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Esse ponto é essencial na discussão proposta, ou seja, que as igrejas cristãs ortodoxas orientais modificam suas territorialidades, inicialmente nacionais para o âmbito mundial, com o estabelecimento de arquidioceses e dioceses nos países que receberam os imigrantes.
O estabelecimento de novas territorialidades de uma instituição religiosa assume uma relação peculiar com o lugar. Pois não se trata de uma mera transposição, mas de uma dialética de práticas culturais distintas, uma autóctone e outra imigrante. Nosso pressuposto é que a Igreja Ortodoxa Antioquina no Brasil configura um espaço de representação de uma religião de diáspora árabe.
No que tange aos aspectos teóricos, a questão que se apresenta sobre uma categorização espacial da religião é um debate ainda incipiente na Geografia. A noção de uma religião de diáspora, embora clássica, nos permite uma classificação cuja caraterística propriamente geográfica é significativa.
Recentemente, através do GORABS[2]compartilhamos algumas pesquisas com Thomas A. Tweed professor na Universidade do Texas[3]autor de um interessante trabalho "Our Lady of The Exile – Diasporic religion at a cuban catholic shire in Miami" que discute o catolicismo romano praticado pelos cubanos no exílio em Miami na Flórida. O argumento do autor é que desde o iluminismo as teorias sobre religião privilegiaram em suas análises o tempo sobre o espaço com informações indiretas de caráter locacional. Algumas classificações implicitamente levaram em conta o grau de difusão espacial das religiões. O modelo evolucionista, da segunda metade do século XIX e início do século XX, influenciou a idéia de que as formas religiosas atávicas são de certo modo "inferiores" as ditas universais. Muito embora, o fato de que alguns desses modelos de classificação somente esboçavam uma explicação geográfica, eles indicavam as possibilidades da compreensão das religiões em sua relação com os lugares e suas práticas espaciais. Posteriormente, outros estudiosos como Eliade e Durkheim deram maior atenção à variável espacial no estudo da religião[4]
A consideração de Tweed é pertinente, pois a consideração de um categorial espacial no estudo da religião é explícita na obra "Les Formes Élementaires de La Vie Religieuse" de Durkheim e "Le Sacré et Le Profane" de Mircea Eliade. A noção de espaço é base das hierofanias[5]eliadeanas e uma determinação inicial do fenômeno religioso de Durkheim. Todavia, há a necessidade de irmos além dessa aproximação, já clássica, na sociologia da religião. Para tanto utilizamos dois trabalhos anteriores, fundamentais na explicitação da abordagem teórica de uma Geografia da Religião aplicada ao estudo da Igreja Católica Ortodoxa Antioquina.
No ano de 2007 discutimos em um artigo seminal o resgate da filosofia das formas simbólicas de Ernst Cassirer como base da reflexão da categoria espaço sagrado nas discussões sobre Geografia da Religião[6]onde partimos da noção de que religião funciona como estrutura estruturante da realidade e desse modo podemos entender o sentido primevo do espaço sagrado e suas instâncias de análise assim como suas diversas formas de apropriação ou territorialidades do sagrado. Em 2008 aplicamos esta base teórica conceitual em um estudo sobe o Islã Shi´i[7]que possibilitou a verificação da viabilidade da abordagem na renovação da Geografia da Religião.
O espaço sagrado é um espaço de representação da religião, por conseguinte um espaço sintético constituído de espacialidades específicas que funcionam como constructo das forças estruturantes da religião e suas representações que dotam de sentido as estruturas estruturadas da materialidade imediata.
Podemos considerar para fins de interpretação de nosso tema as seguintes espacialidades:
a) A espacialidade das expressões religiosas
Refere-se à primeira apreensão da realidade que se expressa em base mítica. Trata-se da experiência original do homem religioso em relação à materialidade fenomênica a qual é apreendida através da percepção. A exterioridade do fenômeno religioso esta ligada a experiência da natureza através da compreensão dada pela percepção imediata do mundo material. Esta espacialidade é dada pela intuição imediata das coisas e possui validade objetiva e intencionalidade do saber ao tronar-se uma espacialidade simbólica.
Tomando por base o argumento de Ortiz-Osés. & Lanceros[8]o pensamento mítico revela-se como uma forma simbólica primordial que realiza uma mediação necessária entre as expressões da realidade imediata e a intuição transformando o mundo sensível como uma metáfora. O universo simbólico do mito evidencia os fenômenos em uma expressão subjetiva. Cabe lembrar que o mundo sensível em si é impessoal e não nomeado, mas personificado e animado pelas relações homem e mundo. O mito é uma forma simbólica que faz a mediação da realidade e sofre a interferência da nossa imaginação projetiva. Deste modo a síntese mítica é a imaginação simbólica cuja representação é o símbolo sobre o qual implica necessariamente a interpretação objetiva.
b) A espacialidade das representações simbólicas
A linguagem é a forma simbólica destacada do mundo das representações apresenta-se como o meio de ligação entre o pensamento mítico e o pensamento abstrato. Esta mediação esta na base do discurso que é responsável pela articulação das representações. A linguagem parte das bases míticas e transcende para o mundo do logos.
