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CENA X
(Margarida e Armando).
ARMANDO (Indo se ajoelhar aos pés de Margarida). Margarida!
MARGARIDA O que você quer?
ARMANDO Quero que me perdoe.
MARGARIDA Você não merece! (Movimento de Armando). Está certo que tenha ciúme e me escreva uma carta irritada.... mas nunca uma carta ironiza e impertinente... Você me magoou demais, Armando.
ARMANDO E você, Margarida, pensa que também não me magoou?
MARGARIDA Mas eu, não foi por mal.
ARMANDO Quando vi o conde chegar, quando percebi que era por causa dele que me despedia fiquei como um louco, perdi a cabeça e escrevi aquela carta. E quando, em vez da resposta que eu esperava, em vez de desculpas, você mandou dizer, secamente, que a carta estava entregue, e que não tinha resposta, não agüentei mais... Pensei no que seria de mim se nunca mais te visse. E o mundo ficou vazio de repente... porque se eu te conheço há poucos dias, Margarida, há dois anos que eu te amo…
MARGARIDA Escute! Acho que tomou uma boa resolução, meu amigo.
ARMANDO Qual?
MARGARIDA De partir. Não foi o que escreveu?
ARMANDO Acha que seria possível?
MARGARIDA É preciso que seja.
ARMANDO É preciso?
MARGARIDA É Não só por você como por mim, também. Minha condição me impõe que não o veja e tudo me impede de amá-lo.
ARMANDO Então gosta um pouco de mim, Margarida?
MARGARIDA Gostei.
ARMANDO E agora?
MARGARIDA Agora pensei melhor e vi que era impossível o que eu desejava.
ARMANDO Aliás se gostasse de mim não teria recebido o conde, esta noite.
MARGARIDA Por tudo isso é que mais vale ficar onde estamos. Sou jovem, sou bonita, sou uma boa moça. Você, um rapaz sensato; devia ter visto em mim o que há de bom, deixar o que não presta e ignorar o resto.
ARMANDO Não era assim que me falava ainda há pouco, Margarida, fazendo-me entrever os meses que eu ia passar só com você, longe de Paris, longe do mundo. Eu caí dessa esperança na realidade por isso é que sofri.
MARGARIDA É verdade... e eu ainda fui mais longe… disse assim comigo: acho que um pouco de descanso me faria bem; ele está preocupado com a minha saúde se houvesse um jeito de passar com ele um verão tranqüilo, em algum lugar no campo, no meio de algum bosque, ao menos seria uma compensação para os dias ruins... No fim de... três ou quatro meses tínhamos voltado para Paris, dado um bom aperto de mão e transformado em amizade o restos do nosso amor. Porque o amor que costumam sentir por mim, por mais violento que seja nem sempre pode vir a ser uma amizade. Mas você não quis; seu coração é um senhor altivo que nada aceita... não se fala mais nisso... Me conhece há quatro dias, ceou uma noite aqui em casa, me mande uma Jota com o seu cartão estamos quites.
ARMANDO Está louca, eu te amo, Margarida! E isso não quer dizer que é bonita e que ia me atrair por uns quatro meses; mas que é toda a minha esperança, todo o meu pensamento, toda a minha vida. Eu te amo! Que mais te posso dizer.
MARGARIDA Então, mais uma razão é melhor nos separarmos desde já.
ARMANDO Naturalmente, porque você não gosta de mim.
MARGARIDA Porque eu… você não sabe o que esta dizendo!
ARMANDO Por que então?
MARGARIDA Por que? Você quer saber? Porque há momentos que eu não quero interromper o sonho começado; porque há dias em que me sinto fatigada dessa vida que levo; porque no meio de nossa existência ruidosa, a cabeça, a vaidade, os sentidos vivem... mas o coração aperta e como não pode se expandir, sufoca. Parece que somos felizes e nos invejam. De fato, temos amantes que se arruinam, não por nossa causa, como dizem, mas por causa de sua vaidade... Somos as primeiras no seu amor próprio e as últimas na sua estima. E temos amigos, como Prudência, cuja amizade vai até o servilismo, jamais até o desinteresse. Pouco se importam com o que fazemos, contanto que freqüentem o nosso camarote ou se pavoneiem em nossas carruagens. É assim à nossa volta, vaidade, vergonha, mentira... Por isso, às vezes; eu sonhava, sem dizer nada a ninguém, encontrar um homem que fosse capaz de não me pedir satisfação e quisesse ser o amante de minhas emoções… Esse homem, pensei tê-lo encontrado no duque, mas a velhice não é proteção nem é consolo e meu coração tem outras exigências. Então eu te conheci moço, ardente, feliz; as lágrimas que te vi derramar por minha causa, o interesse que te vi demonstrar por minha saúde, as visitas misteriosas enquanto estive doente, a franqueza, o entusiasmo, tudo isso fez com que eu te tomasse por aquele a quem vivia chamando, do fundo de minha ruidosa solidão. De repente, desatinada, construi o meu futuro sobre o seu amor e me pus a Sonhar com o campo e as coisas simples, a lembrar de meu tempo de criança porque aconteça o que acontecer, nada apaga da memória a criança que um dia fomos. Estava querendo o impossível; uma frase sua me fez cair em mim tudo, agora já sabe!
ARMANDO E pensa que depois do que me disse. Você quis saber de eu vou deixá-la? Depois de ter ouvido o que eu ouvi? Quando a felicidade me abre os braços, vou lhe voltar as costas? Não, Margarida, nunca; seu sonho vali-se realizar, juro. Não falemos mais nisso, nós somos moços, gostamos um do outro sigamos o nosso amor.
MARGARIDA Não me engane, Armando; sabe que uma emoção violenta pode me matar; lembre já de quem eu sou e do que sou.
ARMANDO É um anjo, eu te amo!
NANINE (Batendo). Senhora.
MARGARIDA O que é?
NANINE Acabam de entregar uma carta.
MARGARIDA Hoje é a noite das cartas! De quem?
NANINE Do Sr. conde.
MARGARIDA Estão esperando a resposta?
