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Ao estudarmos a cartografia da região das Minas dos séculos XVII e XVIII, não podemos desvinculá-la da dimensão histórica e simbólica que ela representa. O mapa será sempre a representação de um espaço, mantendo uma relação com a área por ele delimitada. Porém, os mapas representam de forma fiel a visão do autor em relação ao espaço que está sendo observado, onde esse, só poderá ser compreendido dentro de sua linguagem simbólica. Podemos dizer que não existe e nunca existiu uma linguagem cartográfica única, universal e imutável. Os mapas representam um conjunto de signos e símbolos, que podem ser compreendidos a partir dos elementos da própria cultura na qual ele foi formulado. Por isto, a cartografia e a história estão intimamente ligadas, pois só a segunda nos permite decodificar os signos de que a primeira se utilizou.
O estudo da cartografia nos permite fazer uma relação com uma série de outros elementos, onde podemos citar as técnicas de medição do espaço, as noções de formas e de área que expressam, os espaços que o mapa cobre e aqueles que são deixados em branco. Tudo isso compõe a maneira como o homem entende e representa o mundo, exigindo de todos aqueles interessados no estudo e interpretações de mapas, um esforço interdisciplinar.
As primeiras representações cartográficas do território brasileiro foram desenvolvidas por cartógrafos portugueses possuindo peculiaridades bastante interessantes tendo em vista o contexto da época em que foram elaboradas. A cartografia portuguesa demonstrava uma "construção imaginária" que os colonizadores compunham do Brasil e do espaço minerador, onde essa era alimentada por mitos da Antigüidade, sob as doutrinas católicas, dos relatos dos exploradores do Novo Mundo e das informações fornecidas pelas populações autóctones.
Apesar de grande parte das representações cartográficas (mapas) serem feitas baseadas na imaginação, os mapas revelavam como os homens reinterpretavam e construíam o espaço que os cercava. Esta criação só pode ser entendida em seu aspecto simbólico, porque não representa uma leitura real do Novo Mundo, ao contrário, imprime a ele novos significados, reflexos das experiências vividas por esses homens.
Com a chegada dos portugueses ao território brasileiro e a conquista de seu interior, a chamada "geografia imaginária" foi aos poucos sendo abandonada e substituída progressivamente por outra que mais se aproximava da realidade. Os espaços do interior do território foram sendo preenchidos por rios, montanhas, acidentes naturais do terreno, arraiais, vilas, caminhos e roças, onde esses últimos foram frutos da ocupação humana.
Com a evolução dos meios de representação cartográfica, a cartografia contribuiu significantemente para uma melhor compreensão do território. Essa evolução permitiu também a construção de variados mapas (mapas temáticos), onde diferentes tipos de usuários são capazes de interpretá-los.
Para o turismo os mapas temáticos são de fundamental importância, não apenas para compreensão do território em si, mas também para identificação de possíveis locais de visitação, distâncias entre atrativos, o tipo de atrativo que determinado local possui e também informações sobre condições naturais (relevo e hidrografia) do lugar a ser visitado. É válido ressaltar essas informações, uma vez que, a maioria dos turistas são leigos no que diz respeito à interpretação de mapas. Dessa forma é importante a elaboração de mapas turísticos que facilitem a compreensão do visitante, contribuindo para uma melhor "exploração" do território e dos atrativos turísticos.
A proposta de pesquisa baseou-se no estudo de caso no mapeamento de atrativos e infra-estrutura destinada ao turismo em Itamonte-MG, através da elaboração de mapeamentos assistidos por técnicas de geoprocessamento, visando à precisão de localização de elementos de interesse para o turismo e a qualidade no tratamento gráfico da informação. Foram estudadas duas possibilidades de público alvo: o planejador das atividades existentes, tendo como objetivo o desenvolvimento de rotas de visitação ou de ações de geomarketing, e o turista, caracterizado como o visitante que busca percorrer as trilhas da Estrada Real.
Como parte integrante de pesquisa maior, que visa o desenvolvimento de técnicas de comunicação e análise espacial destinadas ao turismo, o estudo em Itamonte teve como objetivo propor discussões sobre o potencial da cartografia digital, navegação virtual e cartografia 3D no apoio ao desenvolvimento turístico. Como colaboração ao Projeto Estrada Real, foi parte de nosso trabalho identificar e mapear parques, paisagens características, ocorrência de caminhos de viajantes e pontos de parada históricos em Itamonte.
O presente trabalho teve como principais objetivos, organizar uma base de dados digital acessível por realidade virtual da região de Itamonte-MG e também, colaborar na discussão e reflexão sobre a comunicabilidade dos produtos destinados ao Projeto Geoprocessamento para a Estrada Real.