No sistema cassireriano a linguagem se aproxima do mito principalmente na base de desenvolvimento da cultura humana onde estas formas simbólicas convivem juntas. Assim, a linguagem tem a característica metafórica e a articulação mítica ao passar pela linguagem assume esta proporção.
O espaço sagrado é reconhecido como representação do mundo fenomenal que através da linguagem adquire noção universal. Trata-se de um espaço de representação das religiões.
c) A espacialidade do pensamento religioso
Na nossa interpretação do sistema cassireriano a religião esta associada à atividade simbólica do mito e perpassa as esferas do conhecimento primordial ao histórico, do substancial ao teórico. A espacialidade do pensamento religioso não está necessariamente em oposição ao pensamento racional. Sob este aspecto, o pensamento religioso não é de natureza teológica nem tampouco metafísica, mas funcional. Nessa aproximação a ênfase recai não nos pressupostos místicos de que parte a religião, mas devem ser referidos como modo de interpretação. Em Cassirer podemos inferir que tanto o mito como a religião se remetem aos mesmos dilemas fundamentais da vida do homem e o desenvolvimento de ambos está essencialmente ligado.
A espacialidade do pensamento religioso parte da premissa do sagrado como forma simbólica. Deste modo o sagrado migra da dimensão de inspiração muito presente na experiência religiosa e passa a ser analisado na interpretação de seus efeitos.
A mudança da atividade simbólica do homem sugerida no sistema cassireriano parte do indefinido ao determinado, ou seja, considerar de modo intenso uma realidade relativa como absoluta. Deste modo a religião transitaria da esfera mítica, de caráter primordial misterioso que permeia toda a realidade, para a esfera das singularidades funcionais que explicitam uma dimensão específica da vida como, por exemplo, as divindades gregas onde há reflexos da mente humana, mas em um senso prático onde a diferenciação está no que fazem e na reputação mítica. O argumento do filósofo é de que as Religiões de base histórica determinada demonstram outro caráter do Divino. Estariam pautadas em um poder de ordem moral e na idéia do bem e do mau. No Zoroastrismo[9]esta idéia já estava presente "não é produto da imaginação mítica ou estética; é a expressão de uma grande vontade moral pessoal."[10]
Desconstruindo o argumento anterior a força moral realizada a partir da vontade pessoal nos aproxima de outra esfera de atuação simbólica do homem. No contexto dos Sistemas Religiosos, ainda presentes no mundo hodierno, o seu legado histórico esta centrado nos seus fundadores e nos Textos Sagrados. O argumento de que o centro da vontade moral esta baseado nos Textos Sagrados e a história dos fundadores dos Sistemas Religiosos possui muito mais uma caráter empírico do que teórico, pois sua constatação está no mundo fenomenal.
No mundo das representações religiosas a linguagem e a imagem são dadas pelo Texto Sagrado e as ações de compreendê-lo caracterizam o ato de interpretação que tenta reconstituir um acordo entre significante e significado. No processo da linguagem o Texto Sagrado é reavivado na medida em que é operacionalizado no discurso religioso, este ato possibilita a fragmentação dos discursos devido às situações onde os acordos dialógicos são construídos. Sobre esta base a universalidade do pensamento religioso só pode ser restabelecida nos ditames do pensamento abstrato no que diz respeito às formas religiosas no seu aspecto funcional.
Na literatura de língua inglesa além do trabalho clássico de Adrian Fortescue "The Orthodox Eastern Church"[11] de 1908 dois trabalhos introdutórios serviram de base para nossa contextualização histórica e doutrinal da ortodoxia cristã oriental, "The Orthodox Church" do bispo Timothy Ware[12]cuja primeira edição foi de 1963 e o trabalho do John Binns "A Introduction to The Christian Orthodox Churches[13]de 2002.
Em português o trabalho de Roberto Khatlab, "As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas Tradições Vivas"[14] de 1997 é uma das poucas referencias.
As origens da Ortodoxia no Cristianismo possuem um caráter multifacetado tanto de ordem política como teológica. Contudo, a explicação dominante tem como ponto focal a divisão e posterior fragmentação das instituições religiosas cristãs, centrado no marco histórico do Grande Cisma de 1054[15].