NANINE Estão, sim senhora.
MARGARIDA Viva! Diga que está entregue.
ATO III
(Auteuil, um quarto ao rés do chão. No fundo, diante do espectador, uma lareira. De cada lado uma porta envidraçada, dando para um jardim. À direita, no primeiro plano, uma porta Mesas e cadeira).
CENA I
(Nanine, levando uma bandeja de chá, depois do almoço, Prudência).
PRUDÊNCIA Que é de Margarida?
NANINE Está no jardim com dona Nichette e o Sr. Gustavo que vieram passar o dia aqui. Acabaram de almoçar.
PRUDÊNCIA Então vou até lá.
ARMANDO (Entrando, enquanto Nanine sai). Ah ! E você Prudência? Tenho uma coisa muito séria para lhe falar. Há quinze dias você saiu daqui no carro de Margarida, não foi?
PRUDÊNCIA Foi !
ARMANDO Desde então nem o carro, nem os cavalos tornaram a aparecer. Há oito dias, na hora da despedida, você se queixou de frio e Margarida lhe emprestou uma capa, que você não devolveu Ontem, afinal, entregou-lhe uns braceletes e uns diamantes, diz ela que para o conserto. Onde estão os cavalos, a carruagem, a capa, os diamantes?
PRUDÊNCIA Quer que eu seja franca?
ARMANDO É um favor.
PRUDÊNCIA Os cavalos foram devolvidos ao negociante, pois foram comprados a crédito.
ARMANDO A capa?
PRUDÊNCIA Vendida.
ARMANDO Os diamante?
PRUDÊNCIA Empenhados. Estou com as cautelas aqui.
ARMANDO E por que não me disse nada?
PRUDÊNCIA Porque Margarida não quis.
ARMANDO E por que essas vendas e esses penhores?
PRUDÊNCIA Para as despesas! Pensa, meu caro, que basta amar para ir viver fora de Paris, uma vida pastoril e etérea? Está muito enganado ! Ao lado da poesia existe a triste realidade. As melhores resoluções estão presas à terra por laços ridículos' mas de ferro e que não rompemos assim facilmente. Acabo de estar com o duque, pois queria ver se era possível evitar tantos sacrifícios, mas o duque não quer fazer mais nada por Margarida, a menos que ela abandone você, e sabemos muito bem que disso ela nem tem vontade.
ARMANDO Como ela é boa!
PRUDÊNCIA Boa, mesmo, boa demais, pois sabe Deus como vai acabar tudo isso? E não pense que vai ficar só nisso, não. Quer vender tudo, tudo, para pagar o que ainda está devendo. Tenho aqui no bolso um projeto de venda, que o corretor me acaba de entregar.
ARMANDO Quanto será preciso?
PRUDÊNCIA Trinta mil francos, no mínimo.
ARMANDO Peça um prazo de quinze dias aos credores. Em quinze dias eu pagarei tudo.
PRUDÊNCIA Vai pedir emprestado?
ARMANDO Vou.
PRUDÊNCIA Muito bonito! É o mesmo que brigar com seu pai e ficar sem um vintém.
ARMANDO Estava prevendo isso; escrevi a meu tabelião, dizendo que pretendia doar a alguém o que herdei de minha mãe e acabo de receber a resposta; o documento já está pronto, só falta preencher algumas formalidades ainda hoje devo ir a Paris assinar os papéis. Enquanto isso, não deixe que Margarida faça o que está querendo fazer.
PRUDÊNCIA Mas e os papéis que estão aqui comigo?
ARMANDO Quando eu tiver saído, entregue tudo a ela, como se eu não soubesse de nada. É preciso que ignore nossa conversa. Aí vem ela.
CENA II
(Margarida, Nichette, Gustavo, Armando e Prudência).
MARGARIDA (Entrando põe um dedo nos lábios, fazendo sinal à Prudência para se calar).
ARMANDO (À Margarida). Querida, ralhe, com Prudência!
MARGARIDA Por que?
ARMANDO Ontem pedi a ela que passasse lá em casa para trazer as cartas que encontrasse, pois há quinze dias que o vou a Paris. A primeira coisa que ela fez foi se esquecer. E agora sou obrigado a te deixar por uma ou duas horas. Faz um mês que não escrevo a meu pai, ninguém sabe onde estou, nem mesmo meu criado, pois eu queria evitar os importunos. O dia está bonito, Nichette e Gustavo estão aqui te fazendo companhia; vou pegar um carro e dar um pulo até lá em casa. Não demoro.
MARGARIDA Vá, querido, vá; mas se não escreveu a seu pai não foi por minha culpa quantas vezes te disse para escrever. Volte depressa. Vamos esperá-lo aqui proseando e passeando Gustavo, Nichette e eu.
ARMANDO Em uma hora estou de volta. (Margarida o acompanha até a porta; voltando diz a Prudência).
MARGARIDA Está tudo arranjado?
PRUDÊNCIA Está.
MARGARIDA E os papéis?
PRUDÊNCIA Estão aqui. O corretor deve vir falar com você hoje, sem falta. Eu vou almoçar, que estou morrendo de fome.
MARGARIDA Vá. Nanine arranja tudo o que você quiser.
CENA III
(Os mesmos, menos Ar mando e Prudência) .
MARGARIDA (À Nichette). Estão vendo, é assim que nós vivemos há três meses.
NICHETTE E você é feliz?
MARGARIDA Se sou!
NICHETTE Bem que eu dizia, Margarida, que a verdadeira felicidade está no sossego e na paz do coração. Quantas vezes; eu e Gustavo comentamos —"Quando será que Margarida vai gostar de alguém e levar uma vida mais tranqüila!"
MARGARIDA Pois é! O seu desejo se realizou, estou apaixonada e estou feliz; fiquei com inveja do amor de vocês dois.
GUSTAVO O fato é que nós somos felizes, não já mesmo Nichette?
