: 137).
Esta citação é uma invocação para a perspectiva do humano/máquina ou da maquina/humana. Um distanciamento da natureza humana ou do humano na natureza. São questões como estas que nos deixa perplexos diante dos novos desafios humanos.
(BOVAVENTURA: 2001) Destaca em seu livro "Pela mão de Alice – o social e o político na pósmodernidade" que vivemos uma condição complexa e com significativa mudança de paradigmas. O mesmo justifica uma perplexidade diante dos desafios previstos para os próximos anos, considerando fatores de ordem econômica, cultural e sócio-políticas que envolvem tanto os interesses coletivos quanto os interesses individuais com as interações transnacionais e globais.
Emoções digitais, tráfego veloz e intenso de idéias virtuais, nas super-redes de informações da internacional "Net work." O século 21 já é o presente presente. Diagnosticar o quê? Quais as profecias que fracassarão, Nostradamus, Apocalipse? "Não sabemos para onde estamos indo" Hobsbawm (1995).
O difícil é aprisionar o futuro, por mais que psicologicamente se busque a regularidade e o sentimento de constância do tempo, no qual "o passado é uma invenção do presente". (Bachelard, apud.
Pessanha, 1984). E pensar em ler este grande texto chamado "mundo" a partir de uma interpretação total e única é uma das ilusões desfeitas.
O território mundial é agora mapeado pela multimídia, um território tão volátil quanto a riqueza financeira virtual que circunda nas bolsas de investimentos financeiros e desestrutura os valores expressos da produção.
A modernização do mundo apresenta um novo conjunto de instalações das relações sociais, movidas pela produção do trabalho e profunda apropriação da natureza nessa construção do sobreviver humano.
Instalações em que podem ser lidas as contradições das relações e forças produtivas que em sua gênese combinam-se, contradizem-se e complementam-se simultaneamente.
Esta é uma nova ruptura histórica igual ou parecida com aquelas da Antigüidade, que passa para o medievo (feudalismo), e deste para a modernidade das máquinas e contradições. Dilemas cruciais como questões sócio-ambientais ou sócio-econômicas que deixam os Estados Modernos impotentes e nessa nova estrutura cedem lugar ao globalismo. (Brodhag, 1997:56)
A descabida concentração de capital, tanto em nível dos grupos econômicos, quanto em nível das regiões globais, bem como a nova revolução industrial (micro-eletrônica, cibernética, computacional, robótica, cognição, etc.) começa a construir um mundo para homens de sobra, vazios de trabalho, desempregados e contraditoriamente perdidos de sua milenar cultura da atividade. Humanos sem trabalho e sem capital começam, aos montes, a perambular por um mundo de abundância controlada, apropriado pela selvajaria de poucos. Este é o tempo de ilusões, apontando para todas as sortes de incertezas do pensar. Essa lógica do real/virtual combina-se na construção de uma sociedade em que os humanos são nitidamente descartáveis.
O urbano, edificado em suas várias esferas, passa a ser mercadoria de poucos, em seus vários pontos se estabelecem valores econômicos que variam em função da infra-estrutura já existente ou das futuras benfeitorias. O negócio econômico do tempo/espaço pode representar segundos na queda ou alta de ações em bolsas de valores (Santos, 1996:30). A generalização mundial do espaço/tempo como mercadorias se faz na mercantilização dos lugares, do trabalho, do tempo veloz e metrificado, tempo da existência. Objetos de uso e abuso do mercado. A cidade como mercadoria, o campo como mercadoria metamorfoseada do urbano expandem-se e aparentemente, se fazem economia social, vulgarizando-se em suas periferias, reproduzem o mercado não importando em que dimensão, pois toda e qualquer ação humana no espaço contemporâneo é capturada pelo mercado, somando-se para ser carreada até integrar-se aos centros do poder reprodutivo da economia liberal globalizada.