Tendo em vista que a região em estudo possui um grande potencial turístico, o trabalho busca contribuir para um melhor desenvolvimento e exploração turística dos atrativos localizados no município, uma vez que o potencial não é bem explorado devido, dentre outros fatores, à falta de dados disponíveis tanto para os agentes turísticos quanto o poder público do município (prefeitura).
1. Realização de leituras sobre os temas Percepção Espacial, Cartografia Digital e Sistemas de Informações Geográficos.
2. Treinamento no uso da Cartografia Digital e de Técnicas de Mensuração por Cartografia de Precisão.
3. Definição dos objetivos e aplicações no uso do sistema - entrevistas junto a possíveis usuários do sistema para identificação das aplicações desejadas e nos dados que devem compor o banco de dados;
4. Organização da base de dados alfanumérica e cartográfica:
Observações de campo; Mapas digitais; Dados alfanuméricos (tabelas); Coleção de fotografias.
5. Montagem do Modelo Digital de Elevação;
6. Montagem da Navegação Virtual
7. Ajuste da proposta de comunicação cartográfica em função da avaliação dos usuários;
8. Relatório final.
Visando um melhor aproveitamento dos materiais disponíveis no laboratório de Geoprocessamento da UFMG, o trabalho foi divido em 3 etapas.
As primeiras etapas consistiam na realização de leituras sobre os temas Percepção Espacial, Cartografia Digital e Sistemas de Informações Geográficos, treinamento no uso da Cartografia Digital e de técnicas de Mensuração por Cartografia de Precisão e também na organização da base de dados alfanumérica e cartográfica necessárias para o trabalho, onde podemos citar a construção do Modelo de Elevação Digital como principal "produto" dessa etapa.
Após essa etapa inicial, começaram a ser realizados os trabalhos de campo para a coleta de dados in loco (fotografias, coleção de mapas já existentes, entrevistas, visitas ao IBAMA e IEF, visita à prefeitura, dentre outras).
Com as informações obtidas em gabinete e em campo, foi possível a montagem da Navegação Virtual, que juntamente com o Modelo de Elevação, permitiu uma melhor compreensão do espaço territorial do município e seus respectivos atrativos turísticos no contexto dos Antigos Caminhos da Estrada Real. Isso foi possível tendo em vista que, as navegações virtuais foram elaboradas a partir de possíveis locais de passagem dos antigos viajantes.
A construção do Modelo Digital de Elevação objetiva duas aplicações: caracterização da paisagem em termos de usos adequados para exploração turística e comunicação visual sobre a conformação do relevo.
Segundo Moura (2003), as informações sobre a paisagem topográfica podem demonstrar os "acidentes geográficos" e proporcionar uma viagem no tempo e no espaço. Essa viagem é muito importante, por possibilitar uma melhor compreensão sobre os motivos pelos quais os primeiros viajantes escolhiam seus percursos, tendo em vista as dificuldades de acesso, os elementos referenciais de localização e os caminhos naturais. Todas essas informações são mais bem compreendidas através da representação tridimensional do território.
Para realização da montagem tridimensional foi utilizada a base cartográfica digital fornecida pelo GEOMINAS, programa institucional do Governo do Estado de Minas Gerais que teve significativa importância nos estudos de Geoprocessamento no estado, através da organização de rica coleção de dados sobre o território mineiro. As curvas de nível encontravam-se em formato DXF e com o atributo de cota altimétrica. Os dados foram transformados para arquivos DGN 3D, e no aplicativo vetorial Microstation Geoterrain foi realizada a construção do Modelo Digital de Elevação.
Após essa construção no aplicativo, o Modelo foi trabalhado em outro software, Microsoft PHOTOSHOP, para finalizações gráficas. O modelo gerado no aplicativo Microstation Geoterrain, possibilitou uma visão de topo do território, e através de testes com o usuário leigo, foi percebido certa dificuldade na interpretação e compreensão do que estava sendo representado, ou seja, havia um certo "ruído" na comunicação com o usuário final.
Constatada a falha, foi discutido a possibilidade de "exposição" do Modelo de Elevação utilizando o software ENVI
6.0. Após essa discussão, concluiu-se que a representação do modelo no software ENVI 6.0 seria de grande valia para o trabalho. Dessa maneira, foi possível representar o território em outras perspectivas além da visão de topo. É interessante ressaltar que as vistas geradas, foram em diferentes sentidos (Norte-Sul, Sul-Norte, Leste-Oeste), esse fato permitiu aos usuários leigos compreenderem as diferenças topográficas, os rios da região e os possíveis caminhos utilizados pelos antigos viajantes. Foi possível também gerar um filme em formato MPEG que demonstrava um "giro" de 360 graus pelo território.