NICHETTE Acho que somos e não fica assim tão caro. Você é uma grande dama, Margarida e nunca foi nos visitar; mas se fosse também havia de querer viver como nós dois. Está pensando que a vida que leva aqui é simples imagine se visse os nossos dois quartinhos no 5.° andar... As janelas dão para um jardim onde os donos nem aparecem! Como pode haver gente que não aproveita o seu jardim?
GUSTAVO Parecemos um romance alemão ou um idílio de Goethe, com música de Schubert.
NICHETTE Não comece com brincadeira, só porque Margarida está presente. Quando estamos sós você não brinca, é meigo como um cordeiro e terno como um pombinho. Imagine, queria que nos mudássemos! Acha que nossa vida é modesta demais.
GUSTAVO Não, acho que nossa casa é que é alta demais.
NICHETTE Pois, não saia na rua, assim nem se lembra em que andar ela fica.
MARGARIDA Vocês dois são uns encantos.
NICHETTE Com o pretexto de ter 6.000 libras de renda, não quer mais que eu trabalhe. Um desse dias vai querer me comprar uma carruagem...
GUSTAVO Mais dia menos dia, quem sabe?
NICHETTE Tem tempo. Primeiro é preciso que seu tio me olhe com outros olhos. E que faça de você seu herdeiro e de mim sua sobrinha.
GUSTAVO Ele já está começando a voltar atrás.
MARGARIDA Então é porque não conhece Nichette! Se a conhecesse ficaria louco por ela.
NICHETTE Não, o senhor seu tio nunca me quis ver. Ainda é daquele gênero de tios que pensam que as "grisettes" foram feitas para arruinar os sobrinhos; queria que Gustavo se casasse com uma moça de sociedade. E eu, o que sou, então? Será que eu não sou da sociedade?
GUSTAVO Ele ainda vai se humanizar… Aliás, desde que me formei está mais indulgente.
NICHETTE Pois é! Tinha me esquecido de contar Gustavo já é advogado, minha cara.
MARGARIDA Vou-lhe confiar a minha própria causa.
NICHETTE Já fez uma defesa, eu estava na audiência.
MARGARIDA E ganhou?
GUSTAVO Perdi em cheio, meu cliente foi condenado a 10 anos de trabalhos forçados.
NICHETTE Felizmente.
MARGARIDA Por que felizmente?
NICHETTE Porque o homem era um refinado tratante! Que profissão engraçada é a advocacia! O advogado é um grande homem na medida em que pode dizer: Eu tinha em minhas mãos um celerado, que havia morto o pai, a mãe e os filhos. Pois bem! Tenho tanto talento que consegui absolvê-lo e devolver à sociedade esse belo ornamento.
MARGARIDA Então, agora que é advogado. logo iremos à boda...
GUSTAVO Se eu me casar.
NICHETTE Como, se o senhor se casar? Pois espero que se case, e comigo, ainda! Onde iria arranjar uma esposa melhor e que o quisesse mais?
MARGARIDA Então, para quando é?
NICHETTE Para logo.
MARGARIDA Você tem sorte, Nichette.
NICHETTE Será que você também não vai acabar como nós?
MARGARIDA Me casando? Com quem?
NICHETTE Com Armando.
MARGARIDA Armando! Ele deve gostar de mim, mas não se casará comigo. Quero tomar
lhe o coração, nunca hei de lhe tomar o nome. Há coisas que uma mulher não apaga de sua vida, Nichette, e que dariam ao marido o direito de censurá-la. Se eu quisesse casar com Armando, amanhã mesmo ele se casava comigo. Mas eu gosto demais dele, para o obrigar a tanto. Pergunte a Gustavo se eu não tenho razão.
GUSTAVO Você é uma moça de bem, Margarida.
MARGARIDA Não; mas penso como um homem de bem. Nunca imaginei que pudesse ser tão feliz. Agradeço a Deus por isso e não quero tentar a Previdência.
NICHETTE Gustavo está dizendo isso, mas aposto que se estivesse no lugar de Armando casava com você, não é mesmo, Gustavo?
GUSTAVO E bem possível. Aliás, a inocência das mulheres pertence ao primeiro amor e não ao primeiro amante.
NICHETTE A não ser que o primeiro amante seja, ao mesmo tempo, o primeiro amor. Eu sei de um exemplo.
GUSTAVO E bem perto, não é mesmo?
NICHETTE Enfim, se você é feliz, o resto não importa.
MARGARIDA Sou sim. E no entanto, quem diria que Margarida Gauthier ainda iria viver absorvida no amor de um homem, sentada ao seu lado hora a fio, trabalhando, lendo e escutando?
NICHETTE Como nós.
MARGARIDA A vocês dois eu posso falar francamente. Sei que acreditam em mim porque é com o coração que me ouvem. Há momentos em que me esqueço do que fui; em que a mulher de outros tem pois se destaca de tal forma da mulher de hoje, que são duas pessoas que eu vejo e a segunda, apenas 8 custo se lembra da primeira. Estranha aos maus próprios olhos, estranha aos olhos dos outros! Quando vestida de branco, um grande chapéu de palha na cabeça, a peliça no braço por causa da frescura da água, subo com Armando no barco, deixando-o ir ao sabor da corrente e parar, sozinho, sob os salgueiros da ilha mais próxima, quem diria que essa sombra branca é Margarida Gauthier? Já fiz gastarem em flores mais dinheiro do que seria preciso para sustentar uma família durante um ano agora uma só flor que Armando me deu esta manhã, basta para perfumar todo o meu dia. Vocês sabem o que é o amor, como as horas correm ligeiras, levando
nos sem atropelo e sem fadiga, ao fim das semanas e dos meses. Oh! Como eu sou feliz Mas ainda quero ser mais... pois não lhes contei tudo...
NICHETTE O que?
MARGARIDA Ainda há pouco estavam dizendo que eu não vivia como vocês logo não dirão mais isso.
NICHETTE Como?
MARGARIDA Sem que Armando perceba vou vender tudo o que tenho em minha casa em Paris. Não quero mais voltar para lá. Vou lá. Vou pagar todas as dívidas, alugar um apartamento perto de vocês, mobiliá-lo modestamente, viveremos assim, esquecendo e esquecidos. No verão havemos de voltar para o campo, mas para uma casinha modesta. Há quem pergunte o que é a felicidade vocês me ensinaram e agora eu também posso ensinar aos outros.