"O espaço se globaliza, mas não é mundial como um todo senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais mas não há um espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e os lugares. (...) Cada lugar, não importa onde se encontre, revela o mundo (no que ele é, mas também naquilo que ele não é), já que todos os lugares são suscetíveis de intercomunicações". (Santos, 1996:32)
Esse processo de mercantilização do espaço/tempo se faz em meio ao complexo mundo da tensão e stress cotidianos, na qual a lógica de propriedade e concentração do capital elimina a abundância e a liberdade tempo/espacial, tornando-os uma mercadoria escassa e cara, capturando os sem capital ao ritmo e espaço segregados e periféricos, excluídos social-político-econômico e cultural, em seus diferentes estágios.
Nessa náusea existencial de uma sociedade saturada, o virtual preenche muito mais os "vazios" que o próprio racionalismo dessa geração que estava adaptada e apoiada no progresso da ciência. A vida sem sentido começa a tonificar os novos seres ciberculturais. Essa nova era digital dos "plugados" não define um chão para os nossos pés.
A submundialização do planeta não é uma idéia profética, mas a vivência iniciada nestas últimas décadas em quase todos os recantos do mundo. Um presente que demonstra elevada pobreza para uns no centro de São Paulo, Cidade do México ou qualquer outra capital subdesenvolvida e industrializada do Hemisfério Sul; e acelerada riqueza para outros no centro de Nova York ou dos países do Hemisfério Norte, não importando nesse jogo do global/local, se cada lugar é, à sua maneira, o mundo (Santos, 1996:35). Pois os ricos de São Paulo assim como os de Nova York, são os ricos de qualquer parte do mundo. Este é o espaço mercado de excluídos e incluídos. Essa relação pobres e ricos não é mais válida como pólos opostos, hoje são nitidamente complementares, uma espécie de combinação das contradições. Por isso falar dos moradores subterrâneos das megalópoles americanas e dos ricos empresários dos países subdesenvolvidos e mundializados como o Brasil.
O mundo que segue é na medida de seu ritmo, o mundo do desemprego, tempo/espaço como instalações irreversíveis para o trágico choque secular, que será o puro demonstrativo de que as crises do modelo liberal da economia de mercado não são apenas cíclicas, mas constantes e cumulativas, e que levará ao abismo todos, não importando aí ordem de chegada, todos somos "filhos do medo", e esta é a violação em estar vivo diante do real e da certeza.
O mundo caminha para uma governança monoplanetária, centrada no poder do G-8, FMI e Banco Mundial, "trivium" de sustentação dessa nova ordem. Enquanto isso, resta o caminhar para a submundialização, e para os que acham ser os donos da chave desse mundo, não adiantará levantar muralhas22 pois a "barbárie do subdesenvolvimento" é um vírus instalado desde a gênese do sistema que é aberto, desigual/combinado e globalizado.
Escala das relações economia/meio ambiente
Fonte: THEYS, Jacques. "Meio ambiente: o regresso da planificação", Annales de Mines, Julho-Agosto de 1992. (extraído de: Brodhag, 1997:75).
Este é apenas um exemplo em gráficos do complexo de idéias, ou visões atuais sobre o meio ambiente e o desenvolvimento, em que os laxistas e os radicais compreendem estes dois elementos de forma antagônica.
No entanto, o que está em voga é o modelo de desenvolvimento consumista, no qual, menos de um bilhão de habitantes dos países ricos consomem em torno de 80% dos recursos naturais (matéria-prima, energia e alimentos), sobrando apenas 20% para cerca de 4,5 bilhões de pessoas, que vivem nos países subdesenvolvidos. (Sene & Moreira, J. C., 1998, 411).
"(...) Contudo, ricos ou não, os defensores de políticas ecológicas tinham razão. A taxa de desenvolvimento devia ser reduzida ao ‘sustentável’ a médio prazo. (...) Os especialistas científicos podiam estabelecer o que se precisava para evitar uma crise irreversível, o problema do estabelecimento desse equilíbrio não era de ciência e tecnologia, e sim político e social. (...)" (Hobsbawm, 1995:548)
Os grandes encontros internacionais sobre o meio ambiente, o desenvolvimento e a sustentabilidade já discutiram muitas saídas para os problemas sócioambientais, mas agir ainda é o mais difícil. Uma coisa é certa, diante de elevado grau de submunidalização da civilização humana, este modelo urbano industrial e consumista de desenvolvimento não consegue dar a mesma qualidade de vida para toda a população do mundo, além de não se sustentar ecologicamente.
