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Os desafios maiores de nosso tempo se refletem em questões ecológicas, sociais, econômicas, culturais e filosóficas. Vivemos um momento civilizacional impregnado pelo mal estar, onde a busca por alternativas ganha dimensão planetária. O modelo de produção dominante, e sua fase de globalização econômica, fizeram emergir, nas últimas décadas, uma crise sem precedentes em toda a evolução histórica da humanidade.
É grande a parcela de sujeitos excluídos dos avanços presentes em todas as aéreas do conhecimento humano e vivenciamos hoje a ampliação da pobreza, da miséria, da fome, da falta de condições mínimas de saúde, da falta de educação de qualidade. Nossa biodiversidade planetária, desrespeitada, encontra-se sofrendo mazelas de todo o tipo e a busca pela sustentabilidade ainda é tarefa emergente, apesar dos esforços de muitas pessoas, empresas e organizações mundiais.
Empenhados em alterar todo este quadro, movimentos em todo o planeta atuam em prol da revisão de paradigmas de exploração dos nossos recursos naturais, construindo outras possibilidades para que tenhamos a oportunidade de ampliarmos nossos dias de mais e melhor vida, apostando na sustentabilidade como prática e procedimento teórico.
Questões amplas, complexas e que nosso olhar não pode deixar de perceber. Somos parte, somos um todo, e estabelecemos com este todo relações plurais, que favorecem nossa constituição como sujeitos humanos e, diante disso, nada do que é humano pode nos causar estranheza.
Se nosso tempo presente lança dúvidas em relação ao nosso futuro comum, tal tempo pode ser (re)construído com uma outra perspectiva, mais sensível ao movimento da teia da vida. Neste sentido, podemos nos posicionar na condição de procurar por novas compreensões, validando nossos anseios de busca por alternativas para a crise que, enquanto civilização planetária, nos deparamos.
São válidos, então, novos modos de fazermos tal movimento. Um deles emerge na compreensão da palavra crise. Tempos atrás, numa pesquisa aleatória, encontrei uma possibilidade interessante de reflexão, ao aprender que o ideograma para a palavra crise, em chinês, significa também oportunidade. Será, portanto, nos momentos de crise, que poderemos encontrar alternativas, enxergarmos possibilidades de resolução de problemas.
No propósito maior de nossas ações, uma outra porta de consciência se abre, pois quando somos provocados pelas agruras da realidade, nossos movimentos internos podem favorecer novas percepções e onde, anteriormente, só era possível ver o problema, agora se observa também, prováveis soluções. Assim, em nossas cotidianidades, poderemos desenvolver originalidades e criatividades até então não pensadas, nem sentidas.
Será deste modo que o sentido maior da palavra crise se transmutará em oportunidade: vivemos, todos nós, num mundo diferente do que existia há vinte anos, visto que as mudanças presentes nos processos comunicacionais afetaram nossos modos de agir, fazer, aprender, ensinar, viver. A sociedade atual se apresenta em transformações profundas e cotidianas, mediante a complexidade e a dimensão planetária dos nossos problemas. Portanto, exige de cada um de nós ao menos uma necessária e permanente conduta: aprender sempre, de modo constante, em todas as situações que vivenciamos em nossas vidas pessoais, em nossas interações com os outros, em nossos ofícios e em nossas instituições.
Aqui reside um outro ponto de partida às nossas reflexões no próximo item: as contribuições da Psicopedagogia em todo este contexto, convocando-nos à construção de relações mais verdadeiras, pautadas na diferença e na pluralidade, na alegria e na motivação e, claro, na ativa participação de todos no processo de criar sentidos e significados para uma nova vida, mais plena e digna para todos.
De modo muito biográfico, a Psicopedagogia favorece novos pontos de partida aos sujeitos em movimentos por suas aprendizagens e autorias. Na experiência com a formação de ensinantes e de profissionais psicopedagogos ao longo dos últimos anos, tenho feito inúmeras reflexões a respeito das contribuições da Psicopedagogia no contexto citado acima.
O que tenho observado e vivenciado, vivido com a intensidade de produzir novos significados e sentidos ao nosso agirfazer? A Psicopedagogia, quando compreendida como uma EAM (Experiência de Aprendizagem Mediada), acaba por nos convocar à construção de relações mais verdadeiras. Com esse movimento, novos significados elaboramos às nossas trajetórias como aprendentes e ensinantes e, com tal processo, podemos seguir na busca de organização de nossas informações e de nossos conhecimentos, nos conduzindo para melhores momentos de sabedoria nas tomadas de decisão em nossas vidas.
Entretanto, isso não significa afirmar que a Psicopedagogia é a salvação de todas as nossas mazelas, que é a redenção de nossas tantas limitações. Ao contrário disso, com a Psicopedagogia estabelecemos novos olhares para com os distintos modos como operamos a condução de nossas histórias de vida, além de validarmos os momentos outros de nossas próprias biografias: por isso o uso da afirmativa a possibilidade do (re)encontro.
Tempo, linguagem, trabalho, pesquisa, escuta, olhar e registro: sete movimentos essenciais ao desenvolvimento da autoria de pensamento, processo psicopedagógico essencial à formação e assunção da Psicopedagogia como modo de ser e estar sempre aprendensinante em conjugação ativa e (des)organizada1, que vincula nossas vidas nas dimensões:
do cuidado;
do intercâmbio;
da amorosidade;
da construção coletiva;
do fomento ativo à autoria;
da continuada formação;
da pesquisa como processo permanente.