Binns[16]constrói um panorama da complexidade do patriarcado dada à intensa fragmentação das igrejas orientais. O território de Antioquia importante cidade da região oriental do antigo Império Bizantino foi base para três patriarcados distintos que representam três grupos de igrejas. O maior deles é conhecido como Bizantino ou Ortodoxo Calcedônio[17]que reúne as antigas igrejas do Império Romano Oriental, na maioria, em comunhão com o Patriarca de Constantinopla. Há também outro grupo de Igrejas Ortodoxas Orientais conhecidas como não–calcedônias ou pré-calcedônias que não aceitaram as decisões do referido concílio de 451 (Quadro 01). O terceiro grupo refere-se há várias Igrejas Orientais que aceitam a autoridade do Papa de Roma.
QUADRO 01 -CONCÍLIOS ECUMÊNICOS
Concílios Antigos |
|
01. Nicéa |
325 |
02. Constantinopla I |
381 |
03. Éfeso |
431 |
04. Calcedônia |
451 |
Concílios Medievais |
|
05. Constantinopla II |
553 |
06. Constantinopla III |
680 |
05-6. Em Trullo** |
692 |
07. Nicea II |
787 |
08. Constantinopla IV* |
870 |
08. Constantinopla IV** |
880 |
09. Latrão I* |
1123 |
10. Latrão II* |
1139 |
11. Latrão III* |
1179 |
12. Latrão IV* |
1215 |
13. Lion I* |
1245 |
14. Lion II * |
1274 |
15. Viena* |
1311-12 |
16. Constância |
1414-18 |
17. Florença* |
1438-45 |
18. Latrão V |
1512-17 |
Concílios Modernos |
|
19. Trento* |
1545-63 |
20. Vaticano I* |
1869-70 |
21. Vaticano II* |
1962-65 |
* Não reconhecido pelas Igrejas Orientais. ** Não reconhecido pela Igreja Ocidental. |
FONTE: FERGUSON, S.B. & WRIGHT, D.F. & PACKER, J.I. New Dictionary Of Theology -1988 p.171 – adaptação GIL FILHO, S. F.
Segundo Khatlab[18]o Patriarcado de Antioquia é presidido atualmente por cinco titulares de comunidades diferentes (Quadro 02).
O Patriarcado Grego-Ortodoxo de língua árabe e rito bizantino abrange: Na Síria, além da sede do patriarcado em Damasco, as Arquidioceses de Lattakia, de Allepo, de Basra, de Houran & Jabal El-Arab, de Hama e de Homs. No Líbano as Arquidioceses de Akkar, de Tripoli & Al-Kurah, de Saidon & Tyre, de Byblos & Botrys (Monte Líbano), de Beirute e de Zahleh Baalbek. Na Mesopotâmia a Arquidiocese de Bagdá & Kuwait, na Austrália e Oceania a Arquidiocese da Australásia (Austrália e Nova Zelândia), na Europa a Arquidiocese da Europa Central e Ocidental, nas Américas as Arquidioceses da América do Norte considerada Igreja Autônoma[19]de São Paulo e todo o Brasil, de Buenos Aires e de toda a Argentina, do México, Venezuela, América Central & Caribe e do Chile.
QUADRO 02 PATRIARCADOS DE ANTIOQUIA
Patriarcado |
Rito |
Língua |
Concílio de Calcedônia |
Comunhão |
Sede |
|
Grego-Ortodoxo |
Bizantino |
Árabe |
Calcedônio |
Constantinopla |
Damasco -Síria |
|
Grego-Melquita Católico |
Bizantino |
Árabe |
Calcedônio |
Roma |
Damasco -Síria |
|
Maronita |
Antioquino |
Siríaca-árabe |
Calcedônio |
Roma |
Bkerke – Líbano |
|
Siríaco-Ortodoxo |
Antioquino |
Siríaca-árabe |
Não Calcedônio |
|
Damasco -Síria |
|
Siríaco-Católico |
Antioquino |
Siríaca-árabe |
Calcedônio |
Roma |
Beirute – Líbano |
FONTE: KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas Tradições Vivas, 1997, p. 09 adaptação GIL FILHO, S. F.
A Igreja Católica Ortodoxa Antioquina de rito bizantino que acompanhou a migração dos cristãos árabes caracteriza-se como uma religião de diáspora que visa suprir os ofícios religiosos da população imigrante e seus descendentes. Os fundamentos de reprodução desta forma religiosa específica são a manutenção das tradições ancestrais. As estruturas, portanto refletem este sentido específico onde as paróquias, dioceses e arquidioceses são centros de reprodução do rito e da tradição e construtoras da identidade.