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7. Geografia da Paraíba e Desenvolvimento Insustentável
Belarmino Mariano Neto
A Paraíba no Nordeste: contradições sócio-ambientais
O Estado da Paraíba está situado entre os meridianos 34º 47’30" e 38º 46’17"de longitude a Oeste de Greenwich e os paralelos de 6º 01’01" e 8º 18’10" de latitude Sul, fazendo parte da porção mais oriental da região Nordeste do Brasil. É um território que se distribui de Leste para Oeste em uma distância linear de 443km e na direção Norte/Sul, com distância linear de 263km. Limites: Rio G. do Norte (N); Oceano Atlântico (E); Pernambuco (S);Ceará (W). (Moreira, 1985:12).
O Estado encontra-se dividido em quatro mesorregiões geográficas, sendo elas: Sertão, Borborema, Agreste e Litoral Atlântico.
Pensar a Paraíba e o Nordeste brasileiro parece tarefa simples. No entanto, estas áreas são entre as cinco macro e meso-regiões geográficas do país as que possuem os mais fortes contrastes sociais, econômicos, culturais e ecológicos em nível nacional.
A região Nordeste representa um complexo territorial que vai desde a porção leste do Maranhão até o Norte de Minas Gerais, sendo em sua porção oriental banhado pelo Oceano Atlântico. Com quase 1,2 milhão de quilômetros quadrados, representando quase 20% das terras do Brasil, e onde vivem aproximadamente 30% dos brasileiros, algo em torno de 45 milhões de habitantes, o Nordeste representa demograficamente uma área de repulsão populacional, aspecto que se observa desde o início do século e que fornece migrantes para outras regiões do país (IBGE, 1991).
Na verdade, o Nordeste é constituído de diferentes nordestes, com disparidades econômicas e naturais em suas diversas áreas, desde a zona da mata açucareira, cacaueira e petroquímica, com importantes centros urbanos e grande concentração demográfica; a zona de transição agrestina entre o Sertão e o Litoral com pecuária e policultura; o Meio Norte em território maranhense, ou zona dos cocais de atividade extrativa; e o Sertão semi-árido com o domínio da Caatinga, com agricultura e pecuária extensiva.
O Sertão nordestino, Mesorregião como extensa área denominada "polígono das secas", que nos últimos anos já estende-se por mais 1.510 municípios da região. O Sertão semi-árido representa 13,5% das terras brasileiras e mais de 74% da Região Nordeste (Mendes, 1987:20). Nessa área vivem aproximadamente 20 milhões de habitantes, o que pode-se considerar como um território ecologicamente recheado de contradições e fragilidades.
A estiagem é um dos principais fenômenos naturais a desorganizar a frágil economia local, tornando os problemas sociais ainda mais críticos. Do ponto de vista sócio-econômico, o Nordeste apresenta os mais elevados índices de pobreza do país. Problemas como o analfabetismo, desnutrição, mortalidade infantil, subemprego, sub-moradia, falta de assistência médica e de educação. A economia regional é frágil, descapitalizada e totalmente controlada por algumas oligarquias locais.(Ibid., 1987:24).
Segundo os Anais do Primeiro Simpósio Brasileiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido, realizado em Mossoró pela URRN, em 1997, o Semi-árido nordestino é sem dúvida uma das áreas ecologicamente mais degradada do Brasil, no qual o processo de desmatamento provocado pela ação humana, atrelado às condições ecológicas de seca, passa a apresentar um território com forte tendência à desertificação, pois a população pobre tenta sobreviver com os parcos recursos naturais, a exemplo do comércio de lenha para fornos dos grandes centros regionais e fabricação de carvão, com o uso da vegetação que ainda resta no local. Constata-se que o ‘polígono da seca’ está se ampliando a cada período de longa estiagem, além disso, arcaicas práticas de queimadas e coivara para agricultura de subsistência, ao lado do machado, foice e até moto-serra para extração da madeira, produção de carvão, lenhas, estacas para cercas e carpintaria, contribuem ao lado da seca para a degradação e um maior agravamento dos problemas no meio ambiente regional.