NANINE Está aí um senhor perguntando pela patroa.
MARGARIDA (À Nichette). Decerto é o corretor. Vão me esperar no jardim, eu não demoro. Volto com vocês para Paris, assim liquidamos tudo juntos. (À Nanine). Faça-o entrar. (Faz um último sinal à Nichette e a Gustavo que saem; dirigir-se à porta pela qual entra o personagem anunciado).
CENA IV
DUVAL (Da soleira da porta). Sra. Margarida Gauthier?
MARGARIDA Sou eu, meu senhor. A quem tenho a honra de falar?
DUVAL —A Jorge Duval.
MARGARIDA Ao Sr. Duval!
DUVAL Sim, minha senhora, ao pai de Armando.
MARGARIDA Mas Armando não está aqui, meu senhor.
DUVAL Eu sei, é com a senhora mesmo que desejo ter uma explicação... queira ter a bondade de ouvir
me. Meu filho está se comprometendo e se arruinando por sua causa...
MARGARIDA Está enganado, meu senhor. Graças a Deus ninguém mais fala de mim e eu não aceito nada de Armando.
DUVAL Quer dizer que pois o seu luxo e as suas despesas são bem conhecidos quer dizer que meu filho é tão indigno a ponto de esbanjar com a senhora o que a senhora aceita dos outros?
MARGARIDA Perdão, mas sou uma senhora e estou em minha casa duas razões que deveriam interceder em meu favor junto à sua cortesia; o tom em que está me falando não é o que eu podia esperar de um cavalheiro, que tenho a honra de ver pela primeira vez, e...
DUVAL E...
MARGARIDA Peço licença para me retirar, não tanto por mim como pelo senhor.
DUVAL É verdade, quando nos defrontamos com a senhora e com suas maneiras, custamos a crer que todas essas coisas sejam postiças e essas maneiras dissimuladas. Bem me tinham dito que era uma pessoa perigosa.
MARGARIDA Perigosa, é verdade. Mas para mim e não para os outros.
DUVAL Perigosa ou não, a verdade, é que Armando está se arruinando por sua causa, minha senhora.
MARGARIDA Com todo o respeito que devo ao pai de Armando, repito-lhe que está enganado.
DUVAL Então o que significa esta carta de meu tabelião me prevenindo que Armando quer lhe fazer doação de um pecúlio?
MARGARIDA Eu lhe asseguro, que se Armando, fez isso, fez a minha revelia, pois sabia perfeitamente que se me tivesse oferecido eu o teria recusado.
DUVAL No entanto, nem sempre agiu assim.
MARGARIDA É verdade, meu senhor, mas então eu não estava apaixonada.
DUVAL E agora?
MARGARIDA Agora é diferente! Amo com toda a pureza que uma mulher pode encontrar no fundo do coração, quando Deus, tendo piedade dela, manda o arrependimento.
DUVAL Pronto! Já começaram as frases de efeito!
MARGARIDA Ouça-me, por favor. Meu Deus! Sei que ninguém acredita no juramento de uma mulher como eu mas pelo que tenho de mais caro no mundo, pelo amor que tenho a seu filho, juro que ignorava essa doação.
DUVAL— Mas de alguma coisa é preciso que a senhora viva...
MARGARIDA O senhor vai me obrigar a dizer o que eu desejava calar. Se falo é porque prezo acima de tudo a estima do pai de Armando. Desde que Conheci seu filho, quis que o meu amor nada tivesse com os sentimentos que até então me atribuíam; empenhei, vendi grande parte dos meus bens; capas, diamantes, jóias, carruagens. E quando ainda há pouco me disseram que havia alguém à minha procura, pensei que fosse o corretor que está negociando meus móveis, meus quadros, meus tapetes, vendendo enfim, todo o luxo de que o senhor me recrimina. E se ainda duvida de mim pense um pouco, eu não o estava esperando, como é que este documento podia ter sido preparado para o senhor? Se duvida de mim, leia isto. (Entrega-lhe o documento).
DUVAL Mas é a venda dos móveis, obrigando-se o comprador a pagar os credores e devolver-lhe a diferença! (Olhando-a com emoção). Meu Deus! Será que me enganei?
MARGARIDA Enganou-se, sim senhor, ou antes foi enganado! Sei que fui uma doida; sei que tenho um triste passado; mas desde que me apaixonei daria até a última gota de meu sangue para apagá-lo. Pois apesar de tudo o que lhe disseram, eu tenho coração. Sou boa, acredite, o senhor mesmo há de ver, quando me conhecer melhor… Foi Armando que me transformou assim; gostou de mim, ainda gosta. E um pouco de amor devolve a toda mulher a inocência perdida. De três meses para cá sou tão feliz! O senhor que é pai dele, também deve ser bom; por favor, não lhe fale mal de mim; ele gosta tanto do senhor que seria capaz de acreditar; e eu, o respeito e estimo porque é o pai de Armando.
DUVAL Perdão, minha senhora, pela maneira com que ainda há pouco me apresentei. Não podia prever que tivesse sentimentos tão nobres, não a conhecia... Cheguei irritado com o silêncio e a ingratidão de meu filho, e atirei-lhe a culpa no rosto. Me perdoe.
MARGARIDA Obrigada pelas suas palavras.
DUVAL Por isso, é em nome de sentimentos tão nobres que lhe vou pedir, para a felicidade de meu filho, um sacrifício ainda maior do que aquele que já fez.
MARGARIDA Cale-se, por favor! Sei que vai me pedir uma coisa terrível, tão terrível que nunca deixei de esperá-la; eu já sabia era feliz demais.
DUVAL Não pense que ainda estou irritado, estamos conversando como dois bons amigos; trazemos no coração o mesmo afeto e temos na mente um só propósito: a felicidade de Armando.
MARGARIDA Pode falar, estou ouvindo.
DUVAL A senhora é mais generosa que as outras mulheres, por isso é como um pai que eu lhe falo, como um pai que lhe vem pedir a felicidade de seus dois filhos.