A tradição é parte significante do discurso ortodoxo que restabelece a memória de base mítica da originalidade do rito e a ligação direta com o cristianismo primitivo. Segundo Halbwachs[20]o objetivo da religião é manter a lembrança de um momento ontológico original no curso do tempo, sem admitir subseqüentes memórias. Deste modo o rito assume cada vez mais formas de preservação da tradição. Estas formas possuem um caráter de memória religiosa cristalizada num papel de defesa das influências externas na busca de legitimidade. Na medida em que a memória religiosa se distancia dos eventos fundadores realiza a tendência de rejeitar outras memórias. Há a construção de esquemas rituais, reflexões teológicas que objetivam manter os eventos sagrados e suas práticas rituais como um movimento identitário. Exemplo interessante deste processo é a denominada renovação Philokalia[21]no século XVIII que restabelece uma pedagogia religiosa no resgate da mística Bizantina próprio das Igrejas Orientais na Rússia, Grécia e Romênia. A reafirmação de um momento original estabelece os parâmetros das representações religiosas da ortodoxia cristã.
As estruturas são as formas de organização das expressões religiosas que possuem dois aspectos distintos, porém combinados. Inicialmente revela-se como prática acumulada da ação do homem e em seguida como paráfrase que viabiliza suas crenças.
As formas organizacionais da Igreja são galvanizadas pelas relações de poder que se apresentam como espaço institucional. Sendo assim as estruturas da territorialidade ortodoxa corresponde a estas formas de apropriação da espacialidade religiosa realizada pela corporação sacerdotal e a comunidade. Os patriarcados e as igrejas autocéfalas são estruturas institucionais que funcionam de forma quase independente sob o ponto de vista administrativo, todavia mantendo o vínculo do direito canônico e os fundamentos sacramentais.
As estruturas da territorialidade ortodoxa correspondem à mediação organizacional da ação institucional, da gestão e da formas de apropriação do sagrado no mundo social. As estruturas se cristalizam na materialidade social e são dotadas de sentido a partir principalmente da tradição. Sendo assim, este produto do mundo das expressões e representações, reveste-se de atributos específicos da sacralidade em seu processo de territorialização.
Em nosso estudo anterior sobre a Igreja Católica Romana[22]definimos duas categorias de estruturas da territorialidade religiosa: (i) as estruturas da territorialidade de base caracterizadas pela interação social da Igreja através do clero e (ii) as estruturas da territorialidade católica derivadas, representadas por estruturas de hierarquia ou de escala referentes à macro estrutura administrativa da Igreja. Todavia a Igreja Romana possui uma verticalização maior de sua hierarquia que interfere sobremaneira em suas estruturas.
A Igreja Ortodoxa apresenta uma horizontalização maior de sua hierarquia dada a sua conformação histórica. Alguns momentos são significativos: o período após o Concílio Ecumênico de Nicea II em 787 até a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 que finda um período propriamente bizantino, as transformações após a islamização do Oriente Médio, as investidas da política da Igreja Romana da contra-reforma e a revolução russa no século XX. Em muitas regiões a ortodoxia se tornou minoritária e onde era dominante sofreu no século XX a conseqüências se sua ligação estreita com estados nacionais que mudaram de regime político. Devido a essas características de horizontalização e fragmentação da territorialidade ortodoxa identificamos algumas estruturas numa posição diferenciada em comparação com a Igreja Romana.
Podemos destacar as seguintes estruturas da territorialidade ortodoxa:
I -Estruturas da territorialidade Ortodoxa de escala e hierarquia
(i) O Santo Sínodo Ecumênico é uma estrutura de escala da territorialidade ortodoxa que mantém o sentido simbólico da unidade da Igreja presidido pelo Patriarca Ecumênico de Constantinopla. Reúne as lideranças da Igreja, patriarcas dos patriarcados ortodoxos e arcebispos primazes das Igrejas Autocéfalas. Entretanto ele é de caráter extraordinário e atuação sobre formulações dogmáticas, heresias e legislação canônica.
(ii) O Santo Sínodo é também uma estrutura de escala da territorialidade ortodoxa de âmbito regional dos patriarcados, igrejas autocéfalas e algumas igrejas autônomas que reúne os metropolitas que lideram as arquidioceses sob presidência do próprio patriarca ou de um arcebispo. Exerce uma autoridade canônica de governo.
(iii) O Patriarcado é uma estrutura da territorialidade ortodoxa de hierarquia das Igrejas autocéfalas presididas pelo Patriarca que é a posição de autoridade de um bispo eleito em Sínodo que possui o direito eclesiástico e o primado petrino[23]sobre seu território de jurisdição. Os cinco patriarcados mais antigos que antecederam ao Grande Cisma continuem a Pentarchy e incluem Constantinopla, Jerusalém, Alexandria, Antioquia e Roma[24]. Posteriormente foram criados os patriarcados nacionais da Rússia, Sérvia, Geórgia, Romênia e Bulgária.