A Semi-aridez do Sertão nordestino vincula-se diretamente ao clima quente-seco, no qual a água ausente é um dos principais elementos responsáveis por este fenômeno natural..
Segundo a OMM/UNESCO, 1997 – Relatório "Água suficiente no mundo?" o Banco Mundial, 1995 – Relatório "em direção do uso sustentável dos recursos hídricos" e o Programa Hidrológico Internacional / UNESCO, 1997 – Relatório "Repartição das águas terrestres", podemos dizer que 70% da superfície terrestre é coberta por água, mas 97% dessa água é salgada. A maior parte da água doce do planeta está presa nas calotas polares e geleiras ou armazenada debaixo da superfície da terra. Só 0,26% está disponível em lagos, rios e córregos. 80,6% da água fresca usada pela humanidade é destinada à agricultura. De 65% a 70% da água em uso, se perde através de evaporação, vazamentos e outros desperdícios. Sem drenagem adequada, a irrigação contínua desgasta o solo, os rios e os córregos, devido ao processo de erosão e salinização que ali se instala. Estima-se que 60 milhões de hectares de terra irrigada em todo o mundo já tenham sido atingidas pela salinização. A vegetação é o melhor instrumento de retenção da água, uma vez que evita a erosão e alimenta mananciais subterrâneos. A derrubada de florestas está intimamente relacionada com inundações, deslizamentos e erosão dos solos nas estações chuvosas e com secas severas durante a estiagem.
O Brasil tem 14% das reservas mundiais de água doce. São Paulo já consome 95% de sua água de superfície disponível; a Amazônia é responsável por 16% da drenagem de água doce do mundo, com 4% da superfície da terra.
As regiões áridas e desérticas somam 40% da superfície terrestre, e só contam com 2% do total de drenagem de água doce do mundo.
Apesar de saber que o semi-árido brasileiro é identificado pela seca e o rigor das prolongadas estiagens, entendo que este território marcado pela falta de água tem implicações muito mais complexas, pois nesse ambiente se estabeleceram diferentes atividades econômicas e relações sociais que ultrapassam os limites meramente físicos, como a escassez de chuvas ou outros fenômenos naturais. No Semi-árido nordestino cristalizou-se toda uma cultura regional, no qual, homens, mulheres e crianças formam um expressivo contingente populacional que tenta acessar os recursos naturais e econômicos, considerados vitais, como os recursos hídricos e alimentares. Na verdade, desde o século XVII, quando as atividades ligadas à agropecuária e ao extrativismo começaram a se expandir pelo território semi-árido, isto foi feito de forma extensiva e predatória, pois a idéia colonial de ocupação não vislumbrava de forma global os impactos que tais atividades pudessem causar a este meio de condições físicas fragilizadas pelo própria natureza. Mendes (1987).
Mendes (1987) é quem melhor caracteriza a região sertaneja no tocante ao planejamento e gestão desse território, pois consegue identificar a importância ecológica, social e econômica da Região com muita riqueza de detalhes. Especialmente no que tange à desertificação do Semi-árido nordestino, apontada como um processo de diminuição ou destruição progressiva da vida, seja animal ou vegetal, de uma determinada área que tende a atingir condições de deserto, sendo resultado da ação sócio-econômica, das condições climáticas e do solo.
Existem outros conceitos de desertificação que tratam dos processos naturais sucessivos em longos períodos, ou um complemento ao conceito acima utilizado que trata da hamada ou "deserto de pedra" (Guerra, 1997:197), pois boa parte do semi–árido nordestino encontra-se sobre rocha cristalina com solo raso e pedregoso que são condições naturais para tornar essa região desnuda em função dos grandes afloramentos rochosos.
Como uma região semi-árida, esta área é facilmente passiva de degradação, pois a fragilidade do ecossistema e a ação humana permitem um acelerado processo de destruição das condições biológicas. Em função da rigorosidade ambiental, as regiões áridas caracterizam-se como mundos solitários, de rochas, pó e vento, quente e frio23, sendo localizadas predominantemente em zonas tropicais e equatoriais de alta pressão.