MARGARIDA De seus dois filhos?
DUVAL É, Margarida, de meus dois filhos. Ouça o que me trouxe à sua presença. Tenho uma filha, bonita, moça, pura como um anjo. Gosta de um rapaz e fez desse amor o sonho de sua vida. Creio que também tem direito ao amor. Pretendo casá-la; escrevi a Armando, contando-lhe tudo, mas ele, absorvido pela senhora, nem sequer recebeu minhas cartas mesmo que eu tivesse morrido não teria ficado sabendo. Pois bem! Minha filha vai se casar com um homem direito, entrar numa família honrada, que espera da nossa a mesma honradez. Mas a sociedade tem exigências, Margarida, principalmente a sociedade de província; e se seu amor por Armando pode purificá-la aos olhos dele e também aos meus, não a purifica aos olhos de uma sociedade que só há de ver na senhora o seu passado e que vai lhe fechar as portas, sem piedade. A família de meu futuro genro soube da vida de Armando, e me declarou que retiraria a palavra dada se ele prosseguisse na vida que leva... Está em suas mãos o destino de uma moça que não lhe fez nenhum mal. Em nome de seu amor, Margarida, conceda-me a felicidade de minha.
MARGARIDA Quanta bondade em suas palavras… Diante do seu pedido o que posso fazer? Eu o compreendo, sei que o senhor tem razão. Vou sair de Paris, vou me afastar de Armando por algum tempo. Vai ser doloroso, mas faço esse sacrifício, para que o senhor nada tenha a me censurar.., Aliás, a alegria da volta me fará esquecer a tristeza da separação. O senhor dará licença para ele me escrever de vez em quando e depois do casamento...
DUVAL Obrigado, Margarida, obrigado pela sua compreensão... mas o que estou pedindo é outra coisa.
MARGARIDA Outra coisa? Mas o que mais podia me pedir, meu Deus?
DUVAL Ouça, Margarida; vou lhe falar com franqueza: uma separação provisória, não basta.
MARGARIDA Então quer que eu deixe Armando para sempre?
DUVAL É preciso!
MARGARIDA Isso nunca! Me separar de Ar. mando, agora, não seria apenas, uma injustiça, mal um crime. Então não sabe o que somos um para o outro? Não sabe que não tenho amigos, nem parentes? Que me perdoando ele jurou ser tudo para mim, e que fiz de sua vida a minha vida? Não sabe então que eu sofro de uma moléstia incurável, que tenho pouco tempo para viver e que fiz de meu amor, esperança dos meus dias? Deixar Armando, Antes me matar de uma vez.
DUVAL Vamos, minha filha, calma e nada de exagero; a senhora é bonita, moça, e está tomando por uma moléstia o cansaço de uma vida um pouco agitada; não tem perigo, não vai morrer antes do tempo em que a morte é uma felicidade. Sei que lhe peço um sacrifício enorme, mas a senhora tem, fatalmente, que ceder. Ouça, há três meses que conhece Armando e que se apaixonou por ele! Será que uma paixão tão nova tem o direito de destruir o futuro? Pois se ficar ao lado dele, é o futuro de meu filho que a senhora está destruindo. Tem certeza da eternidade desse amor? Já não se enganou de outras vezes? E se percebesse de repente, que não gosta de meu filho, que está apaixonada por outro homem, não seria tarde demais? Me perdoe, Margarida, mas o seu passado me dá o direito de tais suposições.
MARGARIDA Nunca amei, nem nunca hei de amar como estou amando!
DUVAL Seja! Mas se a senhora não se engana, quem diz que ele não está enganado? Pode o coração, nessa idade, assumir um compromisso definitivo? Não está sempre mudando de afeições? É o mesmo coração que no filho, ama os pais acima de tudo, que no marido ama a mulher mais do que os pais e que mais tarde no pai, ama os filhos acima dos pais da mulher e das amantes. A natureza é exigente, porque é pródiga. É bem possível que vocês dois estejam enganados. E agora, está disposta a encarar a realidade? Está me ouvindo, não está?
MARGARIDA Se estou, meu Deus!
DUVAL Está pronta a tudo sacrificar por meu filho; mas se Armando aceitar, o seu sacrifício que Sacrifício poderá oferecer-lhe em troca? Irá desfrutar a sua mocidade e depois, o que acontecerá quando vier o fastio? Porque o fastio há de vir… Se for um homem como os outros, há de abandoná-la, atirando-lhe o passado no rosto e dizendo que todos fazem o mesmo; se for um homem de bem casa-se com a senhora, ou pelo menos, fica ao seu lado. E esta ligação, ou este casamento, que não teve a castidade por base, a religião por apoio, nem a família por resultado? Seria desculpável no rapaz, mas nunca no homem maduro… Que aspirações poderia ter que carreira poderia seguir? E eu, que recompensa iria receber do filho por quem me sacrifiquei durante vinte anos? Este amor não é o fruto de duas simpatias puras, a união de duas afeições castas; é a paixão, no que ela tem de mais terrestre e de mais humano; nasceu do capricho de um e da fantasia de outro; em resumo não é uma causa, é um resultado. E com o correr dos anos, o que ficará de tudo isso? Quem lhe diz que as rugas do seu rosto não vão fazer cair o véu dos olhos de meu filho? Quem lhe diz que o amor de Armando não vai morrer com a sua mocidade?
MARGARIDA Ah! A realidade!
DUVAL Não está vendo daqui a sua dupla velhice, duplamente deserta, duplamente isolada, duplamente inútil? Que lembrança vai deixar? Que bem terá praticado? Não, Margarida, a vida é feita de necessidades cruéis. A senhora e meu filho têm pela frente, dois caminhos diversos, que o acaso reuniu por um momento, mas que a razão separa para sempre. Quando, por livre vontade escolheu a vida que hoje leva, não previu o que podia acontecer. Foi feliz três meses, não manche uma felicidade, que já não pode durar guarde apenas no coração a sua lembrança. Que esta lhe dê forças, é tudo o que tem direito de pedir. É duro o que estou pedindo, é cruel o que exijo, mas a estima em que a tenho é que me Obriga a falar assim. Quero dever ao seu bom senso, ao seu coração, ao seu amor por meu filho, o sacrifício que podia ter pedido à força e à lei. Um dia ainda vai se orgulhar do que fez e a vida inteira terá o respeito de si própria. É um homem que conhece a vida quem lhe fala. É um pai quem lhe implora. Vamos, Margarida! Vamos, minha filha, prove que gosta de meu filho, coragem!