Através dessa observação, as diferentes perspectivas foram incluídas no trabalho final, ilustrando diferentes visões do espaço.
Fig 3 – Modelo de Elevação com as divisões municipais, suas sedes e rede hidrográfica.
As fotografias são de extrema importância para a prática da atividade turística, tendo em vista que, o visitante muitas vezes motiva-se a conhecer certas localidades devido às paisagens naturais ou urbanas das mesmas.
Analisando esse fato, um conjunto de fotografias capaz de retratar o ambiente em toda sua complexidade (observação plena em diversas direções, 360 graus) auxilia em muito os visitantes e também aos gestores e planejadores da atividade turística. Através dessas observações a inclusão da Navegação Virtual no presente trabalho é de extrema importância.
A escolha das localidades que compõem a navegação está diretamente ligada aos possíveis caminhos utilizados pelos viajantes no período colonial e também em locais de interesse turístico, associando os aspectos naturais e históricos.
Para a montagem da Navegação Virtual, as fotografias foram "tiradas" com o auxilio de um teodolito, onde se respeitou uma angulação de 20 graus entre cada fotografia. Após essa etapa, as fotos foram agrupadas no programa THE VR WORX com uma sobreposição de 50% entre elas e a partir de então foram gerados vários "movies" (em arquivos QUIKTIME) para a montagem final da Navegação.
Após a montagem das primeiras Navegações, houve um teste com os usuários (visitantes) em Itamonte e também com os agentes turísticos do município (Agência de turismo ROTA TURISMO e guias locais). Os resultados foram bastante satisfatórios, uma vez que permitiu detectar possíveis falhas e também demonstrar para o usuário final o resultado parcial do trabalho que estava sendo desenvolvido.
Após pesquisas de gabinete, discussões e trabalhos de campo, é possível relatar que os resultados do projeto corresponderam com os objetivos propostos e expectativas em relação ao objeto de estudo.
As pesquisas de gabinete e treinamentos em Cartografia Digital contribuíram de maneira muito satisfatória para a elaboração do Modelo Digital de Elevação que permite uma maior visualização do território, facilitando possíveis discussões para elaboração de novos projetos visando o desenvolvimento do turismo no município em estudo.
Os trabalhos de campo realizados permitiram um melhor conhecimento da região e a identificação de possíveis "vestígios" dos "Caminhos Reais" e uma variedade de atrativos turísticos que não puderam ser identificados na pesquisa de gabinete. Esses trabalhos foram de extrema importância para a coleta de dados junto à secretaria de Turismo de Itamonte, moradores e agentes de turismo.
O acervo de fotografias da região é bastante extenso, onde contamos com aproximadamente 700 fotos da região. Esse acervo serviu de auxilio na montagem da Navegação Virtual e também na visualização das paisagens de grande valor cênico da região.
O treinamento com GPS realizado nas aulas de Cartografia auxiliaram muito na marcação e identificação dos atrativos do município. Os pontos identificados são importantes para demonstrar os possíveis locais onde tropeiros e antigos viajantes da coroa portuguesa passaram quando seguiam em direção ao Rio de Janeiro.
O trabalho foi muito bem recebido pela comunidade local, prefeitura municipal, IBAMA e agentes ligados à atividade turística. A prefeitura disponibilizou um carro para realização dos trabalhos de campo e informações sobre a história do município. A comunidade foi bastante receptiva, uma vez que várias pessoas deram depoimentos durante os trabalhos sobre as atividades realizadas e os possíveis desdobramentos que o projeto levará para
o município. Os agentes ligados ao turismo disponibilizaram os atuais mapas turísticos, os produtos oferecidos e relataram as dificuldades encontradas no desenvolvimento e exploração da atividade turística. Todas essas informações foram importantes para levantar discussões e futuras propostas para a continuidade do projeto.
No inicio do projeto existiam poucas informações concretas sobre a área de estudo, porém sabia-se que era uma área de grande importância para o desenvolvimento do turismo, uma vez que nos limites municipais encontram-se três importantes unidades de conservação, quais sejam: o Parque Nacional do Itatiaia, o Parque Estadual do Papagaio ea Área de Proteção da Mantiqueira. O município também foi inserido no maior projeto de desenvolvimento turístico do estado de Minas Gerais, o PROJETO ESTRADA REAL.