Um território de constante luta entre água, vida e árido em expansão. (Steele, 1998: 9/13).
"Os habitantes nativos do território do atual Estado da Paraíba pertenciam aos grupos lingüísticos dos Tupi e Cariri. Dos primeiros destacavam-se as nações dos Potiguara e Tabajara, que habitavam o litoral no momento inicial da colonização, enquanto os Cariri ocupavam vastas áreas do Sertão. Organizados em uma economia comunitária, os índios cultivavam a mandioca, o milho, o fumo e o algodão, e praticavam a caça, a pesca e a coleta. Para tanto, a terra era mais do que o celeiro natural, era a própria razão de existência da comunidade" (EGLER & MOREIRA, 1985:16).
A ocupação do território paraibano no início da colonização, séculos XVI e XVII, esteve inicialmente voltada para a produção agrícola, ligada aos interesses do capital mercantil e seus mecanismos de mercados. Logo, a cidade não tinha papel relevante nesse processo, pois servia apenas como entreposto para escoamento da produção agrícola. Os campos do litoral foram sendo tomados pela produção canavieira, sendo a cidade de Parahyba (João Pessoa), a primeira área urbana do território em formação.
No litoral se estabeleceu a atividade canavieira, organizada em um tripé sócio-econômico e cultural de monocultura, trabalho escravo e latifúndios, tendo o engenho e os canaviais como principais locais dessas relações, capital mercantil e trabalho escravo.(Ibid. 1985:17).
A partir do século XVII, as áreas interioranas foram sendo ocupadas pelos conquistadores ( colonos, bandeirantes e sesmeiros24) para a constituição das fazendas de gado. Esse processo é convergente ao extermínio e aldeamento das nações indígenas Kariri e Tarairiú (Sukurú, Ariú, Icó e Paiacú, Canaió, e outros).
Nesse berço da nação Kariri, tivemos diversas tribos, como: os Ariú e Sukurú. Os Ariú vindos do Sertão, Ceará e Rio Grande do Norte, e os Sukurú vindos do Vale do Pajeú ao Sul, em Pernambuco ocupando toda essa região, que em alguns trechos, recebe o nome do grupo lingüístico dos Kariri.
Lembrei-me de que além de ser um homem, eu era um homem ligado à determinada terra, meus antepassados tinham vindo pelo mar, em caravelas, eram ibéricos: portugueses, castelhanos, beirões, minhotos, mouros, judeus. Todos com o sonho do além instilado no sangue.
Sendo que de todas as terras de onde tinham vindo, a Beira Alta era já do outro lado do mundo, uma região de gados e pedras, de serras e chapadas como o Sertão. Eu me orgulhava de descender daquele povo, que dera a canção da barca bela e o romance da nau catarineta.
Povo de marujos que viera pelo mar e se fixara no litoral e na mata, cruzando-se com negros africanos e índios vermelhos. Mais ainda, o contingente mais audaz e ousado dessa gente, deixou o litoral e a mata, e subiu o planalto sertanejo, para, vestido de couro, criar o mito de uma rude cavalaria sertaneja. (...) Vaqueiro com seu couro cravejado com medalhas de prata a faiscar, bebendo o sol de fogo e o mundo oco, meu coração é um almirante louco que abandonou a profissão do mar (Suassuna, Sonetos in: A poesia Viva de Ariano Suassuna, CD: 1998).
Suassuna vai tecendo com seus sonetos os diferentes europeus que participaram da construção territorial do Nordeste e especificamente o Sertão da Paraíba. Em seu texto noto teores de cruzadas religiosas e conquistas, em que o sertanejo aparece como sendo um cavaleiro com armaduras de couro e a coragem de enfrentar o desconhecido em nome de uma construção inconsciente da história cultural de um lugar.
As terras do Sertão foram ocupadas nas margens das ribeiras, estabelecendo as fazendas que destinavam-se à criação de gado bovino, eqüino, caprino, ovino, asnos ou burros e jumentos – como também para o plantio de algodão e gêneros alimentícios para subsistência. (Moreira, 1997:65).