(iv) O Catholicate é uma variante do patriarcado específico de Igrejas do Oriente Médio (Pérsia e Mesopotâmia) e a Igreja da Geórgia. Dessas, somente a Igreja da Geórgia mantém o acordo ortodoxo dos concílios ecumênicos. Desse modo o título do patriarca da Geórgia mantém o termo grego καθολικός (Katholikos), Sua Santidade e Beatitude, Catholicos-Patriarca de toda a Geórgia. Como sob a ortodoxia o Patriarcado de Antioquia tem jurisdição na maior parte do Oriente Médio, muito dos seus bispos na região usam o título catholicos.
(v) Diocese uma estrutura da territorialidade ortodoxa de hierarquia sob a direção de um bispo particular. Essa estrutura na Igreja Ortodoxa apresenta uma diversidade funcional e hierárquica. As principais são:
a. A Arquidiocese que é um tipo específico de diocese, de uma metrópole que mantém jurisdição canônica sobre outras dioceses, presidida por um Arcebispo ou Metropolita. Como visto anteriormente, a Igreja Ortodoxa Antioquina mantém jurisdição canônica sobre as arquidioceses de âmbito regional e nacional no mundo.
b. A Eparquia que é uma circunscrição eclesiástica, sob a jurisdição de um bispo primaz, denominado eparca com autoridade jurisdicional imediata.
c. O Exarcado refere-se a uma diocese, na maioria das vezes, de caráter missionário presidido por um bispo denominado exarca que representa o patriarca em territórios onde ainda não foram estruturadas dioceses.
(vi) O Deanery é uma estrutura da territorialidade ortodoxa de hierarquia pela sua íntima ligação com a ação sacerdotal das paróquias sob jurisdição de um bispo diocesano denominado decano que reúne várias paróquias de uma diocese promovendo ações de caráter pastoral. Por exemplo, o Deanery da Grã-Bretanha e Irlanda na arquidiocese da Europa Ocidental e Central.
II -Estruturas da territorialidade Ortodoxa de base
(i) A Paróquia é uma estrutura da territorialidade ortodoxa de base sob direção de um padre ou eventualmente de um arquimandrita[25]de atuação direta com a comunidade religiosa onde, de fato, o espaço de representação é constituído a partir da dinâmica religiosa realizada em uma plêiade de sentidos simbólicos da prática cristã ortodoxa. Sob este contexto a religião encerra uma conexão pertinente entre as estruturas dos sistemas simbólicos e as estruturas do sistema territorial.
(ii) O Monastério (Figura 01) é uma estrutura da territorialidade ortodoxa de base presidida por um arquimandrita que reproduz a vida monástica e a prática religiosa dos monges estabelecendo uma representação simbólica da mística e do pensamento religioso. Como parte essencial da construção mítica do cristianismo primitivo, esta estrutura assume características diferenciadas no mundo hodierno na medida em que tem a função de marcar a perpetração de um sentido primordial da vida religiosa. Para Binns[26]os monastérios nas Igrejas Orientais possuem um sentido diferente do Ocidente, nossa tendência é analisarmos as Igrejas Orientais sob os padrões ocidentais. O monastério tem a função da reprodução da liturgia e celebração tradicionais, parte vital da manutenção simbólica da Igreja; são centros de estudos e ensino para pessoas de todas as faixas etárias, jovens para os seminários, treinamento para futuros monges e sacerdotes; celeiro para futuros bispos (somente monges podem ser ordenados bispos) e são centros de peregrinação.
(iii) Seminários e Institutos Teológicos correspondem a estruturas de formação e também onde há a reprodução do pensamento religioso formal. O Instituto Teológico São João de Damasco estabelecido em 1970 a partir do ensino religioso dado no Monastério de Balamand é um exemplo ensino de formação do clero.
(iv) Escolas e Universidades sob administração da Igreja que além da formação educacional serve como base de reprodução ideológica moral da instituição religiosa e legitima seu papel social. Por exemplo, a Universidade de Balamand, fundada em 1988 no Líbano sob administração do patriarcado de Antioquia.
(v) Os hospitais e instituições sociais, que correspondem à ação social da Igreja, à legitimação do discurso religioso e as representações identitárias da Igreja. O Hospital Patriarcal Al-Hosn administrado pela Fundação do Santo Patriarcado Grego-Ortodoxo e localizado na Síria foi edificado pelas contribuições de emigrantes que vivem na América do Norte e Latina característico do papel destas estruturas da territorialidade no espaço de representação da Igreja Ortodoxa.