Penso e sinto interesse imenso em propor, num trabalho futuro, a aliança entre os sete movimentos essenciais ao desenvolvimento da autoria de pensamento com as dimensões acima expressas, ampliando relações e reflexões ao criar um conjunto de idéias que entrelacem Tempo e Cuidado, Linguagem e Intercâmbio, Trabalho e Amorosidade, Pesquisa e Construção coletiva, Escuta e Fomento ativo à autoria, Olhar e Continuada Formação, Pesquisa como Processo Permanente e Registro, numa possível contribuição às nossas compreensões sobre os novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições.
Uma ousada proposição: iniciar esta parte do artigo com uma pergunta: Novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições ou uma (res)significação do já vivido? Se acreditamos em um mundo melhor, tarefa nossa deve ser a de recortar/recordar a história e, com isso, buscar novas e surpreendentes facetas de uma realidade que possa se iluminar com outras luzes.
Ressignificar o já vivido pode ser uma rica experiência de visitar tempos idos e, com isso, refletir sobre o que estamos fazendo em nossos dias, imersos num cosmodrama que nos ausenta da importância dos exercícios de reflexão, possibilidade maior de centrarmos nossas ações e dignificarmos nossas vidas.
Por novos modos de ser e estar podemos compreender a aventura humana da convivialidade, da amorosidade, do respeito e da dignidade: a união de novos começos com algumas de nossas conclusões, a união de algumas de nossas (in)conclusões com novos fins. Paradoxalmente nosso tempo, acelerado vertiginosamente, convoca-nos ao movimento temporal e espacial do parar um pouco, impulsionando-nos ao diminuir ritmos, aos acalantos, a paciência, ao sentido pleno da palavra espera.
Nossa contemporaneidade convoca-nos à necessária pausa, que possibilita a beleza da melodia dos sinos que ao vento se situam, criando nossas possibilidades de ações, pensamentos, reflexões, sons de alma. Do absurdo caos urbano à quietude das montanhas, do inquieto mover dinâmico da vida nas grandes metrópoles do mundo ao horizonte observado e sentido numa pequena cidade praiana, carece como nos ensina o poeta, optar.
Optar reside no desejo consciente de saber o que de fato estamos vivendo: refletindo sobre o que nos faz saudáveis ou não, felizes ou não, produtivos ou não, enfim, da vida, o que e como estamos fazendo? Das nossas ações diuturnas, onde está o espaço do lúdico, do prazer, do convívio afetivo, da solidão necessária à criatividade e a construção de sentidos? Que caminhos, rotas e percursos nós vivenciamos em nossas relações com os outros? Que futuro vislumbramos? Que passado valorizamos, que presente estamos nos permitindo viver? Que validações elaboramos para com nossas crianças, nossos adolescentes, nossos jovens, nossos adultos, nossos idosos? Será que nos perguntamos sobre o que eles almejam? Como percebem a dramaticidade do viver e como podem validar suas próprias experiências, sempre únicas, forjadas na subjetividade de cada um de nós e, por isso mesmo, diferente de todas as outras?
Muitas questões como possibilidades de pensar, sentipensar, refletir, compartilhar...
É na poesia que tenho encontrado um tempo que possui, em mim, a outorga e o maravilhamento da partilha como busca de sentido e de um tempo mais brando, menos acelerado e que permita a vivência de possibilidades do humano encontro. Fazer alguns apontamentos aqui, como uma síntese possível do que elaborei nos itens anteriores, é chamar atenção para o fato de que um resgate da arte, das dimensões da natureza e da palavra pode sinalizar que necessitamos, todos e todas, de vivenciar novos diálogos, nos sentindo parte do todo e co-autores de uma imensa teia, repleta de vida e fadada, inexoravelmente, a movimentos de religação.
Tenho apostado numa Psicopedagogia Transpessoal, que se faz presente como uma necessidade de construção de abordagens mais plenas, onde formação, autoformação e co-formação ganhem corporeidade a partir da palavra, onde seja possível o aprender, mas que também existam holomovimentos de desaprender e reaprender, indo além das posições científicas puramente cartesianas e mecanicistas, que não nos servem mais como único modo de compreendermos as nossas complexidades presentes no real.
Acredito que podemos apostar numa revolução nova, numa revolução nossa, a partir da palavra, pois com a revolução da palavra poderemos ir além, ganhar novos significados e sentidos. Uma possível revolução da palavra, com a magia da arte, nossa expressão humana mais plena, pode ampliar nossas consciências e reverberar em nossas vidas, pois, como nos ensina Octávio Paz, a revolução da palavra "é a revolução do mundo, e ambas não podem existir sem a revolução do corpo: a vida é arte, o retorno à unidade mítica perdida do pensamento e corpo, homem e natureza, eu e o outro."
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BEAUCLAIR, João. O tempo do (im)possível: novos modos de ser e estar nas escolas, nas famílias e nas instituições. No prelo.
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Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
publicada originalmente no site da Revista Científica Aprender.
http://revista.fundacaoaprender.org.br/index.php?id=118
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Autor:
Prof. João Beauclair
joaobeauclair[arroba]yahoo.com.br
Doutorando em Intervenção Psicosocioeducativa pela Universidade de Vigo, Galícia, Espanha. Conferencista Internacional, Palestrante, Escritor, Arte-educador, Psicopedagogo, Mestre em Educação, Consultor Pedagógico e Educacional. Autor de vários livros sobre Educação e Psicopedagogia.
Homepage: http://www.profjoaobeauclair.net
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