Estes dados caraterizam de forma geral o território paraibano. A medida que as informações geográficas são apresentadas, o meio ambiente sem planejamento ecológico e econômico vai sendo ocupado, de forma que o desenvolvimento para a Paraíba como elemento fortemente degradante, vai impossibilitando sustentabilides efetivas.
Um território marcado pelo ponto mais elevando como sendo o Pico do Jabre, com 1.090 m., na Serra de Teixeira, município de Matureia. O Relevo é de três níveis gerais: planície e baixos planaltos no litoral; planalto da Borborema no Agreste e parte do Sertão; e depressão sertaneja. Os principais Rios são: Paraíba, Piancó, Piranhas, Taperoá, Mamanguape, Curimatú, do Peixe, Camaratuba, Espinharas, Miriri. O clima é tropical, apresentando-se como tropical quente úmido no litoral, subúmido no agreste e semi-árido no Sertão.
A vegetação já foi muito devastada, apesar de ser considerada latifoliada atlântica no litoral; faixas de cerrado e de caatinga no agreste e interior do Estado.
Considero três importantes unidades mesoregionais como referencias gerais das quais destaco:
Litoral, Borborema e Sertão. Posso pensar também em geo ambientes mais particulares levando em consideração condições geomorfoclimáticas específicas. No caso, a idéia de litoral a partir da influência atlântica na zona costeira e de influência continental nos entornos da depressão sublitorânea, ou piemonte da Borborema.
A Mesorregião de superfície aplainada da Borborema, na qual destacaria uma zona de transição identificada como depressão sublitorânea, já citada e que pode se caracterizar como agreste baixo; Os Brejos Serranos, Curimatú, Seridó, Agreste propriamente, e Cariris paraibanos.
A Mesorregião sertaneja com destaque para o alto Sertão e a Depressão sertaneja. Microunidides também podem ser consideradas a partir da idéia de Microrregiões geográficas, considerando tanto os elementos já mencionados, quanto aspectos de ordem social, econômica, cultural e ambiental. Assim destacaria aproximadamente vinte e três microrregiões geográficas (TAVARES DE MELO & RODRIGUEZ, 2003, 17).
O Litoral –atualmente subdividida em quatro microrregiões (João Pessoa, Litoral Sul, Sapé e Litoral Norte). Área conhecida como zona da mata, devido ao antigo domínio da floresta litoliada tropical (mata atlântica) que se estendia por toda a faixa atlântica, mas que foi quase que totalmente desmatada pelo processo de colonização da paraíba, restando apenas algumas "ilhas" de vegetação original, como a Mata do Buraquinho em João Pessoa e Reserva dos Guaribas em Mamanguape. Esta região se estende do mar até aproximadamente 80km leste/oeste, direção interior do Estado. No litoral encontram-se as praias, com suas planícies de restingas, manguesais e os baixos tabuleiros, com altimetria que varia de zero a 90 metros de altitude. O clima predominante dessa faixa de terra, é conhecido como quente úmido litorâneo ou tropical atlântico (As’) e temperaturas médias de 24º C e 27º C, além de elevados índices pluviométricos, indo de 900mm. a 1.800 mm. ao ano e uma umidade relativamente alta, em torno de 80%. Sua hidrografia é marcada por bacias que se deslocam no sentido oeste/leste, advindas do Planalto da Borborema e que no litoral tornamse perenes. As três principais bacias hidrográficas que recortam o litoral são: Rio Paraíba, Rio Mamanguape, e Rio Camaratuba, além de pequenas bacias que se formam nos tabuleiros: Gramame/mamuaba, Miriri, Guandu, Soé, etc.