(vi) Os Santuários e locais de peregrinação são os lugares sagrados e reconhecidos pela tradição e religiosidade popular. O patriarcado de Jerusalém tem jurisdição sobre parte da Igreja do Santo Sepulcro e outros locais sagrados na Palestina. Em Jerusalém concentra pelo menos vinte e cinco monastérios e construi a principal cidade sagrada do Cristianismo. Os principais lugares de peregrinação do Cristianismo Ortodoxo são: Jerusalém, Constantinopla (atual Istambul na Turquia), Belém na Palestina, Monte Athos na Grécia e Monte Sinai.
Figura 01 -Monastério de Nossa Senhora de Balamand (Tripoli Líbano)
Fonte: Peter Brubacher, 2005.
A Igreja Ortodoxa no Brasil se apresenta como uma religião de diáspora, ou seja, constitui um espaço de representação de diversidade cultura imigrante. Sendo minoritária no Brasil escabece práticas identitárias de resistência em relação à cultura religiosa dominante representada pelo Catolicismo Romano.
As Igrejas Ortodoxas no Brasil localizam-se nos espaços de cultura imigrante, eslava, grega e árabe. São estruturas que atuam junto aso imigrantes e descendentes através da liturgia e os ofícios religiosos ortodoxos. O caráter missionário próprio do Cristianismo torna-se minimizado no contexto brasileiro. O pároco da Igreja Ortodoxa Antioquina de São Jorge em Curitiba, em uma entrevista realizada em novembro de 2003[27], quando questionado sobre a atividade missionária da instituição respondeu enfatizando o aspecto puramente pastoral do seu trabalho junto à comunidade de origem árabe, além de demonstrar certa preocupação na hipótese do aumento de fiéis advindos de outras igrejas.
Os dados estatísticos do Censo do IBGE de 2000[28]sobre religião apresentavam um questionário mais amplo sobre a pertença religiosa no Brasil, todavia ainda no critério amostral. Neste levantamento os ortodoxos são apresentados em bloco não distinguindo cada igreja específica. No Censo de 2000 apresenta 38060 católicos ortodoxos, 124.980.132 de católicos romanos e 26.184.941 evangélicos (uma frente ampla de Igrejas da Reforma, pentecostais, neopentecostais e cristãos independentes).
Dados sobre os ortodoxos antioquinos são estimados em Barrett, Kurian & Johnson[29]na segunda edição do World Christian Encyclopedia que estima 25 (1995) comunidades ortodoxas antioquinas no Brasil. Os dados da Arquidiocese Ortodoxa Antioquina de São Paulo e de todo o Brasil apontam para 16 paróquias e comunidades. A variabilidade dos dados disponíveis é comum no que tange a religiões minoritárias e os critérios de coleta. As informações institucionais apresentam uma visão geral da situação e do modo como as representações de uma igreja imigrante.
A territorialidade ortodoxa antioquina no Brasil é circunscrita a história da diáspora dos cristãos árabes antioquinos estabelecendo suas estruturas nas cidades onde esses imigrantes construíram a sua vida. A imigração árabe ortodoxa antioquina de origem síria e libanesa deve-se a situação de perseguições no Império Turco Otomano em meados do século XIX. A reprodução da herança ortodoxa no Brasil já era uma realidade no fim do século XIX através de celebrações religiosas na cidade de São Paulo. Em 1922 o Patriarca de Antioquia implementa a decisão do Santo Sínodo designando um Bispo para o Brasil[30]Um panorama geral da imigração árabe (Tabela 01) indica a concentração desses no Centro Sul do Brasil, principalmente São Paulo e a cultura religiosa diversa além dos muçulmanos havia entre os cristãos: católicos ortodoxos antioquinos, melquitas e católicos maronitas.
Tabela 01
Sírios e libaneses por estado segundo os censos populacionais de 1920 e 1940 |
||
|
1920 |
1940 |
Brasil |
50.337 |
48.970 |
São Paulo |
19.285 |
24.084 |
Rio de Janeiro |
9.321 |
9.051 |
Minas Gerais |
8.684 |
5.902 |
Rio Grande do Sul |
2.656 |
1.093 |
Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2000
As estruturas da territorialidade ortodoxa antioquina principais no Brasil são a arquidiocese com sede em São Paulo e as paróquias. A Arquidiocese de São Paulo (Figura 02) e de todo Brasil esta ligada sob o direto canônico com o Patriarcado de Antioquia.
