Educação e exclusão da cidadania
Miguel G. Arroyo
(Do livro “Educação e Cidadania: quem educa o cidadão?”, Cortez Editora, 14ª edição, 2010, p. 35-98 / 1ª edição no ano de 1987)
(observação: manteve-se a numeração original das páginas do livro para favorecer possíveis citações)
Ainda estão na memória de todas as proclamações solenes de dirigentes políticos que, durante as últimas décadas, justificaram a exclusão da cidadania com a tese da imaturidade política do povo. Prometiam o direito à participação desde que o povo mostrasse ter aprendido a ser cidadão consciente, racional e socializado. O que frequentemente foge de nossa memória histórica é que essa tese não é exclusividade do elitismo autoritário nem de seu entulho.
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O que diferencia, neste particular, as elites autoritárias das liberais é que estas se declaram a favor de educar as camadas populares para, um dia, participarem: o dia em que essas elites as julguem capacitadas.
A ênfase na educação dos súditos como precondição para o bom funcionamento do convívio social não é nova
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nem é peculiaridade de nossos educadores e governantes. Wanderley Guilherme dos Santos (1981, p. 159), em suas Reflexões sobre a questão do liberalismo, nos remete ao século XVI, ao Discurso sobre a servidão voluntária que, já naquela época, concluía que hábito e educação seriam, em última análise, responsáveis pela obediência política da maioria à minoria. O autor nos remete ainda ao pensamento iluminista do século XVIII, que priorizava a necessidade de que cada indivíduo esclarecido soubesse impor os limites de sua liberdade. O mesmo discurso que enfatiza a liberdade e a cidadania enfatiza a necessidade da educação para a liberdade e para a cidadania. Ambos passam a fazer parte da mesma forma de equacionar o poder e as relações entre as classes. Uma vez que novos atores apareciam na cena política, era necessário pensar logo em como formá-los e conformá-los. Como nos lembra M. Foucault em Vigiar e punir, as mesmas luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas. Mas por que essa vinculação tão estreita? Por que as modernas formas de pensar a liberdade, a ordem moral e política