Do ponto de vista geológico, o litoral é profundamente marcado por baixos planaltos sedimentares, suavemente ondulados e com altitudes inferiores a cem metros. A geologia aponta a faixa litorânea, como sendo de formação recente (cenozóico e mesozóico), destacando que na faixa costeira temos todo um trabalho de abrasão marinha (quaternário)sob os tabuleiros originaram as falésias e associados a ação fluvial, formaram nos baixos meandros dos rios os mangues com sua vegetação sempre verde e adaptada as condições de salinidade, bem como as restingas e no Litoral Norte, encontram-se tímidas formações dunares. Na subzona marinha, aparecem as formações recifais do tipo arenitos e coralígeno, que podem ser vistos quando as marés estão baixas, representados por pequenas muralhas de pedras, que servem como abrigo, refúgio, berçário e local de alimentação para diversas espécies marinhas.
No tocante aos solos litorâneos, estes podem ser classificados como: arenosos e ou argilosos de baixa fertilidade, arenosos de praia, solos salgados influenciados pelas marés e os solos de várzeas ou aluviais, (massapé) com elevada fertilidade, onde se implantou desde o período colonial, a monocultura canavieira. (TAVARES DE MELO & RODRIGUEZ, 2003: 22-31).
A Depressão Sub-Litorânea – Composta pelas Microrregiões de Itabaiana e Guarabira. Área de transição entre o litoral e o planalto da Borborema ou Agreste. Marcada geologicamente pelo dissecamento do cristalino, representando uma espécie de escudo rebaixado e aplainado, modelado em colinas baixas e topo plano. Ainda existem restos ou resíduos sedimentares e serras de maciços. E uma área conhecida também como Piemonte da Borborema em sua extensão oriental. O clima apesar de ser considerado quente úmido, sofre uma pequena diminuição em sua umidade e pluviosidade, decorrentes de uma pequena elevação na temperatura, o que vai caracterizar um clima semi-úmido, que interfere diretamente na vegetação, marcada pelo cerrado e vegetação agreste sublitorânea. (variação de espécies herbáceo-abustivo e xerófilas), mostrando ligeiro contato entre a Caatinga e espécies mais úmidas. Na atualidade o que remanesce de cobertura vegetal é apenas em trechos mais acidentados, e o que marca a paisagem é um horizonte de pastagem fortemente degradada, com árvores do tipo juazeiros (Ziziphus joazeiros) em pouquíssima quantidade.
Os dois maiores centros da Depressão Sub-Litorânea são Guarabira e Itabaina, polarizadores econômicos e de políticas públicas para os municípios. A área já foi profundamente alterada pelas atividades sócio-econômicas ligadas a pecuária bovina, caprinicultura e agricultura. Áreas de encostas que chegaram a ser identificadas como Brejo, como é o caso Guarabira, não conseguindo mais sentir o ambiente tão úmido e verde como a séculos e até décadas passadas.
Nesse trecho do território paraibano, identificado como depressão sublitorânea ou Agreste Baixo, existe uma forte dissecação do relevo, marcadamente influenciado pelas principais bacias hidrográficas que se estendem no sentido Oeste/Leste, advindas do Planalto da Borborema (Rio Paraíba, Rio Mamanguape, Curimatú e Camaratuba) e que nessa área são influênciados por vários afluentes que fortalecem a ação hidrológica local.
Engenhos e até usinas de cana-de-açúcar foram implantadas nesse território, em especial nas áreas circuvizinhas dos Brejos Serranos, como Guarabira e Alagoa Grande (GALLIZA, 1993:143-146). O Algodão e o Sisal, também foram importantes atividades desenvolvidas nessa zona agrestina baixa.
Na atualidade, se nota uma forte retração das atividades rurais na mesorregião, em que, pequenos e médios produtores rurais descapitalizados não conseguem acessar uma produção voltada para o mercado regional de forma autonoma e os riscos com financiamentos via créditos são muito altos para as condições produtivas reais da área. Uma fraca pecuária e uma agricultura familiar restrita aos períodos de chuvas (milho, feijão, mandioca) ainda são as praticas mais comuns na região. Centro polarizadores de serviços públicos como Guarabira e Itabaina conseguem canalizar para a zona urbana fatia importante do setor de comércio e serviços, deixando a maioria dos outros municípios dependentes do jogo de poder político e serviços públicos estaduais que em muitos casos acabam canalizados para estas áreas.