As paróquias, como estrutura de base, são representadas pelo sacerdote e a comunidade através dos ofícios religiosos, práticas religiosas e a perpetuação da tradição. No Brasil, segundo dados da arquidiocese[31], temos as seguintes Igrejas e capelas: (i) Igreja da Anunciação a Nossa Senhora (1902)[32] em São Paulo, (ii) Capela Santo Antoun -Asilo "A Mão Branca" (1962) em São Paulo, (iii) Capela São Jorge Lar Sírio Pró-Infância (1937) em São Paulo, (iv) Igreja São Jorge (1933) em Bariri -SP, (v) Igreja Sagrada Família (1998) em Embu-Guaçú -SP, (vi) Igreja da Anunciação à Nossa Senhora (1925) em Ituverava -SP, (vii) Igreja Nossa Senhora de Lins Lins -SP,
(viii) Igreja São Jorge (1957) em Santos -SP, (ix) Igreja São Jorge (1936) em São José do Rio Preto -SP, (x) Igreja Ortodoxa Antioquina São Jorge (1995) em Brasília -DF, (xi) Igreja São Jorge em Anápolis -GO, (xii) Igreja São Nicolau (1956) em Goiânia GO, (xiii) Igreja São Jorge (1938) em Belo Horizonte -MG, (xiv) Igreja Santo Elias Profeta (1927) em Guaxupé -MG, (xv) Igreja São Jorge (1954) em Curitiba -PR e (xvi) Igreja São Pedro Apóstolo em Recife -PE.
Figura 02 -Catedral Metropolitana Ortodoxa de São Paulo
Fonte: Arquidiocese de São Paulo e de todo o Brasil
O espaço de representação da Igreja Católica Ortodoxa Antioquina possui características diferentes no Oriente Médio e no Ocidente, em especial o Brasil, além da instância propriamente cultural. Como uma religião de diáspora minoritária e recente, em termos comparativos, em relação ao Oriente a ortodoxia no Brasil enseja representações da cultura imigrante reproduzindo a tradição como forma de defesa identitária. A manutenção do rito é a perpetuação da própria instituição e reflete na própria dinâmica comunitária.
Os valores culturais e identitários são parte predominante do sentido religioso de uma espacialidade de representações que faz a permanência de elementos vitais na vida das Igrejas Ortodoxas no Brasil.
A cultura imigrante é a capacidade do grupo em manter seus descendentes dentro do universo cultural de seus ancestrais. Esta dialética de conservação e assimilação por parte da cultura dominante repercute também no que tange a opção religiosa. A religião é uma força identitária de poder extremo, pois ela catalisa certas práticas do cotidiano como a manutenção da língua, no caso antioquino do árabe, e uma semântica específica do mundo a partir de suas raízes ancestrais.
De fato a etnicidade tem um papel importante nas vidas dos ortodoxos antioquinos no Brasil, mas, pouco a pouco a idéia de uma Igreja Ortodoxa autóctone e não propriamente exilada vai tornando forma. Todavia, depois de aproximadamente um século de história da implantação do Cristianismo ortodoxo antioquino no Brasil é pertinente levantar uma dúvida sobre o desenvolvimento futuro da ortodoxia antioquina no país. Enquanto comunidade religiosa o lugar que ocupam na sociedade brasileira e as marcas na paisagem religiosa ainda são tímidos. A solução deste dilema dependerá da recuperação equilibrada do seu papel missionário e ecumênico e as respostas aos problemas materiais e espirituais do lugar que adotaram.
Autores:
Sylvio Fausto GIL FILHO
Professor Adjunto Doutor do Departamento de Geografia daUniversidade Federal do Paraná – UFPR -Brasil
Ana Helena Corrêa de Freitas GIL,
Professora de Geografia da Escola Técnica da UFPR e doutoranda do Programa dePós Graduação em Geografia da UFPR -Brasil
[1] Desde 1939 pertence ao território da Turquia, anteriormente era parte da Síria.
[2] Geography of religions and belief systems -specialty group of the association of American geographers.
[3] Department of Religious Studies -The University of Texas at Austin USA.
[4] TWEED, T. A. Our Lady of The Exile - Diasporic religion at a cuban catholic shire in Miami. Oxford N.Y.: Oxford University Press, 1997. p. 91.
[5] Na perspectiva de Mircea Eliade refere-se á manifestação do sagrado que revela uma experiência religiosa primária através da revelação de uma realidade de caráter absoluto. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo.
[6] GIL FILHO, Sylvio Fausto . Geografia da Religião: Reconstruções Teóricas sob o Idealismo Crítico. In: KOZEL, S; SILVA, J. da C.; GIL FILHO, S. F.. (Orgs.). Da Percepção e Cognição á Representação: Reconstruções Teóricas da Geografia Cultural e Humanista. 1 ed. SAO PAULO: TERCEIRA MARGEM -EDUFRO, 2007, v. , p. 207-222.
[7] GIL FILHO, Sylvio Fausto . Espaço Sagrado no Islã Shi : Notas Para Uma Geografia da Religião do Shiismo Duodécimano. In: SERPA, A. (Org.). Espaços Culturais: Vivências, imaginações e Representações. 01 ed. Salvador: EDUFBA, 2008, v. 01, p. 141-159.