MARGARIDA (Consigo mesma). Então, por mais que se esforce, a criatura caída, jamais se levanta? Deus talvez lhe perdoe, a sociedade, nunca! De fato, com que direito irá ocupar no seio da família, um lugar reservado à virtude? Que importa se está apaixonada! Pode dar a prova que quiser dessa paixão, ninguém acredita, e é muito justo. Por que, coração, por que futuro? Que quer dizer com essas palavras? Olhe um pouco a lama do passado! Que homem lhe chamaria esposa, que criança lhe chamaria mãe? O Sr. tem razão: quantas vezes, cheia de terror, eu me dizia tudo o que acabo de ouvir! Mas como falava comigo mesma não me escutava até o fim... Agora vejo que era verdade, porque é o senhor quem me está dizendo! É preciso obedecer. Falou em nome de seu filho, em nome de sua filha foi muita generosidade invocar esses nomes. Pois bem... um dia o senhor dirá à essa moça, tão linda e tão pura pois é a ela que estou sacrificando a minha felicidade, o senhor dirá a essa moça que havia uma vez, em algum lugar, uma mulher que só tinha uma esperança, um pensamento, uma alegria, que à invocação do seu nome renunciou a tudo e esmagou o coração com as próprias mãos até morrer. Porque eu vou morrer talvez então, Deus me perdoe.
DUVAL Pobre moça!
MARGARIDA O senhor está chorando, está pouco. pena de mim! Obrigada por essas lágrimas vão me dar forças... Quer que eu me separe de seu filho, pelo sossego, pela honra, pelo futuro dele o que é preciso que eu faça, diga!
DUVAL É preciso dizer que neo gosta dele.
MARGARIDA Ele não vai acreditar
DUVAL É preciso ir embora.
MARGARIDA Ele irá à minha procura.
DUVAL Então…
MARGARIDA Escute: o senhor acredita que eu gosto de Armando, que eu gosto dele sem nenhum interesse?
DUVAL Acredito, Margarida.
MARGARIDA Acredita que tenha feito desse amor o sonho, a esperança, o perdão de minha vida?
DUVAL Acredito, sim, Margarida.
MARGARIDA Então, me beije uma vez, como se beijasse sua própria filha... Juro que esse beijo, o único realmente puro que já recebi, me fará vencer o amor! Juro que dentro de oito dias, Armando estará em sua casa talvez infeliz por algum tempo, mas curado para sempre. E juro, também, que nunca há de saber o que acaba de se passar entre nós dois.
DUVAL Margarida, a sua alma é muito nobre, mas tenho medo que...
MARGARIDA Não tenha medo de nada, ele vai me detestar. (A campainha toca; Nanine aparece) Vá chamar a Sra. Duvernoy.
NANINE Sim, senhora.
MARGARIDA (A Duval). Um último favor.
DUVAL Diga, minha senhora, diga.
MARGARIDA Daqui a pouco Armando vai ter um dos maiores desgostos que já teve e que talvez terá, em toda vida... Vai precisar de afeição perto dele fique ao seu lado. E agora, vamos nos despedir... ele pode chegar de um momento para outro e se visse o senhor, tudo estaria perdido…
DUVAL E a senhora, o que vai fazer?
MARGARIDA Se eu lhe contasse, o senhor não consentiria.
DUVAL Então, o que posso fazer pela senhora, em troca de um favor tão grande?
MARGARIDA Quando eu já estiver morta e Armando amaldiçoar a minha memória, conte
lhe como eu o amava e como dei provas desse amor. Estou ouvindo vozes, adeus, meu senhor, decerto nunca mais vamos nos encontrar. Seja feliz. (Ele sai).
CENA V
(Margarida e Prudência).
MARGARIDA Meu Deus! Dai-me forças! (Escreve uma carta).
PRUDÊNCIA Mandou me chamar, Margarida?
MARGARIDA Mandei. Quero encarregá-la de uma coisa.
PRUDÊNCIA Do que?
MARGARIDA Desta carta.
PRUDÊNCIA Para quem é?
MARGARIDA Veja! (Movimento de espanto de Prudência). Silêncio! Vá depressa.
CENA VI
(Margarida e Armando) .
MARGARIDA (Só). E agora, uma carta para Armando. O que vou lhe dizer? Meu Deus! Perdoai o mal que lhe estou fazendo e perdoai-lhe o mal que me vai fazer! Estou enlouquecendo, estou sonhando?... Não é possível... falta-me coragem. Não se tem o direito de exigir de alguém o que está acima de suas forças...
ARMANDO (Que enquanto isso entrou e se aproximou). O que está fazendo, Margarida?
MARGARIDA (Levantando-se). Armando!… Nada, querido.
ARMANDO Estava escrevendo?
MARGARIDA Não… estava sim.
ARMANDO Que confusão é essa? Que palidez? Para quem você estava escrevendo, Margarida? Me dê essa carta.
MARGARIDA Era para você, Armando, mas pelo amor de Deus, não me peça.
ARMANDO Pensei que entre nós já não houvesse segredos, nem mistérios…
MARGARIDA Nem suspeitas, Armando!
ARMANDO Perdão, Margarida, mas estou muito preocupado.
MARGARIDA Por que?
ARMANDO Meu pai chegou.
MARGARIDA Você esteve com ele?
ARMANDO Não, mas deixou lá em casa uma carta severa. Já está a par de minha estadia aqui, de minha vida com você. Deve vir cá esta noite. Vamos ter um entendimento difícil; sabe Deus o que lhe disseram e o que vou ter de desmentir. Mas ele vai te ver bastará isso para te querer bem. E depois, é verdade que eu dependo dele, mas eu posso trabalhar, se for preciso. Não há trabalho penoso com o teu amor no fim do dia...
