Apontamentos para uma teoria semiótica da moda



  1. A lógica semiótica da moda
  2. O signo roupa
  3. Moda é semiose
  4. Referências

Já faz algum tempo que a moda, um fenômeno social e cultural relativamente recente, passou a freqüentar os debates acadêmicos na condição de objeto de investigação de diferentes áreas, tais como Sociologia, Antropologia, Psicologia, História, etc. A nós interessa, particularmente, os aspectos e mecanismos pelos quais a moda se configura como objeto de comunicação. Nesse âmbito, um dos mais destacados trabalhos até o momento é o livro Moda e Comunicação, de Malcoln Barnard, publicado em 1996 e traduzido para o português em 2003. Esse livro tornou-se rapidamente uma obra de referência para todos aqueles que se propõem a investigar os aspectos comunicacionais da moda, sendo fácil constatar que, de um modo geral, a ele fazem menção a maioria dos estudos que relacionam moda e comunicação[1]

No âmago do trabalho de Barnard está a busca por um modelo de comunicação que se apresente mais apropriado para a descrição de certos mecanismos da moda e indumentária, com o objetivo de identificar que tipo de comunicação é estabelecido por nossas roupas e acessórios. Barnard persegue seu propósito com competência e solidez, trazendo à luz discussões inestimáveis a propósito da indumentária enquanto fenômeno cultural e comunicativo, indicando certos mecanismos de linguagem presentes na composição da vestimenta e assinalando os elementos de significação resultantes desse processo.

Esse trabalho, contudo, a meu ver, é permeado por uma grave fratura epistemológica que se estabelece logo em seu primeiro capítulo, quando Barnard realiza um estudo etimológico para dele extrair um conceito ou definição para a palavra moda. O caminho tomado por Barnard acaba levando-o ao fracasso, fazendo com que o autor termine por admitir a impossibilidade de erigir um conceito que diferencie o termo "moda" dos demais termos concernentes a esse fenômeno, tais como indumentária, vestimenta ou mesmo roupa. Nas palavras de Barnard (2003, p. 27):

Por essas razões, é preciso dizer que este livro é sobre todas essas coisas: moda, indumentária, vestimenta, adorno e estilo. Simplesmente não é o caso serem essas idéias e conceitos facilmente diferenciados ou separados uns dos outros e discernidamente estudados, além de suas relações mútuas ou fora do contexto no qual são encontrados. Deve ser nossa responsabilidade, como estudiosos desses assuntos, determinar que sentido de "moda" ou "indumentária" está sendo empregado, cada vez que aparecem essas palavras.

Convém esclarecer que o termo moda está associado a questões relativas ao uso, hábito, gosto ou estilo de objetos de diferentes qualidades ou funções. Destarte, a moda está associada ao design de objetos tais como carros, móveis, utensílios, decoração, etc., bem como a roupas e acessórios que compõem a vestimenta. Uma característica fundamental da moda é a sua lógica temporal peculiar, ou seja, a variabilidade no tempo, que consiste em uma qualidade intrínseca desse fenômeno. Face a essa característica, dentre todos os elementos e objetos relacionados ao termo moda, os itens que compõem o vestuário são aqueles que mais fortemente vão exibir sua condição de variabilidade temporal. É no âmbito do vestuário e da indumentária que a lógica temporal da moda chega ao extremo da sazonalidade. Vem daí, portanto, o fato desse fenômeno ter sido mais fortemente associado ao uso e estilo da indumentária. No artigo que ora apresentamos não fugiremos à regra, ou seja, discutiremos os aspectos comunicativos da moda circunscrita ao vestuário e à indumentária.

Para planificar nosso discurso, usaremos o termo roupa no sentido de peça de tecido, ou algo equivalente, usada para vestir, tal como um vestido ou uma camiseta, uma bermuda ou um paletó. Estaremos nos referindo à roupa como signo mais fundamental do sistema moda, mas é preciso deixar claro que a roupa deve também ser entendida como célula básica do sistema chamado vestuário. O vestuário, ou conjunto de roupas, por sua vez, acrescido dos acessórios, tais como bolsas e chapéus, sapatos e colares, comporá um sistema mais amplo que aqui entendemos como traje. E o traje, por fim, acrescido de outros elementos como maquilagem e penteados, resultará no sistema mais complexo chamado indumentária. O termo indumentária expressa, portanto, o conjunto formado pelos diversos componentes relativos ao universo do vestir e do trajar, tais como roupas, acessórios, calçados, jóias, maquilagem, penteado, etc.

Os elementos semióticos atribuídos à roupa, célula básica ou signo primordial do sistema moda, são aspectos facilmente identificáveis e extensivos aos demais elementos que compõem o sistema, tais como acessórios, maquilagem, etc. Em vista disso, o fato de restringirmos nossas avaliações a esse elemento não prejudicará as conclusões sobre o conjunto.


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