Unificar, dizem os dicionários, significa reunir em um todo ou em um só corpo; fazer convergir para um só fim [2] ou em um todo coerente [3].
Reunir em um todo, mesmo havendo uma finalidade, caracteriza muitas vezes o que poderíamos chamar uma soma. Uma enciclopédia, por exemplo, abrange um todo sem necessariamente contemplar a unificação. O princípio unificante pode influenciar o enciclopedista na descrição das partes, mas não privilegia o todo, pois a finalidade primordial, neste caso, é congregar, no sentido aditivo do termo, o maior número possível de conhecimentos sistematizados.
A coerência também é importante, pois implica na harmonia entre os objetos que se pretende reunir e/ou entre estes e o fim a que o congraçamento se destina. Uma reunião harmônica de dois ou mais objetos, proposta em obediência a um fim específico, já é mais do que uma soma. O bom livro didático via de regra tem essa coerência, pois os fatos são apresentados de maneira harmônica e numa seqüência a evoluir do simples para o complexo. Quero crer, não obstante, que ainda estamos a meio caminho de exemplificar a unificação. O livro didático é escrito muito mais com a finalidade de adequar-se a um currículo –a apoiar-se em normas legais e a pautarem-se, muitas vezes, por regras aditivas– do que com a finalidade de seguir um roteiro a apoiar-se num princípio unificante.
Um texto bem escrito, seja este um romance, um poema ou outra obra literária qualquer, é, acima de tudo, um todo harmônico, e tanto mais será quanto mais soar de maneira agradável, produzindo uma sensação de prazer em quem o escreve e, por conseguinte, em todos os leitores que entrarem em sintonia com o autor. Agora sim, estamos com o tempero que faltava e não é difícil perceber que o agente desta sensação de prazer está, de alguma maneira, relacionado a uma convergência inerente aos objetos que se pretende reunir e que, para o caso exemplificado, seriam as palavras e os conceitos ou idéias a eles associados. Não é à-toa que os estudiosos de literatura dizem que em algum momento de seu trabalho o romancista, via de regra, perde as rédeas de comando, tudo se passando, a partir de então, como se os personagens ganhassem vida própria. Quem dita as normas agora não é mais o autor, mas a realidade que ele está pretendendo retratar; e tanto mais assim será quanto mais o autor procurar transmitir sua experiência de vida, ainda que seja através de uma obra de ficção.
O cientista, conquanto apóie-se em normas diversas e, sob muitos aspectos, bem mais rígidas, passa, com grande freqüência, por processos similares àquele acima descrito para o literato. Os personagens confundem-se com os objetos de estudo pertencentes à natureza, e estes seguem os desígnios da natureza, também como se tivessem vida própria, num lato sensu. O realismo impõe-se à ciência e o papel do cientista não vai muito além daquele observado em um mero perscrutador da realidade factual. Em meio a essa investigação da natureza, o cientista se desdobra, ora decompondo um todo em partes, ora procurando reunir observações isoladas num todo lógico, coerente, convergente e de fácil entendimento. Como veremos, com grande freqüência a convergência decorre de uma atração entre opostos e chamaremos a estes por antagônicos complementares, ou seja, antagônicos que se completam, a exemplo da chave e da fechadura ou das peças de um quebra-cabeça.
A unificação é de importância fundamental para o progresso e para a evolução das ciências. Como teria dito POINCARÉ [4], a ciência é construída de fatos, como uma casa é de pedras. Mas uma coleção de fatos não é mais uma ciência do que um monte de pedras é uma casa. Os fatos são coletados através de observações controladas e/ou da experimentação, mas a coerência a ser observada quando do agrupamento de fatos é objeto da teorização, se bem que esta coerência não esteja desvinculada da experimentação.
Com a finalidade de enfatizar o papel da unificação em teorização vale a pena expormos aqui o significado de teoria: teoria é um conjunto de hipóteses coerentemente interligadas, tendo por finalidade explicar, elucidar, interpretar ou unificar um dado domínio do conhecimento [5]. Por outro lado, e com respeito à experimentação, poderia citar duas dentre as máximas de POPPER (1959) [6], a serem discutidas no item seguinte: 1) Não existem observações puras: elas estão impregnadas pelas teorias e são orientadas pelos problemas e acompanhadas pelas teorias. 2) O experimentador não está principalmente empenhado em fazer observações exatas; seu trabalho é, também, em grande parte, de natureza teórica. A teoria domina o trabalho experimental, desde o seu planejamento inicial até os toques finais, no laboratório. Em outras palavras, experimentação e teorização surgem, em ciência, como etapas antagônicas mas, acima de tudo, interligadas, interdependentes, convergentes e vinculadas, graças à coerência inerente ao método científico [7] [8]. Constituem-se pois num importante exemplo de dupla de antagônicos complementares e a demonstrar que a ciência, além de ser inerentemente unificadora, apóia-se em um método também dotado dessa característica.
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