Vladimir safatle - curso completo sobre a 'fenomenologia do espirito', de hegel [30 aulas] [filosofia - usp] aula 03
6585 palavras
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Curso HegelTerceira aula
Na aula passada, começamos a leitura da Fenomenologia do espírito através de um trecho de seu prefácio que vai do primeiro parágrafo até o parágrafo 17. Nele, vimos Hegel definir, como objeto privilegiado da reflexão filosófica, as expectativas da modernidade e de seus modos de racionalização das dimensões cognitivo-instrumental, prático-moral e estético-expressiva. Uma reflexão que deveria apreender tais expectativas e processos a partir de uma perspectiva capaz de revelá-los como resultados de processos de formação legíveis no interior de uma compreensão racional da história. No entanto, vimos como Hegel definia a modernidade como um momento de cisão. O espírito perdeu a imediatez da sua vida …exibir mais conteúdo…
Neste sentido, Hegel deve iniciar sua Fenomenologia do Espírito, livro que marca enfim sua entrada em cena no debate filosófico alemão, com uma ruptura clara em relação a Schelling, a quem Hegel foi tão intelectualmente ligado até então. Eu havia lembrado de que, ao menos aos olhos de Hegel, Schelling procurava ultrapassar as dicotomias da reflexão através do recurso a um plano de imanência a partir do qual o subjetivo e o objetivo se extraem. O sujeito emergiu de um mundo indiferente que agora ele confronta e conhece através da reflexão. Daí segue, por exemplo, a definição schellinguiana do Absoluto que aparece como “indiferença absoluta entre sujeito e objeto”. È a natureza que marcaria este ponto de indiferença entre sujeito e objeto no qual se encontra o Absoluto. Ou seja, contra o esvaziamento da dignidade ontológica da natureza produzida por Kant, Schelling propõe o resgate da filosofia da natureza como momento da auto-intuição do Absoluto. O conceito central aqui é intuição. Schelling insiste que há uma intuição intelectual que não é reflexão, que não é posicional, mas que é modo de posição da unidade sem mediação entre sujeito e objeto. De fato, Hegel não pode aceitar tanto o conceito schellinguiano de Absoluto, quanto a maneira com que o recurso a intuição se dá às espessas do trabalho do conceito, como se o recurso à intuição fosse modo de recuperação daquilo que o conceito perde ao operar. Para Hegel, não se