Durante todas as etapas dessa do projeto, novas informações puderam ser coletadas tanto em pesquisas de gabinete como nos trabalhos de campo. Esses foram de extrema importância, uma vez que a bibliografia disponível sobre a região de estudo não é satisfatória.
Foi possível perceber também a importância da Cartografia para as discussões da atual situação da atividade turística na região, uma vez que a base cartográfica ainda é muito incipiente, dificultando o aproveitamento do potencial turístico do município em estudo (segundo dados da Embratur, Itamonte é o município mineiro com maior potencial ecoturistico do Estado de Minas Gerais).
A elaboração de uma nova base cartográfica será bastante importante, tendo em vista que poderão ser identificados novos pontos onde a atividade turística poderá ser desenvolvida e também a questão da preservação poderá ser mais bem discutida, uma vez que a área do município é "cortada" por três importantes Unidades de Conservação.
Foi muito interessante observar que o Modelo de Elevação e a Navegação Virtual causam um impacto muito positivo nos usuários (turistas e agentes responsáveis pela atividade turística), uma vez que eles permitem uma observação mais realista dos locais onde os trabalhos foram realizados. As pessoas que puderam ter contato com essas duas "ferramentas" relataram que é muito melhor visualizar o local utilizando a Navegação Virtual, pois "dá a impressão de realmente estar no local e poder ver tudo que está a sua volta -360 graus".(relato de Catarina Romanelli, empresária local).
Devido a entrevistas junto ao Instituto ESTRADA REAL (entidade responsável pelo PROJETO ESTRADA REAL) e com professores de História e Geologia, foi possível relatar que o município de Itamonte é uma das rotas mais antigas dos chamados "Caminhos Reais".
É importante ressaltar que o potencial turístico de Itamonte no que diz respeito à Estrada Real, está diretamente relacionado aos seus aspectos naturais e sua importância arquitetônica (casarões, igrejas, dentre outras) fica em segundo plano.
Itamonte é um município ainda muito carente de informações no aspecto turístico, o que dificulta muito um bom aproveitamento do potencial existente no local. O trabalho permitiu de maneira satisfatória, uma melhor identificação de possíveis atrativos e como eles podem ser explorados de uma maneira mais responsável.
O geoprocessamento para a atividade turística é de grande importância, uma vez que essa ferramenta auxilia no desenvolvimento, na preservação e promoção de destino turístico através de diversas técnicas disponíveis.
Os resultados gerados com o presente trabalho irão contribuir para um melhor desenvolvimento da atividade turística em Itamonte, já que as informações geradas permitem uma melhor compreensão e análise crítica do espaço a ser explorado.
Através desse trabalho foi possível perceber que a atividade turística na região está crescendo bastante devido principalmente à inserção do município no PROJETO ESTRADA REAL e que é necessário trabalhar junto à comunidade local, órgãos públicos e agentes responsáveis pelo turismo para que essa atividade não degrade o principal atrativo da região que são suas belezas naturais.
Livros:
HALL, E.T. A Dimensão Oculta. Rio: Francisco Alves, 1977.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar. São Paulo: Ed. Difel, l987.
LYNCH, K. A Imagem da Cidade. São Paulo / Lisboa: Ed. Martins Fontes, 1985.
Monografias e Dissertações:
FERNANDES, Ivanise P.C. Mapa turístico da região central do município de Ouro Preto-MG. Belo Horizonte, IGCUFMG, Curso de Especialização em Geoprocessamento, 2001. 68 p. (Monografia de Especialização).
MOURA Ana Clara M. Estudo metodológico de aplicação da Cartografia Temática às análises urbanas. Belo Horizonte, IGC-UFMG, 1993. 212 p. (Dissertação de Mestrado).
MOURA Marcela M. As representações gráficas aplicadas a variáveis ambientais em minerações de ferro a céu aberto. Belo Horizonte, IGC-UFMG, 1999. 122 p. (Dissertação de Mestrado).
Periódicos:
MOURA Ana Clara M. Tendências recentes nos estudos urbanos e o papel da Cartografia Temática. Belo Horizonte, Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v.1, n.1, p.23-25. Abr. 1993.
RIBEIRO, Rosemary C., MOURA, Ana Clara M. Cartografia destinada ao turismo auto-guiado. Curitiba, GisBrasil98, 10p.
Autor:
Raoni Araujo Ferreira
Ana Clara Mourão Moura
Universidade Federal de Minas Gerais
Instituto de Geociências, Departamento de Cartografia e Curso de Turismo Rua Barão de Saramenha 488/ 1101 – Santa Tereza – CEP 31010-490/ Belo Horizonte
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