MARGARIDA Não; evite brigar com seu pai, Armando. Escute, você disse que ele vinha cá, não foi? Então eu vou me embora, para que ele não me veja logo, na chegada; depois eu volto e fico perto de você. Vou me atirar aos pés dele, implorando tanto, que não terá coragem de nos separar.
ARMANDO O que é isso, Margarida? Alguma coisa está acontecendo! Essa agitação não é só por causa da notícia que eu dei... você mal se tem em pé!… Aconteceu alguma coisa … Essa carta… (Estende a mão).
MARGARIDA Esta carta contém uma coisa que eu não te posso contar. Há certas coisas, Armando, que não podemos confessar a nós mesmas, nem deixar que outros leiam em nossa frente. É uma prova de amor que eu estou te dando, juro pelo nosso amor, e não me pergunte mais nada.
ARMANDO Guarde essa carta, Margarida, eu sei de tudo; Prudência me contou tudo esta manhã foi por isso que eu fui a Paris. Sei do sacrifício que ia fazer por minha causa. Mas eu também estava trabalhando pela nossa felicidade; agora já está tudo arranjado. É esse o segredo que você não me queria confiar? Como poderei algum dia agradecer tanto amor, Margarida?
MARGARIDA Então, agora que já sabe de tudo, me deixe ir embora.
ARMANDO Ir embora!
MARGARIDA Me afastar, pelo menos. Seu pai pode chegar de um momento para outro. Eu estou aí mesmo no jardim, com Gustavo e Nichette, a dois passos de você, basta me chamar, que eu venho Como podia me separar de você? Acalme seu pai se ele estiver irritado, e depois, vamos realizar o nosso projeto, não é mesmo? Vamos viver juntos como dantes, felizes, como somos há três meses. Pois você é feliz, não é mesmo? E não tem nada a me censurar? Diga… eu gostaria de ouvir. Mas se te magoei, perdoe, foi sem querer, pois te amo mais do que tudo no mundo. E você também, não é mesmo? Você também me ama. E fosse qual fosse a prova de amor que eu te desse, não ia me desprezar, nem amaldiçoar?
ARMANDO Mas por que essas lágrimas?
MARGARIDA Precisava chorar um pouco. Está vendo? Agora já estou calma. Vou procurar Nichette e Gustavo. Estou aqui mesmo, sempre tua, sempre te amando, sempre pronta a ir ao teu encontro. Viu, já estou sorrindo, até já, para sempre. (Sai).
CENA VII
(Armando só, depois
Nanine).
ARMANDO (À Nanine que ateia o fogo). Pobre Margarida! Como fica assustada à idéia de uma separação! Nanine, de vier um senhor me procurar, faça-o entrar é meu pari! Se perguntar por Margarida, diga-lhe que está em Paris.
NANINE Sim senhor.
ARMANDO Estou me preocupando atoa. Meu pai vai me compreender. O passado está morto. Depois, que diferença entre Margarida e as outras mulheres! Veja Olímpia, sempre às voltas com as festas e os divertimentos… Quem não ama, precisa encher de ruídos a solidão. Vai dar um baile; convidou-nos, a mim e a Margarida, como se pudéssemos voltar a esse meio… Já sete horas! De certo meu pai não vem mais! Nanine! Traga o candieiro e dê ordens para jantar. Como o tempo custa a passar, quando ela não está ao meu lado. Que livro é este? "Manon Lescaut"! Oh! A mulher apaixonada não faz o que você fazia, Manon!… Por que este livro estará aqui? (Nanine estra com a lâmpada e sai. Lendo, ao acaso). "Juro-te meu cavaleiro, que és o ídolo do meu coração, que só a ti, em todo o mundo eu poderia amar como te amo! Mas não vês, pobre alma querida, que no estado a que estamos reduzidos, a felicidade e uma virtude bem tola? Acaso é possível a ternura quando nos falta o pão? A fome vai me levar a algum fatal engano e exalarei qualquer dia o último suspiro, supondo que seja um suspiro de amor. Eu te adoro, esteja certo, mas confia-me por algum tempo a direção de nossa sorte; desgraçado daquele que cair em meus laços! Trabalho para tornar rico e feliz meu cavaleiro. Meu irmão dar-te-á notícias de tua Manon e dir-te-á como chorou vendo que precisava deixar-te". (Armando põe o livro no lugar com tristeza e fica algum tempo inquieto). Essa leitura me fez mal, esse livro é falso… (Toca a campainha, Nanine aparece). Meu pai não vem mais hoje diga à Margarida para voltar.
NANINE A patroa não está em casa.
ARMANDO Como? Então onde está?
NANINE Saiu… Pediu para dizer ao senhor que volta logo.
ARMANDO A Sra. Durnevoy saiu com ela?
NANINE Não a Sra. Durnevoy saiu um pouco antes.
ARMANDO Está bem… (Só) . É capaz de Ter ido antes a Paris, tratar de venda que estava projetando. Felizmente Prudência está prevenida e arranjará um meio de impedi-la… (Olha pela janela). Parece que estou vendo uma sombra no jardim… (Chama). Margarida! Margarida! Ninguém!… Nanine! Nanine!… (Toca a campainha). Não responde. O que quer dizer com isso? Este vazio me arrepia. Este silêncio encobre uma desgraça. Por que deixei Margarida sair? Ela me escondia alguma coisa. Estava chorando! Será que me enganava? Ela, me enganar? Impossível! Logo quando pensava sacrificar tudo por mim… Mas quem sabe aconteceu alguma coisa? Quem sabe está ferida?… Quem sabe, morta? Preciso saber o que…
UM MENSAGEIRO (Entrando). Sr. Armando Duval?
ARMANDO Sou eu.
MENSAGEIRO Uma carta para o senhor.
ARMANDO De onde?
MENSAGEIRO De Paris.
ARMANDO Quem mandou?