[8] ORTIZ-OSÉS, A. & LANCEROS, P. Diccionario de Hermenéutica. Bilbao: Universidad de Deusto, 2004. p. 43.
[9] Religião nascida da revelação de Zoroastro em Sogdiana no reino de Bactriana ou Karezmia (região que corresponde ao leste do Irã, Afeganistão e Turquemenistão) que reformou a proto-religião conhecida como Mazdeísmo (religião dos adoradores de Mazda). A origem étnica e cultural de Zoroastro esta ligado ao povo ária, povo que se estabeleceu ao norte da península Indostânica e Planalto Persa. Caracterizado por ser um povo nômade que por volta de 1500 a. E.C sofreram um processo de sedentarização formando pequenos reinos nas regiões mencionadas. BREUIL, P. Zoroastro Religião e Filosofia, São Paulo: IBRASA, 1987.
[10] CASSIRER, E. Ensaio sobre o Homem -Introdução a uma Filosofia da Cultura Humana, trad. Tomás Rosa Bueno, São Paulo: Matins Fontes, 1997. p. 163-166.
[11] FORTESCUE, Adrian. The Orthodox Eastern Church, London: Elibron Classics, 2005.
[12] WARE, Timothy. The Orthodox Church, London: Penguin Books, 1997.
[13] BINNS, John. A Introduction to The Christian Orthodox Churches, Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
[14] KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas Tradições Vivas, São Paulo: Edições Ave Maria, 1997.
[15] Segundo Olivier Clément (in DELUMEAU, J. (org) As Grandes Religiões do Mundo, Lisboa: Presença, 2002 p.154) refere-se a um processo de distanciamento entre a Igreja do Ocidente e a do Oriente que culmina com a fracassada tentativa de solução e a excomunhão recíproca entre o pontífice romano e o patriarca de Constantinopla. Quadro esse agravado pela ação dos cruzados com a profanação e saque de Constantinopla na 4ª Cruzada em 1204.
[16] Op cit. p. 09.
[17] O Concílio Ecumênico de Calcedônia aconteceu entre oito de Outubro e primeiro de Novembro de 451 em Calcedônia, uma cidade da antiga Bitínia, norte da Ásia Menor. Dentre as decisões de ordem teológica estabeleceu na sexta sessão, a unidade completa da natureza humana e divina de Jesus Cristo rejeitando qualquer dualidade. Foi também neste concílio que foi estabelecido o 4º patriarcado depois de Alexandria o de Antioquia separado da província da Palestina que formou o patriarcado de Jerusalém.
[18] Op. cit. p.79.
[19] As Igrejas Autônomas gozam de independência administrativa interna, mas devem a anuência canônica ao Santo Sínodo.
[20] HALBWACHS, M. On Colective Memory. Chicago: The University of Chicago Press, 1992 p. 86.
[21] Literalmente "Amor e Beleza" uma coletânea de textos tradicionais teológicos, místicos e ascéticos especialmente patrísticos publicados inicialmente 1782 e na Rússia 1793.
[22] GIL FILHO, Sylvio Fausto. Estruturas da territorialidade católica no Brasil. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 15 de enero de 2006, vol. X, núm. 205. http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-205.htm.
[23] Primado petrino refere-se á tradição de que Pedro apóstolo fundou estes patriarcados. Do decorrer da história outros patriarcados nacionais (além do que a tradição atribui a Pedro apóstolo) foram formados.
[24] Naturalmente Roma depois do Grande Cisma não faz parte do governo das Igrejas Ortodoxas.
[25] Titulo que correspondia ao superior de um mosteiro, atualmente é reservado como honra eclesiástica a um sacerdote celibatário com funções especiais na Igreja.
[26] Pp. cit p.
[27] Entrevista concedida pelo Pe Ignatios Dibeh em novembro de 2003 gravada em vídeo através do Projeto Espaço de Representação da Imigração Árabe no Paraná , Curitiba: UFPR, 2002-2006.
[28] IBGE.Censo Demográfico -2000 -Resultados da Amostra-Tabela 1.3.1 -Populaçao residente, por sexo e situaçao do domicílio, segundo a religiao -Brasil. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br > Acesso em 09 Fev. 2009.
[29] BARRETT, David B.; JOHNSON, Todd M.; KURIAN, George T. World Christian Encyclopedia: a comparative survey of churches and religions in the modern world. 2 volume set. New York: Oxford University Press, 2001. p.137.
[30] Bispo Michæl Chehade 1922 a 1931.
[31] Paróquias e comunidades da Arquidiocese de São Paulo e Todo o Brasil. Disponível em:
[32] Primeira Igreja Ortodoxa do Brasil.
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