MENSAGEIRO Uma senhora.
ARMANDO E como foi que conseguiu chegar até aqui?
MENSAGEIRO O portão do jardim estava abertos não encontrei ninguém, vi luz aqui, pensei...
ARMANDO Está bem, pode ir... (Mensageiro se retira).
ARMANDO É de Margarida... De onde me vem essa emoção... Com certeza está me esperando em algum lugar e me pede para ir ao seu encontro! (Vai abrir a carta). Estou tremendo. Ora, que bobagem! (Durante esse tempo, Jorge Duval entrou e ficou de pé atrás do filho. Armando lê). "Quando você receber esta carta, Armando! (Dá um grito). Ah! (Volta-se e vê o pai). Meu pai! (Atira-se no seus braços, soluçando. Duval pega a carta e lê).
FIM DO TERCEIRO ATO
ATO IV
(Um "bondoir" em casa de Olímpia. Ao fundo, porta comunicando com um salão profusamente iluminado. Porta à direita e à esquerda. Mesa de jogo e jogadores, à esquerda, pessoas sentadas num canapé. Empregados oferecendo refrescos. Ao fundo, pessoas passeando. Ruído de orquestra; dança, movimento) .
CENA I
(Gastão, Artur, o médico, Prudência, Saint-Gaudens, Olímpia, Anais e convidados) .
GASTÃO (Fazendo banca no "baccarat"). Façam seu jogo, cavalheiros, façam seu jogo...
ARTUR Qual é a banca?
GASTÃO Cem luíses.
ARTUR Cinco francos no ponto.
GASTÃO Ora, ora... perguntar qual era a banca, para jogar cinco francos...
ARTUR Se prefere posso jogar dez luíses a crédito . . .
GASTÃO Não, não, não. (Ao Médico). E o senhor, doutor, não joga?
O MÉDICO Não.
GASTÃO E o que está fazendo aí?
O MÉDICO Conversando com as senhoras... me fazendo conhecer...
GASTÃO Ganha mesmo muito em ser conhecido!
O MÉDICO É só no que ganho.
GASTÃO Se é assim que jogam, eu largo a banca.
PRUDÊNCIA Espere! Eu jogo 10 francos.
GASTÃO Onde estão?
PRUDÊNCIA Aqui no bolso.
GASTÃO (Rindo). Dava 15 francos para ver os seus 10.
PRUDÊNCIA Gente! Esqueci minha bolsa.
GASTÃO Isso é que se chama uma bolsa bem mandada. Tome 20 francos
PRUDÊNCIA Depois eu pago.
GASTÃO Ora, deixe disso. (Dando as cartas) Nove! (Recolhe o dinheiro).
PRUDÊNCIA Ele ganha sempre.
ARTUR Já estou perdendo 50 luíses.
ANAIS Doutor, veja se pode curar o Artur do mal da pretensão.
O MÉDICO É uma doença de moço, passa com a idade.
ANAIS Está dizendo que perdeu 1.000 francos quando chegou tinha dois luíses no bolso.
ARTUR Como é que você sabe?
ANAIS Porque à força de olhar para um bolso, a gente fica sabendo o que tem dentro.
ARTUR E isso prova o que? Prova que estou devendo 960 francos.
ANAIS Que é infeliz.
ARTUR Infeliz por que? Fique sabendo que eu pago as minhas dívidas.
ANAIS Não é o que dizem os credores.
GASTÃO Façam seu jogo cavalheiros, façam seu jogo! Não estamos aqui para perder tempo.
OLÍMPIA (Entrando com Saint-Gandens). Ainda estão jogando?
ARTUR Ainda.
OLÍMPIA Me dê 10 luíses, Saint-Gaudens, eu quero jogar.
GASTÃO Olímpia, sua festa está magnífica.
ARTUR Saint-Gaudens sabe quanto lhe custa.
OLÍMPIA Não é ele quem sabe é a mulher.
SAINT-GAUDENS Teve graça! Ah! O senhor está aí! Preciso consultá-lo doutor, ando tendo umas tonturas...
O MÉDICO Não diga!
OLÍMPIA O que é que ele quer?
O MÉDICO Acha que tem qualquer coisa na cabeça.
OLÍMPIA Que convencimento! Saint-Gaudens perdi, tudo. Vamos, jogue por mim e trate de ganhar.
PRUDÊNCIA Saint-Gaudens, quer me emprestar 3 luíses? (Ele dá o dinheiro).
ANAIS Saint-Gaudens, vá me buscar um sorvete!
SAINT-GAUDENS Neste instante.
ANAIS Então conte a estória do fiacre amarelo.
GAUDENS Já vou indo! Já vou indo!
PRUDÊNCIA (A Gastão). Lembra-se da estória do fiacre amarelo?
GASTÃO Se me lembro! É claro! Foi em casa de Margarida que Olímpia nos quis contar. E Margarida, está aqui?
OLÍMPIA Deve vir.
GASTÃO E Armando?
PRUDÊNCIA Armando não está em Paris Então não sabe o que aconteceu?
GASTÃO Não.
PRUDÊNCIA Estão separados. Margarida o abandonou.
GASTÃO Quando isso?
ANAIS Há um mês, e fez muito bem.
GASTÃO Muito bem, por que?
ANAIS A gente deve sempre abandonar os homens, antes que eles abandonem a gente.
ARTUR Então, senhores, joga-se ou não?
GASTÃO Credo! Como você é cacete! Pensa que vou gastar os dedos nas cartas por causa de suas apostinhas de 5 francos? Todo Artur é igual. Felizmente você é o último deles.
SAINT-GAUDENS (Entrando). Anais, está aqui o sorvete.
ANAIS Coitado, como demorou! Também na sua idade...
GASTÃO (Levantando-se). Senhores, a banca estourou. Se alguém me dissesse: Gastão, você vai ganhar 50 francos, para passar a noite inteira dando cartas, é claro que eu não aceitava... Pois bem! Estou dando cartas há duas horas para sair perdendo 2.000 francos! Bela profissão é o jogo! (Um outro toma a banca).
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